JOVENS COM SOP E DM2: ESTUDO DE CASOS SOBRE ATENDIMENTO PÚBLICO EM SAÚDE
YOUNG PEOPLE WITH PCOS AND T2DM: CASE STUDIES ON PUBLIC HEALTH CARE
JÓVENES CON SOP Y DM2: ESTUDIO DE CASO SOBRE ATENCIÓN EN SALUD PÚBLICA
Giovana von Dokonal Ferreira - Graduanda em Medicina pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9380-5224
Ana Paula von Dokonal Ferreira - Graduanda em Medicina pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-3041-0679
Cristina Marschall - Graduanda em Medicina pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5254-4809
Gabriela Santos Bianchin - Graduanda em Medicina pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8547-6937
Laura Daroit - Graduanda em Medicina pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1757-4065
Karol Arias Fernandes - Graduanda em Medicina pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9496-8706
Emily Nefertiti Balbinot - Graduanda em Medicina pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2316-8271
Luciano Henrique Pinto - Professor adjunto do departamento de Medicina da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. ORICD: https://orcid.org/0000-0003-0250-7502
RESUMO
Objetivo: Descrever a relação da síndrome do ovário policístico (SOP) com a diabetes mellitus tipo 2 (DM2), seus fatores de risco, bem como opções terapêuticas e as consequências desse distúrbio sobre a saúde da mulher. Método: Foi realizada a análise de quatro prontuários de pacientes portadoras da SOP no município de Joinville. Resultado: Entre 469 mulheres com SOP e DM2, 4 atendiam os critérios. Observa-se que a metformina pode ser menos eficaz para o hirsutismo em certos subgrupos, enquanto estudos indicam que o tratamento com metformina e ACH melhora parâmetros bioquímicos, mas não obesidade. Isto implica que a escolha do tratamento deve ser baseada nos sintomas, observando benefícios bioquímicos do tratamento combinado; visando os principais distúrbios endócrinos: hiperinsulinemia e hiperandrogenismo. Conclusão: Observou-se a correlação entre SOP e obesidade no desenvolvimento de diabetes e a necessidade de se estabelecer um tratamento para benefício tanto do sistema reprodutor quanto para o cardiovascular.
DESCRITORES: Síndrome do ovário policístico; Diabetes Mellitus tipo 2; Obesidade; Metformina.
ABSTRACT
Objective: To describe the relationship between polycystic ovary syndrome (PCOS) and type 2 diabetes mellitus (T2DM), its risk factors, as well as therapeutic options and the consequences of this disorder on women's health. Method: Four medical records of patients with PCOS in the city of Joinville were analyzed. Result: Among 469 women with PCOS and T2DM, 4 met the criteria. It was observed that metformin may be less effective for hirsutism in certain subgroups, while studies indicate that treatment with metformin and ACH improves biochemical parameters, but not obesity. This implies that the choice of treatment should be based on symptoms, observing biochemical benefits of combined treatment; targeting the main endocrine disorders: hyperinsulinemia and hyperandrogenism. Conclusion: A correlation between PCOS and obesity in the development of diabetes was observed and the need to establish a treatment to benefit both the reproductive and cardiovascular systems.
DESCRIPTORS: Polycystic ovary syndrome; Diabetes Mellitus type 2; Obesity; Metformin.
RESUMEN
Objetivo: Describir la relación entre el síndrome de ovario poliquístico (SOP) y la diabetes mellitus tipo 2 (DM2), sus factores de riesgo, así como las opciones terapéuticas y las consecuencias de este trastorno sobre la salud de la mujer. Método: Se realizó el análisis de cuatro expedientes de pacientes con SOP en el municipio de Joinville. Resultado: De las 469 mujeres con SOP y DM2, 4 cumplían los criterios. Se observa que la metformina puede ser menos eficaz para el hirsutismo en ciertos subgrupos, mientras que los estudios indican que el tratamiento con metformina y anticonceptivos hormonales (ACH) mejora los parámetros bioquímicos, pero no la obesidad. Esto implica que la elección del tratamiento debe basarse en los síntomas, observando los beneficios bioquímicos del tratamiento combinado, dirigido a los principales trastornos endocrinos: hiperinsulinemia e hiperandrogenismo. Conclusión: Se observó la correlación entre SOP y obesidad en el desarrollo de la diabetes, y la necesidad de establecer un tratamiento que beneficie tanto al sistema reproductivo como al cardiovascular.
DESCRIPTORES: Síndrome de ovario poliquístico; Diabetes mellitus tipo 2; Obesidad; Metformina.
Recebido: 22/10/2024 Aprovado: 03/11/2024
Tipo de artigo: Artigo Original
INTRODUÇÃO
A síndrome do ovário policístico (SOP) é uma doença prevalente e representa a principal desordem endócrino-metabólica em mulheres em idade fértil(1). Estudos apontam que mulheres com SOP têm chance aumentada para desenvolver diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e intolerância à glicose; além de em alguns casos apresentar excesso de peso. Esse tema apresenta relevância devido ao risco precoce de DM2 nesse perfil de pacientes, bem como altos índices de massa corporal – IMC – que contribui para o risco aumentado de resistência insulínica (RI).
Como as pacientes diagnosticadas com SOP são, no geral, pacientes mais jovens, o desenvolvimento de DM2 precoce pode fazer com que a mulher apresente complicações comuns da diabetes mais precocemente também, como as macrovasculares (infarto agudo do miocárdio, doença arterial periférica, acidente vascular cerebral) e microvasculares (retinopatia, neuropatia e nefropatia).
Alguns pacientes com SOP tem a obesidade como comorbidade. Trata-se de um fator que aumenta a RI e pode fazer com que a paciente desenvolva DM 2 mais facilmente. Nesse sentido, é importante que haja um apoio interdisciplinar com pacientes com SOP, uma vez que se torna necessário um acompanhamento com nutricionista, educador físico, médico e até mesmo com psicólogo. A prevenção dessa doença é algo essencial, e, quanto antes for iniciada, maiores serão os benefícios. Porém a intervenção farmacológica acaba sendo a principal, sendo o fomentador da questão norteadora desta pesquisa: Que reflexões se pode ter a respeito da farmacologia empregada em mulheres com SOP e DM2 - abaixo de 30 anos em excesso de peso – sem generalização dos resultados - no atendimento público de saúde?
Apesar de ser extremamente necessário, muitas mulheres não conseguem ter esse acompanhamento multidisciplinar com vistas a tratamento não farmacológico, visto que é necessário fazer o tratamento com médicos ginecologistas e endocrinologistas, nutricionistas e muitas vezes também se torna necessário o acompanhamento com psicólogos. Desse modo, sabe-se que o SUS não consegue atender às necessidades de todas as pacientes e a grande parcela dessas não possuem recurso financeiro para fazer o tratamento de maneira privada.
Além disso, algumas das medicações prescritas a pacientes com SOP e DM2, que diminuem a resistência insulínica periférica e promovem a diminuição do peso, são muito caras, tornando difícil a aderência das pacientes ao tratamento. Dessa maneira, evidencia-se a possibilidade de criar grupos de apoio para a SOP e DM2, assim diminuindo os custos e possibilitando a abrangência de mais mulheres, e dando a possibilidade às mulheres de um apoio psicológico.
Ainda assim, nota-se a má aderência ao tratamento da SOP e da DM2, muitas vezes por efeitos colaterais dos remédios e por falta de vontade das pacientes, por exigir uma rotina específica de melhor alimentação e exercícios físicos regulares e diários. Contudo, é de extrema importância que a relação médico-paciente seja de qualidade, para mostrar às pacientes a importância da aderência ao tratamento farmacológico e principalmente ao não farmacológico, como as dietas mais restritivas e as atividades físicas regulares
MÉTODO
A pesquisa se deu por estudo de caso, baseado na obra de Yin(2), no qual um grupo de mulheres foi selecionada por meio de dados secundários, provenientes de prontuários advindos de atendimentos em serviços públicos de saúde da cidade de Joinville SC (CAAE 26899319.7.0000.5366 CEPE - Universidade da Região de Joinville - Univille), de janeiro a dezembro de 2020.
Para efeito de orientação da pesquisa, foi criada a questão norteadora a partir do método PICo, conforme quadro 1:
Quadro 1: elaboração da pergunta norteadora
População | Intervenção | Contexto |
Mulheres com SOP e DM2 abaixo de 30 anos em excesso de peso | Terapia farmacológica | Atendimento público |
Fonte: Os autores, 2024.
Sendo assim, a questão norteadora foi definida como: Que reflexões se pode ter a respeito da farmacologia empregada em mulheres com SOP e DM2 - abaixo de 30 anos em excesso de peso – sem generalização dos resultados - no atendimento público de saúde?
Os critérios de seleção foram: Ter SOP e DM2 concomitantemente, e estar abaixo de 30 anos de idade (Figura 1)
Figura 1: Caminho metodológico
Fonte: Os autores, 2024.
As exclusões se relacionaram a fatores ligados ao desenvolvimento de DM2, como [1] histórico familiar e [2] hábitos alimentares específicos, bem como a presença de DM1.
Conforme Yin (2017)(2), o Estudo de Caso como uma pesquisa empírica objetiva investigar fenômenos contemporâneos dentro de um contexto de vida real, utilizado especialmente quando os limites entre o fenômeno e contexto são pouco evidentes, como a questão do uso de certos contraceptivos e risco de aumento de peso em jovens abaixo de 20 anos com SOP e DM2 (Figura 2).
Figura 2: Processo metodológico parte 2
Fonte: Os autores, 2024.
Buscou-se assim enfatizar – simultaneamente - a unidade e a globalidade dessa temática. Concentrou-se na atenção nos aspectos que são relevantes para a questão da influência ou não de contraceptivos hormonais no excesso de peso, o que também afetaria a DM2, em um determinado tempo, para permitir uma visão mais clara dos fenômenos por meio de uma descrição densa, conforme determina Stake (2010)(3).
Foi analisado nos casos o percurso terapêutico, incluindo [1] medicação indicada para SOP no prontuário, o ACH (anticonceptivo Hormonal) utilizado, idas a nutricionista e se houve tentativa de controle de peso (farmacológico ou não farmacológico).
RESULTADOS
Em um total de 469 mulheres com SOP e DM2, 4 atendiam os critérios de idade, IMC, uso de ACH (anticonceptivo Hormonal), conforme consta no Quadro 2
Quadro 2: Características extraídas do prontuário das pacientes eleitas. Período de 1 ano (2020)
Paciente | Idade (anos) | Medicação para SOP | ACH | IMC | Medicação para emagrecer | Atendimento nutricional | Controle no peso |
A | 23 | Metformina | Desogestrel 75 mcg | 30 | Nenhuma | Não | Não |
B | 20 | Não | Ciproterona 2,0 mg + etinilestradiol 0,035 mg | 34 | Nenhuma | Sim | -5 kg |
C | 29 | Metformina | Gestodeno 75 mcg+ etinilestradiol 0,03 mg | 44 | Buspropiona + Orlistat | Não | -6 kg |
D | 26 | Metformina | Ciproterona 2,0 mg + etinilestradiol 0,035 mg | 32 | Nenhuma | Não | Não |
Fonte: Sistema INOVA SMS Joinville SC.
A descrição dos casos segue a seguir, no qual as pacientes eleitas para este estudo de casos foram identificadas pelas letras iniciais do alfabeto. Consta na descrição dos casos: ID (identificação), TR (tratamento realizado para SOP – conforme descrição do próprio prontuário), FR (fatores de risco), OQ (observações e queixas), TFNF (tratamento farmacológico e não farmacológico geral).
Descrição dos casos de pacientes jovens com DM 2 e SOP
PACIENTE A
ID Mulher de 23 anos. TR Realizava tratamento com anticoncepcional para SOP (2 anos), mas parou, pois, tem o desejo de engravidar. Foi em consulta com ginecologista particular que constatou início de DM2 e iniciou tratamento com metformina 500 mg, realizou o tratamento por aproximadamente 6 meses, mas parou por conta própria. FR Apresenta peso de 75kg e altura 1,60 (IMC: 30) o que indica sobrepeso. No retorno, os exames mostraram resistência à insulina e presença de ovários com aspecto micropolicístico. Não é tabagista e não consome bebida alcoólica. Cuida relativamente da alimentação, é sedentária. OQ Diz estar muito sonolenta, além do normal. Usa ACH e negou uso de outros medicamentos. ciclos menstruais irregulares. Queixou-se de eventuais corrimentos esverdeado, possui histórico de candidíase de repetição; é casada e diz ter relações sexuais cerca de 2 vezes/semana. TFNF É prescrito tratamento com metronidazol para a paciente e seu parceiro e seguimento com ginecologista; solicitado USGTV e prescrito desogestrel 75 mcg e reinício de metformina 500mg. Também é prescrito ácido tranexâmico 250mg por até 5 dias, neomicina + bacitracina nas lesões da pele de membros inferiores. No retorno seguinte, após avaliação dos exames, foi constatado hemorroidas grau II. É orientada a manter os tratamentos. As pílulas anticoncepcionais orais combinadas (COCPs) são consideradas como tratamento de primeira linha para o manejo das pacientes com síndrome do ovário policístico (SOP) sem necessidades reprodutivas. Elas são responsáveis pelo manejo do hiperandrogenismo, pela regulação dos ciclos menstruais dessas mulheres e resultam no declínio da produção de andrógenos. Apesar das grandes vantagens da utilização das pílulas, ainda não há informações suficientes sobre qual preparação de COCP é a ideal, sendo todos os agentes muito eficazes para a melhoria do quadro clínico dessas pacientes.
PACIENTE B
ID Mulher de 20 anos, procurou a unidade de saúde da mulher com queixa de ovários policísticos e metrorragia há mais de 3 meses, associada a dispareunia e fraqueza com dor à palpação profunda em baixo ventre. Relatou ciclos irregulares, menarca aos 13 anos e negou demais queixas. Foi solicitado Ultrassom transvaginal com Doppler. Resultado do exame mostrou ovário direito com aspecto micro policísticos e cisto paraovariano direito. Trouxe à consulta exames prévios com o índice de glicemia em jejum de 238, fechando o diagnóstico de DM 2. TR Faz uso de 2,0 mg de acetato de ciproterona e 0,035 mg de etinilestradiol. FR Não tabagista; sedentária, obesa, com dieta rica em carboidratos e gorduras. peso de 92kg e 1,63cm de altura (IMC: 34). OQ Nega outras queixas. TFNF Foi encaminhada à nutricionista e foi prescrito metformina de 12 em 12 horas, orientada a fazer mudança no estilo de vida. Ao retornar novamente, mostrou perda ponderal de 5kg desde a última avaliação, com trocas alimentares e início de atividades físicas regulares e sem demais queixas.
PACIENTE C
ID Mulher, 29 anos. procurou unidade de saúde com queixa de reação adversa à metformina. A paciente é pré-diabética, portadora de SOP e HAS. Apresenta obesidade grau III (IMC 44). Tem o desejo de engravidar. Referiu ciclos menstruais irregulares e a suspensão do uso da metformina. Foi orientada a diminuir a dose de metformina para 500 mg/dia, solicitado exame de glicemia em jejum e iniciar acompanhamento nutricional e atividade física. Em uso de Gestodeno 75 mcg + etinilestradiol 0,03 mg. TR Metformina na dose de 1g/dia FR Negou tabagismo, sedentária, com dieta rica em carboidratos. Negou história familiar, IMC 44 OQ Nega outras queixas TFNF. Ao retorno, paciente apresentou glicemia em jejum de 119, pressão arterial elevada e emagrecimento de 3 kg, com a indicação de nova glicemia em jejum, hemoglobina glicada e a prescrição de bupropiona, orlistate e topiramato. No mês seguinte, paciente retorna com resultados dos exames de glicemia em jejum de 116 e hemoglobina glicada de 5,7%, iniciou academia, mas refere não aderir ao tratamento indicado por dificuldade financeira. Foi renovada a receita e prescrito metformina XR 1,5 g/dia. No mês seguinte, paciente apresenta emagrecimento de 6 kg em uso de metformina XR 1,5 g/dia e permanece com ciclos irregulares a cada 3 meses. Paciente volta a procurar a unidade de saúde para agendamento com ginecologista com queixa de prurido vaginal. É orientada a fazer o preventivo.
PACIENTE D
ID Mulher, 26 anos. A paciente procurou a unidade de saúde com queixa de cisto sebáceo recorrente em axila direita e eritema na pele. TR Referiu não fazer uso de anticoncepcional há um ano e dois meses, quando suspendeu o tratamento com medroxiprogesterona, e desde então não apresentou mais fluxo menstrual. Afirmou que antes da medicação já apresentava ciclos irregulares, porém nunca havia investigado. Paciente já havia tido duas gestações com cesárea, sendo o último a 3 anos e apresentou ciclos irregulares daí em diante. Foi solicitado ultrassom transvaginal e prescrito 0,5 mg betametasona + 1,0 mg de gentamicina + 10 mg de tolnaftato e 10 mg de clioquinol creme, encaminhada para pequenas cirurgias pela presença de acrocódons em axila esquerda. Após retornar com resultado de ultrassom, foi fechado o diagnóstico de Síndrome do ovário policístico com presença de amenorréia secundária, prescrito um comprimido de medroxiprogesterona 10 mg por cinco dias, Selene com início após a descida menstrual; e solicitado exames laboratoriais de rotina. FR Não descritos OQ Não relatados TFNF Em seu próximo retorno, paciente relatou ter feito uso da medroxiprogesterona 10 mg pelo tempo determinado e não apresentou descida do fluxo menstrual, foi encaminhada ao ginecologista. Após consulta com ginecologista, foi encaminhada ao nutricionista para redução de peso por alterações presentes em exames laboratoriais, orientada para realização de teste de tolerância a glicose (TTOG) e receitado metformina 500 mg e espironolactona 25 mg uma vez ao dia. Retornou com resultado do TTOG, que apresentava valor de 161, 95; confirmando o risco para DM. Foi orientada para manter o uso da medicação passada pelo ginecologista.
DISCUSSÃO
Ressalta-se que o presente estudo se baseia em apenas quatro casos, o que limita a generalização dos resultados. Não é objetivo do estudo representar a diversidade de experiências e resultados possíveis em uma população mais ampla.
Reflexões sobre a Farmacoterapia empregada: uso da metformina e anticoncepcionais hormonais (ACH)
Nota-se que 3 mulheres usavam a metformina para tratamento da SOP. Em estudo conduzido por Fraison (2020)(4); que teve por objetivo avaliar a eficácia e a segurança da metformina em comparação ao ACH na melhora das características clínicas, hormonais e metabólicas da SOP (isoladamente ou em combinação); constatou-se que em mulheres adultas com SOP, a metformina pode ser menos eficaz na melhora do hirsutismo em comparação com o ACH no subgrupo IMC de 25 kg/m2 a 30 kg/m2 (ou seja, nessa faixa ACH seria a melhor opção), mas não há certeza se existe diferença entre a metformina e o ACH nos subgrupos IMC < 25 kg/m2 e IMC > 30 kg/m2. Logo, esses estudos apontam para incertezas sobre o emprego terapêutico das medicações em questão quando se as compara(4).
Em comparação com o ACH, a metformina pode aumentar a incidência de eventos adversos gastrointestinais graves e diminuir a incidência de outros eventos adversos graves. Tanto a metformina sozinha quanto o ACH sozinho podem ser menos eficazes na melhora do hirsutismo em comparação com a metformina combinada com o ACH(4),situação pelo qual a paciente B estaria em situação de desvantagem em termos de tratamento.
No estudo mais atualizado sobre a questão recém descrita, Melin (2023)(5); realizou a avaliação das comparações entre ACH, metformina e tratamento combinado (metformina e ACH) para embasar as novas Diretrizes Internacionais Baseadas em Evidências sobre Avaliação e Manejo da Síndrome dos Ovários Policísticos – DIBESOP(6). Tal estudo consistiu em uma revisão sistemática e meta-análise com mulheres com SOP; de ensaios clínicos randomizados (ECRs) eleitos nos últimos 10 anos, considerando diferentes características clínicas. Esta pesquisa conduzida por Melin et al (2023)(5) serviu para sustentar a posição da DIBESOP 2023(6) para que o ACH seja usado para o tratamento de ciclos irregulares e hirsutismo no lugar da metformina, e a metformina no lugar do ACH para indicações clínicas relativas a questões metabólicas na SOP(5,6).
Este mesmo trabalho de Melin et al (2023)(5) indica que o tratamento combinado com metformina e ACH melhora o [1] hiperandrogenismo bioquímico, [2] os níveis de insulina e a [3] resistência à insulina mais do que o ACH sozinho. Porém nenhuma diferença foi observada nos resultados clínicos, incluindo obesidade e seu controle, condição observada em 3 das pacientes deste estudo de caso.
Isto implica que a escolha do tratamento com metformina ou ACH deve ser baseada nos sintomas, observando alguns benefícios bioquímicos do tratamento combinado; visando os dois principais distúrbios endócrinos observados na SOP: hiperinsulinemia e hiperandrogenismo(7).
Reflexões sobre o uso de anticoncepcionais hormonais (ACH) frente a diversidade destas apresentações
Mas ainda há de se considerar os diferentes tipos de ACHs existentes, incluindo a dosagem de etinilestradiol (EE) conforme quadro 3(8).
Quadro 3: Classificação dos ACH quanto a dosagem de Etinil estradiol - EE
Classificação quanto dosagem de etinil estradiol | Intervalo da dosagem em mcg |
Alta | 50 mcg - > 50 mcg |
Média [ou padrão] | 30 mcg – 35 mcg |
Baixa | 20 mcg |
Baixíssima [ou ultrabaixa] | < 20 mcg |
Fonte: Nelson & Cwiak, 2011.
E quanto as progestinas (PG) possuem alta variabilidade quanto a origem e efeitos no organismo, conforme figura 3(9):
Figura 3: Diferentes tipos de progestinas e suas principais características
Fonte: Speroff & Fritz, 2020. Arte: Os autores, 2024.
Considerando esta realidade, Forslund (2023)(10) buscou comparar diferentes ACHs como parte da atualização da DIBESOP 2023(6) por meio de uma meta-análise.
Neste estudo, se evidenciou que ACHs de baixíssima dosagem de EE associados a [1] Drospirenona (uma PG da classe dos gonanos de terceira geração); [2] drospirenona (outro gonano de terceira geração) ou [3] ciproterona (da classe dos pregnanos) resultaram em menores IMCs e menores níveis de testosterona nas mulheres em estudo em comparação com os de média dosagem de EE associado a Desogestrel ou Gestodeno (ambos gonanos de terceira geração), mas nenhuma diferença foi observada quanto ao hirsutismo(10).
Nota-se que as pacientes B, C e D usavam ACH de média dosagem, que implicaria então em chances de níveis elevados de IMC e de testosterona, ainda mais se associado a um gonano de terceira geração, como ocorre na paciente C, que por sinal é que que possuía maior atenção quanto ao peso, devido ao seu IMC, estando em desvantagem em termos de abordagem baseada em evidências(6,7,10).
Reflexões sobre o manejo do excesso de peso nos casos apresentados e confrontação com as evidências
Mais especificamente sobre a obesidade, vale trazer os apontamentos de Goldberg et al, (2023), no qual buscou avaliar a eficácia de agentes antiobesidade para resultados [1] hormonais, [2] reprodutivos, [3] metabólicos e [3] psicológicos na SOP. Este pesquisador não encontrou nenhuma diferença entre exenatida (agonista do receptor do GLP-1) versus metformina para resultados sobre [1] peso, [2] hiperandrogenismo bioquímico e [3] metabólicos. Este estudo ressaltou que houve melhor resposta na normalização da glicemia de jejum quando se usava a metformina, o mesmo não ocorrendo com a exenatida isolada.
O uso de orlistate junto a ACH para controle do peso não evidenciou redução do peso, e não melhorou aspectos metabólicos em comparação com ACH(11).
Nota-se uma visível lacuna na questão do emprego farmacológico para controle de peso neste grupo, e considerando os casos em estudo, a paciente C fez uso de orlistat com ACH, utilizando também bupropiona, mas tendo discreta perda de peso; semelhante a paciente B, que usufruiu de atendimento nutricional e pautou-se em tratamentos não farmacológicos.
Reflexões sobre como tem sido a farmacologia empregada em mulheres com SOP e DM2 - abaixo de 30 anos e em excesso de peso – no atendimento público de saúde
Ressalta-se que este estudo de série de casos; é sim um sistema delimitado e enfatiza, simultaneamente, a unidade e a globalidade desse sistema. Cabe aqui concentrar a atenção nos aspectos que são relevantes para o problema de investigação, no tempo estipulado, para permitir uma visão mais clara dos fenômenos.
Em suma, o fenômeno aqui representado se refere a tentativas não tão bem-sucedidas de lidar com sintomas da SOP que contribuam para um difícil controle da DM2, no qual Fraison (2020)(4) alertava em 2020 sobre as incertezas sobre as intervenções empregadas nos casos de mulheres com IMC > 30, algo que não evolui até o ano de 2023, data da última DIBESOP. Aqui temos uma questão sobre o quanto o sistema está preparado para lidar com esta condição clínica tendo esta particularidade do valor de IMC em mulheres jovens. Uma questão circunscrita a um pequeno grupo, mas que requer sim estudos mais abrangentes visando uma compreensão mais global.
Com relação ao emprego de ACHs, a diversidade de apresentações e ações distintas dentro da SOP precisa ser considerada. Este recorte de 4 casos alerta para outra questão: o acesso aqueles que tenham melhor perfil de evidências sobre as condições associadas a SOP.
Considerando os achados de Forslund (2023)(10) no qual os ACHs de baixíssima dosagem de EE associados a gonanos ou estranho resultaram em menores IMCs e menores níveis de testosterona nas mulheres quando comparado com os de média dosagem de EE, há de se considerar que o acesso via SUS na cidade em estudo de ACHs se limita ao EE 0,03 mg associado a Levonorgestrel 0,15 mg - um gonano de segunda geração – classificado como de média dosagem(12). A tipo de ACH usado por duas pacientes estão disponíveis somente no sistema privado, o que em certos casos pode dificultar o acesso. Mas ressalta-se que ainda se trata de uma apresentação de média dosagem(12).
Reflexões sobre o manejo interdisciplinar da SOP e as chances de intervenções com maior possibilidade de desfechos favoráveis
Todas estas questões aqui tratadas remetem a questão norteadora: Que reflexões se pode ter a respeito da farmacologia empregada em mulheres com SOP e DM2 - abaixo de 30 anos em excesso de peso – sem generalização dos resultados - no atendimento público de saúde?
O acesso a medicamentos e acesso a outras categorias profissionais que garantam a interdisciplinaridade em saúde é crucial para o controle do peso em mulheres com síndrome dos ovários policísticos (SOP) porque envolve a integração de diferentes áreas de expertise para fornecer um cuidado holístico e abrangente(13).
Profissionais de diversas especialidades, como endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos e educadores físicos, colaboram para abordar os múltiplos aspectos da SOP, que incluem disfunções hormonais, resistência à insulina, desafios psicológicos e comportamentais, e questões de estilo de vida. Ressalta-se ainda que o tratamento à base de probióticos tem sido um campo a explorar no quesito do manejo sintomático, bem como no controle de peso em mulheres com SOP, cabendo a profissionais de nutrição o acompanhamento neste sentido(14).
CONCLUSÃO
A Síndrome do Ovário Policístico (SOP) e o Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2) são condições de saúde que frequentemente coexistem em mulheres jovens, contribuindo para um aumento significativo nos riscos cardiovasculares e metabólicos. O presente estudo de série de casos destaca a importância de uma abordagem interdisciplinar e personalizada no manejo dessas condições, enfatizando tanto as intervenções farmacológicas quanto não farmacológicas.
Os casos analisados evidenciam que a metformina, um agente sensibilizador de insulina, é amplamente utilizada no tratamento de mulheres com SOP e DM2, demonstrando eficácia na redução da resistência insulínica e no controle glicêmico. No entanto, a adesão ao tratamento muitas vezes é comprometida por efeitos colaterais gastrointestinais e desafios financeiros. Além disso, o uso de anticoncepcionais hormonais combinados (ACH) mostrou-se eficaz na regulação dos ciclos menstruais e no manejo do hiperandrogenismo, porém, a escolha do tipo de ACH ideal ainda carece de consenso.
A intervenção não farmacológica, que inclui a mudança de estilo de vida com foco em dieta e atividade física, também é crucial. O suporte interdisciplinar envolvendo nutricionistas, educadores físicos, médicos e psicólogos pode melhorar a adesão e os resultados do tratamento. No entanto, o acesso limitado aos serviços de saúde e a falta de recursos financeiros são barreiras significativas enfrentadas por muitas pacientes.
Este estudo destaca a necessidade urgente de políticas públicas que facilitem o acesso a tratamentos eficazes e acessíveis, além da criação de grupos de apoio que ofereçam acompanhamento contínuo e multidisciplinar. Essas iniciativas podem melhorar significativamente a qualidade de vida e os resultados de saúde das mulheres com SOP e DM2, reduzindo os riscos a longo prazo associados a essas condições.
Estudos futuros devem considerar amostras maiores, controles rigorosos de variáveis intervenientes e metodologias que permitam uma análise mais robusta da eficácia dos tratamentos para oferecer conclusões mais conclusivas e aplicáveis.
REFERÊNCIAS