RISCO DE MORTE ENTRE PACIENTES INTERNADOS COM COVID-19 EM MATO GROSSO DURANTE O PRIMEIRO ANO DA PANDEMIA, BRASIL
RISK OF DEATH AMONG PATIENTS HOSPITALIZED WITH COVID-19 IN MATO GROSSO DURING THE FIRST YEAR OF THE PANDEMIC, BRAZIL
RIESGO DE MUERTE ENTRE PACIENTES HOSPITALIZADOS CON COVID-19 EN MATO GROSSO EN 2020
Amanda Cristina de Souza Andrade - Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. ORCID: orcid.org/0000-0002-3366-4423
Ana Paula Muraro - Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil.ORCID: orcid.org/0000-0001-6237-1673
Ligia Regina de Oliveira- Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. ORCID: orcid.org/0000-0002-1162-0542
RESUMO
Objetivo: Analisar os fatores associados à mortalidade hospitalar por COVID-19 em Mato Grosso em 2020. Métodos: Foram considerados os registros de internação de março a dezembro de 2020, de pacientes com COVID-19 com 19 anos ou mais residentes no estado. Os dados foram obtidos do sistema do governo estadual e as razões de risco foram estimadas por modelo de regressão de Poisson. Resultados: Dos 17.523 registros de internação por COVID-19, 4.147 foram a óbito (23,7%), sendo maior risco de óbito entre os pacientes com 40 anos ou mais, pardo, indígena, com alguma comorbidade, que estiveram internados em UTI, que não residem na macrorregião central, e que foram internados nos meses de junho e julho, aqueles com maior concentração de internações por COVID-19. Conclusão: Além dos fatores individuais, a organização e o preparo da rede assistencial para atender os casos graves da doença estiveram associados ao risco de óbito por COVID-19.
Descritores: COVID-19, Mortalidade hospitalar, Morte, Atenção à Saúde.
ABSTRACT
Objective: To analyze the factors associated with hospital mortality due to COVID-19 in Mato Grosso in 2020. Methods: We considered the hospitalization records from March to December 2020, from patients with COVID-19 aged 19 years or older residing in Mato Grosso. Data were obtained from the state government’s system and Hazard Ratios were estimated using the Poisson regression model. Results: Of the 17,523 hospitalization records of COVID-19, 4,147 died (23.7%), with higher risk of death among patients aged 40 years or older, black-brown, indigenous, some comorbidity, who were admitted to the ICU bed, who did not reside in the central macro-region of the state, and who were hospitalized in June and July, those with the highest concentration of hospitalizations for COVID-19. Conclusion: Besides the individual factors, organization and preparation of the care network to attend to severe cases of the disease were associated with risk of death by COVID-19.
Descriptors: COVID-19, In-hospital mortality, Death, Health Care.
RESUMEN
Objetivo: Analizar los factores asociados a la mortalidad hospitalaria por COVID-19 en Mato Grosso en 2020. Métodos: Se consideraron los registros de hospitalización de marzo a diciembre de 2020, de pacientes con COVID-19 con edad igual o superior a 19 años. Los datos se obtuvieron del sistema del gobierno estatal y las razones de riesgo se estimaron utilizando el modelo de regresión de Poisson. Resultados: De los 17.523 registros de hospitalización por COVID-19, fallecieron 4.147 (23,7%), mayor riesgo de muerte entre pacientes de 40 años o más, negros-marrones, indígenas, alguna comorbilidad, que ingresaron en UCI, que no residir en la macrorregión central, y que fueron hospitalizados en junio y julio, los de mayor concentración de hospitalizaciones por COVID-19. Conclusión: Además de los factores individuales, la organización y preparación de la red de atención para atender los casos graves de la enfermedad se asociaron con el riesgo de muerte por COVID-19.
Descriptores: COVID-19, Mortalidad hospitalaria, Muerte, Atención de la Salud.
RECEBIDO: 16/01/2023
APROVADO: 03/04/2023
INTODUÇÃO
Aproximadamente 84 milhões de casos de COVID-19 foram confirmados em todo o mundo em 2020 desde do primeiro caso foi registrado na China. Cerca de 1,8 milhão de mortes1 foram registradas no mesmo período. No Brasil, a transmissão comunitária do SARS-CoV-2 foi reconhecida em 20 de março de 20202,3. No entanto, o primeiro caso relatado foi em fevereiro de 2020, totalizando 7,7 milhões de casos e 195.000 mortes pela doença até o final do ano, o que a coloca em terceiro lugar globalmente em número de casos e segundo em mortes2,4,5.
A Região Centro-Oeste do Brasil concentrou aproximadamente 11% dos casos confirmados de COVID-19 em 2020. No entanto, destacou-se com a maior taxa de mortalidade pela doença no país ao final do mesmo ano, ficando o estado de Mato Grosso atrás apenas do Distrito Federal e com uma taxa aproximadamente 40% superior à do país6. A primeira morte foi registrada no dia 3 de abril, quando o estado tinha 44 casos confirmados de COVID-19, passando para mais de 178 mil casos e 4.700 óbitos7 foram registrados nove meses após o primeiro óbito pela doença, ao final de dezembro de 2020.
No Brasil, o acesso aos serviços de saúde é feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS)8,9 desde 1990. No SUS, os serviços públicos de saúde são organizados de forma integrada, regionalizada e hierarquizada, e a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Serviços privados podem ser contratados10 quando os serviços públicos são insuficientes para garantir a cobertura assistencial. A maioria dos hospitais do país é privada, mas sua utilização é predominantemente por meio do SUS ou compartilhada entre os sistemas público e privado, apontando para a interdependência entre esses setores na atenção à saúde11.
O enfrentamento da COVID-19 no Brasil foi estabelecido de forma diferenciada entre estados e municípios. A propagação da pandemia no país é marcada por desigualdades regionais e sociais, caracterizadas pelo tipo de trabalho, moradia e saneamento e pelo próprio acesso ao cuidado, tratamento e oferta de profissionais11–15. Tais fatores também estão associados à gravidade da doença e óbito11,16–21.
As taxas de mortalidade hospitalar são influenciadas tanto pelos serviços prestados quanto pelas características e gravidade dos casos, um indicador de qualidade do serviço22–24. Aproximadamente 600 mil internações foram registradas pela COVID-19 até 2 de janeiro de 2021 no Brasil, sendo 56.023 na Região Centro-Oeste e 16.330 em Mato Grosso, segundo estado com maior número de internações na região. No mesmo período, foram registradas cerca de 192 mil mortes hospitalares no país6.
A análise de preditores de mortalidade entre pacientes internados por síndrome respiratória aguda causada por SARS-CoV-2 é essencial para elucidar a epidemiologia da doença. No entanto, ainda são considerados poucos estudos no Brasil que avaliaram a mortalidade hospitalar por COVID-194,5,24,25.
Além das características individuais e clínicas, ressalta-se a importância de se analisar o contexto da internação no que diz respeito ao espaço e ao tempo, considerando a heterogeneidade da capacidade instalada e da demanda de serviços assistenciais de acordo com a evolução da epidemia em cada estado e região. Portanto, este estudo tem como objetivo analisar os fatores associados à mortalidade hospitalar por COVID-19 em Mato Grosso em 2020, primeiro ano da pandemia.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo a partir da análise de microdados de pacientes internados fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde de Mato Grosso (SES-MT) por meio do Painel COVID-19 que, por sua vez, tem como fonte de dados o Sistema IndicaSUS estabelecido pela SES-MT em abril de 2020 para notificação hospitalar de casos hospitalizados, suspeitos ou confirmados de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) ou COVID-19. A notificação é obrigatória e realizada diariamente por todos os estabelecimentos de saúde públicos e privados com internações no estado26.
O estado de Mato Grosso está localizado no Centro-Oeste brasileiro. Em 2020, tinha uma população estimada de 3.526.220 habitantes27, distribuídos em 141 municípios, apenas quatro com mais de 100 mil habitantes, incluindo a capital do estado, Cuiabá. O PIB per capita de Mato Grosso foi de R$ 37.914 reais (2017)28 e seu IDH foi de 0,725 (2010)27.
O estado é subdividido em 16 regiões de saúde, cada região com um hospital de referência e agregadas em cinco macrorregiões29. Essa divisão visa integrar a organização, o planejamento e a execução das ações e serviços de saúde e é definida pelo agrupamento de municípios vizinhos que compartilham características econômicas, sociais, estruturais e de transporte30.
Em dezembro de 2020, o estado contava com 12,15 leitos hospitalares para cada 10.000 habitantes, sendo 3,72 leitos exclusivos para COVID-19 e 1,65 leitos de unidade de terapia intensiva (UTI). O número de leitos por 10.000 habitantes variou entre as macrorregiões de saúde. Foi menor na região Leste e maior nas regiões Sul e Centro-Norte (Tabela 1).
Tabela 1: Características demográficas, administrativas e regionais do sistema de saúde de Mato Grosso - Brasil, 2020.
|
Mato Grosso |
macro-região |
||||
Sul |
Oeste |
Leste |
Norte |
Centro-Norte |
||
População* |
||||||
Projeção da população |
3.526.220 |
538.592 |
319.269 |
344.775 |
782.449 |
1.541.135 |
Projeção da população adulta¹ |
2.437.644 |
377.334 |
219.369 |
233.205 |
536.243 |
1.071.493 |
Faixa etária (anos) |
||||||
<20 |
1.088,576 (30,87%) |
161.258 (29,94%) |
99.900 (31,29%) |
111.570 (32,36%) |
246.206 (31,47%) |
469.642 (30,47%) |
20-39 |
1.163,954 (33,01%) |
176.286 (32,73%) |
100.298 (31,41%) |
109.214 (31,68%) |
270.949 (34,63%) |
507.207 (32,91%) |
40-59 |
879.874 (24,95%) |
138.556 (25,73%) |
79.636 (24,94%) |
84.245 (24,43%) |
188.616 (24,11%) |
388.821 (25,23%) |
60-69 |
236.968 (6,72%) |
37.017 (6,87%) |
22.647 (7,09%) |
23.373 (6,78%) |
47.841 (6,11%) |
106.090 (6,88%) |
70-79 |
111.343 (3,16%) |
17.815 (3,31%) |
11.570 (3,62%) |
11.575 (3,36%) |
20.933 (2,68%) |
49.450 (3,21%) |
≥80 |
45.505 (1,29%) |
7.660 (1,42%) |
5.218 (1,63%) |
4.798 (1,39%) |
7.904 (1,01%) |
19.925 (1,29%) |
Sexo |
||||||
Feminino (%) |
49,32% |
49,01% |
49,96% |
48,46% |
48,52% |
49,90% |
Divisão administrativa |
||||||
Região de Saúde |
16 |
1 |
2 |
4 |
5 |
4 |
Minicípios |
141 |
19 |
22 |
30 |
35 |
35 |
Fornecimento de leitos hospitalares (em dezembro) |
|
|
|
|
|
|
Camas (por 10.000) ² |
|
|
|
|
|
|
Camas hospitalares |
12,15 |
15,05 |
12,35 |
11,92 |
11,17 |
11,62 |
leitos de UTI |
4,14 |
3,21 |
2,10 |
1,29 |
2,41 |
6,38 |
Camas para COVID-19 (por 10.000) ² |
|
|
|
|
|
|
Camas hospitalares |
3,72 |
4,11 |
2,55 |
0,86 |
3,43 |
4,60 |
leitos de UTI |
1,65 |
1,30 |
1,14 |
0,81 |
1,14 |
2,32 |
Proporção de leitos para COVID-19 (%) |
|
|
|
|
|
|
Camas hospitalares |
30,67% |
27,29% |
20,66% |
7,19% |
30,72% |
39,60% |
leitos de UTI |
39,90% |
40,50% |
54,35% |
63,33% |
47,29% |
36,40% |
Fonte: *Projeção para 2020. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ¹ População com idade ≥20 anos; ² Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil (CNES); ³ Boletim Epidemiológico COVID-19 de 21 de dezembro de 2020 (Mato Grosso, 2021).
UTI=unidade de terapia intensiva.
Para este estudo, foram confirmados os casos confirmados de COVID-19 internados em hospitais públicos e privados do estado de Mato Grosso no período de 1º de março a 31 de dezembro de 2020, cujo desfecho foi alta hospitalar ou óbito. Entende-se por internação o atendimento do paciente em local específico dos estabelecimentos de saúde, com permanência superior a 24 horas, inclusive estabelecimentos de saúde com característica hospitalar ou outra instituição com leitos de internação ou observação26.
Dos 27.163 casos suspeitos de COVID-19 admitidos no estado em leitos conveniados, 21.927 foram confirmados por meio de análise clínica ou exames laboratoriais ou de imagem. Destes, foram excluídos os pacientes que foram transferidos, falecidos por outras causas, menores de 19 anos ou que não tinham informação sobre o tempo de internação, sendo incluídos17.523 casos na análise (64,51% do total de casos internados) (Figura 1).
Figura 1: Fluxograma dos dados dos pacientes internados utilizados neste estudo. Mato Grosso, 2020.
Pacientes com suspeita de COVID-19 admitidos no hospital em 31 de dezembro n= 27.163 |
Pacientes internado confirmados para COVID-19 n= 21.926
|
Não confirmado para COVID -19 (n= 5.237)
|
Pacientes com 19 anos ou mais de idade n= 17.568 |
Transferidos para outro hospital (n=3,974) ouóbito por outra causa (n=4) |
Casos com informações de datas e desfecho da internação n= 17.523
|
Pacientes com menos de 19 anos de idade (n= 380)
|
Pacientes internado confirmados para COVID-19 n= 17.948 |
Excluídos por ausência de informações sobre datas (n= 45)
|
*Confirmado Clínico; Confirmado Clínico - Imagem; Confirmado Laboratorial; Confirmado Vínculo Epidemiológico; Fonte: INDICASUS/SES-MT, dados adaptados pelos autores
A variável dependente foi o óbito por COVID-19 durante o período de internação. As variáveis independentes avaliadas foram sexo (feminino, masculino), faixa etária (19-29; 30-39; 40-49; 50-59; 60 anos ou mais), raça/cor da pele (branca, preta-parda, amarela, indígena, desconhecido) e a macrorregião de residência do paciente (sul, oeste, norte, leste, centro-norte). Foram incluídas as principais comorbidades consideradas de risco para quadros mais graves de COVID-19 (Hipertensão, Diabetes, Doença cardiovascular, Doença pulmonar crônica, Doença renal crônica e Neoplasias), o número de comorbidades (nenhuma, uma, duas e três ou mais) e internação em leito de UTI (sim, não), que corresponde à informação do último dia de internação disponível no sistema. Também foram incluídos o mês de admissão do paciente e o agrupamento dos meses em quatro períodos (março-maio; junho-julho, agosto-setembro, outubro-novembro).
Foram calculadas as frequências absolutas e relativas das variáveis sociodemográficas, atendimento hospitalar, comorbidades, média, mediana, desvio padrão, interval interquartile (IIQ) para idade (anos) e tempo de internação (dias). As taxas de mortalidade hospitalar foram calculadas considerando o total de pacientes internados e o número de pessoas-dias de acompanhamento, ambos multiplicados por 100. O tempo de acompanhamento foi definido como o tempo decorrido entre a data de internação e a data de saída (óbito ou alta hospitalar). As taxas de mortalidade e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%) foram calculados de acordo com as variáveis independentes.
A razão de risco (harzard ratio - HR) e o respectivo IC 95% foram estimados, brutos e ajustados, utilizando o modelo de regressão de Poisson com o logaritmo do tempo de acompanhamento como termo de compensação. Todas as análises foram realizadas no programa Stata versão 12.0 para Windows.
O estudo foi realizado com dados secundários de livre acesso por meio do Painel da Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso. Portanto, não requer aprovação do comitê de ética e assinatura do termo de consentimento.
RESULTADOS
De março a dezembro de 2020, em Mato Grosso, 17.523 indivíduos maiores de 18 anos foram internados por COVID-19, e destes, 4.147 morreram. A taxa de mortalidade foi de 23,67% (IC 95%: 23,04; 24,30). O tempo de internação variou de 1 a 199 dias, com média de 9 dias (± 10) e mediana de 6 dias. A mediana do tempo entre a internação e o óbito foi de 21 dias.
Em relação à evolução dos casos de internação e à taxa de mortalidade por mês de internação, o maior número de casos foi registrado nos meses de junho (n=2.978), julho (n=4.102) e agosto (n=3.306), representando 59,27% do total casos no período de março a dezembro. As internações diminuíram a partir de setembro, porém, com aumento de 88,74% no número de internações em dezembro em relação ao mês anterior. Junho, julho e agosto registraram a maior taxa de mortalidade, de 28,88%, 27,21% e 24,05%, respectivamente (Tabela 2).
A proporção de dados ignorados na variável raça/cor da pele foi de 16,31% e variou conforme o mês de internação, o pior preenchimento foi de março (30,77%) a junho (52,85%), com tendência crescente e maior percentual em junho. A partir de julho, observou-se melhora significativa nas informações, com 10,09% de incompletude em dezembro (Tabela 2).
Tabela 2: Variáveis demográficas selecionadas e relacionadas à internação por covid-19 por mês de internação. Mato Grosso - Brasil, 2020.
Mês de admissão |
n |
Idade mediana (IIQ) |
Masculino |
Raça/cor da pele ignirado n (%) |
Comorbidades n (%) |
UTI |
Tempo de hospitalização (dias) (IQR) |
Mortalidade |
|||||||
Geral |
17.523 |
57 (26) |
9,884 (56,41) |
10 (0,05) |
10,259 (58,55) |
5,254 (29,98) |
6 (8) |
4.147 (23,67) |
|||||||
|
|||||||||||||||
Marchar |
13 |
42 (24) |
3 (23,08) |
4 (30,77) |
4 (30,77) |
10 (76,92) |
9 (13) |
2 (15,38) |
|||||||
abril |
68 |
49 (26) |
34 (50,00) |
26 (38,24) |
32 (47,06) |
32 (47,06) |
7 (11) |
11 (16,18) |
|||||||
Poderia |
643 |
51 (23) |
371 (57,70) |
284 (44,17) |
325 (50,54) |
228 (35,46) |
7 (8) |
125 (19,44) |
|||||||
Junho |
2.978 |
56 (25) |
1.676 (56,28) |
1.574 (52,85) |
1.636 (54,94) |
1.000 (33,58) |
6 (7) |
860 (28,88) |
|||||||
Julho |
4.102 |
58 (25) |
2.344 (57,14) |
474 (11,56) |
2.445 (59,61) |
1.277 (31,13) |
6 (8) |
1.116 (27,21) |
|||||||
Agosto |
3.306 |
58 (25) |
1.882 (56,93) |
93 (2,81) |
1.990 (60,19) |
983 (29,73) |
6 (7) |
795 (24,05) |
|||||||
Setembro |
2.327 |
59 (26) |
1.326 (56,98) |
87 (3,74) |
1.368 (58,79) |
664 (28,53) |
6 (7) |
502 (21,57) |
|||||||
Outubro |
1.418 |
60 (28) |
799 (56,35) |
90 (6,35) |
856 (60,37) |
370 (26,09) |
7 (8) |
258 (18,19) |
|||||||
novembro |
924 |
59 (28) |
504 (54,55) |
50 (5,41) |
557 (60,28) |
258 (27,92) |
7 (7) |
195 (21,10) |
|||||||
dezembro |
1.744 |
56 (25) |
942 (54,01) |
176 (10,09) |
1.046 (59,98) |
432 (24,77) |
6 (7) |
283 (16,23) |
Fonte: INDICASUS/SES-MT, dados adaptados pelos autores; IIQ: Intervalo interquartil.
A maioria dos internos era do sexo masculino (56,39%), tinha 60 anos ou mais (45,36%), cor parda (57,08%) e residia na região Centro-Norte (46,22%). Mais de 50% dos pacientes internados apresentavam pelo menos uma comorbidade, sendo hipertensão (41,03%) e diabetes (22,52%) as mais frequentes, e não foram internados em UTI (70,02%) (Tabela 3).
Na análise não ajustada, o risco de óbito foi maior em indivíduos com 40 anos ou mais, de etnia/cor preta parda, indígena e de etnia/cor desconhecida, residentes nas regiões Sul, Oeste e Norte, com presença de comorbidade e internado em UTI. Quanto ao período de internação, o maior índice de mortalidade foi registrado de junho a julho, seguido de agosto-setembro e outubro-dezembro (Tabela 3).
Na análise ajustada, as mesmas variáveis permaneceram associadas ao óbito por COVID-19. Um efeito dose-resposta sobre o risco de morte foi observado com o aumento da idade e do número de comorbidades. O risco foi maior em indivíduos residentes nas regiões Sul, Oeste, Leste e Norte internados na UTI nos meses de junho a julho, agosto a setembro e outubro a novembro (Tabela 4).
Dois modelos múltiplos foram estimados. O Modelo 1 incluiu a categoria desconhecida da variável etnia/cor da pele e o Modelo 2 excluiu as observações da categoria desconhecida (n=2.858; 16,31%). Os resultados foram semelhantes, permanecendo as variáveis com associação significativa, sem discrepâncias na magnitude da associação (Tabela 4).
Tabela 3: Caracterização das internações por covid-19 e taxa de mortalidade segundo variáveis sociodemográficas, comorbidades e relacionadas à internação. Mato Grosso - Brasil, 2020.
Variáveis |
Hospitalizações (n=17.523) |
|
Óbitos (n=4.147) |
|||
n |
% |
|
n |
% |
IC95% |
|
Sexo |
|
|
|
|
|
|
Feminino |
7.642 |
43,61 |
|
1.687 |
22,08 |
21,16; 23,02 |
Masculino |
9.881 |
56,39 |
|
2.460 |
24,90 |
24,05; 25,76 |
Idade (anos) |
|
|
|
|
|
|
19 - 29 |
899 |
5,13 |
|
55 |
6,12 |
4,73; 7,89 |
30 - 39 |
2.173 |
12,4 |
|
166 |
7,64 |
6,59; 8,83 |
40 - 49 |
2.962 |
16,9 |
|
392 |
13,23 |
12,06; 14,50 |
50 - 59 |
3.541 |
20,21 |
|
689 |
19,46 |
18,19; 20,80 |
60 ou mais |
7.948 |
45,36 |
|
2.845 |
35,80 |
34,75; 36,86 |
Raça/cor da pele |
|
|
|
|
|
|
Branca |
4.263 |
24,33 |
|
862 |
20,22 |
19,04; 21,45 |
Preta ou parda |
10.002 |
57,08 |
|
2.395 |
23,95 |
23,12; 24,79 |
Amarelo |
206 |
1,18 |
|
50 |
24,27 |
18,89; 30,61 |
Indígena |
194 |
1,11 |
|
68 |
35,05 |
28,65; 42,04 |
Ignorado |
2.858 |
16,31 |
|
772 |
27,01 |
25,41; 28,67 |
Região |
|
|
|
|
|
|
Sul |
3.826 |
21,83 |
|
827 |
21,62 |
20,34; 22,95 |
Oeste |
1.149 |
6,56 |
|
309 |
26,89 |
24,41; 29,53 |
Norte |
2.860 |
16,32 |
|
627 |
21,92 |
20,44; 23,48 |
Leste |
1.589 |
9,07 |
|
313 |
19,70 |
17,81; 21,73 |
Centro Norte |
8.099 |
46,22 |
|
2.071 |
25,57 |
24,63; 26,53 |
Hipertensão |
|
|
|
|
|
|
Não |
10.334 |
58,97 |
|
1.910 |
18,48 |
17,75; 19,24 |
Sim |
7.189 |
41,03 |
|
2237 |
31,12 |
30,06; 32,20 |
Diabetes |
|
|
|
|
|
|
Não |
13.577 |
77,48 |
|
2.878 |
21,20 |
20,52; 21,89 |
Sim |
3.946 |
22,52 |
|
1.269 |
32,16 |
30,72; 33,63 |
Doença cardiovascular |
|
|
|
|
|
|
Não |
15.607 |
89,07 |
|
3.438 |
22,03 |
21,39; 22,69 |
Sim |
1.916 |
10,93 |
|
709 |
37,00 |
34,87; 39,19 |
Doença crônica pulmonar |
|
|
|
|
|
|
Não |
16.585 |
94,65 |
|
3.783 |
22,81 |
22,18; 23,45 |
Sim |
938 |
5,35 |
|
364 |
38,81 |
35,74; 41,97 |
Doença crônica nos rins |
|
|
|
|
|
|
Não |
16.863 |
96,23 |
|
3.834 |
22,74 |
22,11; 23,38 |
Sim |
660 |
3,77 |
|
313 |
47,42 |
43,63; 51,24 |
Cancer |
|
|
|
|
|
|
Não |
17.171 |
97,99 |
|
4.001 |
23,30 |
22,67; 23,94 |
Sim |
352 |
2,01 |
|
146 |
41,48 |
36,43; 46,71 |
Número de comorbidades |
|
|
|
|
|
|
Nenhuma |
8.216 |
46,89 |
|
1.290 |
15,70 |
14,93; 16,50 |
1 |
5.032 |
28,72 |
|
1.306 |
25,95 |
24,76; 27,18 |
2 |
3.131 |
17,87 |
|
1.055 |
33,70 |
32,06; 35,37 |
3 ou mais |
1.144 |
6,53 |
|
496 |
43,36 |
40,51; 46,25 |
Unidade de terapia intensiva |
|
|
|
|
|
|
Não |
12.269 |
70,02 |
|
608 |
4,96 |
4,59; 5,35 |
Sim |
5.254 |
29,98 |
|
3.539 |
67,36 |
66,08; 68,61 |
Period de admissão hospitalar |
|
|
|
|
|
|
Março a maio |
724 |
4,13 |
|
138 |
19,06 |
16,36; 22,09 |
Junho a julho |
7.080 |
40,4 |
|
1.976 |
27,91 |
26,88; 28,97 |
Agosto a setembro |
5.633 |
32,15 |
|
1.297 |
23,03 |
21,94; 24,14 |
Outubro a novembro |
4.086 |
23,32 |
|
736 |
18,01 |
16,86; 19,22 |
Fonte: INDICASUS/SES-MT, dados adaptados pelos autores; IC 95%: intervalo de confiança de 95%.
Tabela 4: Razão de risco (harzard ratio – HR) bruto e ajustado segundo variáveis sociodemográficas, comorbidades e relacionadas à internação por covid-19. Mato Grosso - Brasil, 2020.
Variáveis |
Não ajustado (n= 17,523) |
|
Ajustado |
|||||
|
Model 1 (n= 17.523) |
|
Model 2 (n= 14.665) |
|||||
HR |
IC 95% |
|
HR |
IC 95% |
|
HR |
IC 95% |
|
Sexo |
|
|
|
|
|
|
|
|
Feminino |
1,00 |
|
|
1,00 |
|
|
1,00 |
|
Masculino |
1,02 |
0,96; 1,09 |
|
0,98 |
0,92; 1,04 |
|
0,99 |
0,93; 1,06 |
Idade (anos) |
|
|
|
|
|
|
|
|
19 - 29 |
1,00 |
|
|
1,00 |
|
|
1,00 |
|
30 - 39 |
1,12 |
0,82; 1,51 |
|
1,12 |
0,83; 1,53 |
|
1,11 |
0,79; 1,57 |
40 - 49 |
1,67 |
1,26; 2,21 |
|
1,45 |
1,09; 1,92 |
|
1,40 |
1,03; 1,92 |
50 - 59 |
2,19 |
1,66; 2,88 |
|
1,51 |
1,14; 1,99 |
|
1,49 |
1,10; 2,03 |
60 ou mais |
3,57 |
2,73; 4,66 |
|
2,10 |
1,61; 2,75 |
|
2,16 |
1,61; 2,91 |
Raça/cor da pele |
|
|
|
|
|
|
|
|
Branca |
1,00 |
|
|
|
|
|
|
|
Preta ou parda |
1,10 |
1,02; 1,19 |
|
1,17 |
1,08; 1,27 |
|
1,17 |
1,08; 1,27 |
Amarelo |
1,22 |
0,92; 1,63 |
|
1,21 |
0,91; 1,61 |
|
1,22 |
0,92; 1,62 |
Indígena |
1,79 |
1,40; 2,29 |
|
1,65 |
1,29; 2,13 |
|
1,65 |
1,28; 2,13 |
Ignorado |
1,34 |
1,22; 1,48 |
|
1,30 |
1,18; 1,44 |
|
|
|
Região |
|
|
|
|
|
|
|
|
Sul |
1,15 |
1,06; 1,24 |
|
1,41 |
1,30; 1,53 |
|
1,37 |
1,25; 1,50 |
Oeste |
1,29 |
1,15; 1,46 |
|
1,47 |
1,30; 1,66 |
|
1,40 |
1,23; 1,59 |
Norte |
1,12 |
1,02; 1,22 |
|
1,37 |
1,25; 1,50 |
|
1,33 |
1,20; 1,47 |
Leste |
1,11 |
0,98; 1,24 |
|
1,20 |
1,07; 1,36 |
|
1,21 |
1,06; 1,39 |
Centro Norte |
1,00 |
|
|
1,00 |
|
|
1,00 |
|
Comorbidades |
|
|
|
|
|
|
|
|
Nenhuma |
1,00 |
|
|
1,00 |
|
|
1,00 |
|
1 |
1,47 |
1,36; 1,59 |
|
1,14 |
1,06; 1,24 |
|
1,14 |
1,05; 1,25 |
2 |
1,68 |
1,55; 1,82 |
|
1,15 |
1,06; 1,26 |
|
1,13 |
1,03; 1,24 |
3 ou mais |
2,06 |
1,86; 2,28 |
|
1,39 |
1,25; 1,54 |
|
1,35 |
1,20; 1,52 |
Unidade de Terapia Intensiva |
|
|
|
|
|
|
|
|
Não |
1,00 |
|
|
1,00 |
|
|
1,00 |
|
Sim |
9,24 |
8,48; 10,07 |
|
8,59 |
7,87; 9,37 |
|
8,80 |
7,99; 9,69 |
Período de admissão |
|
|
|
|
|
|
|
|
Março a maio |
1,00 |
|
|
1,00 |
|
|
1,00 |
|
Junho a julho |
1,82 |
1,53; 2,17 |
|
1,81 |
1,52; 2,16 |
|
1,77 |
1,40; 2,24 |
Agosto a setembro |
1,48 |
1,24; 1,76 |
|
1,53 |
1,28; 1,84 |
|
1,55 |
1,22; 1,96 |
Outubro a novembro |
1,24 |
1,04; 1,49 |
|
1,40 |
1,16; 1,69 |
|
1,45 |
1,13; 1,84 |
Fonte: INDICASUS/SES-MT, dados adaptados pelos autores; HR – hazard ratio; IC95%: interval de confança de 95%.
DISCUSSÃO
Este estudo apresenta a análise da mortalidade hospitalar por COVID-19 em residentes no estado de Mato Grosso e encontrou o maior risco de morte entre os pacientes com 40 anos ou mais, pardos, indígenas e com informação desconhecida de raça/cor, aqueles com alguma comorbidade, internados em leito de UTI, não residentes na macrorregião Centro-Norte do estado e internados nos meses de junho e julho. A mortalidade hospitalar de pacientes com COVID-19 observada neste estudo (23,67%) foi muito superior à taxa de mortalidade hospitalar por doenças do aparelho respiratório no Brasil (11,49%) e Mato Grosso (9,51%) em 201931.
Os meses com maior número de internações por COVID-19 no estado foram os de maior risco de óbito hospitalar, em comparação aos primeiros meses de início dos casos da doença, concordando com o que foi observado no Brasil e na região Centro-Oeste25. No estado de Mato Grosso, o número de casos permaneceu em alta até o final de julho, com pico na semana epidemiológica 30 (19 a 25 de julho de 2020). Segundo os boletins estaduais, esse aumento no número de casos refletiu o rápido aumento da ocupação dos leitos de UTI, passando de 22,8% em 1º de junho para 92,9% em 1º de julho. O estado permaneceu por várias semanas com a taxa de ocupação próxima a 90 % de todos os leitos exclusivos para COVID-19, com hospitais apresentando saturamento dos leitos, o que possivelmente prejudicou o atendimento hospitalar adequado para pacientes críticos e contribuiu para o risco mais significativo de morte7.
Quanto aos fatores demográficos, não houve diferença significativa no risco de óbito hospitalar entre os gêneros, concordando com resultados de outros estudos realizados no Brasil5,32 e em outros países33,34. No entanto, alguns estudos identificaram maior mortalidade entre os pacientes do sexo masculino35,36.
O maior risco de óbito hospitalar com a maior faixa etária está bem estabelecido na literatura34,36. Os idosos estão entre os grupos de risco para casos mais graves de COVID-19. No entanto, no presente estudo, os pacientes na faixa etária de 40 a 59 anos tiveram um risco de morte cerca de 50% maior em comparação aos de 19 a 29 anos. Esse resultado chama a atenção para o impacto da doença nas faixas etárias economicamente ativas.
Em relação à raça/cor da pele, a maior mortalidade foi encontrada entre os pacientes pretos, pardos e indígenas, em comparação aos brancos, concordando com recente revisão sistemática da literatura que aponta os piores desfechos clínicos entre negros e minorias étnicas37. Entretanto, outra metanálise não encontrou a cor da pele preta como fator de risco independente para maior mortalidade, em relação à branca, sugerindo que o pior prognóstico encontrado em alguns estudos pode ser, ao menos em parte, explicado pelas piores condições de moradia, acesso aos serviços de saúde e maior prevalência de comorbidades38.
No Brasil, com base na análise dos dados nacionais do SIVEP-Gripe, Baqui et al.4 destacaram a maior mortalidade por COVID-19 entre negros e pardos internados em hospitais quando comparados aos brancos, sendo este o segundo fator de risco mais importante depois da idade grupo. Dentre as possíveis explicações, os autores destacaram que observaram menos internações em UTI de pacientes pardos, o que, por sua vez, está relacionado às diferenças organizacionais entre os sistemas de saúde público e privado. Outros estudos não encontraram diferença na mortalidade hospitalar por etnia/cor da pele após ajustes para variáveis de confusão como sexo, faixa etária e comorbidades5,39,40.
Em Mato Grosso, estima-se que 82,3% dos indígenas vivem em território indígena, com implicações no acesso limitado aos serviços de saúde, que muitas vezes depende da visita de médicos e outros profissionais de saúde às aldeias41. Neste estudo, destacou-se o maior risco de morte entre os indígenas internados por COVID-19 quando comparados aos brancos, o que está de acordo com o verificado por Ranzani et al.25 a partir da análise das primeiras 250 mil internações por COVID-19 no Brasil, e com outros estudos que apontaram a maior letalidade da doença identificada nesse grupo populacional41,42. Destaca-se, assim, a importância do controle da disseminação da doença nas comunidades indígenas, que, por fatores culturais e comportamentais, podem se disseminar facilmente43.
A proporção de registros com raça/cor desconhecida nos dados de internação em Mato Grosso foi elevada nos primeiros meses da epidemia no estado, principalmente no mês de junho, que registrou aumento significativo no número de internações (quase cinco vezes o número internações registradas no mês anterior), em que mais da metade dos prontuários não continham informações sobre raça/cor da pele. No entanto, não houve diferenças nas associações dos fatores avaliados quanto à mortalidade hospitalar ao excluir os registros da análise multivariada.
Conforme amplamente descrito na literatura, o presente estudo evidenciou que as comorbidades foram um fator de risco independente para mortalidade por COVID-1917,44, havendo relação dose-resposta quanto ao número de comorbidades relatadas. Mais da metade dos pacientes internados por COVID-19 no estado em 2020 apresentavam pelo menos uma comorbidade, semelhante ao observado por Zhou et al.21 em estudo de coorte multicêntrico de pacientes internados. Comumente, as comorbidades mais relatadas relacionadas a um maior risco de complicações e mortes por COVID-19 são doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade, doenças respiratórias, doença renal crônica e câncer15,20,21,24,45–47.
As doenças crônicas não transmissíveis são consideradas as principais causas de morte no mundo, correspondendo a 74% das causas de morte no Brasil48. Estima-se que 24,5% da população brasileira seja hipertensa, e destes, 83,1% estão em tratamento, com percentual menor no sexo masculino (78,5%). Pessoas com diabetes representam 7,4% da população e obesos 20,3%, com tendência crescente de obesidade entre 2006 e 201949. Assim, a elevada prevalência de doenças crônicas na população brasileira é um agravante para a letalidade por COVID-19 observada.
Morar em outra macrorregião que não seja o Centro-Norte, onde fica a capital do estado, mostrou-se como risco de morte por COVID-19. Esse resultado pode ser explicado pela distribuição desigual dos leitos hospitalares no estado. Considerando a grande extensão territorial de Mato Grosso, a concentração de leitos na Macrorregião Centro-Norte e a distribuição desigual entre as demais macrorregiões de saúde podem ter contribuído para a alta mortalidade hospitalar observada, tendo em vista a necessidade de muitos pacientes com complicações decorrentes da doença são transferidos para o município onde está o leito da região ou mesmo para outra macrorregião de saúde. Apesar de todas as macrorregiões contarem com leitos de UTI exclusivos para atendimento de casos graves de COVID-19, em meados de 2020, apenas nove municípios possuíam esse tipo de leito no estado50, ampliado para 19 dos 141 municípios do estado no final do ano7.
Como exemplo, podemos citar a macrorregião Oeste, que atende mais de 300.000 habitantes em 22 municípios, destacando-se pelo baixo número de leitos de UTI pactuados em junho de 2020 (5 leitos de UTI pactuados, representando 0,17 leitos por 10.000 habitantes)50. Observou-se aumento desse tipo de leito para 25 no final do ano, ainda abaixo do ideal para suporte adequado a pacientes críticos (1,14 leitos por 10.000 habitantes)7. Durante várias semanas de junho, a macrorregião Oeste teve 100% de ocupação de leitos de UTI, com cidades a mais de 350 quilômetros de distância da cidade onde estava localizado o leito de UTI50.
Entre as principais limitações deste estudo estão as restrições inerentes ao uso de dados secundários do sistema de informações do governo, com baixa completude das informações para algumas variáveis que poderiam favorecer uma melhor análise dos dados, como cor da pele, e ausência de registros informações socioeconômicas e clínicas como escolaridade, tempo de permanência em cada tipo de leito (enfermaria ou UTI), condição no momento da admissão (como saturação e frequência respiratória) e tipo de manejo hospitalar. Além disso, os microdados disponíveis não incluíam informações sobre a condição do paciente em uso de ventilação mecânica no momento da internação. No entanto, podemos também afirmar que, mesmo diante dessas limitações, a disponibilidade de bases de dados secundárias permite a investigação de diversos aspectos da COVID-19, contribuindo para um maior conhecimento e enfrentamento da doença.
CONCLUSÃO
Análises de internações, como a apresentada neste estudo, são essenciais para a construção de medidas preventivas e enfrentamento da COVID-19. Os resultados indicaram que, além de características individuais e clínicas amplamente estudadas quanto ao seu impacto na mortalidade hospitalar por COVID-19, questões relacionadas à distribuição espacial e temporal dos casos associados ao risco de mortalidade, que podem estar relacionadas à organização e preparo da rede de atenção para o tratamento dos casos graves da doença. O menor número de leitos de UTI nas macrorregiões que não incluem a capital do estado e o rápido aumento do número de casos podem ter contribuído para a heterogeneidade do risco de morte observada no espaço e no tempo no primeiro ano da pandemia, quando não havia vacinas ou tratamentos comprovadamente eficazes contra a doença.
As comorbidades como fator de risco e gravidade para a COVID-19 indicam a necessidade de ações que transcendam a abordagem biológica e que tenham como foco o cuidado das doenças crônicas não transmissíveis. Questões estruturais, organização e qualidade dos serviços de saúde em cada território também devem ser consideradas no enfrentamento da pandemia.
Destaca-se também o alto risco de mortalidade hospitalar entre as faixas etárias economicamente ativas e nas etnias mais vulneráveis, indicando a necessidade de análises mais robustas dos mecanismos que podem contribuir para o aumento do risco de mortalidade por COVID-19 nesses grupos em a fim de assegurar que sejam incluídos de forma significativa e apropriada nas medidas de saúde pública e nos serviços de saúde.
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