ENVELHECIMENTO E VULNERABILIDADE AO SUICÍDIO: UM PANORAMA DA REGIÃO CENTRO-OESTE BRASILEIRA
AGING AND VULNERABILITY TO SUICIDE: AN OVERVIEW OF THE CENTRAL-WESTERN REGION OF BRAZIL
ENVEJECIMIENTO Y VULNERABILIDAD AL SUICIDIO: PANORAMA DE LA REGIÓN CENTRO-OESTE DE BRASIL
Autores:
Ana Carolina Rodrigues Carneiro - Acadêmica de Medicina na Universidade de Rio Verde (UniRV) – Campus Extensão Goiânia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5502-4515
Eduarda Oliveira Medeiros - Acadêmica de Medicina na Universidade de Rio Verde (UniRV) – Campus Extensão Goiânia. ORCID: https://orcid.org/0009-0009-5299-1110
Ethiarlane Anunciação Carvalho - Acadêmica de Medicina na Universidade de Rio Verde (UniRV) – Campus Extensão Goiânia. ORCID: https://orcid.org/0009-0004-1933-0533
Pedro Ivo Aquino Abrantes - Acadêmico de Medicina na Universidade de Rio Verde (UniRV) – Campus Extensão Goiânia. ORCID: https://orcid.org/0009-0008-1801-6699
Wendel Anderson de Oliveira - Acadêmico de Medicina na Universidade de Rio Verde (UniRV) – Campus Extensão Goiânia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5507-7940
Mariana de Sousa Nunes Vieira - Doutora em Ciências da Saúde. Professora da Faculdade de Medicina - Universidade de Rio Verde (UniRV) - Campus Extensão Goiânia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4832-6494
Bruna Aniele Cota - Mestre em Ensino na Saúde. Professora da Faculdade de Medicina - Universidade de Rio Verde (UniRV) - Campus Formosa. ORCID: https://orcid.org/0000-0002- 7088-2454
Heloísa Silva Guerra - Doutora em Saúde Coletiva. Professora Adjunto e Membro do Núcleo de Pesquisa da Faculdade de Medicina (NUPMA) - ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0617-8112
Recebido: 25/11/2024 Aprovado: 13/12/2024
Tipo de artigo: Artigo Original
RESUMO
Objetivo: Descrever o perfil epidemiológico dos idosos vítimas de suicídio na Região Centro-Oeste do Brasil. Método: Pesquisa epidemiológica, quantitativa, retrospectiva sobre as mortes por suicídio em idosos da Região Centro-Oeste no período de 2018 a 2022. Os dados foram obtidos por meio do Sistema de Informação sobre Mortalidade, considerando as lesões autoprovocadas voluntariamente (CID 10 X60 a X84), e analisados conforme a estatística descritiva. Resultados: Ocorreram 953 óbitos por suicídio entre a população idosa, com maior número de registros em 2022 e no Estado de Goiás. Predominaram vítimas do sexo masculino, entre 60 e 69 anos, casadas, com a cor da pele branca e de baixa escolaridade. Os meios mais utilizados para viabilizar os óbitos foram o enforcamento, estrangulamento e sufocamento. Conclusão: Os achados podem contribuir para formulação de intervenções voltadas ao perfil encontrado, com melhoria das estratégias de prevenção.
DESCRITORES: Epidemiologia; Idoso; Suicídio; Mortalidade.
ABSTRACT
Objective: To describe the epidemiological profile of elderly suicide victims in the Midwest region of Brazil. Method: An epidemiological, quantitative, retrospective study of deaths by suicide among elderly people in the Midwest region between 2018 and 2022. The data was obtained from the Mortality Information System, considering voluntary self-harm (ICD 10 X60 to X84), and analyzed according to descriptive statistics. Results: There were 953 deaths by suicide among the elderly population, with the highest number of records in 2022 and in the state of Goiás. The majority of victims were male, aged between 60 and 69, married, white and with low levels of education. The most common means of death were hanging, strangulation and suffocation. Conclusion: The findings may contribute to the formulation of interventions aimed at the profile found, with improved prevention strategies.
DESCRIPTORS: Epidemiology; Elderly; Suicide; Mortality.
RESUMEN
Objetivo: Describir el perfil epidemiológico de los ancianos víctimas de suicidio en la Región Centro-Oeste de Brasil. Método: Estudio epidemiológico, cuantitativo y retrospectivo de las muertes por suicidio de ancianos en la Región Centro-Oeste entre 2018 y 2022. Los datos se obtuvieron del Sistema de Información de Mortalidad, considerando las autolesiones voluntarias (CIE 10 X60 a X84), y se analizaron según estadística descriptiva. Resultados: Hubo 953 muertes por suicidio en la población anciana, con el mayor número de registros en 2022 y en el estado de Goiás. La mayoría de las víctimas eran hombres, con edades entre 60 y 69 años, casados, blancos y con bajo nivel de escolaridad. Los medios de muerte más comunes fueron ahorcamiento, estrangulación y sofocación. Conclusión: Los hallazgos pueden contribuir a la formulación de intervenciones dirigidas al perfil encontrado, con mejores estrategias de prevención.
DESCRIPTORES: Epidemiología; Ancianos; Suicidio; Mortalidad.
INTRODUÇÃO
O suicídio é considerado um grande problema de saúde pública e constitui um comportamento complexo que envolve fatores pessoais, sociais, psicológicos, biológicos, culturais e ambientais. Devido à sua complexidade, as abordagens de prevenção requerem intervenções multidisciplinares(1).
Estima-se que o suicídio seja responsável por 1,3% de todas as mortes anualmente no mundo, e, embora as mortes por suicídio continuem a aumentar globalmente, a taxa de suicídio caiu 45,8% de 1990 a 2019, considerando o crescimento populacional(2). Existe uma variação no suicídio de acordo com a idade, sexo e meios utilizados para tal, sendo as taxas mais altas encontradas entre homens e idosos, mas também sendo a segunda causa de morte mais frequente entre jovens(3,1-2).
No Brasil, o suicídio, além de apresentar índices elevados tanto em sua ocorrência quanto nas tentativas, permanece uma questão social frequentemente subnotificada. Estima-se que para cada suicídio confirmado, ocorram cerca de 20 tentativas sem sucesso. Esse problema se agrava no grupo de idosos(4). Segundo o Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil(5), divulgado pelo Ministério da Saúde, a taxa média de suicídios entre idosos é de 8,9 mortes a cada 100 mil habitantes, superando a média nacional de 5,5 mortes para a população geral.
Devido a uma série de fatores, tanto intrínsecos (como ansiedade, depressão, demência, doenças crônicas e degenerativas, dependência física) quanto extrínsecos (como isolamento social, negligência, abandono, violência e migração), a pessoa idosa torna-se particularmente vulnerável nesse contexto. A interação desses fatores pode resultar em sentimentos de insatisfação e infelicidade com a realidade vivida, facilitando o desenvolvimento de pensamentos suicidas(6).
Comportamentos autodestrutivos indiretos, como a recusa alimentar, autonegligência e a não adesão a tratamentos que poderiam mitigar riscos, podem sinalizar atitudes alinhadas a ideais suicidas(7). Assim, o suicídio surge como uma escolha pessoal, embora seja influenciado por múltiplos fatores externos e internos.
Mesmo tratando-se de um evento complexo e multifatorial, é possível prevenir o suicídio ao compreender e abordar os fatores associados ao problema, como abandono, abuso, conflitos familiares, sofrimento físico ou psicológico persistente e sensação de fim de vida(7). Para tanto, é fundamental preservar os laços familiares, promover convivência saudável, fortalecer o sentimento de pertencimento à comunidade e incentivar o contato humano. Esses vínculos podem ser estimulados tanto pela família quanto por cuidadores, profissionais de saúde e outras entidades sociais que fazem parte do círculo de apoio do indivíduo.
Na literatura ainda são parcos os estudos relacionados ao suicídio entre idosos, bem como recortes regionais, que podem diferir de cenários mais amplos. Informações sobre as características da população idosa que foi a óbito por suicídio podem ser muito úteis para o desenvolvimento de programas preventivos específicos. Diante disso, o objetivo deste estudo foi descrever o perfil epidemiológico dos idosos vítimas de suicídio na Região Centro-Oeste do Brasil.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico, quantitativo e retrospectivo que analisou os óbitos por suicídio ocorridos entre indivíduos com 60 anos ou mais residentes na região Centro-Oeste do Brasil, no período de 2018 a 2022.
A região Centro-Oeste é uma das cinco regiões do Brasil definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1969 e compreende três estados: Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, mais o Distrito Federal, onde se localiza Brasília, a capital do país. No último Censo Demográfico a população desta região somou 16.289.538 habitantes(8).
Os dados sobre suicídios de idosos foram coletados via Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) disponível no site do Departamento de Estatística do Sistema Único de Saúde – DATASUS, em outubro de 2024.
As variáveis consideradas foram: local, ano, sexo, faixa etária, estado civil, escolaridade, raça, óbito por local de ocorrência e causa, considerando a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), dos códigos X60 a X84, que compreendem lesões autoprovocadas voluntariamente como autointoxicações, lesões por arma de fogo, objeto corto-contuso e outros meios.
Os dados foram organizados em planilhas do Excel e procedeu-se com as análises descritivas, apresentadas pelas frequências absolutas e relativas das variáveis incluídas no estudo. Os resultados foram organizados e categorizados pela variável faixa etária.
Por se tratar de um estudo de base de dados secundários, de livre acesso e sem identificação dos sujeitos, não houve necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.
RESULTADOS
No período analisado, ocorreram 953 óbitos por suicídio em idosos na Região Centro-Oeste brasileira. A figura 1 apresenta a distribuição das ocorrências por ano e faixa etária. Os idosos entre 60 e 69 anos foram as vítimas mais frequentes, com mais da metade dos casos (54,7%).
Figura 1. Óbitos por suicídio em idosos na região Centro-Oeste segundo ano de ocorrência e faixa etária
Fonte: Os autores.
O estado de Goiás foi o que apresentou maior número de suicídios, registrando 52,2% dos óbitos, seguido do estado do Mato Grosso com 19,5%; e o ano com o maior número de ocorrências foi 2022 (Tabela 1).
Tabela 1. Óbitos por suicídio em idosos na região Centro-Oeste segundo ano de ocorrência e estado da federação.
2018 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 | Total | % | |
Distrito Federal | 27 | 26 | 17 | 13 | 28 | 111 | 11,6 |
Goiás | 83 | 100 | 99 | 105 | 110 | 497 | 52,2 |
Mato Grosso | 35 | 33 | 36 | 45 | 37 | 186 | 19,5 |
Mato Grosso do Sul | 26 | 36 | 36 | 30 | 31 | 159 | 16,7 |
Região Centro-Oeste | 171 | 195 | 188 | 193 | 206 | 953 | 100 |
Fonte: Os autores.
A Tabela 2 apresenta os dados sociodemográficos das vítimas de suicídio ocorridos na região Centro-oeste considerando a distribuição por faixa etária. A maioria das vítimas eram do sexo masculino (82,2%), com 4 a7 anos de escolaridade (25,7%), da cor branca (49,3%) e casados (41,1%).
Tabela 2. Dados sociodemográficos dos idosos vítimas de suicídio na região Centro-Oeste segundo faixa etária.
Variáveis | 60 a 69 anos | 70 a 79 anos | 80 anos e + | Total | ||||
n | % | n | % | n | % | n | ||
Sexo | ||||||||
Masculino | 419 | 53,5 | 247 | 31,5 | 117 | 15,0 | 783 | 82,2 |
Feminino | 102 | 60,0 | 57 | 33,5 | 11 | 6,5 | 170 | 17,8 |
Escolaridade | ||||||||
Nenhuma | 56 | 41,2 | 52 | 38,2 | 28 | 20,6 | 136 | 14,3 |
1 a 3 anos | 85 | 48,8 | 64 | 36,8 | 25 | 14,4 | 174 | 18,2 |
4 a 7 anos | 137 | 55,9 | 76 | 31,0 | 32 | 13,1 | 245 | 25,7 |
8 a 11 anos | 101 | 64,7 | 37 | 23,7 | 18 | 11,6 | 156 | 16,3 |
12 anos e mais | 57 | 65,5 | 23 | 26,4 | 7 | 8,1 | 87 | 9,1 |
Ignorado | 85 | 54,8 | 52 | 33,5 | 18 | 11,6 | 155 | 16,2 |
Cor/raça | ||||||||
Branca | 237 | 50,4 | 155 | 33,0 | 78 | 16,6 | 470 | 49,3 |
Preta | 24 | 64,9 | 10 | 27,0 | 3 | 8,1 | 37 | 3,9 |
Amarela | 1 | 25,0 | 2 | 50,0 | 1 | 25,0 | 4 | 0,4 |
Parda | 246 | 58,4 | 130 | 30,9 | 45 | 10,7 | 421 | 44,2 |
Indígena | 4 | 90,0 | 1 | 10,0 | - | - | 5 | 0,5 |
Ignorado | 9 | 56,2 | 6 | 37,5 | 1 | 6,3 | 16 | 1,6 |
Estado civil | ||||||||
Solteiro | 111 | 67,7 | 34 | 20,7 | 19 | 11,6 | 164 | 17,2 |
Casado | 224 | 57,1 | 127 | 32,4 | 41 | 10,5 | 392 | 41,1 |
Viúvo | 38 | 29,2 | 52 | 40,0 | 40 | 30,8 | 130 | 13,6 |
Separado judicialmente | 76 | 54,7 | 50 | 36,0 | 13 | 9,3 | 139 | 14,6 |
Outro | 26 | 59,1 | 13 | 29,5 | 5 | 11,4 | 44 | 4,6 |
Ignorado | 44 | 54,3 | 27 | 33,3 | 10 | 12,4 | 81 | 8,5 |
Total | 521 | 54,7 | 304 | 31,9 | 128 | 13,4 | 953 | 100 |
Fonte: Os autores.
Por fim, a Tabela 3 apresenta as lesões autoprovocadas intencionalmente pelos idosos de acordo com as categorias da CID-10. As lesões provocadas intencionalmente por meio de enforcamento, estrangulamento e sufocamento foram os principais meios utilizados pelas pessoas idosas para o suicídio em todas as faixas etárias, com 647 (67,9%) registros. Em seguida aparecem as lesões por disparo de outra arma de fogo ou arma de fogo não especificada, com 66 (6,9%) casos.
Tabela 3. CID referentes aos meios de suicídio dos idosos residentes na região Centro-Oeste segundo a faixa etária.
Categoria CID-10 | 60 a 69 anos | 70 a 79 anos | 80 anos e mais | Total |
Autointoxicações | ||||
X60 Analgésicos, antipiréticos e antirreumáticos, não opiáceos | 1 | - | - | 01 |
X61 Drogas anticonvulsivantes [antiepilépticos] sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos não classificados | 6 | 4 | - | 10 |
X62 Narcóticos e psicodislépticos [alucinógenos] não classificados em outra parte | 3 | - | - | 03 |
X63 Substâncias farmacológicas de ação sobre o sistema nervoso autônomo | - | - | 1 | 01 |
X64 Outras drogas, medicamentos e substâncias biológicas e às não especificadas | 12 | 7 | 1 | 20 |
X65 Voluntária por álcool | 6 | 1 | - | 07 |
X66 Solventes orgânicos, hidrocarbonetos halogenados e seus vapores | 1 | - | - | 01 |
X68 Exposição intencional a pesticidas | 17 | 13 | 3 | 33 |
X69 Produtos químicos e substâncias nocivas não especificadas | 5 | 4 | 1 | 10 |
Lesão autoprovocada intencionalmente | ||||
X70 Enforcamento, estrangulamento e sufocação | 363 | 193 | 91 | 647 |
X71 Afogamento e submersão | 4 | 4 | - | 08 |
X72 Disparo de arma de fogo de mão | 17 | 15 | 5 | 37 |
X73 Disparo de espingarda, carabina ou arma de fogo de maior calibre | 2 | 1 | - | 03 |
X74 Disparo de outra arma de fogo ou arma de fogo não especificada | 31 | 23 | 12 | 66 |
X76 Fumaça, fogo ou por chamas | 7 | 6 | 2 | 15 |
X78 Objeto cortante ou penetrante | 15 | 14 | 5 | 34 |
X79 Objeto contundente | 3 | - | - | 03 |
X80 Precipitação de um lugar elevado | 18 | 12 | 5 | 35 |
X82 Impacto de um veículo a motor | 1 | 1 | 1 | 03 |
X83 Outros meios especificados | 1 | 2 | - | 03 |
X84 Meios não especificados | 8 | 4 | 1 | 13 |
Total | 521 | 304 | 128 | 953 |
Fonte: Os autores.
DISCUSSÃO
O suicídio tornou-se um imperativo global e tem sido considerado um problema de saúde pública. A OMS relata uma ocorrência de 703.000 suicídios por ano, sendo que cerca de 77% deles, ocorrem em países de baixa e média renda. Dada a relevância do problema, o indicador da taxa de suicídio foi inserido como uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas(2).
Acredita-se que a pessoa idosa apresente maior vulnerabilidade ao suicídio, pelas próprias modificações que acontecem em seu organismo devido ao processo de envelhecimento(9). Comparadas aos indivíduos jovens, elas apresentam uma probabilidade maior de morrerem por suicídio, e caso apresentem alguma condição patológica como depressão ou ansiedade, a ideação suicida aumenta substancialmente(10).
Este estudo analisou os óbitos por suicídio em idosos ocorridos na Região Centro-Oeste brasileira durante um período de cinco anos, e observou que o perfil da pessoa idosa vítima de suicídio é predominantemente do sexo masculino, entre 60 e 69 anos, com baixa escolaridade, cor da pele branca e casada. Os achados de um estudo sobre a mortalidade por suicídio no Brasil entre 1996 e 2017 corroboram com os do presente estudo no tocante ao sexo (81,3% homens), faixa etária entre 60 e 70 anos (54,5%), estado civil (51,5% casados), escolaridade baixa (19,2% com 1 a 3 anos de estudo) e cor da pele branca (62,4%)(11).
Dados de um estudo brasileiro sobre suicídio em idosos nas capitais brasileiras e Distrito Federal também demonstraram maior ocorrência de óbitos em homens, assim como um levantamento realizado no Nordeste, com mais de 80% dos registros relacionados ao sexo masculino(12-13).
A primazia do sexo masculino em relação ao feminino dentre os óbitos por suicídio em idosos já é bem estabelecida. Estudos internacionais revelaram que os homens tentaram suicídio mais de três vezes em comparação com as mulheres(14-15). No estudo de Zhong et al.(16) o suicídio em homens na China foi 40% maior do que em mulheres em um período de dois anos.
No que tange à faixa etária observou-se o maior número de registros entre idosos mais jovens. Estudo da Malásia apontou que a faixa etária de 60 a 74 anos, considerada o jovem-velho, é um preditor de suicídio e justifica essa predominância em função das grandes transições nesse período da vida, como do status de empregado para desempregado, o luto, migração, aumento de doenças físicas e mentais, além de mudanças sociais e familiares(17).
A alta taxa de mortalidade por suicídio entre idosos é provavelmente agravada pela fragilidade e pelo fato de muitos idosos viverem sozinhos, o que contraria os dados do presente estudo, onde os casados apresentaram uma prevalência maior de óbitos. Outros fatores de risco que se destacam são os problemas de saúde mental, física e problemas sociais, sendo os agravos de saúde mental aqueles que mais consistentemente se relacionam com suicídio em idosos(18).
Um estudo de caso controle realizado nos Estados Unidos demonstrou que 51,3% dos indivíduos que morreram por suicídio tiveram pelo menos uma condição de saúde mental diagnosticada no ano anterior ao suicídio. Após ajuste das características sociodemográficas, esses indivíduos tiveram uma chance 6,8 vezes maior de morrer por suicídio(19).
No tocante à escolaridade, o suicídio foi mais prevalente em idosos sem escolaridade ou com até sete anos de estudo, corroborando com dados de pesquisa realizada no Tocantins que apontou uma correlação moderada entre o grau de escolaridade e o suicídio, com mais casos de suicídio entre aqueles menos instruídos(20). Tal fato poderia ser explicado em função do status econômico, definido pelo nível educacional e outros fatores sociais, o que pode levar à grandes preocupações e estresse, à baixa autoestima e consequentemente, ao suicídio(21). Esse ponto é divergente na literatura, pois uma revisão narrativa sobre determinantes socioeconômicos relacionados ao suicídio, destacou que quanto maior for o grau de instrução do indivíduo, maior será risco de suicídio, pois o trabalho das pessoas com alto grau de escolaridade pode ser mais estressante(22).
Dentro da Região Centro-Oeste o estado de Goiás destacou-se como sendo o território com maior número de registros de suicídio entre idosos, sendo responsável por pouco mais da metade dos óbitos no período. A análise dos dados de suicídio em idosos das capitais brasileiras confirmam Goiânia como a capital da região Centro-Oeste com a maior taxa de mortalidade por suicídio em idosos, o que pode contribuir para esse predomínio do Estado(12).
As lesões provocadas intencionalmente por meio de enforcamento, estrangulamento e sufocamento foram os principais meios utilizados pelas pessoas idosas para o suicídio em todas as faixas etárias no presente estudo, sendo seguida pelas lesões por disparo de outra arma de fogo ou arma de fogo não especificada. Esses métodos coincidem com os utilizados por idosos vítimas de suicídio em outros estudos(6,14,17).
Embora os suicídios bem sucedidos sejam mais prevalentes em homens, a prevalência de tentativas de suicídio são mais frequentes em mulheres. Essa diferença existe em função da escolha de métodos mais severos pelos homens, como o método do enforcamento e uso de armas de fogo, onde a probabilidade de sobrevivência é baixa. Já as mulheres recorrem a métodos menos fatais como envenenamento por drogas e produtos químicos, onde existe a possibilidade de sobreviver(23).
Estudo realizado por Oh et al.(24) relata que o uso do método de enforcamento, afogamento e uso de armas de fogo, que são métodos altamente traumáticos, respondem por apenas 16% de todos os métodos utilizados para tentar suicídio. No entanto, quando se fala em mortes por suicídio, esses mesmos métodos respondem por 78% dos casos.
As altas taxas de suicídio entre idosos e a existência de estigmas e tabus sobre o tema, o tornam ainda mais relevante e necessário. Como o processo de envelhecimento populacional é uma realidade do Brasil e do mundo, torna-se um desafio o enfrentamento e prevenção desta condição para que os números não se tornem mais alarmantes.
Alguns fatores podem atuar como protetores para o suicídio e incluem recursos individuais e sociais que podem proteger a pessoa idosa desse ato. Possuir um bom suporte familiar, construir relacionamentos saudáveis, apresentar sentimento de importância, ter autoestima elevada, bem como profissionais aptos a identificar precocemente episódios de depressão e restringir o acesso a meios letais, são alguns dos fatores que podem contribuir para a prevenção do suicídio(25).
No Japão, uma das principais estratégias dos planos nacionais de prevenção ao suicídio é promover a conexão de indivíduos que precisam de tratamento psiquiátrico com serviços médicos adequados. A melhoria das taxas de tratamento para os grupos de alto risco podem ter contribuído para o declínio do suicídio no país(26).
Outras medidas importantes incluem: prevenção de incapacidades, adoção de um cuidador para o idoso; ampliação e qualificação dos serviços de saúde mental; iniciativas intersetoriais como as universidades abertas à terceira idade; preparação para aposentadoria; terapias comunitárias e intervenções multidisciplinares(27). Salienta-se a elaboração da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, promulgada por meio da Lei 13.819 de abril de 2019(28), que pode desencadear o fortalecimento das ações de saúde mental, bem como de estratégias relacionadas à promoção de saúde e prevenção da violência autoprovocada.
Por se tratar de estudo com dados secundários, algumas limitações podem ser consideradas como a qualidade dos registros na base de dados do Datasus, o tempo entre coleta dos dados e publicação na plataforma e as subnotificações, com possibilidade de classificação incorreta da causa do óbito. Além disso, ainda é baixa quantidade de publicações que tratam especificamente do suicídio no público idoso, o que pode fragilizar a discussão dos resultados. Entretanto, essas limitações não inviabilizaram a condução do estudo e sua importância.
CONCLUSÃO
Entre 2018 e 2022 ocorreram 953 óbitos por suicídio entre a população idosa da região Centro-Oeste do Brasil, evidenciando uma predominância das vítimas do sexo masculino, entre 60 e 69 anos, casadas, com a cor da pele branca e de baixa escolaridade. O Estado de Goiás concentrou a maior prevalência de suicídios e os meios mais utilizados para viabilizar os óbitos foram o enforcamento, estrangulamento e sufocamento, além do disparo de outra arma de fogo ou arma de fogo não especificada.
Os achados podem contribuir para formulação de intervenções voltadas ao perfil encontrado, com melhoria da capacitação de profissionais que lidam diretamente com a pessoa idosa, incrementando ações de rastreio dos transtornos mentais, classificação de riscos e vulnerabilidades, bem como estratégias multiprofissionais de cuidado ao idoso. Espera-se que mais estudos possam ser realizados contemplando essa temática, o que ajudará na ampliação do conhecimento na área e maior embasamento para as estratégias de prevenção.
REFERÊNCIAS
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