ACESSO A MEDICAMENTOS ENTRE USUÁRIOS COM DOENÇAS CRONICAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
ACCESS TO MEDICINES AMONG USERS WITH CHRONIC DISEASES IN PRIMARY CARE
ACCESO A MEDICAMENTOS ENTRE USUARIOS CON ENFERMEDADES CRÓNICAS EN ATENCIÓN PRIMARIA
RESUMO
Objetivo: Estimar prevalência do acesso a medicamentos entre usuários com DCNT da Atenção Primária à Saúde em Salvador, Bahia, Brasil e fatores associados. Métodos: Estudo transversal realizado com adultos maiores de 18 anos com DCNT, realizado entre 2019 e 2020. Analisaram-se associações entre acesso aos medicamentos com fatores demográficos, socioeconômicos, perfil de saúde, hábitos de vida e acessibilidade geográfica, mediante regressão logística hierárquica. Resultados: Dos 283 entrevistados, 190 (67,1%) referiram ter acesso a medicamentos. Idade maior ou igual a 60 anos (OR=0,33; IC95%: 0,14 – 0,75) se mostrou como protetor, diferentemente de viver sem companheiro (OR=2,13; IC95%: 1,16 – 3,91) e ter dificuldade para chegar às unidades de saúde (OR=2,64; IC95%: 1,26 – 5,54) dificultaram o acesso aos medicamentos. Conclusão: Acesso a medicamentos foi considerado intermediário. Usuários sem companheiros e com dificuldade para chegar à APS têm mais dificuldade de acesso a medicamentos, diferentemente daqueles com idade igual ou superior a 60 anos.
DESCRITORES: Estudo Transversal; Inquéritos Epidemiológicos; Acesso a Medicamentos; Doenças Crônicas Não Transmissíveis; Farmacoepidemiologia.
ABSTRACT
Objective: To estimate the prevalence of access to medicines among users with NCDs in Primary Health Care in Salvador, Bahia, Brazil, and associated factors. Methods: Cross-sectional study conducted with adults over 18 years of age with NCDs, conducted between 2019 and 2020. Associations between access to medicines and demographic and socioeconomic factors, health profile, lifestyle habits, and geographic accessibility were analyzed using hierarchical logistic regression. Results: Of the 283 interviewees, 190 (67.1%) reported having access to medicines. Age greater than or equal to 60 years (OR=0.33; 95%CI: 0.14–0.75) was shown to be protective, unlike living without a partner (OR=2.13; 95%CI: 1.16–3.91) and having difficulty reaching health units (OR=2.64; 95%CI: 1.26–5.54) that hindered access to medications. Conclusion: Access to medications was considered intermediate. Users without partners and with difficulty reaching PHC have more difficulty accessing medications, unlike those aged 60 years or older.
DESCRIPTORS: Cross-Sectional Study; Epidemiological Surveys; Access to Medications; Chronic Noncommunicable Diseases; Pharmacoepidemiology.
RESUMEN
Objetivo: Estimar la prevalencia del acceso a medicamentos entre usuarios con ENT en Atención Primaria de Salud en Salvador, Bahía, Brasil y factores asociados. Métodos: Estudio transversal realizado con adultos mayores de 18 años con ENT, realizado entre 2019 y 2020. Se analizaron asociaciones entre el acceso a medicamentos y factores demográficos, socioeconómicos, perfil de salud, hábitos de vida y accesibilidad geográfica, mediante logística jerárquica. regresión. Resultados: De los 283 entrevistados, 190 (67,1%) informaron tener acceso a medicamentos. La edad mayor o igual a 60 años (OR=0,33; IC 95%: 0,14 – 0,75) resultó protectora, a diferencia de vivir sin pareja (OR=2,13; IC 95%: 1,16 – 3,91) y tener dificultades para alcanzar unidades de salud (OR=2,64; IC 95%: 1,26 – 5,54) dificultaron el acceso a los medicamentos. Conclusión: El acceso a los medicamentos se consideró intermedio. Los usuarios sin pareja y que tienen dificultades para acceder a la APS tienen más dificultades para acceder a los medicamentos, a diferencia de los de 60 años o más.
DESCRIPTORES: Estudio transversal; Encuestas Epidemiológicas; Acceso a Medicamentos; Enfermedades Crónicas No Transmisibles; Farmacoepidemiología.
INTRODUÇÃO
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) constituem 7 das 10 principais causas de morte do mundo e incluem doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, câncer, diabetes e doenças pulmonares crônicas, responsáveis por 74% das mortes em todo o mundo.(¹) Em consonância, no Brasil, essas doenças estiveram envolvidas em cerca de 54,7% das mortes no mesmo ano (2). O envelhecimento da população, o subdiagnóstico e o subtratamento são fatores que contribuem para o aumento da prevalência destas doenças.(3) O diagnóstico precoce e a garantia do acesso aos medicamentos são considerados como uma das principais estratégias de enfrentamento das DCNT e sua disponibilização por meio de políticas públicas é, frequentemente, a única alternativa de acesso.(4)
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) assegura o financiamento dos medicamentos para tratamento de pessoas com DCNT, principalmente, através do Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), inseridos na rede de cuidados da APS. O acesso a esses medicamentos é efetivado por meio das farmácias básicas, inseridas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Atenção Primária a Saúde (APS)(5), ou através do Programa Farmácia Popular, por meio da parceria com farmácias e drogarias da rede privada.(6)
O acesso aos medicamentos ainda é fortemente comprometido pela baixa disponibilidade de medicamentos em unidades de saúde, sugerindo que este não ocorre de forma universal, equânime e resolutiva à população e continua sendo um desafio para o SUS.(7) A falta dessa tecnologia afeta os resultados dos usuários e o sistema de saúde, como aumento dos encargos econômicos, interferência no atendimento e insatisfação.(8-9) Desta forma, dados sobre o acesso a medicamentos são importantes ferramentas para caracterizar o sistema de saúde e embasar políticas e ações que visem a amplia-lo.(10-12) Dada a ausência de informações sobre este tema na APS da população de Salvador, Bahia, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de acesso aos medicamentos entre usuários da APS com Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) em Salvador, Bahia, e os fatores associados.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal realizado com usuários dos serviços de APS no município de Salvador, Bahia. Foram considerados como critérios de inclusão autorreferir diagnóstico de DCNT, ter idade maior ou igual a 18 anos e estar nas unidades de saúde nos dias de coleta de dados para adquirir medicamentos ou buscar atendimento para si. Foram excluídos os que não aceitaram assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os que não tinham condições de responder o instrumento de pesquisa por limitações cognitivas.
A amostragem incluiu distintos critérios de seleção de unidades de saúde (US) selecionadas a partir de listagem de US da APS, tais como UBS, Centros de Saúde (CS) e Unidades de Saúde da família (USF) com farmácias de dispensação nos 12 DS de Salvador, Bahia. A partir da identificação do total de unidades de cada DS realizou-se sorteio daquelas que comporiam a amostra representativa de cada um, contudo a coleta nos 12 DS não avançou devido à pandemia da Covid-19. Em cada distrito, a amostra dos usuários da pesquisa foi definida por meio de uma amostragem simples com erro amostral de 10% e intervalo de confiança de 95% (IC95%), e estabelecidas padrões de acordo com o número médio de atendimento de usuários nas farmácias de cada unidade selecionada.
Dados primários foram coletados por entrevistadores treinados nas US no período de janeiro de 2019 a março de 2020. Foi realizado um estudo piloto para calibração do instrumento e treinamento dos pesquisadores. O formulário utilizado continha questões sobre aspectos demográficos, socioeconômicos, relativos a perfil de saúde e hábitos de vida, utilização de serviços de saúde da APS e, finalmente, sobre o acesso geográfico e uso de medicamentos.
No presente estudo, a obtenção autorreferida de medicamento na farmácia da unidade de saúde foi obtida por meio da pergunta “O(a) Sr(a) conseguiu os remédios que procurava na farmácia da UBS?” considerada como variável dependente e categorizada em acesso total e nulo. Para efeito de análise as variáveis foram redefinidas considerando a necessidade de estratificação. Assim, as variáveis demográficas e socioeconômicas tais como sexo e a idade em anos foi categorizada em faixas etárias de 18 a 39, 40 a 59 e maior ou igual a 60 anos. A cor da pele autorreferida foi coletada de acordo comas categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em branca, preta, parda, amarela e indígena. Para fins de análise, neste estudo, considerou-se apenas as cores que foram autorreferidas pelos pacientes, especificamente, branca, preta e parda. A situação conjugal foi categorizada de acordo com a presença de companheiro (com companheiro e sem companheiro). A escolaridade foi definida em ensino superior, ensino médio e ensino fundamental/analfabeto. Já a renda familiar mensal foi computada em Reais (R$), considerando o valor estipulado para o ano de 2019 de R$ 998,0 e classificada em menor ou igual a 1 (um) salário-mínimo (SM), maior que 1 e menor que 3 e maior ou igual a 3. Ter auxílio do governo foi categorizado em sim e não.
Com relação às variáveis relacionadas ao perfil de saúde e hábitos de vida questionou-se a frequência do uso do SUS e esta foi categorizada em sempre/quase sempre e às vezes/raramente e possuir plano de saúde, definida como sim e não. O número de doenças crônicas foi categorizado em nenhuma e maior ou igual a uma. A autopercepção da saúde foi reportada como muito boa ou boa e regular/ruim/ ou muito ruim. O hábito de fumar foi categorizado como variável dicotômica e a frequência de consumo de bebida alcoólica foi definida como raramente ou nunca e sempre ou quase sempre. As variáveis prática de exercício físico, ter sido internado no hospital nos últimos 12 meses e ter sido atendido em emergência em igual período foram definidas em sim e não.
Para investigar a acessibilidade geográfica de usuários foram incluídas questões sobre o nível de dificuldade de acesso até a unidade de saúde que foi definido em fácil e difícil, o modo de deslocamento até à unidade de saúde, classificado como ônibus/carros/moto/outros e a pé e, finalmente, a distância da residência até a unidade de saúde definida categoricamente em sim e não.
Análises bivariadas foram realizadas com o intuito de identificar o conjunto de variáveis que mais contribuíram para a explicação do acesso a medicamentos por usuários da APS com diagnóstico de DCNT. Posteriormente, foram realizadas análises multivariadas utilizando-se o modelo de regressão logística não condicional. A partir de parâmetros da regressão logística estimaram-se as medidas pontuais e os intervalos de confiança de 95% bruto e ajustado.
A análise multivariada foi conduzida a partir de um modelo teórico definido a priori, discriminando os fatores associados em blocos hierarquizados, respeitando-se a hierarquia existente entre os níveis de determinação do acesso aos medicamentos. A estratégia utilizada para a entrada dos blocos de variáveis foi do tipo “forward” (processo anterógrado), através do módulo em passos: primeiro bloco – variáveis demográficas e socioeconômicas; segundo bloco –perfil de saúde e hábitos de vida; terceiro bloco – acessibilidade geográfica. Permaneceram no modelo as variáveis que mostraram níveis de significância estatística, segundo um valor de p < 0,20. Definiu-se para o estudo um nível de significância de 0,05. Os pacotes estatísticos utilizados foram o Excel for Windows e o Stata (versão 14.0).
O projeto de pesquisa foi aprovado pela Plataforma Brasil/ Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia, CAAE 93991118.5.0000.0057, parecer nº 2.791.392 em 31 de julho de 2018 como parte do projeto guarda-chuva Pesquisa Municipal sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no município de Salvador, Bahia (PMAUM), também submetido e aprovado pelo mesmo Comitê sob o CAAE nº 69697923.5.0000.0057.
RESULTADOS
Preencheram os critérios de elegibilidade 283 indivíduos. Dentre os participantes, 190 (67,1%) referiram ter tido acesso total a medicamentos nas farmácias das unidades investigadas. A maioria foi composta por indivíduos do sexo feminino (83,7%), com idades variando entre 40 e 59 anos (37,6%), com cor da pele preta ou parda (93,9%) e que referiram ter companheiros (54,8%). Observou-se também que a maior parte dos pesquisados possuía ensino médio (48,0%), recebiam até 1 salário-mínimo (52,9%), e declararam não receber auxílio do governo (68,2%). Nas análises de regressão logística brutas e ajustadas para o desfecho acesso a medicamentos foram evidenciadas associação com a idade para a faixa etária ≥ 60 anos (OR=0,39; IC95%: 0,17 – 0,92) e com a situação conjugal não possuir companheiro (OR=2,29; IC95%: 1,24 – 4,21) (Tabela 1).
Tabela 1. Características dos entrevistados, prevalência do acesso a medicamentos e associação entre acesso a medicamentos e variáveis demográficas e socioeconômicas dos usuários com Doenças Crônicas Não Transmissíveis dos serviços de Atenção Primária em Saúde, Salvador, Bahia, 2019-2020. (n=283).
Acesso a medicamentos na APS | ||||||
Variáveis | n(%) | Acesso total n (%) | Acesso nulo n (%) | OR bruta (IC95%) | OR ajustada (IC95%) | Valor de p |
Sexo | ||||||
Feminino | 237(83,7) | 160 (67,5) | 77 (32,5) | 1 | 1 | |
Masculino | 46(16,3) | 30 (65,2) | 16 (34,8) | 1,11 (0,5 – 2,1) | 1,62 (0,73 – 3,58) | 0,235 |
Faixa etária (em anos)a | ||||||
18a39 | 83 (29,9) | 51 (61,5) | 32 (38,5) | 1 | 1 | |
40a59 | 104(37,5) | 64 (61,5) | 40 (38,5) | 0,99 (0,5 – 1,8) | 0,95 (0,47 – 1,92) | 0,876 |
≥ 60 | 90 (32,5) | 69 (76,8) | 21 (23,3) | 0,48 (0,2 – 0,9) | 0,39 (0,17 – 0,92) | 0,031 |
Cor da peleb | ||||||
Branca | 17 (6,1) | 14 (82,3) | 3 (17,7) | 1 | 1 | |
Preta/parda | 264 (93,9) | 174 (65,9) | 90 (34,1) | 2,41 (0,6 – 8,6) | 1,62 (0,39 – 6,66) | 0,503 |
Situação conjugalc | ||||||
Com companheiro | 154 (54,8) | 111 (72,1) | 43 (27,9) | 1 | 1 | |
Sem companheiro | 127 (45,2) | 79 (62,2) | 48 (37,8) | 1,57 (0,9 – 2,5) | 2,29 (1,24 – 4,21) | 0,007 |
Escolaridaded | ||||||
Ensino Superior | 20 (7,17) | 14 (70,0) | 6 (30,0) | 1 | 1 | |
Ensino médio | 134 (48,0) | 89 (66,4) | 45 (33,5) | 1,17 (0,42 – 3,27) | 1,41 (0,43 – 4,55) | 0,525 |
Ensino fundamental/analfabeto | 125 (44,8) | 85 (68,0) | 40 (32,0) | 1,11 (0,39 – 3,07) | 1,46 (0,45 – 4,64) | 0,564 |
Renda mensal familiar (SM)f | ||||||
≥3 | 58 (22,8) | 46 (79,3) | 12 (20,7) | 1 | 1 | |
≤ 1 | 135 (52,9) | 85 (63,0) | 50 (37,0) | 2,25 (1,12 – 4,65) | 2,12 (0,9 – 4,7) | 0,065 |
> 1 até < 3 | 62 (24,3) | 40 (64,5) | 22 (35,5) | 2,1 (0,92 – 4,79) | 1,73 (0,7 – 4,1) | 0,219 |
Auxílio do governog | ||||||
Sim | 85 (31,8) | 56 (65,8) | 29 (34,1) | 1 | 1 | |
Não | 182 (68,2) | 123 (67,6) | 59 (32,4) | 0,92 (0,54 – 1,59) | 1,24 (0,67 – 2,32) | 0,488 |
Variáveis com valor de p ≤ 0,20 integraram o modelo de regressão logística multivariada no primeiro passo, bloco 1 (variáveis demográficas e socioeconômicas). SM=salário-mínimo. Dados Ignorados: (a) 6, (b) 2, (c) 2, (d) 4, (e) 10, (f) 28, (g) 16.
As variáveis relacionadas ao perfil de saúde e hábitos de vida são apresentadas na Tabela 2. Considerando a frequência de uso do SUS, de modo geral os indivíduos referiram sempre ou quase sempre usá-lo (80,2%) e não ter planos de saúde privados (91,3%). Entre os usuários entrevistados foi mais frequente ter mais de uma doença crônica (58,2%) e referir autopercepção da saúde como regular/ruim/muito ruim (53,3%). Majoritariamente, no que diz respeito aos hábitos de vida, os usuários negaram fumar (92,8%) e referiram que a frequência de ingestão de bebida alcoólica era rara ou quase nunca (89,9%). A maioria relatou não praticar atividade física (56,3%). Com relação ao perfil de saúde observou-se que apenas 13,0% referiram internamento hospitalar, entretanto 48,5% informaram atendimentos em unidades de emergências nos últimos 12 meses. Nas análises bivariadas e multivariadas os resultados não se mostraram associados de modo estatisticamente significante com acesso a medicamentos na APS (Tabela 2).
Tabela 2. Características dos entrevistados, prevalência do acesso a medicamentos e associação entre acesso a medicamentos e variáveis relacionadas ao perfil de saúde e hábitos de vida de usuários dos serviços de Atenção Primária em Saúde, Salvador, Bahia, 2019-2020. (n=283).
Variáveis | n(%) | Acesso a medicamentos na APS | Valor de p | ||||
Acesso total n (%) | Acesso nulo n (%) | OR bruta (IC95%) | OR ajustada (IC95%) | ||||
Usa SUS | |||||||
Sempre e quase sempre | 227 (80,2) | 156 (68,7) | 71 (31,3) | 1 | 1 | ||
Às vezes e raramente | 56 (19,8) | 34 (60,7) | 22 (39,3) | 1,42 (0,77 – 2,60) | 1,21 (0,51 – 2,70) | 0,651 | |
Plano de saúdea | |||||||
Sim | 24 (8,7) | 19 (79,2) | 5 (20,8) | 1 | 1 | ||
Não | 251 (91,3) | 165 (65,7) | 86 (34,3) | 1,98 (0,71 – 5,48) | 1,20 (0,31 – 4,68) | 0,791 | |
Número de doenças crônicasb | |||||||
Nenhuma | 81 (28,9) | 51 (62,9) | 30 (37,0) | 1 | 1 | ||
>1 | 163 (58,2) | 139 (69,8) | 60 (30,2) | 0,73 (0,43 – 1,26) | 0,60 (0,26 – 1,41) | 0,243 | |
Autopercepção da saúdec | |||||||
Muitoboa/boa | 121 (46,7) | 76 (66,8) | 45 (37,2) | 1 | 1 | ||
Regular/ruim/muito ruim | 138 (53,3) | 81 (71,7) | 32 (28,3) | 0,81 (0,62 – 1,08) | 1,07 (0,51 – 2,26) | 0,851 | |
Hábito de fumard | |||||||
Não | 258 (92,8) | 174 (67,4) | 84 (32,6) | 1 | 1 | ||
Sim | 20(7,2) | 13 (65,0) | 7 (35,0) | 1,12 (0,43 – 2,90) | 1,10 (0,32 – 3,76) | 0,876 | |
Frequência de consumo de bebida alcoólicae | |||||||
Raramente e nunca | 250 (89,9) | 169 (67,6) | 81 (32,4) | 1 | 1 | ||
Sempre e quase sempre | 28 (10,1) | 18 (64,3) | 10 (35,7) | 1,16 (0,51 – 2,62) | 1,26 (0,4 – 3,4) | 0,644 | |
Prática de exercício físicof | |||||||
Sim | 121 (43,7) | 83 (68,6) | 38 (31,4) | 1 | 1 | ||
Não | 156 (56,3) | 103 (66,0) | 53 (34,0) | 1,12 (0,68 – 1,87) | 1,26 (0,62 – 2,60) | 0,519 | |
Internamento hospitalar nos últimos 12 mesesg | |||||||
Não | 194 (87,0) | 133 (68,6) | 61 (31,4) | 1 | 1 | ||
Sim | 29 (13,0) | 23 (79,3) | 6 (20,6) | 0,57 (0,22 – 1,47) | 0,72 (0,24 – 2,17) | 0,560 | |
Atendimento em emergências nos últimos 12mesesf | |||||||
Não | 140 (51,5) | 94 (67,1) | 46 (32,9) | 1 | 1 | ||
Sim | 132 (48,5) | 91 (68,9) | 41 (31,1) | 0,92 (0,55 – 1,53) | 1,24(0,61 – 2,54) | 0,539 |
Nota: Ajuste no segundo passo das variáveis do bloco 2 (perfil de saúde e hábitos de vida) pelas variáveis com valor de p ≤ 0,20 do bloco 1 (sexo, idade, situação conjugal e renda mensal). Dados ignorados:(a) 8, (b)3, (c) 24, (d) 5, (e)5, (f) 6, (g) 60 e f (11).
Na Tabela 3 são apresentadas as variáveis relativas à acessibilidade geográfica de acordo com o acesso a medicamentos. Observou-se que 26,4% dos pacientes referiram ter dificuldade para acessar a unidade de saúde e o modo de locomoção a pé foi o mais comum reportado para chegar até a unidade de saúde (62,4%). Detectou-se também que 50,2% referiram que a unidade de saúde era distante da residência. Ter dificuldade para acessar a UBS se associou positivamente, e de modo estatisticamente significante, com não ter acesso a medicamentos na APS (OR=2,65; IC95%: 1,24 –5,66) (Tabela 3).
Tabela 3. Características dos entrevistados, prevalência do acesso a medicamentos e associação entre acesso a medicamentos e variáveis relacionadas a acessibilidade geográfica de usuários com Doenças Crônicas Não Transmissíveis dos usuários da Atenção Primária em Saúde, Salvador, Bahia, 2019-2020. (n=283)
Variáveis | n (%) | Acesso a medicamentos na APS | Valor de p | |||
Acesso total n (%) | Acesso nulo n (%) | OR Bruta (IC (95%) | OR ajustada IC (95%) | |||
Dificuldade de acesso até a unidade de saúdea | ||||||
Fácil | 208 (73,8) | 148 (71,2) | 60 (28,8) | 1 | 1 | |
Difícil | 74 (26,4) | 41 (55,4) | 33 (44,6) | 1,98 (1,15 – 3,43) | 2,65 (1,24 – 5,66) | 0,012 |
Modo de deslocamento até a unidade de saúdeb | ||||||
A pé | 171 (62,4) | 113 (66,1) | 58 (33,9) | 1 | 1 | |
Ônibus, carro, moto, outros | 103 (37,6) | 72 (69,9) | 31 (30,1) | 1,19 (0,70 – 2,02) | 0,98 (1,24 – 5,66) | 0,960 |
Distância da residência até a unidade de saúde c | ||||||
Não | 140 (49,8) | 95 (67,9) | 45 (32,1) | 1 | 1 | |
Sim | 141 (50,2) | 94 (66,7) | 47 (33,3) | 1,05 (0,64-1,73) | 0,68 (0,33 – 1,39) | 0,291 |
Nota: Ajuste no terceiro passo das variáveis do bloco 3 (acessibilidade geográfica) pelas variáveis com valor de p ≤ 0,20 do bloco 1 (sexo, idade, situação conjugal e renda mensal) e bloco 2 (perfil de saúde e hábitos de vida). Dados ignorados: (a)1, (b)9, (c)2.
Tabela 4. Modelo final da regressão logística entre acesso a medicamentos e usuários com Doenças Crônicas Não Transmissíveis dos serviços de Atenção Primária em Saúde, Salvador, Bahia, 2019-2020. (n=283).
Acesso a medicamentos na APS | |||
Variáveis | OR bruta (IC95%) | OR ajustada (IC95%) | Valor de p |
Idade (≥ 60 anos) | 0,4 (0,2-0,9) | 0,33 (0,14 – 0,75) | 0,008 |
Situação conjugal (sem companheiro) | 1,5 (0,9-2,5) | 2,13 (1,16 – 3,91) | 0,015 |
Dificuldade de acesso até a unidade de saúde (Sim) | 1,9 (1,1-3,4) | 2,64 (1,26 – 5,54) | 0,010 |
Variáveis com valor de p≤ 0,05 integraram o modelo de regressão logística multivariada ajustado por sexo, renda familiar mensal e distância da residência até a unidade de saúde.
Na Tabela 4 encontra-se o modelo final da regressão logística multivariada entre acesso a medicamentos na APS e variáveis selecionadas. As variáveis que permaneceram no modelo e mostraram estar associadas de modo estatisticamente significante com o acesso a medicamentos na APS foram faixa etária ≥ 60 anos (OR=0,33; IC95%: 0,14 – 0,75), situação conjugal sem companheiro (OR=2,13; IC95%: 1,16 – 3,91) e dificuldade para chegar na unidade de saúde (OR=2,64; IC95%:1,26 – 5,54).
DISCUSSÃO
O presente estudo mostra prevalência de acesso autorreferido a medicamentos entre usuários com DCNT da APS em Salvador, Bahia (67,1%). Os resultados da análise realizada evidenciam a existência de associação entre este indicador e fatores socioeconômicos e geográficos. Foram observadas diferenças significativas entre os fatores associados ao acesso a medicamentos, possuir faixa etária ≥ 60 anos foi encontrado como condição facilitadora ao acesso e como barreiras, não possuir companheiro e dificuldade para chegar à UBS. Isso indica que, apesar do fortalecimento da Assistência Farmacêutica no Brasil nos últimos anos, o acesso aos medicamentos para tratamento de usuários com DCNT precisa ser melhorado na APS do município estudado.
A prevalência de acesso a medicamentos para tratamento de pessoas com DCNT encontrado nesta pesquisa é superior aos resultados encontrados anteriormente em outras pesquisas no Brasil.(12-13) O estudo oriundo da PNAUM demonstrou que dentre os que tiveram acesso total ao tratamento, 47,5% obtiveram todos os seus medicamentos de forma gratuita.(14) De forma similar, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em que se avaliou a população que teve medicamentos prescritos no SUS, foi encontrada que 45,3% os obtiveram no próprio sistema de saúde público.(13) Entretanto, é necessário cautela ao se compararem esses dados devido às diferenças metodológicas dos estudos brasileiros, além de atentar ao fato que a prevalência encontrada neste estudo está abaixo da meta estabelecida pela OMS, que é garantir 80% de disponibilidade de tecnologias básicas e medicamentos essenciais, para o controle das DCNT(1) Os resultados mostram que, considerando-se os parâmetros da OMS, tal percentual é classificado como intermediário, principalmente no contexto de um sistema de saúde universal, no qual emerge um paradoxo político que indica falhas na Política Nacional de Medicamentos e de Assistência Farmacêutica, incidindo e comprometendo o acesso a medicamentos. Adicionalmente, informações disponibilizadas no Plano Municipal de Saúde de Salvador referente aos anos de 2022-2025, indicam problemas organizacionais no âmbito da Assistência Farmacêutica, como falta de regularidade na distribuição e fornecimento de medicamentos.(1) Igualmente, não é possível garantir o acesso se os medicamentos não estiverem disponíveis na ocasião da dispensação ao usuário, o que pode revelar deficiências no planejamento, organização, estruturação e financiamento da AF prestada(16), podendo demonstrar baixa institucionalização da AF e baixa autonomia.(17) Esse cenário também suscita a hipótese da influência da promulgação da Emenda Constitucional 95, que traz riscos de comprometimento ao funcionamento do SUS como as medidas de congelamento dos gastos públicos, que influenciam na disponibilidade de medicamentos e, portanto, a garantia do direito à saúde.(18)
Foi observado, no estudo atual e, de modo semelhante, na literatura nacional(19,20) que indivíduos mais velhos reportaram maior acesso a medicamentos. Um estudo sobre acesso a medicamentos para DCNT em adultos e idosos de duas regiões do país realizado em 2005 observou prevalência global do acesso maior para os idosos (87,0%).(20) Um inquérito domiciliar realizado em 2016, componente do inquérito domiciliar da Pesquisa Nacional de Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), apontou acesso maior entre os maiores de 60 anos.(19) Essa questão pode ser justificada pela necessidade da população idosa brasileira utilizar mais os serviços de saúde, o que se deve, também, ao fato da maior frequência de doenças crônicas, fragilidades e perdas funcionais, maior utilização de medicamentos, além de menos recursos sociais e financeiros encontrados nesse grupo etário.(20)
No presente estudo foi observada associação significativa entre situação conjugal e acesso a medicamentos, não possuir companheiros foi encontrado como uma barreira para o acesso. Tais dados corroboram com os resultados um estudo que analisou a prevalência do uso de medicamentos e encontraram prevalência menor de uso naqueles que não possuíam companheiro. Na tentativa de explicar tal fenômeno, há literatura crescente sobre o conceito de “proteção do casamento”. Este conceito implica um papel protetor de um forte relacionamento social que pode resultar em melhor saúde porque os cônjuges funcionam como cuidadores, fornecendo apoio físico e emocional. (22)
Assim como em outras investigações realizadas, neste estudo foram avaliadas duas dimensões de acesso a medicamentos (13,23,24), disponibilidade e acessibilidade geográfica. Entre os resultados foi observado que ter dificuldade para acessar a UBS se associou positivamente com não ter acesso a medicamentos. Uma hipótese para tal questão seria que a distribuição espacial das unidades de atendimento consiste numa barreira geográfica para parte da população, pois a distância entre a residência e a unidade de atendimento, principalmente, para quem já está debilitado fisicamente, consiste em forte impedimento ao acesso. Concorrem para tal desfecho tanto a inexistência de transporte pessoal, quanto ausência de condições financeiras para acesso ao transporte público ou mesmo a inexistência das rotas de transportes que contemplem as unidades.(24) Apesar de não ter sido utilizada uma distância padronizada neste estudo, a OMS utiliza como indicador o percentual de domicílios situados a mais de cinco quilômetros de um centro de saúde/farmácia. É importante salientar que a combinação entre crescimento insuficiente da oferta de serviços frente ao aumento populacional, por sua vez, gera aumento na demanda assistencial. Dados extraídos dos sistemas de informação e-Gestor Atenção Básica, um espaço para informação e acesso aos sistemas da APS, demonstram que durante o ano de 2019, a cobertura média da atenção básica esteve em 38,2%.(25) A organização por população adstrita, ou seja, da população da área de abrangência de uma unidade de saúde, adotada na APS provavelmente minimiza os problemas de acessibilidade geográfica.
Esta investigação não está isenta de limitações. Indica-se a ausência de período recordatório para questionamento sobre o uso de medicamentos usados para minimizar o erro recordatório na coleta de dados através de questionários. Entretanto, em um estudo realizado com o objetivo de avaliar as prevalências de acesso geral e público a medicamentos prescritos na população brasileira com 15 anos ou mais de idade e identificar iniquidades de acesso, os pesquisadores indicaram que a interferência deste viés foi mínima.(26) Outra limitação foi a ausência da verificação do medicamento necessário estar na lista de medicamentos selecionados e disponibilizados na APS, o que pode ter levado a uma subestimativa da prevalência de acesso de medicamentos e, assim, dificultar comparações. Também há limitação de representatividade, considerando que a pandemia causada pela Covid-19 restringiu a possibilidade de realização em todos os Distritos Sanitários (DS). Ressalta-se, porém, que os DS incluídos na investigação eram muito populosos.
CONCLUSÕES
O acesso a medicamentos foi considerado como intermediário. Usuários sem companheiros e com dificuldade para chegar à APS têm mais dificuldade de acesso a medicamentos, diferentemente daqueles com idade igual ou superior a 60 anos. Ressalta-se que este é o primeiro estudo na APS do município de Salvador, Bahia, desenhado para estimar a prevalência de acesso à medicamentos para tratamento de pessoas com DCNT e fatores associados. O acesso a medicamentos tem sido uma medida utilizada em estudos farmacoepidemiológicos e considerado adequado, com as vantagens de rapidez e baixo custo na obtenção da informação10. É de relevância mencionar que ao privilegiar o usuário como participante do processo avaliativo, o estudo traz novas contribuições.
REFERÊNCIAS
AUTORES
Maria Fernanda Barros de Oliveira Brandão1
Farmacêutica graduada pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Máster en Farmacoepidemiología y Farmacovigilancia pela Universidad de Alcalá de Henares (UAH), Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). ORCID: 0000-0001-8919-278X
Jaqueline Jesus dos Santos Cruz2
Farmacêutica graduada pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Especialista em Metodologias Ativas pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Mestre em Saúde Coletiva pela UNEB. ORCID: 0000-0002-5747-3760.
Helena Maria Silveira Fraga-Maia3
Fisioterapeuta graduada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Mestre em Saúde Comunitária (UFBA), Doutora em Saúde Pública (UFBA). ORCID: 0000-0002-2782-4910
Paulo Sérgio Dourado Arrais4
Farmacêutico graduado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre em Farmacoepidemiologia pela Universidad Autonoma de Barcelona (UAB), Doutor em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
ORCID: 0000-0001-6180-7527
Patrícia Sodré Araújo5
Farmacêutica graduada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Saúde Comunitária (UFBA), Doutora em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). ORCID: 0000-0001-5843-5662
AFILIAÇÕES
1Conselho Regional de Farmácia do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
2Fundação Estatal Saúde da Família, FESF-SUS, Brasil.
3Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências da Vida – Salvador, BA, Brasil.
4Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem, Fortaleza (UFC), CE, Brasil.
5Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Ciências da Vida – Salvador, BA, Brasil.