MORTALIDADE NA IDADE REPRODUTIVA (15-49 ANOS): RELAÇÕES DE SEXO, RAÇA E GÊNERO

MORTALITY IN REPRODUCTIVE AGE (15-49 YEARS): SEX, RACE AND GENDER RELATIONS

MORTALIDAD EN EDAD REPRODUCTIVA (15-49 AÑOS): RELACIONES DE SEXO, RAZA Y GÉNERO

Ana Priscila Eleodoro Rosa - Enfermeira. Mestre em Ciências. Departamento de Medicina Social. Universidade de São Paulo/USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2196-3178 0000-0002-2196-3178

João Paulo Lima Moreira - Doutor em Ciências. Departamento de Medicina Social. Universidade de São Paulo/USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6015-0815

Luciane Loures dos Santos - Professora Doutora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2585-1544

João Paulo Souza - Professor Titular do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2288-4244

Amaury Lelis Dal Fabbro - Professor Titular do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0824-4603

RESUMO

Objetivo: Analisar as características dos óbitos de pessoas de 15 a 49 anos em Ribeirão Preto, São Paulo, em 2019, comparando mortes de mulheres em idade fértil e homens. Método: estudo observacional transversal que abrangeu todas as declarações de óbito de residentes no município. Resultados: Foram registrados 441 óbitos na faixa etária analisada, sendo 303 masculinos e 138 femininos. A maioria dos óbitos em pessoas de pele branca (72,3%), não casadas (77,1%) e residentes da zona norte (42,9%), com 69,8% dos registros realizados em serviços de saúde. As principais causas de morte entre mulheres foram neoplasias (23,9%), doenças do aparelho circulatório (21,7%) e doenças respiratórias (13%). Entre os homens, destacaram-se causas externas (35%) e doenças circulatórias (13,9%). Conclusão: a população masculina apresentou maior perda de anos potenciais de vida. As diferenças de mortalidade podem ser atribuídas a fatores biológicos e sociais, ressaltando a necessidade de mudanças culturais relacionadas ao gênero.

DESCRITORES: Saúde da Mulher, Mortalidade, Estudos de Gênero, Epidemiologia.

ABSTRACT

Objective: To analyze the characteristics of deaths of people aged 15 to 49 in Ribeirão Preto, São Paulo, in 2019, comparing deaths of women of childbearing age and men. Method: Cross-sectional observational study that covered all death certificates of residents in the municipality. Results: A total of 441 deaths were recorded in the age group analyzed, 303 males and 138 females. Most deaths were among white-skinned people (72.3%), unmarried (77.1%) and residents of the northern zone (42.9%), with 69.8% of the records made in health services. The main causes of death among women were neoplasms (23.9%), diseases of the circulatory system (21.7%) and respiratory diseases (13%). Among men, external causes (35%) and circulatory diseases (13.9%) stood out. Conclusion: the male population presented a greater loss of potential years of life. Mortality differences can be attributed to both biological and social factors, highlighting the need for gender-related cultural changes.

DESCRIPTORS: Women's Health, Mortality, Gender Studies, Epidemiology.

RESUMEN

Objetivo: Analizar las características de las muertes de personas de 15 a 49 años en Ribeirão Preto, São Paulo, en 2019, comparando las muertes de mujeres en edad fértil y hombres. Método: estudio observacional transversal que abarcó todas las declaraciones de defunción de residentes en el municipio. Resultados: Se registraron 441 muertes en el grupo de edad analizado, de las cuales 303 fueron masculinas y 138 femeninas. La mayoría de las muertes correspondieron a personas de piel blanca (72,3%), no casadas (77,1%) y residentes de la zona norte (42,9%), con el 69,8% de los registros realizados en servicios de salud. Las principales causas de muerte entre las mujeres fueron neoplasias (23,9%), enfermedades del aparato circulatorio (21,7%) y enfermedades respiratorias (13%). Entre los hombres, destacaron las causas externas (35%) y enfermedades circulatorias (13,9%). Conclusión: la población masculina presentó una mayor pérdida de años potenciales de vida. Las diferencias en la mortalidad pueden atribuirse a factores biológicos y sociales, destacando la necesidad de cambios culturales relacionados con el género.

DESCRIPTORES: Salud de la Mujer, Mortalidad, Estudios de Género, Epidemiología.

Recebido: 20/10/2024  Aprovado: 31/10/2024


Tipo de artigo:
Artigo Original

INTRODUÇÃO

A saúde e a doença são expressões da complexa interação dos corpos das pessoas com forças e contextos sociais e ecológicos.1,2 Encerrando o ciclo de vida, a morte resulta de um processo multifatorial não restrito às condições biomédicas. Dentro dessa perspectiva, o sexo dos corpos e o gênero das pessoas influenciam o processo saúde-doença e contribuem para os padrões de mortalidade. Não apenas porque o sexo biológico se associa a determinadas condições biomédicas e o gênero a certos padrões de comportamentos e exposições a risco, mas também porque sexo e gênero podem influenciar o acesso aos serviços de saúde e outros determinantes do processo saúde doença3. Da mesma forma, o complexo cor-raça-etnia se constitui em um determinante fundamental do processo saúde doença das pessoas4.

Nesse contexto, a morte que ocorre antes dos 70 anos de idade é considerada prematura e amplamente evitável.5 Um subconjunto da mortalidade prematura, aquela que ocorre entre 15 e 49 anos, é especialmente relevante por ser nesse período em que boa parte das pessoas atinge sua máxima produtividade econômica e social. Nas mulheres, essa faixa etária coincide com a idade reprodutiva, e a mortalidade nessa idade pode se apresentar como mortalidade relacionada à gestação, parto e puerpério. De toda forma, a morte de indivíduos nessa faixa etária provoca desestruturação significativa nas famílias e comunidades, configurando-se como uma verdadeira tragédia social 6.

Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) sugerem que entre 2015 e 2019 tenham ocorrido aproximadamente 40 milhões de óbitos de pessoas de 15 a 49 anos de idade em todo o mundo, sendo 16 milhões de mortes de pessoas do sexo feminino e 24 milhões de pessoas de sexo masculino. Esses óbitos correspondem a 11,8% do total do sexo feminino e 16,1% dos óbitos do sexo masculino nesse período 7. 

Esses anos, em especial o ano de 2019, é de importância fundamental para caracterizar os padrões de morbimortalidade existentes antes da pandemia de COVID-19, que se mostrou como um grande modificador dos padrões de morbimortalidade a partir de 2020.

No Brasil, em 2019, foram registradas 214.504 mortes de pessoas entre 15 e 49 anos, sendo 62.554 mulheres (29,2%) e 151.925 homens (70,8%) 8.

Tomando um município brasileiro como fonte de dados e considerando possíveis aspectos de sexo/gênero e de raça, o presente estudo buscou realizar uma análise comparativa dos padrões de mortalidade de pessoas de 15 a 49 anos, de acordo com o sexo.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, transversal, no qual foram identificados e classificados os óbitos de pessoas de 15 a 49 anos de idade, coletados através das declarações de óbito dos cartórios do município de Ribeirão Preto relativos ao ano de 2019.

O município de Ribeirão Preto fica situado no interior do estado de São Paulo, Brasil. Em 2019, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística possuía 698.259 habitantes. Pertence ao Departamentos Regionais de Saúde (DRS) XIII, composto por 26 municípios, sendo Ribeirão Preto a sede e a referência em atendimento terciário e quaternário em saúde 9,10.

O município de Ribeirão Preto organiza a assistência à saúde em distritos; segundo o censo de 2010, o distrito ou zona central possuía 18.599 habitantes, a zona norte tinha 205.185 pessoas, a sul: 58.363, a leste: 129.934, oeste: 180.780 habitantes e Bomfim Paulista, 11.812 mil habitantes 11. Para o ano de 2019, para a faixa etária de 15 a 49 anos em Ribeirão Preto estimava-se que havia 183.870 homens e 187.914 mulheres 12.

Foram coletados dados de todas as declarações de óbitos (DO) de pessoas que residiam e foram a óbito no município de Ribeirão Preto/SP no ano de 2019, no período de 01/02/2021 a 31/10/2021, de ambos os sexos. Foi utilizada a classificação de idade fértil das mulheres dos 15 aos 49 anos, seguindo o referencial teórico da Organização Mundial da Saúde (OMS)13.

Os óbitos no Brasil são atestados por médicos por meio da DO, realizado em três vias, e além de suas funções legais tem o objetivo fornecer dados estatísticos de mortalidade. Ela é dividida em 9 blocos, cartório, identificação, residência, ocorrência, óbito fetal ou menor de um ano, condições e causas do óbito, médico, causas externas e localidade sem médico. E dentro de cada bloco há um conjunto de lacunas a serem preenchidas14.

No preenchimento das “causas básicas do óbito”, ela é definida como aquela que desencadeou os demais fatores patogênicos que levaram a morte, e na linha “a” é inserido o motivo que levou a pessoa a óbito. Ao lado é atestado o tempo entre o início da doença e a morte, e o capítulo da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) a qual pertence 14.

Posteriormente ao preenchimento da DO, o cartório registra e entrega à família uma cópia da Certidão de Óbito, documento menos detalhado que apresenta entre outros dados, cor, sexo, idade, estado civil, dados do sepultamento e as causas que levaram a pessoa a óbito. Esse documento é essencial para o Registro Civil e não é substituído pela DO.

Por meio das declarações de óbito foram obtidos dados relacionados a pessoa como: naturalidade, sexo, raça/cor, data de nascimento, estado civil, profissão e endereço de residência. Foram colhidos dados relacionados ao óbito, sendo: data do óbito, hora do óbito, causas da morte, local de ocorrência (residência, serviço de saúde, via pública) e se eram ou não morte por causas não naturais, se sim, foi preenchido como causas: suicídio, homicídio, acidente. Tais dados foram analisados e agrupados de acordo com as causas básicas de morte da CID-10.

Importante ressaltar que a variável cor foi registrada de acordo com a percepção do médico que atestou o óbito. Consideramos neste estudo como não brancos os classificados como pretos e pardos e amarelos e os demais como brancos, uma vez que na amostra houve um óbito de mulher de 43 anos de cor denominada amarela, dois não classificados e nenhum considerado indígena.

Em relação as causas externas são definidas como óbitos intencionais ou não, provenientes de acidentes domésticos, de trabalho, afogamentos, acidentes de trânsito, homicídios, e as lesões autoprovocadas que culminam em suicídios. Nesse estudo foram classificadas em: acidentes, homicídios, suicídio e outros. Foi realizada uma busca na base de dados Google, buscando-se informações adicionais sobre os homicídios femininos e sua possível caracterização pública como feminicídio.

Os dados foram digitados no programa REDCAP®, e importados para o Excel®, e analisados no programa estatístico PSPPIRE®. Foram calculadas frequências simples e proporções. Para a variável idade, foi calculado média, desvio padrão, intervalo de confiança de 95% e mediana. Foram realizados testes para avaliar a distribuição da variável idade, dividindo-se os parâmetros de Skewness e Kurtosis pelos seus respectivos erros padrão. Devido a não-normalidade da variável foi realizado teste de Kruskal-Wallis. Para avaliação de variáveis categóricas associadas a mortalidade não natural, foi usado a razão de chances (odds ratio).

Esse estudo faz parte do projeto temático “Estudos sobre mortalidade no município de Ribeirão Preto”. O Projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Parecer: 4.543.831). A coleta de dados das declarações de óbito, foram realizadas mediante autorização do juiz corregedor da comarca de Ribeirão Preto.

RESULTADOS

Em 2019 ocorreram 4.394 óbitos em Ribeirão Preto, resultando em um coeficiente de mortalidade geral de 6,25/1.000 habitantes. Desses, 2.318 (52%) foram de homens e 2.076 (48%) de mulheres. Na faixa etária de 15 a 49 anos, foram registrados 138 óbitos femininos (3,1% do total de óbitos de mulheres) e 303 óbitos masculinos (6,8% do total de óbitos de homens). O coeficiente de mortalidade nessa faixa etária foi de 0,73/1.000 para mulheres e 1,64/1.000 para homens.

A mortalidade aumentou com a idade em ambos os sexos, concentrando-se principalmente entre 40 e 49 anos. Quanto às características dos óbitos, a maioria dos indivíduos era de raça-cor branca (72,3%), sem companheiro (77,1%), residentes da Zona Norte (42,9%) e faleceu em serviços de saúde (69,8%). Causas naturais representaram 73,2% dos óbitos, enquanto causas não naturais corresponderam a 28,8%, predominando acidentes, seguidos de homicídios e suicídios.

As mulheres que foram a óbito eram majoritariamente brancas (73,2%), sem companheiro (76,1%), residentes da Zona Norte (39,9%) e faleceram em serviços de saúde (85,5%). Entre os homens, as proporções foram semelhantes: brancos (71,9%), sem companheiro (77,6%), residentes da Zona Norte (44,2%) e óbitos em serviços de saúde (62,7%).

O Gráfico 1 apresenta a distribuição das causas de óbitos de acordo com os capítulos de CID-10. Para o sexo feminino, as causas de morte mais frequentes foram neoplasias (23,9%), doenças do aparelho circulatório (21,7%), doenças do aparelho respiratório (13%).

Em 2019, ocorreram dois óbitos maternos em Ribeirão Preto (0,2% das mortes femininas), entretanto apenas um possuía este registro originalmente na DO; o outro óbito materno estava identificado como “causa indeterminada” e foi reclassificado posteriormente pelo Comitê de Morte Materna do município. Das causas externas na população feminina foi reconhecido um caso de feminicídio. Para o sexo masculino, as principais causas de óbito foram as causas externas (35%), doenças do aparelho circulatório (13,9%) e neoplasias (13,5%).

Gráfico 1: Distribuição das causas de óbito de acordo com capítulos CID-10. Ribeirão Preto-SP,2019.

Fatores associados ao óbito por causas externas foram avaliados considerando o risco relativo com intervalo de confiança de 95% (IC95%). Observou-se uma associação significativa entre esse tipo de óbito, sexo masculino e não casados.

Na tabela 01 observa-se que a razão de chance de uma pessoa do sexo masculino ir a óbito por causas externas é quase quatro vezes maior que uma pessoa do sexo feminino (OR 3,68; IC95% 2,14 – 6,31) na faixa etária analisada. Quando se considera a interseção raça/cor e sexo, tendo população feminina-branca como referência, o risco relativo de pessoa de sexo masculino e cor branca ir a óbito é 3,29 vezes maior (IC95% 1,77 – 6,11) e no caso de ser sexo masculino e cor preta/parda chega a ser 4,04 vezes (IC95% 2,12 – 7,69).


Tabela 1: Fatores associados com a mortalidade por causas não naturais de pessoas de 15 a 49 anos em Ribeirão Preto (2019)

 

Mortalidade Não-Natural

Razão de Prevalências

Fração Mortalidade Não-Natural

 

Sim

Não

(95% CI)

 

Todos

118

323

26,76%

Sexo

Feminino

13

125

1,00

9,42%

Masculino

105

198

3,68 (2,14 - 6,31)

34,65%

Cor

Branca

81

238

1,00

25,39%

Preta e outras

37

85

1,19 (0,86 - 1,66)

30,33%

Intersecção Sexo-Cor

Feminina-Branca

10

91

1,00

9,90%

Feminina-Não Branca

3

34

0,82 (0,24 - 2,81)

8,11%

Masculino-Branco

71

147

3,29 (1,77 - 6,11)

32,57%

Masculino-Não Branco

34

51

4,04 (2,12 - 7,69)

40,00%

Estado Civil

Casado

17

84

1,00

16,83%

Não Casado

239

101

4,18 (2,69 - 6,48)

70,29%

Intersecção Sexo-Estado Civil

Feminino-Casado

1

32

1,0

3,03%

Feminino Não Casado

12

93

3,77 (0,51 - 27,93)

11,43%

Masculino Casado

16

52

7,76 (1,08 - 56,07)

23,53%

Masculino Não Casado

89

146

12,5 (1,8 - 86,71)

37,87%

Zona

Norte

50

139

0,88 (0,33 - 2,34)

26,46%

Leste

19

58

0,82 (0,3 - 2,29)

24,68%

Oeste

30

93

0,81 (0,3 - 2,2)

24,39%

Sul

12

23

1,14 (0,4 - 3,27)

34,29%

Centro

3

7

1,00

30,00%

Bonfim Paulista

4

3

1,43 (0,4 - 5,12)

57,14%

 

 

 

 

 

A idade média na morte encontrada foi de 37,61 anos, com mediana de 40 anos de idade e desvio padrão de ±8,9 anos. Para o sexo feminino, as idades média e mediana foram maiores do que para o sexo masculinos. A população feminina apresentou menor perda de anos potenciais de vida, conforme mostra a Tabela 2.


Tabela 2: Características da idade média na morte de pessoas de Ribeirão Preto (2019)

 

N

Média

Lim.Inf.IC 95%

Lim.Sup.IC 95%

Desvio Padrão

Mediana

Kruskal Wallis

(p)

Perda de Anos Potenciais de Vida

Todas

441

37,61

36,78

38,44

8,90

40

--

32,39

Sexo

Feminino

138

38,54

37,11

39,97

8,47

41

0,164

31,46

Masculino

303

37,19

36,16

38,22

9,07

39

32,81

Cor

Branca

319

37,7

36,73

38,67

8,85

40

0,753

32,3

Não Branca

122

37,39

35,77

39,01

9,05

39,5

32,61

Intersecção Sexo-Cor

Feminina-Branca

101

37,5

35,73

39,27

8,96

40

0,02

32,55

Feminina-Preta

37

41,5

39,5

43,54

6,13

44

28,49

Masculino-Branco

218

37,8

36,6

38,98

8,82

40

32,18

Masculino-Preto

85

35,6

33,54

37,66

9,54

37

34,41

Estado Civil

Casado

101

41,46

40,23

42,69

6,25

43

<0,000

28,54

Não Casado

340

36,47

35,48

37,46

9,25

38

33,53

Zona

Norte

189

37,69

36,39

38,99

9,03

40

0,578

32,31

Leste

77

37,65

35,52

39,78

9,40

40

32,35

Oeste

123

37,6

36,03

39,17

8,82

39

32,4

Sul

35

36,00

33,15

38,85

8,29

37

34

Centro

10

41,40

36,35

46,45

7,06

43

28,6

Bonfim Paulista

7

38,14

32,05

44,23

6,59

37

31,86

Morte por causa natural

Sim

118

39,9

38,52

41,28

7,56

41

<0,000

30,1

Não

323

31,36

30,34

32,38

9,31

30

38,64

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo sugerem que uma parcela substancial do excesso de mortalidade de pessoas de 15 a 49 anos é amplamente determinado por fatores e contextos sociais, em especial as dinâmicas de gênero. Foi observada maior mortalidade entre pessoas do sexo masculino nessa faixa etária, principalmente por causas externas, que estão em grande parte relacionadas à maior violência, impulsividade e comportamentos de alto risco.

Os óbitos mais precoces foram de pessoas do sexo masculino e pretos ou pardos, em decorrência de causas não naturais. No Brasil, os homens pretos possuem maior taxa de mortalidade que os brancos, em todas as faixas etárias, excetuando-se os menores de um ano, sendo as causas externas uma das principais causas de morte dessa população 15.

A taxa de homicídios de homens pretos no Brasil em 2019 foi de 37,8 por 100 mil habitantes, enquanto a taxa de homicídios de homens brancos foi de 15,7 por 100 mil habitantes 15. Perfil de mortalidade semelhante foi encontrado em um estudo escocês, que analisou os óbitos de homens de 15 a 44 anos, em que as causas externas foram a primeira causa de óbito. Dentre essas, a morte relacionada às drogas ganhou o primeiro lugar global para esse grupo, e foi também a responsável pela maior causa de morte relacionada a desigualdades sociais 16.

Em relação ao sexo feminino, os dados analisados indicam que a principal causa de óbito foram as neoplasias, seguidas por doenças cardíacas e respiratórias. Esses achados são consistentes com um estudo que investigou os óbitos de mulheres em idade fértil nos Estados Unidos, entre 1999 e 2019. Nesse estudo, as neoplasias e as doenças cardiovasculares foram identificadas como a segunda e a terceira causas de óbito, respectivamente, ficando atrás de acidentes não intencionais. Além disso, observou-se que a maioria dos óbitos de mulheres em idade fértil ocorre a partir dos 40 anos, corroborando os resultados deste estudo 17.

No presente estudo, os óbitos por causas externas corresponderam a 9,4% dos óbitos femininos, sendo um desses caracterizado como feminicídio. O feminicídio é o mais alto grau de violência contra a mulher. Segundo a OMS, uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual, dentro de seus lares e tendo o parceiro íntimo como agressor 18,19.

O Brasil apresenta uma das mais elevadas taxas de feminicídio do mundo, com aumento de 31,46% no período de 1980 a 2019. Na realidade esse número pode ser maior por existirem evidências de subnotificação da violência contra a mulher nos serviços de saúde, e inadequação dos registros de óbito. Muitas dessas mortes, frequentemente classificadas como causas externas, não são investigadas de forma apropriada, o que compromete sua inclusão nas estatísticas de mortes relacionadas ao sexo e gênero 20.

A mortalidade prematura relacionada às dinâmicas de gênero poderia ser classificada em mortalidade diretamente, indiretamente e não relacionada ao gênero. Assim, a mortalidade materna, o feminicídio ou mesmo os abortamentos seletivos de fetos femininos (não observado em nossa amostra e mais comum no sudeste asiático) 21 seriam mortes de mulheres diretamente relacionadas ao gênero.

Por outro lado, o excesso de mortalidade prematura masculina relacionada a causas externas e, possivelmente a alguns aspectos do estilo de vida, poderiam ser classificadas como mortalidade prematura indiretamente relacionadas ao gênero.

A Zona Norte de Ribeirão Preto, de onde se originou a maioria dos óbitos, de ambos os sexos, é a região mais populosa, com o maior número de domicílios em assentamentos precários (5.539), associado ao alto índice responsáveis familiar com pouca educação formal. Esse distrito abriga também a maior parte dos óbitos de pessoas pretas e pardas, óbitos por causas externas e ocorridos na via pública 22.

Em relação ao estado civil, uma revisão sistemática que analisou 1.888.752 óbitos identificou que indivíduos não casados apresentam maior propensão a óbitos por todas as causas, neoplasias e doenças cardiovasculares, independentemente do sexo. No entanto, a associação entre não estar casado e a mortalidade por todas as causas foi mais acentuada entre os homens. Esses achados estão alinhados com os resultados deste estudo23.

Uma limitação desta análise diz respeito à fonte de dados, que classifica o sexo biológico em vez do gênero. Os dados foram coletados sob a suposição de uma correlação alta entre ambos, o que impede a consideração de aspectos essenciais da identidade e orientação sexual. Além disso, o preenchimento manual das declarações de óbito frequentemente resulta em dados incompletos e, por vezes, ilegíveis. Outra dificuldade é que algumas variáveis dependem da interpretação subjetiva do médico, como a cor do indivíduo, que é registrada de acordo com a percepção do declarante.

Os dados coletados em Ribeirão Preto indicam uma maior mortalidade entre indivíduos brancos. No entanto, no mesmo ano, a composição da população brasileira era de 46,8% pardos, 42,7% brancos, 9,4% pretos e 1,1% amarelos, conforme informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 9. Esses achados são consistentes com outro estudo que também observou uma predominância de óbitos entre indivíduos brancos, mas que destacou que a maioria das mortes de pessoas negras estava associada a atos violentos 24. Não é possível eliminar também um viés na classificação da variável raça-cor, realizada pelo profissional que realizou o preenchimento da DO, que poderia estar associada a uma tendência de embranquecimento documental da população.

Entre os pontos fortes do estudo, pode-se ressaltar que a coleta de dados foi realizada exaustivamente em todos os cartórios do município, buscando-se a coleta da totalidade dos óbitos dos residentes de Ribeirão Preto, SP, no ano de 2019.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados, foi possível observar um importante diferencial nos padrões de mortalidade masculina e feminina entre pessoas de 15 a 49 anos. Se por um lado o sistema social, político e cultural vigente ainda favorece um padrão de hegemonia masculina, por outro lado esse mesmo sistema promove um padrão de atitudes, comportamentos e estilos de vida que agregam risco e contribuem para maior mortalidade desse grupo.

A construção de um mundo mais justo e saudável passa por mudanças na maneira como se dá a formação sociocultural dos meninos e das meninas. A justiça de gênero, para além de uma questão social, é também uma questão de saúde. O processo de eliminação das injustiças de gênero, de raça e de classe social é complexo, mas contribui também para o alcance de um grau mais elevado e sustentável de saúde para todos.


REFERÊNCIAS

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AGRADECIMENTO

"O presente trabalho foi realizado com apoio da CAPES por meio do Programa de Excelência Acadêmica (PROEX)".