A CULTURA DE SEGURANÇA DO PACIENTE DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO NORTE DO BRASIL

THE PATIENT SAFETY CULTURE OF PRIMARY HEALTH CARE IN NORTHERN BRAZIL

LA CULTURA DE SEGURIDAD DEL PACIENTE EN ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD EN NORTE DE BRASIL

Autores:

Fabrício Brito dos Santos - Nutricionista. Especialista em Saúde da Família pela Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9878-0206

Adriana Tavares Hang - Enfermeira. Doutora, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5185-0473

Aldrin de Sousa Pinheiro - Enfermeiro. Mestre, Professor Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7256-9939

Priscilla Perez da Silva Pereira - Enfermeira. Doutora, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, Brasil. Tel.: (69) 99258 6851. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8900-6801

Daniela Oliveira Pontes - Enfermeira. Doutora, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, Brasil. Tel.: (69) 99214 8815. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7280-0638

Evandro Francisco de Farias Júnior - Acadêmico de Enfermagem, Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, Brasil. Tel.: (69) 99226 1665. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7280-0638

Geysa Maria Malaquias do Nascimento Lemke - Nutricionista. Mestra, Secretaria de Estado da Saúde de Rondônia. Porto Velho, Rondônia, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5014-7842

RESUMO

Objetivo: Avaliar a cultura de segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde em Porto Velho, Rondônia. Método: Pesquisa quantitativa, transversal tipo survey com instrumento padronizado. Dados coletados de 2020 a 2021 com profissionais de saúde. Resultado: Dos 51 questionários respondidos, 49 (96%) foram válidos. Das seis categorias profissionais destacaram-se agentes comunitários de saúde (52%) e técnicos de enfermagem (12%); 37% atuavam na unidade por seis a 11 anos e 24% há mais de 11 anos; 65% cumpriam de 33 a 40 horas semanais. A dimensão melhor avaliada foi “Trabalhando neste serviço de saúde”, com um score de 80%, ponto forte para a segurança do paciente. Na avaliação geral, 72% classificou o serviço como Bom. Conclusão: Das dimensões analisadas prevaleceu a avaliação negativa da cultura de segurança do paciente. Diante dos achados é possível planejar prospectivamente ações relevantes ao fortalecimento da segurança do paciente nas dimensões verificadas como frágeis.

DESCRITORES: Segurança do paciente; Medição de Processos; Atenção Primaria à Saúde.

ABSTRACT

Objective: To evaluate the patient safety culture in Primary Health Care in Porto Velho, Rondônia. Method: Quantitative, cross-sectional survey using a standardized instrument. Data collected from 2020 to 2021 from healthcare professionals. Results: Of the 51 questionnaires answered, 49 (96%) were valid. Of the six professional categories, community health workers (52%) and nursing technicians (12%) stood out; 37% had been working in the unit for six to 11 years and 24% for more than 11 years; 65% worked 33 to 40 hours a week. The best rated dimension was “Working in this health service”, with a score of 80%, a strong point for patient safety. In the overall assessment, 72% rated the service as Good. Conclusion: Of the dimensions analyzed, a negative assessment of patient safety culture prevailed. Given the findings, it is possible to prospectively plan relevant actions to strengthen patient safety in the dimensions found to be weak.

DESCRIPTORS: Patient Safety; Process Measurement; Primary Health Care.

RESUMEN

Objetivo: Evaluar la cultura de seguridad del paciente en la Atención Primaria de Salud en Porto Velho, Rondônia. Método: Encuesta cuantitativa, transversal, utilizando un instrumento estandarizado. Datos recogidos entre 2020 y 2021 de profesionales sanitarios. Resultados: De los 51 cuestionarios contestados, 49 (96%) fueron válidos. De las seis categorías profesionales, destacaron los agentes de salud comunitarios (52%) y los técnicos de enfermería (12%); el 37% llevaba trabajando en la unidad entre 6 y 11 años y el 24% más de 11 años; el 65% trabajaba entre 33 y 40 horas semanales. La dimensión mejor valorada fue «Trabajar en este servicio sanitario», con una puntuación del 80%, un punto fuerte para la seguridad del paciente. En la evaluación global, el 72% calificó el servicio como Bueno. Conclusión: De las dimensiones analizadas, prevaleció una valoración negativa de la cultura de seguridad del paciente. A la vista de los resultados, es posible planificar prospectivamente las acciones pertinentes para reforzar la seguridad del paciente en las dimensiones que resultaron débiles.

DESCRIPTORES: Seguridad del Paciente; Medición de Procesos; Atención Primaria de Salud.

Recebido: 11/06/2024 Aprovado: 31/08/2024

Tipo de artigo: Artigo Quantitativo

INTRODUÇÃO

A segurança do paciente tem sido objeto de estudo e considerada de grande relevância em diversos países ao redor do mundo, principalmente em decorrência dos impactos que os eventos adversos podem acarretar: sofrimento das famílias e dos profissionais, elevados custos assistenciais e óbitos¹.

Embora as dimensões da segurança do paciente tenham sido exaustivamente exploradas no ambiente hospitalar, a partir do ano de 2012 a Organização Mundial da Saúde (OMS), constituiu o grupo de trabalho sobre segurança do paciente na atenção primária². Nesta perspectiva, os estudos sobre segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde (APS) visam investigar e definir os riscos a pacientes em cuidados primários, a magnitude e a natureza do dano evitável resultante de práticas inseguras, além de mecanismos de proteção e segurança dos pacientes na APS.

A APS se constitui a principal porta de entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, sendo composta por equipes que atuam em território definido a partir da obtenção e análise de informações sobre as condições de vida e saúde de populações pela própria unidade juntamente com o departamento de atenção básica³.

Países como a Austrália, Estados Unidos, Reino Unido e Espanha, têm investido em estudos acerca da segurança do paciente na APS. Uma revisão sistemática sobre a segurança do paciente na APS concluiu que ainda existem lacunas de conhecimento acerca dessa temática em países em desenvolvimento, inclusive no Brasil4.

Na Espanha, uma coorte retrospectiva conduzida entre fevereiro de 2018 e setembro de 2019 na APS, verificou-se que de 2.557 prontuários avaliados houve 182 eventos adversos. As mulheres foram mais afetadas que os homens e 4,1% dos adultos sofreram um dano permanente5. No Brasil, em Manaus, um estudo conduzido em 2018, avaliou 34.087 atendimentos e encontrou uma incidência de 3 incidentes a cada 1.000 atendimentos. Os incidentes foram mais comuns entre idosos, 37% houve registro de dano, sendo 33% de dano mínimo, 17% de dano moderado e dois óbitos6.

Mesmo com a criação da Política Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) no ano de 2013, a segurança do paciente e a cultura de segurança voltados a Atenção Primária à Saúde (APS) foram retratados apenas no ano de 2017, na atualização da Política de Atenção Básica, publicada pela Portaria n. 2.436/2017. Na Portaria 2.436/2017, destaca-se a necessidade da implantação de ações de segurança do paciente no âmbito da APS visando a promoção de cuidados seguros e o incentivo da cultura de segurança do paciente entre profissionais atuantes na atenção primária7.

A cultura da segurança do paciente é uma estrutura multifatorial, com o objetivo de promover uma abordagem do sistema para a prevenção e redução de danos aos pacientes, tratando-se essencialmente de uma cultura em que todos estão conscientes do seu papel e de sua contribuição para a organização, assumindo responsabilidade pelas consequências de suas ações8. Além disso, a segurança do paciente na APS não se restringe apenas ao usuário, visto que as ações e os serviços devem ser organizados para atender o usuário e sua família, além do profissional que oferece o cuidado em saúde9.

Entender a magnitude do problema e seus determinantes é fundamental para a construção de políticas e programas que sejam efetivos na redução de eventos adversos assistenciais, aumentando a segurança do paciente e tornando o sistema de saúde mais eficaz e eficiente¹. No Brasil há uma grande heterogeneidade nas estruturas e organizações dos processos de trabalho na APS. Sabe-se que a região Norte possui populações específicas, acesso diferenciado a tecnologias, acesso à formação profissional ainda limitada e entre outras características que torna esta região diferente dos grandes centros urbanos. Em uma revisão de literatura prévia foi encontrado apenas um estudo sobre a temática conduzido na região Norte do Brasil6. Nenhum estudo que apresente a realidade do estado de Rondônia. Diante do exposto este estudo teve por objetivo avaliar a cultura de segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde do município de Porto Velho, Rondônia.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal conduzido em unidades básicas de saúde da área urbana da zona leste do município de Porto Velho, Rondônia. Porto Velho é um município brasileiro da região Norte, capital do estado de Rondônia, tendo uma população de aproximadamente 520 mil habitantes conforme as estimativas do IBGE (2018). Tal capital brasileira possui área territorial com mais de 34 mil km², contando em média com 25 mil habitantes (4,8% da população) em condição de extrema pobreza, enquanto 84,5 mil habitantes (16,3%) possuem plano de saúde10.

A zona leste do município congrega sete Unidades de Saúde da Família e aproximadamente 217 profissionais entre médicos, enfermeiros, odontólogos, técnicos de enfermagem, técnicos de higiene bucal e agentes comunitários de saúde. Todos estes profissionais listados foram convidados a participarem do estudo. Foram incluídos os profissionais que atuavam na unidade há pelo menos dois meses. E, excluídos profissionais em férias, em licença prêmio e/ou atestado médico

A coleta de dados se deu por meio do instrumento “Medical Office Survey on Patient Safety Culture (MOSPSC), desenvolvido pela Agency for Health Care Research and Quality (AHRQ). Tal instrumento tem se mostrado útil como forma de investigação científica, sendo adaptado transculturalmente e validado para utilização em diversos cenários por vários países. No Brasil, este questionário foi aplicado e validado transculturalmente11.  O referido instrumento organizado em seções, mede 12 dimensões do construto da segurança do paciente e uma avaliação global, além da seção H que aborda características dos profissionais e a seção I com questões discursivas.  

A percepção dos profissionais sobre a segurança do paciente foi verificada nas seções (A - G), utilizando o percentual de respostas positivas e negativas em cada questionamento. As respostas foram apresentadas e classificadas em respostas positivas, neutras e negativas, para segurança do paciente. Nas questões expressas de forma negativa, as respostas foram computadas em sua forma reversa, assim, de acordo com suas seções, as respostas foram classificadas conforme agrupamento das respostas.

O instrumento foi enviado por meio eletrônico e editado com o auxílio da ferramenta Google Forms. O formulário ficou disponível no período 30 de agosto de 2020 a 25 de janeiro de 2021, por meio das redes sociais virtuais aos participantes elegíveis do estudo.

Os dados coletados foram organizados e armazenados em planilha do Microsoft Excel 2019, sendo analisados mediante estatística descritiva, utilizando-se a frequência de resposta para cada item do questionário conforme orientação da AHQR12.

Para determinar os quesitos classificados como pontos fortes ou fracos para segurança do paciente no município Porto Velho, foi considerado o percentual de respostas positivas de cada questionamento, sendo conceituado acima de 75% um ponto forte.

As dimensões foram consideradas fracas, ou críticas, quando 50% ou mais dos participantes responderam negativamente optando por discordo totalmente/discordo ou nunca/raramente para perguntas formuladas positivamente, ou usando concordo totalmente/concordo, sempre/ frequentemente para perguntas formuladas negativamente12.

Para a Seção G, que faz uma avaliação geral da segurança do paciente e da qualidade do serviço de saúde, foi realizada a porcentagem de resposta para cada item a fim de classificá-lo como ruim, razoável, bom, muito bom ou excelente.

Esta pesquisa vincula-se ao estudo matriz “Boas práticas na assistência ao paciente, no controle da infecção e no processamento de produtos para a saúde no estado de Rondônia” autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) sob o parecer de nº 3.771.377 e atendeu aos preceitos éticos para pesquisas com seres humanos.

RESULTADOS

        

Dos 217 participantes elegíveis, obteve-se o retorno de 49 questionários (22,6%) válidos. Destes, enfermeiros (n=5), médicos (n=5), odontólogos (n=5), técnicos de enfermagem (n=6), agentes comunitários de saúde (n=25), técnicos de saúde bucal (n=2) e categoria profissional não identificada (n=1). A maioria tinha mais de um ano de serviço na unidade (94%) e com carga horária de mais de 30 horas (94%; Tabela 1).

Tabela 1 - Perfil profissional dos participantes da pesquisa, Porto Velho, Zona Leste, 2021 (n = 49)

Variáveis

N

%

Categoria profissional

Agente comunitário de saúde

25

52

Técnico de enfermagem

6

12

Enfermeiro

5

10

Médico

5

10

Odontólogo

5

10

Técnico de saúde bucal

2

4

Em branco/não respondido

1

2

Tempo de serviço na unidade

De 2 meses a menos de 1 ano

3

6

De 1 ano a menos de 3 anos

4

8

De 3 anos a menos de 6 anos

12

24

De 6 anos a menos de 11 anos

18

37

Há 11 anos ou mais

12

24

Carga horária (horas/semana)

33 - 40h semanais

32

65

25 - 32h semanais

14

29

17- 24h semanais

3

6

        Os autores, 2024.

Entre os pontos fortes e com potencial de melhorias, a ajuda dos colegas quando alguém está ocupado foi o único ponto forte (escore acima de 75%; Quadro1). Os demais itens foram avaliados como potenciais para a melhoria (escores acima de 50%).

Quadro 1 - Pontos fortes e com potencial de melhoria conforme respostas obtidas por dimensão avaliada, Porto Velho, Zona Leste, 2021 (n=49)*

Seção

Dimensão sobre segurança do paciente

Item

Escore

A

Segurança do paciente e qualidade

Acesso ao cuidado

Diagnósticos & testes

Equipamento

“Um paciente não conseguiu uma consulta em até 48 horas para um problema sério/agudo.

“Os exames laboratoriais ou de imagem não foram realizados quando necessário”.

“Um equipamento necessário ao atendimento não funcionou adequadamente ou necessitava reparo ou substituição”.

82%

72%

 

70%

B

Troca de informações com outras instituições

“Problemas de comunicação com o hospital”.

  “Problema de comunicação com outros serviços de saúde”.

72%

68%

E

Apoio de gestores/administradores/líderes

“Eles não estão investindo recursos suficientes para melhorar a qualidade do cuidado neste serviço”.

72%

 

* As seções, dimensões e itens com score menor que 50% não foram apresentados neste quadro.

        

No Quadro 2 são apresentadas as questões de conotação negativa, portanto, os escores acima de 50% são considerados pontos frágeis. Entre os itens mais frágeis, o acesso ao cuidado foi o mais frequente.

Quadro 2 - Pontos frágeis para a segurança do paciente na APS conforme respostas obtidas por dimensão avaliada, Porto Velho, Zona Leste, 2021

Seção

Dimensão sobre segurança do paciente

Item

Escore

A

Segurança do paciente e qualidade

Acesso ao cuidado

Diagnósticos & testes

Equipamento

“Um paciente não conseguiu uma consulta em até 48 horas para um problema sério/agudo.

“Os exames laboratoriais ou de imagem não foram realizados quando necessário”.

“Um equipamento necessário ao atendimento não funcionou adequadamente ou necessitava reparo ou substituição”.

82%

72%

 

70%

B

Troca de informações com outras instituições

“Problemas de comunicação com o hospital”

  “Problema de comunicação com outros serviços de saúde”

72%

68%

E

Apoio de gestores/administradores/líderes

“Eles não estão investindo recursos suficientes para melhorar a qualidade do cuidado neste serviço”.

72%

 

Os autores, 2024.

        

Na avaliação global da qualidade de cuidados de saúde, a maioria dos participantes considerou o seu serviço de saúde como “Bom”, no entanto, na área “Pontual” que considera que o serviço minimiza esperas e atrasos potencialmente prejudiciais, obteve-se a avaliação como Bom/Razoável (Figura 1).

Figura 1 - Frequência relativa das respostas para “avaliação global da qualidade de cuidados de saúde” a partir dos participantes da pesquisa, Porto Velho, Zona Leste, 2021 (n =49)*

* Não houve respostas para Ótimo. Centrado no paciente: é sensível às preferências individuais, necessidades e valores dos pacientes; b. Efetivo: é baseado no conhecimento científico; c. Pontual: minimiza esperas e atrasos potencialmente prejudiciais; d. Eficiente: garante um cuidado de bom custo-benefício (evita o desperdício, uso excessivo e incorreto de serviços); e. Imparcial: fornece a mesma qualidade de cuidados a todos os indivíduos, independentemente de gênero, etnia, status socioeconômico, idioma, etc.

DISCUSSÃO

Neste estudo obteve-se a participação de seis categorias profissionais diferentes, o que possibilitou uma ampla avaliação da cultura de segurança. Assim, quanto maior o envolvimento das categorias profissionais, melhor para a instituição/serviço, visto que a cultura de uma organização influencia o estilo de gestão adotado e, consequentemente, determina mudanças organizacionais13.

O estudo em tela demonstrou que a maioria dos profissionais (34%) atuavam na unidade por um período de seis anos a menos de 11 anos. Um estudo conduzido em 2017 com profissionais da APS do Sul do Brasil, encontrou que 54,1% atuavam entre um a cinco anos na equipe indicando vínculo de tempo14.

Os profissionais que trabalham há mais de 10 anos no serviço de saúde têm o potencial de favorecer o planejamento, a organização, o conhecimento da área adscrita, os usuários cadastrados e o fortalecimento do vínculo, colaborando para uma cultura de segurança melhor consolidada15.

Encontrou-se neste estudo uma parceria no trabalho (Seção C). Manter uma cultura organizacional positiva, estabelecendo uma parceria eficaz do trabalho e um ambiente de aprendizagem com apoio mútuo entre os envolvidos se faz fundamental para que o compartilhamento de saberes prospere e influencie positivamente na melhoria do paciente e da assistência à saúde16.

A dimensão “comunicação e acompanhamento” foi considerada um ponto forte para a cultura de segurança do paciente neste estudo, sendo um fator que fortalece o trabalho em equipe, apoiando a melhoria contínua e o trabalho em conjunto17. Tal aspecto pode ser considerado benéfico para a segurança do paciente pois ainda colabora para a não ocorrência de falhas nas trocas de informações entre os pontos da rede de atenção e de comunicação com o paciente18.

Verificou-se uma tendência à melhoria para a segurança do paciente em pontos relevantes - dimensão seu serviço de saúde (Seção F), o que reflete a disponibilidade da equipe em modificar suas ações a fim de evitar problemas ou ainda afastar-se da possibilidade da recorrência destes. A estrutura organizacional influencia a aprendizagem sendo capaz de promover ou não um ambiente seguro com maiores possibilidades para a mudança do contexto de cuidado19.

O Brasil enfrenta um grande desafio quanto ao fortalecimento da cultura de segurança do paciente nos serviços de saúde e, principalmente na APS, onde se faz necessária a construção de uma cultura positiva, não punitiva, que promova a segurança do paciente20.

Nas unidades pesquisadas, seis itens apresentaram uma avaliação negativa da segurança do paciente na APS pelos participantes. A cultura negativa de segurança do paciente principalmente apresentada pelos ACS, que foi a categoria profissional mais numerosa deste estudo, deve ser investigada. Como os ACS atuam por longos períodos na comunidade, fora dos espaços da unidade de saúde, podem representar a visão dos usuários em relação ao serviço de saúde, o que por sua vez, pode sugerir falhas de comunicação e integração entre a equipe de saúde, afetando a qualidade e a segurança da assistência prestada14.

A cultura de segurança do paciente na perspectiva dos profissionais das unidades básicas de saúde deste estudo apresentou fragilidades em um item da dimensão apoio de gestores. Em pesquisa no ambiente hospitalar21, verificou-se que a falta de apoio da gestão é um fator que dificulta a implantação de estratégias de segurança do paciente no ambiente assistencial. Porém, quando a quase totalidade de alguns domínios analisados recebem escores negativos quanto a cultura de segurança, é necessária uma reflexão, pois esse achado evidencia a precariedade do serviço de saúde na APS, sendo preocupante, pois representa a possibilidade de implicações para a prática assistencial segura e de qualidade15.

Estudos14,18 com achados semelhantes aos deste, demonstraram que os profissionais de saúde externam insatisfação com os seus gestores por necessitarem melhorar e viabilizar a comunicação entre o grupo, alocando corretamente os recursos e valorizando os profissionais de sua equipe.

Por fim, a avaliação geral em cultura de segurança do paciente neste estudo foi positiva, pois no que tange aos processos clínicos, sistemas e problemas com potencial de afetar o usuário, a maioria dos profissionais classificou o serviço como “Bom” ou “Muito Bom”  

Considera-se limitações do estudo a realização da pesquisa durante a pandemia do Covid-19, um período de visível sobrecarga de trabalho para os profissionais da APS; o que pode ter influenciado na baixa participação dos profissionais, mesmo utilizando-se do preenchimento de questionário on-line. Esta medida foi tomada para a coleta dos dados diante de decretos para distanciamento social em vigência durante o período da coleta dos dados. O tamanho amostral, que por ser reduzido, não nos permite determinar tendências ou generalizar os resultados permitindo considerar os resultados deste estudo apenas para a população pesquisada.

CONCLUSÃO

Os pontos fortes ou com potencial para melhoria para a cultura de segurança nas unidades básicas da Zona Leste de Porto Velho estavam relacionados ao Trabalho com outros profissionais, Comunicação e acompanhamento e Capacidade de mudança no processo de trabalho frente aos problemas. As fragilidades se encontram nas dimensões: Acesso ao cuidado, Troca de informações com outras instituições e Apoio dos gestores.

A visão geral da segurança do paciente no serviço pelos profissionais em sua maioria foi classificada “bom” ou “muito bom”. Contudo, considerando-se todas as dimensões analisadas, prevaleceu a avaliação negativa da cultura de segurança do paciente na APS pesquisada.

A qualidade e segurança no cuidado ao usuário resultam da união de diversos fatores e estes dependem de uma cultura de segurança estabelecida. Com esses achados é possível planejar prospectivamente ações relevantes ao fortalecimento da segurança do paciente nas dimensões avaliadas como frágeis para a APS pesquisada e outras unidades com perfil semelhante.

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Agradecimentos

Aos Gestores das unidades da zona leste por disseminar o instrumento entre os profissionais e estimular o seu preenchimento;

Aos profissionais que participaram deste estudo por doar parte do seu tempo para esta construção.