A COMPREENSÃO DO VIVIDO DA MULHER SURDA SOBRE O ATENDIMENTO NA CONSULTA GINECOLÓGICA
UNDERSTANDING THE EXPERIENCE OF DEAF WOMEN REGARDING CARE IN GYNECOLOGICAL CONSULTATIONS
COMPRENDER LA EXPERIENCIA DE LAS MUJERES SORDAS ANTE LA ATENCIÓN EN LA CONSULTA GINECOLÓGICA
Autores:
1. Grace Kelly Silva de Freitas - Enfermeira - Mestre em Enfermagem
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7287-4896
2. Guilherme Sacheto Oliveira - Enfermeiro - Mestre em Enfermagem - Prof. junto à Faculdade de Enfermagem da FUPAC - Leopoldina
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2642-7320
3. Anna Maria de Oliveira Salimena - Enfermeira - Doutora em Enfermagem - Afiliação: Universidade Federal de Juiz de Fora
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7799-665X
4. Natália Maria Vieira Pereira Caldeira - Doutora em Ciências. Prof. Adjunta junto à Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal
de Juiz de Fora. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4231-7116
5. Monalisa Claudia Maria da Silva - Doutora em Saúde. Professora Adjunta Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz
de Fora. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-6185-5171
6. Luciano Chaves Dutra da Rocha - Enfermeiro
Orcid: https://orcid.org/0009-0005-1481-8377
7. Adriana Maximiano - Supervisora da Atenção Primária à Saúde
Orcid: https://orcid.org/0009-0008-6963-0592
8. Zuleyce Maria Lessa Pacheco - Doutora em Enfermagem. Professora da Faculdade de enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9409-8971
RESUMO:
Objetivo: Desvelar os sentidos do movimento existencial de ser mulher surda universitária e seu vivido na consulta ginecológica para o rastreamento do câncer de colo de útero. Método: Trata-se de um estudo qualitativo, utilizando como alicerce teórico, metodológico e filosófico a abordagem fenomenológica heideggeriana. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista aberta. Resultado: Em todo o processo de atendimento há presença da barreira de comunicação, resultando na falha da promoção do cuidado, pois a mulher necessita de uma terceira pessoa como interlocutora devido à falta de profissionais intérpretes nas instituições de saúde. Conclusão: A falta de acessibilidade para as mulheres surdas durante o atendimento nos serviços de saúde propicia uma posição de fragilidade, tornando-as ainda mais vulneráveis por não receberem o cuidado integral pelos profissionais de saúde.
DESCRITORES: Serviços de Saúde da Mulher; Exame ginecológico; Surdez; Barreiras ao acesso aos cuidados de saúde; Cuidados de Enfermagem.
ABSTRACT
Objective: To reveal the meanings of the existential movement of being a deaf university student and her experience in the gynecological consultation for cervical cancer screening. Method: This is a qualitative study, using the Heideggerian phenomenological approach as a theoretical, methodological and philosophical foundation. Data collection was carried out through open interviews. Result: Throughout the care process, there is a communication barrier, resulting in the failure of care promotion, as the woman needs a third person as an interlocutor due to the lack of interpreters in health institutions. Conclusion: The lack of accessibility for deaf women during health care services creates a fragile position, making them even more vulnerable due to not receiving comprehensive care from health professionals.
DESCRIPTORS: Women's Health Services; Gynecological Examination; Deafness; Barriers to Access to Health Care; Nursing Care.
RESUMEN:
Objetivo: Revelar los significados del movimiento existencial de ser una mujer universitaria sorda y sus vivencias durante la consulta ginecológica de tamizaje de cáncer de cuello uterino. Método: Se trata de un estudio cualitativo, utilizando como fundamento teórico, metodológico y filosófico el enfoque fenomenológico heideggeriano. La recolección de datos se realizó a través de entrevistas abiertas. Resultado: Existe una barrera de comunicación durante todo el proceso de atención, lo que genera una falta de promoción de la atención, ya que la mujer necesita una tercera persona como interlocutora debido a la falta de intérpretes profesionales en las instituciones de salud. Conclusión: La falta de accesibilidad de las mujeres sordas a los servicios de salud crea una posición frágil, haciéndolas aún más vulnerables al no recibir atención integral por parte de los profesionales de la salud.
DESCRIPTORES: Servicios de Salud de la Mujer; Examen ginecológico; Sordera; Barreras de acceso a la atención sanitaria; Cuidados de enfermería.
Recebido: 09/09/2024 Aprovado: 02/10/2024
Tipo de artigo: Artigo qualitativo
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 garante o acesso à saúde para todos, livre de preconceitos relacionados à raça, cor, origem, gênero, condição social ou deficiência, como estabelecido pelos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) (1-3).
Globalmente, existem cerca de 500 milhões de surdos e, até 2050, esse número deverá atingir um bilhão, com uma em cada quatro pessoas vivendo com algum grau de surdez (4). No Brasil, 4% das mulheres entre 15 e 64 anos têm algum grau de surdez (5).
Pessoas surdas frequentemente enfrentam desafios no acesso aos serviços de saúde devido à falta de profissionais capacitados em língua brasileira de sinais (Libras), o que compromete a qualidade da assistência, a compreensão dos diagnósticos e tratamentos. Mesmo com a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (PNSPD), a adequação dos serviços de saúde para garantir uma abordagem equânime ainda é necessária (6-8).
O câncer de colo do útero (CCU) é o terceiro mais comum entre mulheres, com 17.010 novos casos estimados para 2023 no Brasil. A detecção precoce é crucial para a cura, mas mulheres surdas têm menor acesso a informações sobre rastreamento e fatores de risco devido à falta de materiais educacionais em Libras e à dificuldade de comunicação com os profissionais de saúde (8-10).
Este estudo tem como objetivo desvelar os sentidos do movimento existencial de ser mulher surda universitária e seu vivido na consulta ginecológica para o rastreamento do CCU.
MÉTODO
Este é um estudo qualitativo orientado pela ferramenta Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) (11). Utilizou-se a abordagem fenomenológica heideggeriana (12) como base teórica e metodológica para explorar a experiência de ser mulher surda universitária, abordando o fenômeno do Dasein e suas implicações na consulta ginecológica para rastreamento do CCU (12-13).
As participantes foram mulheres surdas matriculadas na Faculdade de Letras, curso de Licenciatura em Letras Libras, de uma instituição pública federal na região Sudeste do Brasil. A coleta de dados ocorreu em setembro e outubro de 2019, incluindo mulheres maiores de 18 anos, surdas, sexualmente ativas, matriculadas e que realizaram pelo menos uma consulta para rastreamento do CCU. Foram excluídas mulheres com agravos mentais.
Antes de contatar as participantes, a pesquisadora principal, com a ajuda de um bolsista, produziu um vídeo traduzido em Libras do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e do instrumento de coleta de dados. Um texto explicativo sobre a pesquisa foi enviado à coordenadora do curso, que criou um vídeo de apresentação e forneceu os contatos das possíveis participantes. A pesquisadora, então, gravou e enviou um vídeo educativo adaptado pelo WhatsApp.
Foi realizado um teste piloto com duas mulheres surdas para ajustar o roteiro de entrevista. A seleção das participantes seguiu o método de amostragem teórica não probabilística, conhecida como amostragem bola de neve (14), que envolveu quatro etapas:
Figura 1- Rede de contato acionadas
Fonte: os autores (2024)
Os depoimentos foram analisados em dois momentos metodológicos conforme proposto por Heidegger (12). O primeiro momento consistiu na Compreensão Vaga e Mediana, que envolveu a transcrição dos depoimentos das participantes para entender o fenômeno em questão e o modo de ser das depoentes. O segundo momento, denominado movimento analítico hermenêutico, concentrou-se em revelar os sentidos do movimento existencial de ser mulher surda universitária e a experiência da consulta ginecológica para o rastreamento do CCU.
A análise dos depoimentos resultou em duas unidades de significação (US): US1 - a insegurança causada pela falta de compreensão e a ausência de um intérprete nos serviços de saúde, que gera a dependência de um acompanhante; US2 - os obstáculos na comunicação, que provocam insatisfação, nervosismo, dor, medo, estranheza e constrangimento. A partir dessas US e utilizando o método intuitivo, buscou-se compreender o sentido da experiência vivida pelo ser, com o objetivo de desvelar as múltiplas facetas do fenômeno investigado.
Para garantir o sigilo e a confidencialidade das participantes, elas foram identificadas pela letra M (Mulher), seguida por números ordinais (de M1 a M8). Este estudo atendeu às recomendações da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com o nº CAAE 3.558.942.
RESULTADOS
Participaram deste estudo oito mulheres surdas, com faixa etária variando de 20 a 34 anos. Das participantes, 62,5% se autodeclararam brancas e 37,5% pardas. Em relação à renda mensal, 62,5% informaram receber de um a quatro salários-mínimos, enquanto 37,5% declararam não possuir renda própria. Todas eram solteiras e nulíparas. A partir na análise, emergiram duas categorias temáticas.
Os resultados demonstraram que os sentidos movimento existencial de ser mulher surda universitária e o vivido da consulta ginecológica para o rastreamento do câncer de colo de útero perpassam por fatores que interferem na sua assistência.
US1- A insegurança em não ser compreendida e a ausência de um intérprete nos serviços de saúde geram a dependência de um acompanhante
Me sinto insegura, na recepção não perguntam se os pacientes são deficientes, para colocar a prioridade pro médico rápido, mais atenção [...]. No meu ponto de vista, em geral na área de saúde, eles (os profissionais de saúde) sempre atendem os pacientes, mas não se preocupam e não perguntam se são deficientes [...]. Tem diferença de atender paciente comum e com deficiência. (M1)
Precisam de ter intérpretes para nós (surdas), ter o intérprete de libras é fundamental. (M2)
É difícil ir para a consulta sozinha, a comunidade surda sempre depende da mãe ou de um intérprete. (M4)
No exame, o ginecologista faz algumas perguntas antes de falar pra eu me trocar. Mas parece que aquelas perguntas não estão sendo feitas pra mim sabe? E sim pra minha mãe. Porque ele não olha pra mim. Acho que é falta de costume [...]. Seria bom também eles (profissionais da saúde) saberem libras, pra não precisar ficar dependente dos outros. Ter que levar alguém me dá vergonha. Às vezes eu até prefiro deixar de ir. (M5)
US2- Os entraves na comunicação são geradores de insatisfação, nervosismo, dor, medo, estranheza e constrangimento
Falta acesso, cuidado mesmo na interação com o médico, no tratamento e na avaliação do nosso corpo [...]. Eu não entendi muito bem como foi realizado o procedimento (coleta de Papanicolau), pois, fui sozinha e o profissional não entendeu as minhas dúvidas. (M1)
Fiquei nervosa, porque era um profissional (ginecologista) que eu ainda não conhecia, porque a outra que eu conhecia estava de férias. Aí eu precisei explicar pra ele a minha situação (de eu ser surda) e ele teve um pouco de dificuldade de me entender. Resolvi ir para um consultório particular junto com uma intérprete minha amiga. (M2)
É estranho porque eu não entendo muito como funciona o exame, o que ele, o médico ou enfermeiro, coloca lá dentro (da vagina), às vezes dá até um incômodo, um medo, não sei se é normal. Não gosto muito de fazer, é estranho e não dá pra saber muito o que está acontecendo. (M5)
Às vezes é difícil porque demoram muito para entender a gente, igual quando tá sentindo dor (durante o exame especular). A médica não conseguiu fazer todo um questionário que ela preencheu da última vez, mas depois ela fez o exame bem rápido aí eu vesti a roupa e fui embora. Ela falou que é pra eu voltar daqui um ano. (M7)
As pessoas não entendem muito o que falo [...]. No exame de papanicolau não consigo falar muito, mesmo estando com um acompanhante, [...]é uma situação meio constrangedora, da parte do exame em si. Tento fazer algumas perguntas na primeira parte que estamos na mesa. Mas depois do exame, ficamos mais sem falar até acabar. (M8)
DISCUSSÃO
No atendimento às mulheres surdas, a comunicação frequentemente se revela um desafio significativo. No entanto, a enfermagem possui o potencial de superar essas barreiras ao oferecer informações claras e precisas sobre o exame de rastreamento do CCU. O objetivo é empoderar as mulheres, promovendo conhecimento e autonomia em relação aos cuidados com a saúde. Contudo, nas narrativas das participantes deste estudo, os enfermeiros são mencionados apenas de forma genérica, como "profissionais de saúde", evidenciando uma percepção comum que considera o médico ginecologista como o único responsável pelo procedimento de rastreamento do CCU. Esta visão contraria a Resolução COFEN nº 381/2011 (15-17).
A mulher surda se ocupa das coisas, sendo-no-mundo a partir da significância de coisas e pessoas que pertencem ao seu entorno, por meio de suas referências significativas (a mãe, o médico, o profissional de saúde) e entendendo suas limitações em se fazer ser compreendida pelo outro que, diferente dela, desconhece a Língua de Sinais. Isto a priva de sua potencialidade em ser ela mesma, e com isso, a falta de comunicação efetiva pode gerar sentimento de insegurança e desconfiança, resultando no afastamento da mulher dos profissionais de saúde e comprometendo o vínculo com estes e com o serviço. (18-19) Neste sentido, é válido o questionamento de como essas barreiras corroboram para a ausência da figura do enfermeiro nas falas das participantes.
Segundo Heidegger, o ser-aí (Dasein) é a forma de existência que permite ao ser projetar-se em suas possibilidades. Enquanto outros entes simplesmente são, o Dasein tem a capacidade de se lançar para fora de si mesmo (12). A mulher surda, ao viver essa condição existencial, enfrenta uma privação da potencialidade do Dasein. Ela precisa ser analisada ontologicamente como uma privação e onticamente como ser-surda. Ao se comparar com os outros, a mulher surda percebe-se mais restrita em sua capacidade de responder às exigências do cotidiano, evidenciado nas limitações de comunicação e na sensação de impotência, que poderia ser aliviada com a competência em Libras por parte dos profissionais de saúde.
As participantes destacaram a falta de intérpretes e o desconhecimento da Libras pelos profissionais de saúde, obrigando-as a serem acompanhadas por familiares, geralmente a mãe. Esse cenário cria dependência e sentimentos de vergonha durante o exame de rastreamento do CCU. Além disso, muitas mulheres surdas enfrentam o desafio de negligenciar suas próprias necessidades de saúde, resultando em uma compreensão inadequada dos serviços oferecidos e da importância do rastreamento do CCU (20).
A mulher surda frequentemente enfrenta dúvidas sobre o procedimento ginecológico, como as sensações esperadas durante a inserção do espéculo e a coleta do material citopatológico. Ela pode também encontrar dificuldades em comunicar adequadamente seus incômodos, dores e sentimentos (18-20).
Heidegger descreve o discurso cotidiano como uma forma de comunicação que busca manter o ser na possibilidade de compreender. O homem, como ente que tem uma relação singular com seu ser, é o único capaz de acessar e extrair o sentido do ser (12). Assim, os ruídos de comunicação entre profissionais de saúde e mulheres surdas podem impactar o acesso ao ser-aí dessas mulheres.
O cotidiano, conforme Heidegger, é o modo de estar imerso nas preocupações diárias, onde as escolhas são limitadas. Para a mulher surda submetida à coleta citopatológica, o vivido ocorre em um profundo silêncio, revelando um estado de inautenticidade e impessoalidade. O medo pode levar a mulher surda a não atribuir sentido à necessidade real do rastreamento, deixando que outros e as circunstâncias o façam, resultando em uma alienação de si mesma e um estado de não-ação (12).
O temor, segundo Heidegger, pode ser compreendido em três dimensões: o que se teme, o temer e o pelo que se teme. Para as mulheres surdas, o medo de não ser compreendida e de sentir dor durante o exame é um temor esperado, mas o desconhecido pode transformá-lo em horror (12).
Para aqueles que não vivenciam a surdez, pode ser difícil entender a exclusão e a ambiguidade causadas pela falta de comunicação. No entanto, é crucial reconhecer que a comunicação vai além da transmissão de informações; inclui a partilha da experiência sensorial do mundo, moldada por nossas capacidades auditivas, visuais, táteis, olfativas e gustativas. Portanto, a reflexão sobre o desafio da comunicação com mulheres surdas deve ir além do aspecto técnico e instrumental. A linguagem é uma dimensão essencial da nossa existência, que nos permite revelar o significado do mundo e de nós mesmos (20).
Ao se calar ou ao delegar a um intérprete, a mulher surda não revela suas angústias, queixas e desconhecimento, sentindo-se envolvida por vergonha, receio, inquietação, dor e medo. Ela experimenta um estado de passividade, imposto pela incompreensão de seu mundo e de seus significados (18).
O mundo é mais do que um espaço geográfico; é o contexto das relações estabelecidas entre os seres, imerso na cotidianidade e nas situações previsíveis e imprevistas (12). As mulheres surdas se sentem inseguras em seu itinerário terapêutico devido ao atendimento recebido, desde a recepção. Elas se esforçam para serem compreendidas e são responsabilizadas por trazer um intérprete, apesar de isso ser um direito garantido por lei. Essa situação contraria a Constituição Federal e o princípio de equidade garantido pelo SUS (1-2;20).
As barreiras de comunicação interferem no cotidiano das mulheres surdas, prejudicando sua individualidade e resultando em um atendimento impessoal que minimiza sua identidade própria. Isso gera incômodos e angústias, afetando a adesão às recomendações de rastreamento do câncer (20-21).
A linguagem é essencial para o ser, pois permite a revelação por meio do discurso. Portanto, é necessário refletir sobre a co-pertença entre ser e linguagem, resgatando a capacidade revelatória da palavra (12).
Sentir-se insegura na recepção dos serviços de saúde demonstra que a mulher surda não se percebe inserida em um espaço público, como se ele não lhe pertencesse, contrariando o princípio de equidade. Negligenciar a mulher surda como parte da sociedade resulta em um acesso inadequado aos serviços de saúde e em baixa adesão ao rastreamento de câncer (21).
A limitação dos profissionais de saúde na comunicação com pessoas surdas compromete a prevenção, promoção da saúde e inclusão nos serviços. A falta de conhecimento da Língua de Sinais dificulta a identificação e o atendimento das necessidades dessas pessoas (18). Embora a inclusão de Libras no currículo de graduação seja importante, uma única disciplina pode não ser suficiente para suprir a barreira da comunicação (21-22).
Estudos mostram que a ausência de intérpretes resulta em uma desistência de 63% nas consultas e que 61% dos entrevistados afirmam que os profissionais de saúde não conseguem compreendê-los quando estão desacompanhados (21). Isso evidencia que a falta de intérpretes ou profissionais habilitados em Libras gera ineficiência no atendimento (22).
A ausência de profissionais fluentes em Libras é uma barreira significativa, resultando em dificuldades para um atendimento adequado. Mesmo com intérpretes, a autonomia das pacientes pode ser comprometida, pois suas experiências e necessidades podem não ser completamente valorizadas (6-7;9;15-16;18-24). O Decreto nº 5.626/2005 assegura o direito a intérpretes, mas é crucial que esses profissionais permitam a participação ativa das mulheres surdas no processo de cuidado (23). Para superar essas barreiras, é essencial reconhecer e valorizar as particularidades das mulheres surdas, promovendo práticas que melhorem o acesso e a inclusão nos serviços de saúde.
Embora o estudo forneça insights valiosos sobre a experiência das mulheres surdas no rastreamento do CCU, ele apresenta limitações devido o tamanho da amostra que pode não representar a diversidade total e a análise de depoimentos transcritos pode não capturar todas as nuances da comunicação não verbal. A falta de comparação com mulheres ouvintes também limita a compreensão das barreiras de comunicação.
No entanto, o estudo destaca a necessidade de compreender as demandas específicas das mulheres surdas e de preparar melhor os profissionais de saúde. A pesquisa enfatiza a importância de desenvolver habilidades comunicativas, como o uso de recursos visuais e a disponibilidade de intérpretes de Libras, para melhorar a eficácia do atendimento.
CONCLUSÃO
Ao compreender os sentidos do movimento existencial de ser mulher surda universitária e o vivido da consulta ginecológica para o rastreamento do câncer de colo de útero, verifica-se que essas mulheres, na interação com os profissionais de saúde, deparam com a barreira da falta de domínio da linguagem de sinais o que dificulta uma comunicação efetiva, pois não se alcança a interação profissional cliente.
As participantes do estudo revelam o medo de não serem compreendidas, de sentirem dor durante o exame, vergonha, receio, inquietação. Por vezes, quando na consulta existe a presença de um terceiro, que a acompanha, ela também se percebe invisível, em um estado de passividade, por delegar ao outro as respostas aos questionamentos do profissional de saúde.
Durante a coleta do exame ginecológico, ela não é protagonista, nem está no centro das ações, mas sim, percebe seu corpo como um objeto de intervenção, entregue ao tecnicismo, tem a percepção de que seus desejos, sentimentos e questionamentos não são valorizados. Elas vivenciam um atendimento ginecológico impessoal, minimizando a sua identidade, gerando incômodos e angústias perpetuando atitudes preconceituosas enraizadas cultural e historicamente.
Faz-se necessário, portanto, que a inclusão de medidas educativas para o acolhimento dessas mulheres, desde o momento da graduação, com a finalidade de promover a eficácia atendimento, perpassando pela compreensão e autonomia e garantia de direitos a saúde. E para uma compreensão mais aprofundada das necessidades e desafios enfrentados pelas mulheres surdas em contextos de saúde, futuras pesquisas poderiam se beneficiar de amostras maiores e metodologias que integrem diferentes abordagens. Além disso, uma análise mais aprofundada sobre a formação dos profissionais de saúde em Libras pode oferecer uma visão mais detalhada sobre como aprimorar a comunicação e o atendimento.
REFERÊNCIAS