ASPECTOS ÉTICOS NA ESCOLHA DA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

ETHICAL ASPECTS IN CHOOSING RENAL REPLACEMENT THERAPY: AN INTEGRATIVE REVIEW

ASPECTOS ÉTICOS EN LA ELECCIÓN DE LA TERAPIA DE REEMPLAZO RENAL: UNA REVISIÓN INTEGRADORA

Ana Carolina Medeiros Debelian - Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação Lato Sensu, Faculdade de Enfermagem. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5714-9709

Larissa da Silva Alves Ferreira - Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação Lato Sensu, Faculdade de Enfermagem

ORCID: https://orcid.org/0009-0008-0953-5796

Marcelo Luis Gonçalves Macêdo - Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação Lato Sensu, Faculdade de Enfermagem. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9464-1524

Cristiane Maria Amorim Costa - Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Fundamental

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1089-2092

Bruno Oliveira Dias Spezani - Centro Universitário Augusto Motta – Unisuam – Coordenação do curso de enfermagem. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8921-9532

RESUMO

O objeto do presente estudo trata as questões éticas concernentes às terapias de substituição renal. Idealmente, as decisões terapêuticas deveriam ser tomadas pelo usuário, com apoio da equipe multidisciplinar, tendo na enfermagem um ponto de integração nesse contexto. Ao se respeitar o princípio da autonomia, o usuário, esclarecido, teria capacidade de optar por qual o melhor tratamento para atender suas necessidades. Entretanto, o paternalismo presente nas decisões da equipe de saúde por julgar saber o que é melhor ao paciente, somado ao subfinanciamento das terapias renais substitutivas acarretam a má comunicação e não esclarecimento das opções terapêuticas ao paciente, que tem seus destinos determinados pelos profissionais de saúde. Trata-se de uma revisão integrativa. A busca nas bases de dados foi realizada na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Pubmed (via MEDLINE). O tratamento dialítico não está disponível para todos os pacientes que necessitam dela, configurando-se como um grave problema de saúde pública global, afetando tanto os pacientes renais crônicos quanto os com injúria renal aguda (IRA), principalmente nos países de terceiro mundo e os países em desenvolvimento. Devido à alta prevalência da DRC, altos custos e inequidade ao acesso às TRS, questões éticas sempre foram parte intrínseca da história da nefrologia e seu desenvolvimento. No ano de 2010, foram contabilizadas cerca de 2,3 a 7,1 milhões de óbitos de pessoas com doença renal terminal sem acesso a diálise. Uma tentativa de superar esses entraves é a decisão compartilhada, através de uma comunicação clara que esclareça e informe ao indivíduo e família as opções terapêuticas disponíveis, seus riscos, benefícios e disponibilidade, para que assim o cuidado seja centrado no paciente-família e estes sejam capazes de escolher e consentir pela TRS escolhida.

DESCRITORES: Autonomia; Ética; Bioética; Terapia de Substituição Renal.

ABSTRACT

The aim of this study is to address ethical issues related to renal replacement therapies. Ideally, therapeutic decisions should be made by the user, with the support of a multidisciplinary team, with nursing as a point of integration in this context. By respecting the principle of autonomy, the user, once informed, would be able to choose the best treatment to meet his/her needs. However, the paternalism present in the decisions of the health team, which believes that they know what is best for the patient, combined with the underfunding of renal replacement therapies, leads to poor communication and lack of clarification of therapeutic options to the patient, whose fate is determined by health professionals. This is an integrative review. The search in the databases was carried out in the Virtual Health Library (VHL) and Pubmed (via MEDLINE). Dialysis treatment is not available to all patients who need it, and is a serious global public health problem, affecting both chronic kidney disease patients and those with acute kidney injury (AKI), especially in third world and developing countries. Due to the high prevalence of CKD, high costs and inequitable access to RRT, ethical issues have always been an intrinsic part of the history of nephrology and its development. In 2010, approximately 2.3 to 7.1 million deaths of people with end-stage renal disease without access to dialysis were recorded. One attempt to overcome these obstacles is shared decision-making, through clear communication that clarifies and informs the individual and family of the available therapeutic options, their risks, benefits and availability, so that care is centered on the patient and family and they are able to choose and consent to the chosen RRT.

DESCRIPTORS: Autonomy; Ethics; Bioethics; Renal Replacement Therapy.

RESUMEN

El objeto de este estudio aborda las cuestiones éticas relacionadas con las terapias de sustitución renal. Idealmente, las decisiones terapéuticas deberían ser tomadas por el usuario, con el apoyo del equipo multidisciplinario, teniendo en la enfermería un punto de integración en este contexto. Al respetar el principio de autonomía, el usuario, informado, tendría la capacidad de optar por el mejor tratamiento para satisfacer sus necesidades. Sin embargo, el paternalismo presente en las decisiones del equipo de salud, al considerar que sabe lo que es mejor para el paciente, junto con el financiamiento insuficiente de las terapias renales sustitutivas, da lugar a una mala comunicación y falta de claridad sobre las opciones terapéuticas para el paciente, que ve su destino determinado por los profesionales de salud. Este es un estudio de revisión integrativa. La búsqueda en las bases de datos se realizó en la Biblioteca Virtual en Salud (BVS) y Pubmed (a través de MEDLINE). El tratamiento dialítico no está disponible para todos los pacientes que lo necesitan, lo que constituye un grave problema de salud pública global, afectando tanto a pacientes con insuficiencia renal crónica como a aquellos con lesión renal aguda (IRA), especialmente en los países del tercer mundo y en los países en desarrollo. Debido a la alta prevalencia de la Enfermedad Renal Crónica (ERC), los altos costos y la inequidad en el acceso a las TRS, las cuestiones éticas siempre han sido una parte intrínseca de la historia de la nefrología y su desarrollo. En 2010, se contabilizaron entre 2,3 y 7,1 millones de muertes de personas con enfermedad renal terminal sin acceso a diálisis. Un intento de superar estos obstáculos es la toma de decisiones compartidas, a través de una comunicación clara que informe al individuo y a su familia sobre las opciones terapéuticas disponibles, sus riesgos, beneficios y disponibilidad, para que así la atención esté centrada en el paciente y su familia, y ellos sean capaces de elegir y consentir la TRS seleccionada.

DESCRIPTORES: Autonomía; Ética; Bioética; Terapia de Sustitución Renal.

Recebido: 26/12/2024  Aprovado : 05/01/2025

Tipo de artigo: Revisão Integrativa

INTRODUÇÃO

O objeto do presente estudo trata as questões éticas concernentes às terapias de substituição renal. Idealmente, as decisões terapêuticas deveriam ser tomadas pelo usuário, com apoio da equipe multidisciplinar, tendo na enfermagem um ponto de integração nesse contexto, garantindo todo o esclarecimento necessário a tomada de decisão. Ao se respeitar o princípio da autonomia, o usuário, esclarecido, teria capacidade de optar por qual o melhor tratamento para atender suas necessidades.

A autonomia é definida como a liberdade de escolha do ser humano. Está relacionada à responsabilidade do ser humano e à liberdade de fazer escolhas com base em seus próprios conceitos de moralidade.1

A doença renal crônica (DRC) é definida como é a diminuição da função renal, com taxa de filtração glomerular estimada ajustada para a área de superfície corporal (TFGe/1,73 m2) < 60 ml/min, ou lesão renal que persiste durante no mínimo 3 meses. Quando o paciente atinge o estágio IV (pré-dialítico), as terapias renais substitutivas (TRS) devem ser apresentadas e escolhidas pelo indivíduo, em conjunto com a equipe multidisciplinar. Dentre as TRS, tem-se a hemodiálise, diálise peritoneal e o transplante renal.2 

O Brasil é um dos países com mais pacientes em diálise no mundo, e o país que mais transplanta.3 Segundo o Censo Brasileiro de Diálise de 2022, o número total estimado de pacientes foi de 153.831 pacientes em diálise, sendo 80,3% dos tratamentos financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).4

Segundo Ferraz5, “possivelmente nenhuma outra especialidade médica tenha sofrido tanto os impactos dos dilemas morais decorrentes do progressivo avanço tecnológico científico quanto a Nefrologia”. O impacto desse advento, principalmente do transplante renal, foi discutido por Jonsen6, no que denominou “Comitê Divino”.

No início da terapia de substituição renal, o tratamento não era capaz de absorver todos os pacientes. Foi instaurado o comitê divino para decidir quais pacientes seriam absorvidos e os critérios de elegibilidade. O desenvolvimento das terapias de substituição renal proporcionou desde a sua criação, o prolongamento e qualidade de vida aos pacientes, porém, é notório que nos primórdios houve um impacto devido aos dilemas morais.

Devido à maior demanda do que oferta de TRS aos portadores de DRC, dos países  em desenvolvimento enfrentam escassez de recursos, utilizando políticas utilitaristas como instrumento para manejo desse cenário.5 

Às praticas utilitaristas consistem em ações para benefícios coletivos, não individuais. Essas práticas são sinônimo de igualdade, afinal suas ações são pensadas e traçadas com o objetivo de impactar positivamente o maior número de pessoas.5

Entretanto, o paternalismo presente nas decisões da equipe de saúde, que julgam saber o que é melhor ao paciente, somado ao subfinanciamento das terapias renais substitutivas acarretam a má comunicação e não esclarecimento das opções terapêuticas ao paciente, que tem seus destinos determinados pelos profissionais de saúde.7,8 

Os profissionais devem respeitar a autonomia dos pacientes diante das decisões que devem ser tomadas, compreendendo que o saber técnico e a autonomia devem caminhar juntos para que os princípios éticos sejam atendidos.

A Política Nacional ao Portador de Doença Renal (PNPDR), em seu artigo segundo, afirma que a cobertura no atendimento a pessoa portadora de doença renal deve ser ampliada, garantindo universalidade, integralidade e equidade, bem como controle social e o acesso às diferentes modalidades de TRS.9 

Apesar do paciente ter o direito de escolher a TRS, o número de pessoas portadoras de DRC aumenta a cada ano, devido a mudanças demográficas experimentadas nos últimos anos com o aumento da longevidade e, consequentemente aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).  Esta mudança impacta no sistema de saúde brasileiro, uma vez que a demanda pelas TRS é maior que a oferta, dificultando a implementação dos princípios da PNPDR e do SUS, de universalidade, integralidade e equidade.3

Assim, o presente estudo tem como objetivo discutir os conflitos éticos que cercam as terapias renais substitutivas na literatura científica.

A relevância da pesquisa reside nos preceitos éticos profissão, onde deve ser assegurado ao paciente a autonomia para que possa escolher a melhor terapêutica para sua realidade.

A formação médico-centrada dos profissionais de saúde, associado a carência de discussões éticas durante a graduação e a postura paternalista dos profissionais embarreira e dificulta a comunicação e esclarecimento das opções de TRS aos usuários, para que possam optar livremente como assegura a legislação.

O estudo contribui para a pesquisa na medida em que incrementa a produção científica voltada para o tema, para o ensino por suscitar debates acerca dos aspectos éticos na escolha da TRS e para a assistência por subsidiar as práticas desenvolvidas pelos profissionais de saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa, que segundo Souza, Silva e Carvalho10 é conduzida de forma a identificar, analisar e sintetizar os resultados das pesquisas existentes sobre o mesmo assunto, contribuindo para qualidade dos cuidados prestados, baseado em evidências. Para tal, serão adotadas as seis etapas descritas pelas mesmas autoras: 1- Elaboração da pergunta norteadora; 2- Busca ou amostragem na literatura; 3- Coleta de dados; 4- Análise crítica dos estudos incluídos; 5- Discussão dos resultados; 6- Apresentação da revisão integrativa.

Para atender ao objetivo do estudo, adotou-se a estratégia PICo para formulação da pergunta norteadora, onde P é paciente, I é intervenção e Co é contexto, ao final, a questão do estudo é qual os conflitos éticos, apontados na literatura científica, no cotidiano de trabalho em terapia renal substitutiva em unidades de pacientes adultos?

A busca nas bases de dados foi realizada na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Pubmed (via MEDLINE) utilizando os descritores DeCS/MeSH e seus termos alternativos: Terapia de Substituição Renal, Ética, Ética em Enfermagem, Ética Médica, Ética Profissional, Bioética, Diálise, Diálise Peritoneal e Hemodiálise, combinados com os operadores booleanos AND e OR, apresentado no quadro abaixo.

Quadro 1. Estratégia de Busca na Base de Dados

Base de Dados

Estratégia

BVS

("Terapia de Substituição Renal") OR (diálise) OR ("Diálise Peritoneal") OR (hemodiálise) AND ((ética) OR ("Ética em Enfermagem") OR ("Ética Médica") OR ("Bioética") OR (ética profissional)) AND NOT (covid-19) AND (fulltext:("1" OR "1" OR "1") AND la:("en" OR "pt" OR "es")) AND (year_cluster: [2018 TO 2022])

Pubmed

(("Renal Replacement Therapy"[All Fields] OR ("dialysance"[All Fields] OR "dialysances"[All Fields] OR "dialysation"[All Fields] OR "dialysator"[All Fields] OR "dialysators"[All Fields] OR "dialyse"[All Fields] OR "dialysed"[All Fields] OR "dialyser"[All Fields] OR "dialysers"[All Fields] OR "dialysing"[All Fields] OR "dialysis solutions"[Pharmacological Action] OR "dialysis solutions"[MeSH Terms] OR ("dialysis"[All Fields] AND "solutions"[All Fields]) OR "dialysis solutions"[All Fields] OR "dialysate"[All Fields] OR "dialysates"[All Fields] OR "dialyzate"[All Fields] OR "dialyzates"[All Fields] OR "dialysis"[MeSH Terms] OR "dialysis"[All Fields] OR "dialyses"[All Fields] OR "dialyzability"[All Fields] OR "dialyzable"[All Fields] OR "dialyzation"[All Fields] OR "dialyze"[All Fields] OR "dialyzed"[All Fields] OR "dialyzer"[All Fields] OR "dialyzer s"[All Fields] OR "dialyzers"[All Fields] OR "dialyzing"[All Fields] OR "renal dialysis"[MeSH Terms] OR ("renal"[All Fields] AND "dialysis"[All Fields]) OR "renal dialysis"[All Fields]) OR "Peritoneal Dialysis"[All Fields] OR ("haemodialysis"[All Fields] OR "renal dialysis"[MeSH Terms] OR ("renal"[All Fields] AND "dialysis"[All Fields]) OR "renal dialysis"[All Fields] OR "hemodialysis"[All Fields])) AND ("ethic s"[All Fields] OR "ethicality"[All Fields] OR "ethically"[All Fields] OR "ethics"[MeSH Terms] OR "ethics"[All Fields] OR "ethic"[All Fields] OR "ethics"[MeSH Subheading] OR "morals"[MeSH Terms] OR "morals"[All Fields] OR "ethical"[All Fields] OR "Nursing Ethics"[All Fields] OR "Medical Ethics"[All Fields] OR "Professional Ethics"[All Fields] OR ("bioethical"[All Fields] OR "bioethics"[MeSH Terms] OR "bioethics"[All Fields] OR "bioethic"[All Fields])) AND ("loattrfull text"[Filter] AND 2018/01/01:2022/12/31[Date - Publication] AND ("english"[Language] OR "portuguese"[Language] OR "spanish"[Language]))) AND ((fft[Filter]) AND (2018:2022[pdat]) AND (english[Filter] OR portuguese[Filter] OR spanish[Filter]))

Foi utilizado recorte temporal de 2018 a 2022, e incluídos artigos completos em inglês, português e espanhol, excluindo-se os duplicados.

O fluxograma Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises (PRISMA) foi utilizado para apresentação dos artigos selecionados, respeitando os critérios de inclusão e exclusão citados.

A busca nas bases retornou 1086 artigos, sendo selecionados por título e resumo 29 artigos e 6 excluídos por duplicidade, totalizando 23 artigos em uma primeira seleção. Por elegibilidade, após leitura na íntegra, 18 artigos foram excluídos por não responderem aos objetivos do presente estudo, sendo incluídos para o estudo 5 artigos.

O detalhamento da seleção dos artigos está apresentado na Figura 1

Figura 1. Fluxograma PRISMA 2020 para pesquisas em bases de dados

Fonte: PAGE, Matthew J et al.11

Após a finalização da busca dos artigos, os mesmos foram analisados utilizando o instrumento de coleta de dados validada por Ursi e Galvão12 adaptado, contendo: título, autores, ano, objetivo, resultados e implicações, que inclui as conclusões e recomendações. A análise de dados foi conduzida adaptando o quadro sinóptico elaborado pelas mesmas autoras, compreendendo nome da pesquisa, autores, resultados e recomendações/conclusões. Os dados foram discutidos e apresentados de forma descritiva.  

Resultados e Discussão

Os cinco artigos foram analisados a partir do quadro, descrito abaixo.

Quadro 2. Principais achados sobre questões éticas em Terapia Renal Substitutiva

Pesquisa

Autores

Resultados

Recomendações/Conclusões

Chronic Kidney Disease: The Complex History of the Organization of Long-Term Care and Bioethics. Why Now, More Than Ever, Action is Needed

Versino; Piccoli13

A carga global da doença renal está crescendo, impulsionada por interações complexas, e o tratamento está repleto de disparidades ambientais e socioeconômicas. Precisamos de cobertura universal de saúde para garantir triagem eficaz, prevenção e tratamento precoce da DRC. É necessário o envolvimento de todas as partes interessadas relevantes e encontrar estratégias alternativas de financiamento para promover a igualdade de acesso aos cuidados.

Há necessidade de ação e a ação começa a partir da conscientização. Esta é a razão pela qual sentimos que esta edição especial será bem-vinda como um meio de fortalecer os vínculos entre nefrologistas clínicos, economistas e formuladores de políticas.

The current and future landscape of

dialysis

Himmelfarb et al.14

Há uma necessidade urgente de desenvolver novas abordagens e modalidades de diálise que sejam custo-efetivas, acessíveis e ofereçam melhores resultados aos pacientes. Os pesquisadores de nefrologia estão cada vez mais envolvidos com os pacientes para determinar suas prioridades. A mensagem abrangente desse compromisso é que, embora os pacientes valorizem a longevidade, a redução da carga de sintomas e a obtenção da reabilitação funcional e social máxima são priorizadas. Em resposta, pacientes, pagadores, reguladores e sistemas de saúde estão exigindo cada vez mais valor aprimorado, o que só pode ocorrer por meio de uma verdadeira inovação centrada no paciente que apoie cuidados de alta qualidade e alto valor.

Esforços substanciais estão em andamento para apoiar as mudanças transformadoras necessárias. Esses esforços precisam ser catalisados, promovidos e fomentados por meio da colaboração e harmonização internacional.

Consenting for Dialysis or Its Alternative: Systematic Process Is Needed

Li; Brown15

O consentimento não é apenas uma exigência legal. Trata-se da disposição dos nefrologistas em cumprir padrões éticos e mostrar respeito pelos pacientes e suas famílias. É também um processo suscetível de reduzir a carga de sofrimento moral à medida que as expectativas dos resultados da diálise se tornam realistas desde o início. O fornecimento de consentimento informado para iniciar a diálise significa que nossos pacientes estão fazendo uma escolha devidamente informada.

É imperativo que a comunidade de nefrologia melhore o consentimento informado de acordo com os referenciais legais e éticos, e propomos duas maneiras de conseguir isso. Em primeiro lugar, as informações devem ser escritas e verbais, fornecidas por uma equipe multidisciplinar e, deve incluir todos os aspectos prescritos por lei, incluindo como o tratamento afeta a vida de uma pessoa e as alternativas disponíveis. Em segundo lugar, um formulário de consentimento de diálise deve ser assinado para capturar esse processo compartilhado de tomada de decisão.

Introduction: Ethical Issues in Nephrology

Luyckx16

Aponta que fatores socioeconômicos e estruturais estão associados ao risco de DRC, e são esses mesmos fatores que dificultam os acessos as TRS. Dado que nem todas as terapias estão disponíveis, a questão da autonomia do paciente na escolha do tratamento pode ser discutida. Os indivíduos portadores de DRC devem ser informados e esclarecidos sobre as modalidades terapêuticas, seus riscos e benefícios. Além disso, a falta de recursos e financiamento dificulta a disponibilidade das TRS, o que impõe no profissional sofrimento moral no momento de ofertar essas terapias ao paciente.

É discutir e debater para encontrar soluções aceitáveis ​​para questões e dilemas éticos na área da nefrologia.

Além das questões de acessibilidade aos serviços de diálise, o início do tratamento pode ter consequências desastrosas para toda a unidade familiar, o que é ampliado nas sociedades coletivistas. Várias medidas de corte de custos também podem ter que ser usadas, oq que levanta dilemas morais para os profissionais de saúde.

Embora o dever do médico seja principalmente o bem-estar do paciente, as realidades socioeconômicas que governam o bem-estar de unidades familiares inteiras não podem ser totalmente removidas da equação de tomada de decisão.

Fonte: Autores, 2022.

O tratamento dialítico não está disponível para todos os pacientes que necessitam dela em decorrência da escassez de recursos, configurando-se como um grave problema de saúde pública global, afetando tanto os pacientes renais crônicos quanto os com injúria renal aguda (IRA), principalmente nos países de terceiro mundo e os países em desenvolvimento. Devido à alta prevalência da DRC, altos custos e inequidade ao acesso às TRS, questões éticas sempre foram parte intrínseca da história da nefrologia e seu desenvolvimento. No ano de 2010, foram contabilizadas cerca de 2,3 a 7,1 milhões de óbitos de pessoas com doença renal terminal sem acesso a diálise.13

A dificuldade no acesso e a autonomia na escolha da TRS também estão associadas a fatores como condições socioeconômicas, gênero e raça ou etnia, bem como o nível de desenvolvimento socioeconômico da região que o indivíduo vive.

Mesmo quando a diálise é reembolsada, a falta de recursos financeiros individuais pode limitar o acesso aos cuidados. Além disso, sem necessariamente ser percebido como tal, a oferta de diálise pode ser influenciada pelos interesses financeiros dos provedores de diálise ou nefrologistas, por exemplo, influenciando se um paciente recebe diálise no centro ou em casa, ou resultando no não encaminhamento de pacientes em diálise para transplante ou tratamento conservador. A TRS mais utilizada no mundo é a HD, que pode ser justificada pela falta de conhecimento por parte do paciente sobre a existência de outras modalidades terapêuticas, pois não foi lhe dado opção.12,16

A melhor maneira de superar essas barreias é a tomada de decisão compartilhada, que permite ao paciente escolher sobre as terapias a partir do conhecimento baseado em evidências promovido pela equipe multidisciplinar em saúde.14 Nesse contexto, o consentimento no início da diálise é uma forma reforçar o respeito à autonomia do paciente, a tomada de decisão compartilhada e o cuidado centrado no paciente. O consentimento informado abrange tanto o dever do médico de informar os pacientes sobre a natureza, os riscos e os benefícios de possíveis tratamentos, quanto, posteriormente, o direito das pessoas competentes de tomar decisões sobre seus cuidados de saúde.15

A ação ou escolha autônoma possuem três elementos fundamentais que são a intencionalidade, a compreensão e a ausência de influência controladora.17

Os elementos da compreensão e da ausência de influência controladora podem sofrer algumas variações e mesmo assim a ação ser considerada autônoma segundo a teoria por princípios:

A primeira das três condições de autonomia – intencionalidade – não é uma questão de grau: os atos são intencionais ou não intencionais. No entanto, os atos podem satisfazer as condições de compreensão e ausência de influência controladora em maior ou menor grau. Por exemplo, a compreensão pode ser mais ou menos completa; as ameaças podem ser mais ou menos severas; e a doença mental pode ser mais ou menos controladora. [...]. Os atos, portanto, podem ser autônomos por graus, em função de satisfazer essas duas condições de compreensão e voluntariedade em diferentes graus. Um continuum de compreensão e não controle vai desde a compreensão total e estar inteiramente no controle até a ausência total de compreensão relevante e sendo totalmente controlado. Pontos de corte nesses contínuos são necessários para a classificação de uma ação como autônoma ou não autônoma. As linhas entre graus adequados e inadequados de compreensão e graus de controle devem ser determinadas à luz de objetivos específicos de tomada de decisão em um contexto particular, como decidir sobre a cirurgia, escolher uma universidade para frequentar e contratar um novo funcionário.17

A importância do esclarecimento e consentimento não é somente necessária para a escolha de um método de TRS, mas também para a não escolha. A maior parte dos pacientes com doença renal em estágio terminal são idosos, frágeis e com múltiplas comorbidades. Por vezes, a realização de um tratamento dialítico pode trazer mais riscos do que benefícios e isso deve ser informado a pessoa e família, para que junto com a equipe multidisciplinar possam optar ou não por uma terapia.15

CONCLUSÃO

O acesso e escolha da terapia renal substitutiva é atravessada por uma série de fatores macro socioeconômicos e micro socioeconômicos, além de ser dispendiosa ao sistema de saúde, o que culmina em políticas utilitaristas por parte dos governos para disponibilização e acesso aos tratamentos de terapia renal substitutiva, em detrimento da igualdade de acesso.

A não universalidade na oferta dos serviços de diálise, pode ocasionar sofrimento moral, porque não possibilitam uma decisão autônoma do usuário na escolha da terapia, o que seria a condita moralmente aceitável.

Uma tentativa de superar esses entraves é a decisão compartilhada, através de uma comunicação clara que esclareça e informe ao indivíduo e família as opções terapêuticas disponíveis, seus riscos, benefícios e disponibilidade, para que assim o cuidado seja centrado no paciente-família e estes sejam capazes de escolher e consentir pela TRS escolhida. Por fim, é fundamental que os enfermeiros estejam alinhados com esses saberes para que possam associar o saber prático com o respeito a autonomia do paciente.


REFERÊNCIAS

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