COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO ATENDIMENTO A MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL: REVISÃO INTEGRATIVA
ESSENTIAL COMPETENCIES FOR HEALTH PROFESSIONALS IN THE CARE OF WOMEN VICTIMS OF SEXUAL VIOLENCE: AN INTEGRATIVE REVIEW
COMPETENCIAS ESENCIALES PARA PROFESIONALES DE LA SALUD EN LA
ATENCIÓN A MUJERES VÍCTIMAS DE VIOLENCIA SEXUAL: REVISIÓN INTEGRATIVA
Ana Paula Chancharulo de Morais Pereira - Doutora em Saúde Coletiva e enfermeira. Departamento de Ciências da Vida (DCV). Docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB0).ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1940-5254
Liliane Mascarenhas Silveira - Mestre em saúde coletiva pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Diretora da Gestão do Cuidado daSecretaria da Saúde do Estado da Bahia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1444-3641
RESUMO
Objetivo: Identificar as competências essenciais que a equipe multiprofissional deve desenvolver para atender mulheres vítimas de violência sexual. Método: Realizou-se uma Revisão Integrativa (RI) de literatura utilizando a estratégia PECO. As buscas foram conduzidas entre junho e julho de 2024 nas bases de dados PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde e Periódicos da Capes, resultando na seleção de 23 estudos. Resultados: Os resultados foram categorizados em três dimensões de competências: conhecimento, habilidade e atitude. Cada dimensão foi associada a um tipo específico de competência. Dos estudos analisados, 43% destacaram a necessidade das três dimensões de competências. A competência técnica foi a mais prevalente, presente em 78% dos estudos, seguida pelas competências comportamental e funcional, ambas com 74%. Conclusão: A qualificação e a transformação das práticas de cuidado em saúde, com enfoque no fortalecimento dos profissionais e usuários por meio de estratégias educacionais, resultam em uma assistência eficaz no enfrentamento da complexidade da violência sexual.
DESCRITORES: Competências essenciais; Assistência à saúde; Violência sexual contra a mulher.
ABSTRACT
Objective: To identify the essential competencies that the multidisciplinary team must develop to assist women victims of sexual violence. Method: An Integrative Review (IR) of the literature was conducted using the PECO strategy. The searches were conducted between June and July 2024 in the PubMed, Virtual Health Library, and Capes Periodicals databases, resulting in the selection of 23 studies. Results: The results were categorized into three dimensions of competencies: knowledge, skills, and attitude. Each dimension was associated with a specific type of competency. Of the studies analyzed, 43% highlighted the need for the three dimensions of competencies. Technical competency was the most prevalent, present in 78% of the studies, followed by behavioral and functional competencies, both with 74%. Conclusion: The qualification and transformation of health care practices, with a focus on strengthening professionals and users through educational strategies, result in effective assistance in addressing the complexity of sexual violence.
DESCRIPTORS: Essential competencies; Health care; Sexual violence against women.
RESUMEN
Objetivo: Identificar las competencias esenciales que el equipo multiprofesional debe desarrollar para atender a mujeres víctimas de violencia sexual. Método: Se realizó una Revisión Integrativa (RI) de literatura utilizando la estrategia PECO. Las búsquedas se llevaron a cabo entre junio y julio de 2024 en las bases de datos PubMed, Biblioteca Virtual en Salud y Periódicos de la Capes, resultando en la selección de 23 estudios. Resultados: Los resultados se categorizaron en tres dimensiones de competencias: conocimiento, habilidad y actitud. Cada dimensión se asoció con un tipo específico de competencia. De los estudios analizados, el 43% destacó la necesidad de las tres dimensiones de competencias. La competencia técnica fue la más prevalente, presente en el 78% de los estudios, seguida por las competencias conductual y funcional, ambas con el 74%. Conclusión: La cualificación y transformación de las prácticas de cuidado en salud, con enfoque en el fortalecimiento de los profesionales y usuarios mediante estrategias educativas, resultan en una asistencia eficaz en el enfrentamiento de la complejidad de la violencia sexual.
DESCRIPTORES: Competencias esenciales; Atención en salud; Violencia sexual contra la mujer.
Recebido: 10/01/2025 Aprovado: 20/01/2025
Tipo de artigo: Revisão Integrativa
INTRODUÇÃO
A invisibilidade e a natureza multifacetada do fenômeno da violência sexual contra a mulher, associadas ao despreparo dos profissionais e à necessidade da organização da atenção eficaz e integral, requerem dos profissionais competências essenciais para melhoria da atenção e cuidado às vítimas de violência sexual.
O termo “competências” é amplamente reconhecido em todo o mundo e apresenta- se como uma nova abordagem, porque estimula a reflexão crítica, sendo capaz de atender às demandas impostas pelas mudanças sociais atuais e promover o desenvolvimento da cidadania(1)
A complexidade da violência sexual exige que os profissionais tenham conhecimento que vão além da formação técnica. Além disso, eles devem adquirir habilidades para melhorar o cuidado em saúde por meio do trabalho em equipe e da educação interprofissional. Isso os ajudará a superar os desafios associados à fragmentação da rede de atenção, às dificuldades do processo de trabalho em saúde e à neutralidade e imparcialidade centrada no corpo e na biomedicina(2-4).
No Brasil, a Política Nacional de Humanização (PNH), considerada uma indutora do aprimoramento das práticas colaborativas interprofissionais no Sistema Único de Saúde (SUS), recomenda que a prática do acolhimento deve ser exercida por todos os profissionais de saúde, reafirmando o cuidado em saúde por meio do trabalho em equipe(5)
Reeves(6) afirma que os profissionais de saúde devem receber formação que lhes permita adquirir conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para trabalhar em equipe, o que resultará em uma maior segurança do paciente e mais qualidade do serviço prestado, melhorando a fragmentação do cuidado em saúde ainda presente.
Nesse contexto, o desenvolvimento de competências apresenta-se como uma nova perspectiva sobre o perfil dos profissionais na saúde, não apenas por encorajar o pensamento crítico, mas também por ser capaz de atender às demandas impostas pela situação atual de mudanças sociais, apoiar e orientar a população quanto a seus direitos das mulheres vítimas de violência sexual(7).
Para isso, faz-se necessária a implementação de estratégias de Educação Permanente em Saúde (EPS) para ampliar o conhecimento específico dos profissionais, incentivar a discussão e melhorar os modos operantes de atendimento de forma a atender às necessidades da população. Além disso, a EPS ajuda a desenvolver competências essenciais, como conhecimento, habilidades e atitudes, qualificando a atuação dos profissionais para atender às necessidades das mulheres vítimas de violência sexual de forma integral e intersetorial(8-10).
Na Resolução no 569, de 8 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) dispôs os pressupostos, os princípios e as diretrizes sobre o perfil do profissional na perspectiva do trabalho coletivo em saúde como prática social, organizado de forma interdisciplinar e interprofissional, que proporcionem conhecimentos, habilidades e atitudes que possam superar os desafios contemporâneos do mundo do trabalho(11).
A qualificação e a transformação das práticas de cuidado em saúde nas ações e serviços, com ênfase no fortalecimento dos profissionais e usuários, por meio estratégias de educação, reverberam em uma assistência potente no enfrentamento da complexidade da temática da violência sexual(8)
Estudos apontam que as práticas educativas melhoram a comunicação, o trabalho em equipe, a gestão, o compartilhamento ético do cuidado, a mudança de práticas, o compromisso social e de saúde e a interação e a integração(3,8).
Nesse sentido, destaca-se a importância das estratégias de educação em saúde para desenvolver competências profissionais que possibilitem: conhecimento; habilidade e atitude para a efetivação da organização do cuidado; promoção da saúde, prevenção e tratamento em tempo hábil; comunicação assertiva; articulação intersetorial e colaborativa; planejamento de ações resolutivas; tomada de decisão; identificação e notificação dos casos; orientação quanto aos direitos; escuta qualificada e acolhimento humanizado(7,10).
O estudo de Lima e Freitas Júnior(10) sugere uma matriz de competências comuns para a prática interprofissional de cuidado às vítimas de violência sexual, que pode ajudar a criar planos de educação para desenvolver as habilidades necessárias da equipe para melhorar a prática e o cuidado às vítimas de violência sexual.
Considerando esse contexto, os profissionais de saúde devem ser capazes de fornecer assistência humanizada, por meio de acolhimento e cuidado respeitosos, escuta qualificada, diálogo aberto que permita estabelecer vínculos, utilização de técnicas para identificação de possíveis riscos e agravos à saúde e à integridade da mulher, acompanhamento longitudinal e articulação com outros serviços para atender às necessidades dessas mulheres. Além disso, devem defender os direitos delas(12-15).
Para a efetivação dessa atenção, e considerando a complexidade da violência sexual, os profissionais devem desenvolver competências para melhorar o cuidado em saúde trabalhando em equipe e aprendendo com outros profissionais. Isso os ajudará a superar questões como neutralidade e imparcialidade centrada no corpo e na biomedicina, fragmentação da rede de atenção e problemas no processo de trabalho em saúde(2-4).
Assim, este estudo tem como objetivo identificar as competências necessárias que a equipe multiprofissional precisa desenvolver para assistir mulheres vítimas de violência sexual.
MÉTODO
Trata-se de uma Revisão Integrativa (RI) de literatura, que consiste em um recurso de pesquisa para sistematização das produções científicas sobre determinado fenômeno baseado em estudos anteriores. Além disso, aponta possíveis lacunas do conhecimento que necessitam ser preenchidas a partir de novos estudos que poderão auxiliar profissionais e pesquisadores no processo de trabalho(16).
A questão norteadora da RI foi: quais as competências necessárias que os profissionais de saúde precisam desenvolver para atender mulheres vítimas de violência sexual?
Para busca das evidências, definiram-se, inicialmente, os termos baseados na pergunta e no objetivo da RI, a saber: violência contra a mulher, violência sexual, assistência de saúde. Considerando que algumas bases de dados utilizam descritores, realizou-se então a pesquisa dos termos nas bases Medical Subject Headings (MeSH) e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Após exaustivas buscas, os descritores utilizados em português e inglês foram: “violência sexual”, “sexual violence”, “violência contra mulher”, “violence against women”, “assistência de saúde”, “health care”.
Concluída essa etapa, foi então elaborada a estratégia de busca, utilizando operadores booleanos AND e OR com os recursos de aspas para delimitação de termos compostos e com parêntese, os quais depois foram compiladas em uma única expressão, (“violence against women” OR “sexual violence against women”) AND (“health care”).
As buscas foram realizadas nas bases de dados eletrônicas de publicações científicas: PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Periódicos da Capes.
A condição ou domínio a ser estudado teve como base o acrônimo PECO: População (P), estudos que tenham população alvo profissionais de saúde; Exposição (E), estudos que tratem de capacitação para desenvolver as competências necessárias para atender mulheres vítimas de violência sexual; Comparador (C), estudos que apresentem resultados de profissionais que não receberam capacitação; Outcomes (O), estudos que registraram nos seus desfechos profissionais de saúde qualificados que atendem melhor mulheres vítimas de violência sexual e/ou atendimento bem avaliado pelas mulheres nos serviços de saúde.
Como critérios de elegibilidade dos artigos, definiram-se: artigos, estudos empíricos, publicados no período de 1o de janeiro de 2019 a maio de 2024; escritos em português, espanhol e inglês; com acesso gratuito à versão completa do artigo que versasse acerca das competências/habilidades dos profissionais de saúde na assistência às mulheres em situação de violência sexual. Foram excluídos: dissertações, teses, artigos editoriais, de opinião, artigos duplicados, outras revisões e publicações que não tratassem acerca do referido tema. Essa coleta foi realizada nos meses de junho e julho de 2024.
Assim, foram identificados 581 artigos; destes, 542 foram descartados, e 39 foram selecionados, considerando os critérios de elegibilidade e exclusão. Em virtude do processo metodológico e na perspectiva de obter maior qualidade dos resultados, foi realizada a leitura aprofundada dos 39 artigos selecionados na íntegra; destes, 16 foram excluídos por não responderem à questão norteadora da revisão. A amostra final foi composta por 23 estudos que foram organizados em uma planilha Excel® para síntese (Figura 1).
Figura 1 – Fluxograma do processo de busca e seleção dos estudos
Fonte: elaboração própria, 2024.
De posse dos artigos selecionados, elaborou-se uma planilha no Excel® com as seguintes variáveis: título, objetivo do estudo; ano de publicação; delineamento do estudo (participantes e categoria profissional); método, instrumento de coleta de dados aplicado. Após a leitura completa e exaustiva, identificaram-se os componentes das competências essenciais no processo de trabalho pelo aprimoramento de Conhecimentos, Habilidades e Atitudes (CHA) nos estudos selecionados, a partir de métodos, resultados e discussões, como necessárias para que os profissionais de saúde atendam com qualidade mulheres vítimas de violência sexual.
Assim, os componentes de competências profissionais em saúde pública combinadas com os dispositivos legais e normas técnicas para atenção humanizada às vítimas de violência sexual serviram como base para a análise dos subgrupos.
Para sistematização dos resultados, foram utilizados como referência: os domínios de competências essenciais do Canadian Interprofessional Health Collaborative (CIHC), que afirmam que esses domínios são necessários para a produção de qualidade na Atenção à Saúde, porque a qualidade da produção de cuidado depende da capacidade das equipes de lidar com diferentes perspectivas e chegar a consensos; a PNH(5) ; a Resolução CNS no 569/2017(11), que dispõe sobre os pressupostos, princípios e diretrizes sobre o perfil do profissional na perspectiva do trabalho coletivo em saúde como prática social, organizados de forma interdisciplinar e interprofissional, e que proporcionem conhecimentos, habilidades e atitudes que possam superar os desafios contemporâneos do mundo do trabalho; e a matriz de competências prática profissional no cuidado às pessoas vítimas de violências sexual proposto por Freitas et al. e Lima e Freitas Júnior(2,10)
A partir do referencial teórico, buscou-se identificar nos estudos os componentes das competências necessárias dos profissionais para cuidar de mulheres vítimas de violência sexual, a saber: Shimizu e Fragelli(1); Freitas et al.(2); Terra e Lima(3); Lima e Freitas Júnior(4); Souza, Peres, Mafioletti(8); Lemos e Silva(9); Lima e Freitas Júnior(10); Machado, Freitag(12); Lima et al.(13); Jesus et al.(14), 2022; Conceição; Madeiro(15).
RESULTADOS
Dos 23 estudos incluídos nesta revisão de literatura, verifica-se que 2022 foi o ano com a maior produção (9), seguido dos anos de 2019, 2020 e 2023, todos, respectivamente, com 4 artigos, e o ano de 2021 com 2 artigos. Com relação ao país onde foram realizados os estudos, o Brasil foi o que agregou a maior parte dos estudos (20 dos 23); o Irã, Cabo Verde e a Arabia Saudita aparecem com 1 artigo cada (Quadro 1).
Quadro 1 – Caracterização dos estudos incluídos da RI, segundo o ano de publicação, país e autores da amostra (n = 23)
Fonte: elaboração própria, 2024.
Quanto aos objetivos dos estudos, observou-se que predominaram a percepção dos
profissionais e a identificação dos desafios e dificuldades, conforme Quadro 2.
Quadro 2 – Caracterização dos estudos da RI quanto ao título e objetivo da amostra (n = 23)
Fonte: elaboração própria, 2024.
No que diz respeito à natureza dos estudos, evidenciou-se a predominância de
estudos qualitativos (20), seguida de estudos mistos (2) e de estudos quantitativos (1), dentre dos quais destacamos: RI (3), Revisão Sistemática (3) e Revisão de Escopo (1) (Quadro 3).
Quadro 3 – Descrição metodológica segundo tipo de estudo, amostra e instrumento decoleta (n = 23)
Fonte: elaboração própria, 2024.
Com relação aos instrumentos de coleta de dados, as entrevistas semiestruturadas foram as mais prevalentes (54%), seguidas de questionários (17%) e grupos focais (8,7%). As amostras variaram de 8 a 158 participantes. Os instrumentos foram aplicados com os profissionais da rede SUS e profissionais da rede intersetorial de enfrentamento da violência contra a mulher, predominando a sua aplicação com os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS).
Quanto aos estudos de revisão (sistemática, integrativa e escopo), verificou-se a predominância das buscas no banco de dados da PubMed, com a utilização de 6 a 39 artigos.
No que se refere aos resultados, estes foram categorizados em três dimensões das competências, a saber: conhecimento, habilidade e atitude, que podem ser desenvolvidos ou aprimorados para que os profissionais ofertem uma assistência integral e eficaz às vítimas de violência sexual. Cada dimensão foi associada a um tipo de competência. O conhecimento como competência técnica está relacionado com o saber adquirido por meio de experiência ou capacitação profissional e conhecimentos específicos da profissão. A atitude como competência comportamental é descrita como trabalho em equipe, comunicação assertiva, resolutividade, proatividade, adaptabilidade e criatividade. Já a habilidade como competência funcional é compreendida como desenvolver ações intersetoriais, trabalhar de modo colaborativo, fortalecer políticas públicas. A adoção da concepção da competência como categoria teórica decorre do fato de que esta permite a identificação e a análise dos atributos de aprendizagem adquiridos, os quais são fundamentais para realização de boas práticas assistenciais pelos profissionais de saúde, visando à resolutiva dos diversificados problemas de saúde dos indivíduos e da coletividade, incluindo as questões sociais aos processos de adoecimento3
Quadro 4 – Identificação das competências nos resultados dos estudos com base nos componentes (n = 23)
Fonte: elaboração própria, 2024.
Observou-se que, dos estudos selecionados, 43% evidenciaram as três dimensões de competências necessárias. A competência técnica foi a de maior ocorrência nos estudos com 78%, seguida das competências comportamental e funcional com 74% cada uma delas.
DISCUSSÃO
Na competência técnica 17 estudos(15,17,19,20,21,23,24,26-29,31-36) evidenciaram conhecimento prévio ou totalmente inexistente; despreparos para identificar, desqualificados para prestar assistência às mulheres vítimas de violência sexual, desconhecimento do total; sentimentos de medo e insegurança. Também identificaram visão reducionista e patriarcal.
Esses achados apontam para necessidade de aprimoramento dos profissionais; qualificação e treinamento para identificação, manejo, abordagem e acolhimento das vítimas, acompanhamento, registro das notificações dos casos, superação do medo, estigma e preconceito para prestação de assistência e cuidado integral às vítimas. Além disso, orientações sobre a responsabilidade ética quanto ao sigilo e privacidade das informações.
Em relação à competência comportamental, 10 estudos(8,18,21,22,29-31,33,34,37) identificaram a existência do trabalho em equipe, métodos de qualificação que subsidiaram a equipe no trato da temática. Também acharam fragilidade na comunicação, confiabilidade entre integrantes da equipe de trabalho, alta rotatividade de pessoal comprometendo a atenção integral a essas mulheres.
Contudo, apresentaram caminhos para o desenvolvimento dessa competência, a partir da qualificação da equipe com enfoque na clarificação dos papéis e do processo de trabalho da equipe; na ação e interação dos profissionais de saúde com as vítimas, baseada na sua práxis por meio de escuta sensível e acolhedora, e com outros setores, de forma a atender às demandas e contribuir para o empoderamento das mulheres, propiciando o rompimento da relação violenta.
Outrossim, a respeito das competências funcionais, 17 estudos(8,15,18,19,21,22,25-27,29,30-34,36,37) identificaram a falta de apoio institucional na priorização do trabalho sobre violência doméstica; falta de financiamento para a organização da atenção à saúde às vítimas; ausência de protocolo; inexistência de monitoramento e avaliação dos casos; falta de feedback dos serviços de apoio externos com relação aos casos; desconhecimento dos serviços, resultando em dificuldade comunicativas e encaminhamentos equivocados.
Esses estudos mostraram que os profissionais reconhecem as diferentes possibilidades para condução dos casos, porém sinalizam a necessidade da construção de política pública compartilhada, envolvendo a gestão na aplicabilidade da condução dos casos, tendo em vista a fragmentação da organização do cuidado às vítimas, a elaboração e a implantação de protocolos e fluxos, a realização de monitoramento e avaliação, o fortalecimento da articulação intersetorial.
Comparando as competências (Quadro 4) e os objetivos dos estudos (Quadro 2), percebe-se que as abordagens mais apontadas foram: percepção, atitude e atuação dos profissionais; conhecimento e identificação da situação de violência; desafios, potencialidades, limitações e obstáculos na assistência às vítimas; estratégias para implementação da atenção.
Os estudos mostram a indicação de estratégias de educação para o desenvolvimento de competências vinculadas ao processo de cuidado às mulheres vítimas de violência sexual, na perspectiva da organização da atenção; promoção do cuidado centrado na pessoa; comunicação assertiva; articulação intra e intersetorial; planejamento de ações resolutivas; tomada de decisão; compartilhamento dos saberes; respeito a autonomia da vítima; realização de procedimentos de forma segura e resolutiva; escuta qualificada, compartilhamento do cuidado, construção de ferramentas que orientem o cuidado; monitoramento e avaliação dos casos.
Nesse sentido, a qualificação e a transformação das práticas de cuidado em saúde nas ações e serviços, com ênfase no fortalecimento dos profissionais e usuários, por meio estratégias de educação, resultam em uma assistência potente no enfrentamento da complexidade da temática da violência sexual(8).
CONCLUSÃO
Os estudos apontaram as equipes da APS com grande potencialidade para o cuidado de mulheres em situação de violência. Além disso, destacaram a necessidade da oferta de estratégias de educação permanente sobre o tema, visando à superação das dificuldades na identificação e no cuidado às vítimas e suas famílias pela equipe. Também mostraram que não existem competências específicas às vítimas, mas evidenciaram a necessidade de caminhos a serem trilhados na qualificação dos profissionais e na implementação de ações estruturantes para a garantia de uma atenção integral e intersetorial a elas.
Os resultados apresentados nesta análise não podem ser generalizados, pois foram identificados nos limites estabelecidos para a amostragem de estudos. Isso foi denotado em virtude da escassez de pesquisas relacionadas com a atuação dos profissionais de saúde na atenção especializada, como hospitais, Unidades de Pronto Atendimento, Centros de Atenção Psicossocial, entre outros.
Nesse sentido, faz-se essencial a realização de mais estudos que possam aprofundar as competências necessárias dos profissionais na assistência à saúde das mulheres vítima de violência sexual que atuam na atenção especializada. Dessa forma, esta RI identifica resultados relevantes para reflexão de profissionais e gestores, contribuindo para o preenchimento de lacunas no campo científico sobre as competências necessárias dos profissionais na atenção às mulheres vítimas de violência sexual. Outrossim, fornece subsídios para planejamento e desenvolvimento de ações de EPS que contribuam para o processo de trabalho da equipe no aprimoramento do cuidado às mulheres vítimas de violência sexual.
AGRADECIMENTOS
À Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado Profissional em Saúde Coletiva (MEPISCO), do Departamento de Ciências da Vida (DCV), Campus I da Universidade do Estado da Bahia por possibilitar a realização deste estudo.
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