A PROGRESSÃO DA COVID-19 EM SANTA CATARINA: INDICADORES EPIDEMIOLÓGICOS E MEDIDAS NORMATIVAS NOS TRÊS PRIMEIROS SEMESTRES DA PANDEMIA

THE PROGRESSION OF COVID-19 IN SANTA CATARINA: EPIDEMIOLOGICAL INDICATORS AND NORMATIVE MEASURES DURING THE FIRST THREE SEMESTERS OF THE PANDEMIC

LA PROGRESIÓN DEL COVID-19 EN SANTA CATARINA:INDICADORES EPIDEMIOLÓGICOS Y MEDIDAS NORMATIVAS EN LOS TRES SEMESTRES DE LA PANDEMIA

Autores:

Kamille Feltrin Ronsoni Médica formada pela Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, SC, Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6944-5791

Helena Martinez Faria Bastos Régis Hughes Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, SC, Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5718-2173

Raquel Alencastro Veiga Domingues Carneiro Médica formada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. Florianópolis, SC, Brasil Número ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0770-9771

Cleverton José Teixeira da Silva Médico formado pela Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, SC, Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7108-9717

Lucas Paes de Oliveira Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, SC, Brasil ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7096-496X

Danúbia Hillesheim Programa de pós-graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. Florianópolis, SC, Brasil Número ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0600-4072

Andreia Morales Cascaes Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, SC, Brasil Número ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9412-8299

Ana Luiza Curi Hallal Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. Florianópolis, SC, Brasil Número ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4761-0001

RESUMO

INTRODUÇÃO: O objetivo deste estudo foi descrever os indicadores epidemiológicos e os decretos estaduais relacionados à COVID-19 nos três primeiros semestres da pandemia em Santa Catarina, Brasil. MÉTODOS: Foi realizado um estudo ecológico que dividiu o período de 1° de janeiro de 2020 a 30 junho de 2021 em três semestres, retratando a evolução epidemiológica da COVID-19 e sua relação com os decretos estaduais sobre distanciamento social. O conteúdo dos decretos foi agrupado em categorias para posterior análise de sua repercussão. RESULTADOS: No período, registraram-se 1.064.044 casos confirmados de COVID-19, a maior proporção (50,7%) destes foi observada no primeiro semestre de 2021, quando houve também maior número de restrições (n=43), a maioria delas adotada após aumento no número de casos. Dez flexibilizações antecederam a primeira onda da doença e sete antecederam a terceira. CONCLUSÃO: Observou-se que as medidas de flexibilização do distanciamento social foram adotadas de maneira precoce e abrupta, bem como as restrições não foram implementadas habilmente para evitar novas ondas da doença.

DESCRITORES: Infecções por Coronavírus; COVID-19; Mortalidade; Decretos; Legislação; Distanciamento Social.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The aim of this study was to describe the epidemiological indicators and state decrees related to COVID-19 in the first three semesters of the pandemic in Santa Catarina, Brazil. METHOD: An ecological study was carried out that divided the period from January 1, 2020 to June 30, 2021 into three semesters, portraying the epidemiological evolution of COVID-19 and its relationship with state decrees on social distancing. The content of the decrees was grouped into categories for later analysis of their repercussions. RESULTS: During the period, 1,064,044 confirmed cases of COVID-19 were recorded, the largest proportion (50.7%) of which was observed in the first semester of 2021, when there was also a greater number of restrictions (n=43), most of them adopted after an increase in the number of cases. Ten relaxations preceded the first wave of the disease and seven preceded the third. CONCLUSION: It was observed that the measures to relax social distancing were adopted early and abruptly, and that the restrictions were not implemented skillfully to prevent new waves of the disease.

DESCRIPTORS: Coronavirus Infections; COVID-19; Mortality; Decrees; Legislation; Social Distancing.

RESUMEN

INTRODUCCIÓN: El objetivo de este estudio fue describir los indicadores epidemiológicos y decretos estatales relacionados con el COVID-19 en los primeros tres semestres de la pandemia en Santa Catarina, Brasil. MÉTODOS: Se realizó un estudio ecológico que dividió el período del 1 de enero de 2020 al 30 de junio de 2021 en tres semestres, retratando la evolución epidemiológica del COVID-19 y su relación con los decretos estatales sobre distanciamiento social. El contenido de los decretos fue agrupado en categorías para el posterior análisis de su impacto. RESULTADOS: Durante el período se registraron 1.064.044 casos confirmados de COVID-19, la mayor proporción (50,7%) de estos se observó en el primer semestre de 2021, cuando también hubo un mayor número de restricciones (n=43), el la mayoría de ellos se implementaron después de un aumento en el número de casos. Diez relajaciones precedieron a la primera ola de la enfermedad y siete a la tercera. CONCLUSIÓN: Se observó que las medidas para relajar el distanciamiento social se adoptaron temprana y abruptamente, y que las restricciones no fueron aprobadas hábilmente para prevenir nuevas olas de la enfermedad.

DESCRIPTORES: Infecciones por Coronavirus; COVID-19; Mortalidad; Decretos; Legislación; Distanciamiento social.

Recebido: 22/08/2024 Aprovado: 20/09/2024

Tipo de artigo: Artigo Original

INTRODUÇÃO

A partir de 25 de fevereiro de 2020, quando o primeiro caso de infecção pelo vírus SARS-CoV 2 foi identificado no Brasil, pode-se observar uma situação de crise em saúde pública instalando-se progressivamente1. Após um ano e quatro meses deste evento, em finais do mês de junho de 2021, o país atingiu a marca de 514.092 mortes pela doença2, colocando-se como o terceiro país no mundo com maior número de casos acumulados de COVID-193. Nesse contexto, o início do ano de 2021 foi marcado pela segunda onda da doença no Brasil, caracterizada por um aumento no número de casos e óbitos não observados nem mesmo ao longo da primeira onda da COVID-19 que se desenrolou entre os meses de julho e agosto de 20201. Como consequência, houve considerável aumento na demanda por serviços de saúde1.

O momento de crise em saúde pelo qual o país passou se intensificou devido às questões de ordem política, na medida que, ao longo do período de pandemia, observou-se resistência do Governo Federal na adesão a um combate uniforme e integrado contra a COVID-19 em todo o território brasileiro4,5,bem como incentivo a tratamentos e medidas de saúde que não apresentavam embasamento científico6. Além disso, a identificação da nova variante P1 em janeiro de 2021 colocou-se como mais um agravante5.

Dessa forma, a promoção de medidas de distanciamento social, reconhecidamente eficazes na prevenção do espalhamento de doenças transmissíveis4, tornaram-se a principal ferramenta para controlar o número de casos e mortes pela doença, e foram colocadas em prática principalmente nos âmbitos estadual e municipal por meio de decretos regulados pela Lei Federal 13.979 no ano de 20207.

O estado de Santa Catarina, que na última semana de abril de 2021 ocupava o 4º lugar no ranking nacional das Unidades Federativas com maior número de casos para cada 100.000 habitantes8, após aumento no número de casos entre os meses de julho e agosto de 2020 e posterior arrefecida no avanço da doença nos meses de setembro e outubro, apresentou novo crescimento no número de infectados pelo SARS-CoV-2 ao final do mesmo ano8. Ao longo desse período, apesar dos apelos do meio científico para a manutenção do isolamento social, observou-se flexibilizações constantes das medidas públicas de isolamento8.

Em estudo realizado na cidade de Florianópolis no ano de 2020, com o intuito de analisar se houve consonância entre os decretos municipais relacionados à COVID-19 e os indicadores epidemiológicos da doença, concluiu-se que houve contradição entre ambos9. Em outra pesquisa realizada também em 2020, que relacionou indicadores da COVID-19 no estado de Santa Catarina e decretos estaduais relativos às medidas de distanciamento social, chegou-se em conclusão similar10.

Diante deste contexto, o objetivo deste estudo foi descrever os indicadores epidemiológicos e os decretos estaduais relacionados à COVID-19 nos três primeiros semestres da pandemia em Santa Catarina, Brasil.

MÉTODOS

Conduziu-se um estudo ecológico que possuiu como unidade de análise o estado de Santa Catarina, ao longo do período de 1º de janeiro de 2020 a dezembro 30 junho de 2021, espaço de tempo relativo ao início e aos desdobramentos da pandemia de COVID-19 no Brasil. Para fins de análise, dividiu-se o período em três semestres: de 1º de janeiro de 2020 a 30 junho de 2020, de 1º de julho de 2020 a 31 de dezembro de 2020, e de 1º de janeiro de 2021 a 30 de junho de 2021.

Para realizar a extração dos casos e óbitos no estado foi consultado o portal de dados abertos de Santa Catarina11, no dia 30 de novembro de 2021, sendo considerados apenas os casos e óbitos com confirmação laboratorial de infecção pelo SARS-CoV-2. As informações referentes à população residente foram obtidas no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, considerando-se a projeção da população de Santa Catarina estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para os anos de 2020 e 2021. Os indicadores analisados foram: Número de casos novos (segundo a data de início dos sintomas); Número de óbitos nas últimas 24 horas (segundo a data de óbito); Taxa de mortalidade; Taxa de incidência.

As taxas de incidência e de mortalidade foram obtidas dividindo-se o número de casos novos e o número de óbitos, respectivamente, pela população residente estimada pelo IBGE para o mesmo período, multiplicando-se por 100 mil habitantes. Os dados foram descritos por semestre e analisados com auxílio dos softwares Microsoft Excel e Stata 14.

Em seguida, analisaram-se integralmente e seguindo a ordem temporal de expedição os decretos estaduais emitidos pelo governo de Santa Catarina relacionados ao momento de emergência em saúde pública devido à COVID-19 ao longo do referido período (Lei Federal 13.979/2020), também acessados na plataforma de dados abertos do estado11, buscando-se aqueles que tratavam das temáticas de distanciamento social em suas múltiplas formas. A partir de seu conteúdo e com base em estudos anteriores10, pode-se classificar as categorias afetadas pelas medidas de distanciamento social adotadas em 15 itens: a. Ensino presencial: Incluídos níveis educacionais desde o ensino básico ao universitário, além da educação de jovens adultos, ensino técnico e capacitação pública; b. Comércio de bebidas e alimentos não essenciais: Incluídos restaurantes, bares e outros estabelecimentos fornecedores de alimentos e bebidas não essenciais; c. Transporte de pessoas: Incluídos transporte aéreo, terrestre ou aquaviário; d. Rede hoteleira: Incluídos hotéis, pousadas e outras formas de hospedagem onerosa; e. Comércio de produtos: Incluído comércio de produtos não alimentícios e não essenciais em geral; f. Comércio de alimentos essenciais: Incluídos supermercados, mercados, mercearias, padarias, açougues e peixarias; g. Permanência em praças e locais públicos: Incluídos espaços públicos de uso coletivo como praias, parques e praças; h. Cultos religiosos: Incluído culto de caráter religioso e missas; i. Aglomeração de pessoas: Incluída qualquer regulação sobre a matéria, especificada ou não pelo redator, desde que haja menção literal do termo; j. Academias: Incluídos academias e centros de treinamento; k. Casas noturnas: Incluídas casas noturnas e casas de shows; l. Cinemas e teatros: Incluídos cinemas e teatros em espaços públicos e privados; m. Eventos científicos e culturais: Incluídos feiras, exposições, congressos, seminários e palestras de caráter público ou privado; n. Competições esportivas: Incluídos o calendário da Fundação Catarinense de Esporte (FESPORTE) e competições privadas; o. Complexos recreativos: Incluídos parques temáticos e zoológicos.

Considerando cada uma das categorias citadas, analisou-se o teor das medidas de distanciamento social implementadas em cada um dos decretos, as quais foram classificadas em três grupos de acordo com sua repercussão quando comparada ao decreto anterior: a. Restrição: Repercussão provocada por decreto cujo texto apresenta medidas restritivas iniciais para a categoria ou medidas cujos efeitos restritivos superam aqueles em vigor anteriormente. Dentro desta categoria foram englobados também decretos restritivos com duração pré-determinada menor que 5 dias.  b. Manutenção: Considerou-se quando novo decreto prorroga o prazo de vigência de medidas restritivas de decretos anteriores, com produção de iguais efeitos. c. Flexibilização: Categoria destinada a decretos cujo impacto do teor restritivo percebe-se diminuído em relação ao decreto anterior; ou ao decreto que transcorre o prazo de vigência do anterior, sem adicionar novas restrições.

Após a classificação da repercussão dos decretos para as categorias previamente definidas, foram contabilizados o número de restrições, manutenções e flexibilizações em cada um dos 18 meses do período de tempo analisado, bem como o somatório destes em cada um semestres em estudo. Para fins de análise, apenas os decretos restritivos e de flexibilização foram apresentados nos resultados.

Considerando que os dados utilizados para a condução da pesquisa são de domínio público e corroborando a Resolução 510 de 17 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde, não houve a necessidade de submeter o trabalho ao Comitê de Ética para Pesquisa com Seres Humanos.

RESULTADOS

Nos três primeiros semestres da pandemia, contabilizaram-se ​​1.064.044 casos e 13.430 óbitos no estado, confirmados laboratorialmente para a COVID-19. O 1º semestre de 2021 apresentou as maiores taxas de incidência e mortalidade, com 7.358,2 casos e 116,9 óbitos a cada 100.000 habitantes, respectivamente. Com relação aos decretos analisados, durante o 1º semestre de 2021 foram emitidas 43 restrições e 22 flexibilizações, enquanto o 2º semestre de 2020 apresentou números menores para ambas as classificações (n=7) (Tabela 1).

Tabela 1. Descrição dos indicadores epidemiológicos e dos decretos restritivos e de flexibilização nos três primeiros semestres da pandemia de COVID-19. Santa Catarina, 2020-2021.

Indicadores

1º semestre de 2020

2º semestre 2020

1º semestre 2021

Número de casos

48.029

476.032

539.983

Número de óbitos

377

4.471

8.582

Taxa de incidência*

662,2

6563,7

7358,2

Taxa de mortalidade*

5,2

61,6

116,9

Número de restrições

24

7

43

Número de flexibilizações

10

7

22

* Calculada a cada 100.000 habitantes.

Foram analisados 62 decretos estaduais relacionados à emergência em saúde pública causada pela COVID-19, dentre eles, 6 decretos legislativos e 46 decretos executivos. No que tange ao seu conteúdo, apenas 32 deles tratavam das medidas de distanciamento social relevantes para este estudo. Com relação à distribuição nos três semestres em análise, foram publicados ao todo 24 decretos no primeiro semestre, 15 decretos no segundo semestre e 23 no terceiro. Ao longo do primeiro semestre de 2020, ressalta-se que 23 das 24 restrições documentadas se deram durante o mês de março, dessa forma os meses subsequentes tiveram apenas uma restrição. Durante o segundo semestre de 2020 houve menor número tanto de restrições quanto de flexibilizações, sendo que grande parte delas se deu durante o mês de dezembro.  No terceiro semestre da pandemia, houve o maior número de restrições observado; a primeira delas foi emitida em 25 de fevereiro de 2021. Dentre as restrições, 20 delas apresentavam caráter limitado, com duração menor que 5 dias. Com relação às flexibilizações, 18 de um total de 22 se deram durante o mês de abril de 2021 (Quadro 1).

Dentre todos os 18 meses analisados, março de 2020 foi aquele que apresentou o maior número de restrições nas categorias em questão. Já o mês de abril de 2021 foi o mês que apresentou o maior número de flexibilizações.

Quadro 1. Descrição dos decretos do estado relacionados a COVID-19 segundo semestre, mês de publicação e categorias de agrupamento de atividades em Santa Catarina, até junho de 2021

Semestre

1º Semestre de 2020

2º Semestre de 2020

1º Semestre de 2021

Mês de publicação

J

an

Fev

Mar

Abr

Ma

i

Jun

Jul

Ago

Se

t

Ou

t

No

v

Dez

J

an

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Categoria/ Repercussão

x

x

R

F

R

F

x

R

F

R

F

R

F

x

x

x

R

F

x

R

F

R

F

R

F

R

F

R

F

Ensino presencial

 

 

2

0

0

0

 

0

1

0

0

0

0

 

 

 

0

1

 

0

1

0

0

0

0

0

0

0

0

Comércio de alimentos e bebidas não essenciais

 

 

2

0

0

2

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

1

0

 

2*

0

2*

0

0

3

1

0

0

0

Transporte de pessoas

 

 

2

0

0

0

 

0

1

1

0

0

0

 

 

 

1

0

 

1

0

0

0

0

1

0

0

0

0

Hoteis

 

 

1

0

0

1

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

1

 

0

0

1

0

0

1

0

0

0

0

Comércio de produtos

 

 

1

0

0

1

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

0

 

2*

0

2*

1

0

1

0

0

0

0

Comércio de alimentos essenciais

 

 

1

0

0

0

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

0

 

0

0

1

1

0

0

0

0

0

0

Praças e locais públicos

 

 

1

0

0

0

 

0

0

1

0

0

0

 

 

 

1

0

 

1*

1

2*

0

0

1

0

0

0

0

Cultos religiosos

 

 

1

0

0

1

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

1

0

 

2*

0

1

0

0

1

0

0

0

0

Aglomeração de pessoas

 

 

1

0

1

1

 

0

1

0

0

0

0

 

 

 

1

1

 

2*

0

2*

0

0

1

0

1

0

1

Casas noturnas

 

 

2

0

0

0

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

1

 

1

0

1*

0

0

1

0

0

0

0

Cinemas e teatros

 

 

2

0

0

0

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

1

 

2*

0

2*

0

0

1

0

0

0

0

Feiras, congressos e palestras

 

 

2

0

0

0

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

1

 

2*

0

2*

0

0

1

0

0

0

0

Competições esportivas

 

 

2

0

0

0

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

1

 

1*

0

2*

0

0

1

0

0

0

0

Parques temáticos e zoológicos

 

 

2

0

0

0

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

0

 

2*

0

2*

0

0

1

0

0

0

0

Academias

 

 

1

0

0

1

 

0

0

0

0

0

0

 

 

 

0

0

 

2*

0

2*

0

0

1

0

1

0

0

Total

x

x

23

0

1

7

x

0

3

2

0

0

0

x

x

x

5

7

x

20

2

22

2

0

15

1

2

0

1

Total no semestre

24 restrições

10 flexibilizações

7 restrições

7 flexibilizações

43 restrições

22 flexibilizações

Legenda: R: restrição; F: Flexibilização.

*Decretos de restrição com duração menor que cinco dias corridos.  

Antecedendo o primeiro pico de casos em Santa Catarina, os decretos 587 e 630 autorizaram o retorno de diversas atividades, incluindo o transporte coletivo e o atendimento presencial em estabelecimentos de comércio de bebidas e alimentos não essenciais. No dia 20 de novembro de 2020 é registrado recorde de número de casos diários da doença, com 7.354 notificações, representando uma taxa de incidência de 101,4 casos a cada 100.000 habitantes nesta data. No dia 14 de dezembro de 2020, enquanto a curva de casos diminuía no estado, houve retorno do ensino presencial nas redes pública e privada de ensino (Figura 1).

No dia 18 de dezembro de 2020 houve a reabertura de casas noturnas, cinemas, teatros, feiras, congressos, palestras e parques temáticos, mas com ocupação limitada. Em janeiro de 2021 inicia-se a vacinação contra a COVID-19 no estado, e, apesar deste grande marco, o primeiro semestre do referido ano apresenta o terceiro pico de casos e óbitos (7.249 notificações no dia 1 de março de 2021). Flexibilizações sucessivas ocorreram a partir de maio de 2021 (Figura 1).

Figura 1. Evolução temporal do número de casos e óbitos de COVID-19 no estado, bem como marcos importantes nos três semestres analisados. Santa Catarina, 2020- 2021.

DISCUSSÃO

O padrão observado neste estudo, referente ao estado de Santa Catarina, que consiste no aumento significativo do número de casos e óbitos por COVID-19 após medidas de flexibilização do distanciamento social, foi observado em outras pesquisas.12,13 No presente estudo, observaram-se três momentos que se destacam com relação ao aumento no número de casos e óbitos registrados. Nos meses de julho e agosto de 2020, o acréscimo no número de casos diários foi precedido por dez flexibilizações entre abril e junho. No segundo momento observado, entre outubro e dezembro de 2020, observaram-se apenas duas restrições precedendo o pico observado na curva, as quais aconteceram no mês de julho. No terceiro momento em questão, que se passou entre os meses de janeiro e março de 2021, perceberam-se sete flexibilizações ao longo do mês de dezembro de 2020. Ressalta-se que o referido achado de três picos na curva do número de casos e óbitos diários de COVID-19 ao longo do período estudado foi um diferencial daquilo encontrado na literatura sobre o assunto, que versa sobre a ocorrência de duas ondas da doença no Brasil bem como em Santa Catarina1,8.

Em estudo conduzido na França, que buscou definir a efetividade do isolamento social na redução no número de casos de COVID-19 comparando nove países, percebeu-se que, junto das medidas de distanciamento social aplicadas de forma precoce, um desconfinamento gradual impede um platô longo na curva de número de casos de COVID-19; enquanto um desconfinamento abrupto, como o observado em Santa Catarina, onde houve a reabertura de inúmeros serviços e estabelecimentos concomitantemente, torna-se menos efetivo no controle da doença13.

O desenvolvimento e aprimoramento de modelos matemáticos que mensurassem a eficácia das medidas de distanciamento social em reduzir a transmissão da COVID-19 tornou-se peça-chave no combate à doença assim que esta passou a ser vista como ameaça à saúde pública em nível mundial14,15. A partir de tais modelos, estudos sistemáticos puderam analisar de forma prática os resultados do distanciamento social14. No ano de 2020, pesquisadores aplicaram um modelo matemático a 134 países, e observaram que naqueles em que medidas de isolamento foram implementadas, houve diminuição de 65% nos novos casos de COVID-19 em duas semanas14. Outro estudo, conduzido no Reino Unido, demonstrou impacto direto das medidas governamentais para redução da mobilidade da população na redução do número de mortes por COVID-19 em 18 dias quando comparado ao valor previsto16.

Nesse contexto, em análise das medidas de distanciamento social na Coreia do Sul, além de haver correlação positiva entre o isolamento social e a redução na transmissão do SARS-CoV-2, observou-se também que um período de ao menos dez dias é necessário para que os resultados do distanciamento sejam alcançados17. Na Grã-Bretanha, a aplicação de um modelo de simulação matemática para avaliar as intervenções não farmacológicas para a redução no número de casos e óbitos pelo SARS-CoV-2 demonstrou que a junção de isolamento de casos positivos, quarentena e distanciamento social da população de risco faz-se uma combinação efetiva, sendo necessária sua introdução duas a três semanas antes para que os resultados sejam observados no contexto hospitalar18.

Em análise descritiva sobre as medidas de distanciamento social nos diferentes estados brasileiros, Santa Catarina esteve entre os que mais rapidamente adotaram o chamado “lockdown econômico”, relacionado à suspensão de atividades não essenciais, de forma parcial, e tais medidas se estabeleceram entre o primeiro e o décimo caso de COVID-19 notificados no estado19. Outros estados, dentre eles o Rio Grande do Sul, estabeleceram o “lockdown econômico” de forma total dentro do mesmo intervalo epidemiológico, e o estado de São Paulo apenas adotou o “lockdown econômico” parcial entre o 11º e o 50º casos de COVID-1919.

A resposta brasileira à pandemia causada pelo SARS-Cov-2 baseou-se principalmente nas intervenções estaduais e municipais e recebendo pouco apoio na esfera federal4,5. De acordo com o modelo criado para rastrear as respostas governamentais mundiais à COVID-19 desenvolvido pela universidade de Oxford,20 em 25 de novembro de 2020, momento de aumento no número de casos diários da doença em Santa Catarina, o índice de rigor das decisões governamentais era de 57,87 em uma escala de 1 a 100, na qual 100 seria a pontuação máxima. Já em 25 de fevereiro de 2021, o índice avançou para o valor de 73,61, fato que vai ao encontro das 21 restrições observadas ao longo deste mesmo mês no estado de Santa Catarina20.  

O desenrolar de uma pandemia segue padrões diferentes dependendo da localidade analisada e suas características espaciais, sociais e econômicas, fato que deve ser levado em consideração no momento da tomada de decisão política21,22. No estado de São Paulo, percebeu-se que a tendência de transmissão do SARS-CoV-2 seguia dois padrões, indo das áreas metropolitanas para o interior do estado e também dos centros urbanos de relevância regional para os municípios com menos conexões21. Tal fato reforça a necessidade de que as medidas de distanciamento social sejam adotadas de forma precoce nos grandes conglomerados urbanos e flexibilizadas de forma gradual21. Em Florianópolis, capital de Santa Catarina e centro urbano de relevância econômica conectado a outros municípios, em análise da tomada de decisão política e sua relação com a propagação da COVID-19, observou-se que entre junho e julho de 2020, meses que apresentaram a maior expansão no número de casos e óbitos pela doença ao longo do período estudado, houve também a maior presença de decretos municipais não condizentes à situação epidemiológica9.

Com a situação da pandemia se estendendo por meses, um fenômeno chamado “fadiga pandêmica”, relacionado à diminuição da adesão da população às medidas de distanciamento social adotadas, tornou-se comum no Brasil23. Este fato, quando aliado ao surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2, às muitas flexibilizações após o primeiro pico no número de casos de COVID-19 em julho de 2020 e à ausência de um número considerável de novas restrições culminaram nas novas ondas de COVID-19 no Brasil e  em Santa Catarina. O segundo semestre de 2020 foi aquele com o menor número de flexibilizações e restrições, sendo sete em cada categoria, retratando um estado de estagnação política até novo aumento no número de casos em outubro. Além disso, as medidas de restrição mais rigorosas adotadas após o aumento no números de casos e óbitos por COVID-19 entre novembro de 2020 e março de 2021, com o intuito de conter a evolução epidemiológica desfavorável, apresentaram a particularidade da duração pré-determinada menor que cinco dias, grande parte delas sendo válidas apenas nos fins de semana. Em estudo de 2020 que buscou investigar fatores determinantes nos níveis de distanciamento social registrados nos estados brasileiros, percebeu-se que quanto maior a duração das medidas de restrição, menor a adesão ao distanciamento, corroborando o fenômeno de “fadiga pandêmica” 24.

O presente estudo conta com algumas limitações, dentre elas podem-se citar a dependência da disponibilidade de testes para o correto diagnóstico dos casos de COVID-19 bem como de equipes treinadas para realizá-los. O início da vacinação contra o SARS-CoV-2 em janeiro de 2021 faz-se um fator não analisado neste estudo e que apresenta grande potencial de modificar as curvas de número de casos e óbitos da doença.  Cita-se também a importância na qualidade do preenchimento dos dados secundários utilizados, para que a análise torne-se verossímil. Além disso, ao classificar as repercussões dos decretos analisados em apenas três categorias, perdem-se as nuances de cada uma das medidas implementadas; dessa forma, decretos que culminam em flexibilizações e restrições com relevâncias muito distintas dentro do contexto foram classificados de uma mesma maneira.

CONCLUSÕES

Conclui-se que a implementação de medidas de flexibilização precoces e abruptas, bem como a não-adoção de medidas de restrição em tempo hábil para reduzir o número de casos e óbitos por COVID-19, culminou nas três “ondas” que caracterizam a pandemia em Santa Catarina. A tomada de decisão política estadual em momento não oportuno, junto da dessensibilização da população com relação à gravidade da situação epidemiológica, ambas tendo como “pano de fundo” a ausência de uma política nacional de enfrentamento ao SARS-CoV-2 são citadas como molas-propulsoras da situação alarmante observada no início do ano de 2021, momento no qual o estado alcançou números de casos e óbitos diários não observados anteriormente.

REFERÊNCIAS

1. Cash-Goldwasser S, Jones SA, Bierrenbach AL, Bochner A, Frieden TR.Weekly COVID-19 Science Review March 3rd – 17th, 2021. Resolve to Save Lives. 2021 Mar. Disponível em: https://preventepi-demics.org/coronavirus/weekly-science-review/

2. Brasil, Ministério da Saúde. Painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) no Brasil.  Acesso 29 jun. 2021. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/

3. Brasil, Ministério da Saúde. Doença pelo coronavírus covid-19: Semana epidemiológica 67. Bol Epidemiol. 17 jun. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/covid-19/2021/boletim_epidemiologico_covid_67.pdf

4. Russo Rafael R de M, Neto M, de Carvalho MMB, Leal David HMS, Acioli S, de Araujo Faria MG. Epidemiology, public policies and covid-19 pandemics in Brazil: What can we expect? Rev Enferm. 2020;28:1–6. Disponível em:  http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2020.49570

5. Falcão P, Souza AB de. Pandemia de desinformação: as fake news no contexto da Covid-19 no Brasil. Rev Eletrônica Comun Informação e Inovação em Saúde. 2021 Mar 22;15(1). Disponível em: https://doi.org/10.29397/reciis.v15i1.221

6. Lamontagne F, Agoritsas T, Siemieniuk R, Rochwerg B, Bartoszko J, Askie L, et al. A living WHO guideline on drugs to prevent covid-19. Vol. 372, The BMJ. BMJ Publishing Group; 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1136/bmj.n526

7. Cotta RM, Naveira-Cotta CP, Magal P. Mathematical Parameters of the COVID-19 Epidemic in Brazil and Evaluation of the Impact of Different Public Health Measures. Biology (Basel) [Internet]. 2020 Ago 12 [citado 2021 Abr 23];9(8):220. Disponível em: https://www.mdpi.com/2079-7737/9/8/220

8.  M Lauro. Boletim COVID-19 em SC: Ainda não é hora de flexibilizar as medidas de controle da pandemia. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. Núcleo de Estudos de Economia Catarinense. 2021. Boletim nº 51. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1ZgrFB2QJ0Uvdh6tgapdJJukydAXZANrM/view

9. Garcia LP, Traebert J, Boing AC, Santos GFZ, Pedebôs LA, d'Orsi E, et al. O potencial de propagação da covid-19 e a tomada de decisão governamental: uma análise retrospectiva em Florianópolis, Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2020; 23: e200091. doi: http://doi.org/10.1590/1980-549720200091.  

10. Hughes HMFBR, Carneiro RAVD, Hillesheim D, Hallal ALC. Evolução da COVID-19 em Santa Catarina: decretos estaduais e indicadores epidemiológicos até agosto de 2020. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2021;30(4):2021-. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1679-49742021000400025

11. Gerência de Transparência e Dados Abertos. Portal de dados abertos do estado de Santa Catarina. Acesso 30 nov. 2021. Disponível em:  http://dados.sc.gov.br. Acesso em 30 nov. 2021.

12. Ibrahim RL, Ajide KB, Olatunde Julius O. Easing of lockdown measures in Nigeria: Implications for the healthcare system. Health Policy and Technology. 2020;9(4):399-404. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32959012/

13. Mégarbane B, Bourasset F, Scherrmann JM. Is Lockdown Effective in Limiting SARS-CoV-2 Epidemic Progression?—a Cross-Country Comparative Evaluation Using Epidemiokinetic Tools. Journal of General Internal Medicine. 2021;36(3):746-52. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7806254/

14. McGrail DJ, Dai J, McAndrews KM, Kalluri R. Enacting national social distancing policies corresponds with dramatic reduction in COVID19 infection rates. 2020;15:e0236619-e.

Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0236619

15. Lai S, Ruktanonchai NW, Zhou L, Prosper O, Luo W, Floyd JR, et al. Effect of non-pharmaceutical interventions to contain COVID-19 in China. Nature. 2020;585(7825):410-3. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41586-020-2293-x

16. Hadjidemetriou GM, Sasidharan M, Kouyialis G, Parlikad AK. The impact of government measures and human mobility trend on COVID-19 related deaths in the UK. Transportation Research Interdisciplinary Perspectives. 2020;6:100167-. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2590198220300786

17. Heo G, Apio C, Han K, Goo T, Chung HW, Kim T, et al. Statistical estimation of effects of implemented government policies on covid-19 situation in south korea. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2021;18(4):1-12. Disponível em: https://www.mdpi.com/1660-4601/18/4/2144/htm

18. Ferguson NM, Laydon D, Nedjati-Gilani G, Imai N, Ainslie K, Baguelin M, et al. of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand. Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-NPI-modelling-16-03-2020.pdf

19. Da Silva LLS, Lima AFR, Polli DA, Razia PFS, Pavão LFA, De Hollanda Cavalcanti MAF, et al. Social distancing measures in the fight against covid-19 in brazil: Description and epidemiological analysis by state. Cadernos de Saude Publica. 2020;36(9). Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/gR6mkQmSqBHqvZb5YMNYjxD/?lang=en

20. Hale T, Webster S, Petherick A, Phillips T, Kira B.  Oxford  COVID-19  Government  Response Tracker,  Blavatnik  School  of  Government; 2020.  https://www.bsg.ox.ac.uk/research/research-projects/coronavirus-government-response-tracker

21.  Fortaleza CMCB, Guimarães RB, De Almeida GB, Pronunciate M, Ferreira CP. Taking the inner route: Spatial and demographic factors affecting vulnerability to COVID-19 among 604 cities from inner São Paulo State, Brazil. Scopus. 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7324662/

22. De Andrade LOM, Filho AP, Solar O, Rígoli F, De Salazar LM, Serrate PCF, et al. Social determinants of health, universal health coverage, and sustainable development: case studies from Latin American countries. Lancet (London, England). 2015;385(9975):1343-51. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25458716/

23. Petherick A, Kira B, Barberia L, Furst R, de Janeiro Rafael Goldszmidt R, de Janeiro Maria Luciano R, et al. Brazil's fight against COVID-19: risk, policies, and behaviours. 2020. Disponível em: https://github.com/OxCGRT/Brazil-

24. de Moraes RF. Determinants of physical distancing during the covid-19 epidemic in Brazil: Effects from mandatory rules, numbers of cases and duration of rules. Ciencia e Saude Coletiva. 2020;25(9):3393-400. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/FCZCydTmk3GG7HnhGX83yyn/?lang=en