VIA AÉREA: DADOS DO PROGRAMA DE MELHORIA DO ACESSO E DA QUALIDADE DA ATENÇÃO BÁSICA
AIRWAY: DATA FROM THE PROGRAM FOR IMPROVEMENT OF ACCESS AND QUALITY IN PRIMARY CARE
VÍA AÉREA: DATOS DEL PROGRAMA DE MEJORA DEL ACCESO Y LA CALIDAD DE ATENCIÓN BÁSICA
Autores:
Cristiane Furtado Maluf - Mestrado em Ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1584-337X
Luciane Loures dos Santos - Doutorado em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2585-1544
RESUMO
Buscou-se identificar a presença de insumos para garantir a via aérea em adultos na atenção básica a partir de dados secundários do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica, de 2018, em um estudo transversal. Os dados foram analisados segundo regiões geográficas e porte populacional dos municípios, utilizando frequências absolutas, percentuais e razão de prevalência. A maioria das equipes afirma possuir insumos em mais de 70%, porém há menor predominância no Norte e Nordeste, além de municípios de médio porte; principalmente para o laringoscópio, no Norte (24,06%) comparado ao Sul (61,05%) (RP:0,394) e em municípios de médio porte (36,76%) comparados aos de pequeno (RP:1,195) e grande (RP:0,702). A falta de insumos compromete o desempenho assistencial, podendo agravar condições de saúde. Aprimorar políticas públicas e gestão financeira é essencial. A distribuição equitativa de insumos é crucial para garantir um atendimento eficaz e reduzir desigualdades, fortalecendo o SUS.
DESCRITORES: Políticas de saúde; Pesquisa sobre Serviços de Saúde; Atenção Primaria à Saúde; Manuseio das Vias Aéreas; Equipamentos e Provisões.
ABSTRACT
We sought to identify the presence of supplies to ensure the airway in adults in primary care based on secondary data from the National Program for Improving Access and Quality of Primary Care, 2018, in a cross-sectional study. The data were analyzed according to geographic regions and population size of the municipalities, using absolute frequencies, percentages and prevalence ratio. Most teams claim to have supplies in more than 70%, but there is a lower predominance in the North and Northeast, in addition to medium-sized municipalities; mainly for the laryngoscope, in the North (24.06%) compared to the South (61.05%) (PR: 0.394) and in medium-sized municipalities (36.76%) compared to small (PR: 1.195) and large (PR: 0.702). The lack of supplies compromises care performance and can worsen health conditions. Improving public policies and financial management is essential. The equitable distribution of supplies is crucial to ensure effective care and reduce inequalities, strengthening the SUS.
DESCRIPTORS: Health policies; Health Services Research; Primary Health Care; Airway Management; Equipment and Supplies.
RESUMEN
Se buscó identificar la presencia de insumos para garantizar la vía aérea en adultos en la atención primaria a partir de datos secundarios del Programa Nacional de Mejora del Acceso y la Calidad de la Atención Primaria, de 2018, en un estudio transversal. Los datos fueron analizados según las regiones geográficas y el tamaño poblacional de los municipios, utilizando frecuencias absolutas, porcentajes y razón de prevalencia. La mayoría de los equipos afirma contar con insumos en más del 70%, pero hay una menor prevalencia en el Norte y Nordeste, así como en los municipios de tamaño medio; principalmente para el laringoscopio, en el Norte (24,06%) en comparación con el Sur (61,05%) (RP:0,394) y en municipios de tamaño medio (36,76%) en comparación con los de pequeño (RP:1,195) y gran tamaño (RP:0,702). La falta de insumos compromete el rendimiento asistencial, pudiendo agravar las condiciones de salud. Mejorar las políticas públicas y la gestión financiera es esencial. La distribución equitativa de insumos es crucial para garantizar una atención eficaz y reducir desigualdades, fortaleciendo el SUS.
DESCRIPTORES: Políticas de salud; Investigación sobre Servicios de Salud; Atención Primaria a la Salud; Manejo de las Vías Aéreas; Equipos y Provisiones.
Recebido: 26/01/2025 Aprovado: 10/02/2025
Tipo de artigo: Artigo Original
INTRODUÇÃO E OBJETIVO
Historicamente, junto ao êxodo rural, o crescimento populacional e a organização dos serviços de saúde procederam a pressão sobre eles, principalmente nos de urgência, haja vista a superlotação das unidades de pronto atendimento. E as urgência e emergências (UE) são agravos à saúde que requerem assistência médica imediata. 1-2-3
A partir de 1999 iniciam-se normas para organizar a atenção às UE culminando na criação da Política Nacional de Atenção às Urgências e instituição da Rede de Atenção às Urgências (RAU) no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2011.4-5-6
As políticas criadas têm como objetivo ordenar o atendimento às UE. Cabe à Atenção Primária à Saúde (APS) instaurar, monitorizar e manter a infraestrutura necessária ao atendimento das UE que chegam as unidades básicas de saúde (UBS); preceito corroborado pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).6-7
A APS no Brasil é a principal porta de entrada para o SUS, organizada para atender diversas condições de saúde, incluindo as UE. Segundo a PNAB, as equipes de APS devem realizar acolhimento com classificação de risco, garantir assistência resolutiva e o primeiro atendimento das UE. Assim, uma UBS deve estar apta a receber, atender e regular essas demandas, contribuindo para o acesso ao SUS, a integralidade da atenção e a coordenação do cuidado.6-7-8-9 Entretanto, limitações são descritas na literatura relacionadas a estrutura, formação incompleta de equipes, falta de equipamentos, insumos, medicações e exames.9
Assim, para identificar as dificuldades relacionadas a garantia de via área em adultos na APS, um dos passos no atendimento a UE, foi analisada a presença de equipamentos e insumos, a partir de dados secundários do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), segundo região geográfica do país e porte populacional dos municípios.
MÉTODO
Estudo transversal, retrospectivo, quantitativo a partir da análise de dados secundários coletados no 3º ciclo de avaliação externa (AE) do PMAQ, 2018. Os dados foram coletados por pessoas capacitadas, com supervisão de campo para controle de qualidade dos dados, que são de domínio público.10-11-12-13
O questionário de AE do PMAQ foi organizado em módulos. Utilizou-se para o presente estudo as respostas aos itens do Módulo I sobre infraestrutura das UBS, especificamente as variáveis relacionadas aos insumos para atendimento de UE, no que tange a garantia de via aérea no adulto.
Foram selecionadas as variáveis: presença de insumos para atendimento de urgências e de quatro itens: Torpedo/cilindro de oxigênio de 1m3, com válvula, fluxômetro, umidificador de 250ml e 2m de tubo de intermediário de silicone, Laringoscópio adulto com tubo endotraqueal, Oxímetro de pulso e Sistema bolsa-máscara autoinflável adulto com máscara transparente (AMBU). Durante a AE, realizou-se a verificação quanto a presença ou não dos insumos na unidade.11
Os dados foram compilados da base de dados para planilha ExcelR, agregados por região geográfica do país (Norte, Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste) e por porte populacional dos municípios em pequeno, médio e grande: menor que 25 mil habitantes, de 25 a 100 e maior que 100, respectivamente.13 Após foram submetidos à análise descritiva, por meio de frequências absolutas e percentuais e à análise estatística, com estimativa da razão de prevalência por modelo de regressão log-binomial.14
O trabalho foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE n°: 28137419.9.0000.5414), dispensando termos de consentimentos.
Tabela 1: Presença dos insumos necessários ao atendimento de UE selecionados para o estudo, por região, segundo dados do 3º ciclo do PMAQ.
Fonte: elaborado pelo autor
Quanto aos insumos para atendimentos de UE, em quase todas as regiões mais de 70% das unidades referiram possuir tais insumos na UBS, exceto na região Norte. A razão de prevalência de possuir insumos para atendimento de UE na região Nordeste foi 1,2 vezes maior que o Sudeste (RP: 1,120; IC 95%: 1,105-1,135; p<0,001) e no Centro Oeste foi 1,3 vezes maior que na região Norte (RP: 1,329; IC 95%: 1,275-1,384; p<0,001).
Quanto aos insumos analisados neste estudo, houve disparidade nas respostas entre as regiões, com predominância da presença dos equipamentos relacionados a via aérea na região Sul. A região Sudeste e Centro Oeste apresentou maiores percentuais quanto à existência dos equipamentos quando comparados a região Nordeste e Norte.
O Oxímetro de pulso, um equipamento de baixo custo, grande utilidade e fácil utilização, chega ao máximo de 77% na região sul e o mínimo de 24% na região Norte. Tanto a presença de oxímetro quanto a de laringoscópio na região Norte apresentou os piores resultados, próximo a 24% de presença. A chance de possuir oxímetro na região Sul foi de 6,8 quando comparado a região Norte (RP: 0,316; IC 95%: 0,287-0,347; p<0,0001).
O laringoscópio foi o menos citado em todas as regiões, apenas 43,76% das unidades, no geral, informaram possuir este item e três das cinco regiões possui o item em proporções menores que 50%. A chance de possuir este equipamento na região Sul foi de 6,06, quando comparado a região Norte (RP: 0,394; IC 95%: 0,357-0,435; p<0,0001).
Quanto ao porte a presença dos insumos foi maior nos municípios de pequeno e médio porte (Tabela 2), com razão de prevalência de 1,042 quando se compara os pequenos com grande porte (IC 95%: 1,027-1,057; p<0,0001). Também se destaca nos municípios menores uma existência maior de torpedos de Oxigênio que nos de médio (RP: 1,230; IC 95%: 1,200-1,261; p<0,0001) e grande porte (RP: 1,040; IC 95%: 1,015-1,064; p<0,0001). Da mesma forma quanto a presença de oxímetro nos municípios de pequeno porte em relação aos de médio (RP: 1,245; IC 95%: 1,212-1,280; p<0,0001) e grande porte (RP: 1,164; IC 95%: 1,131-1,198; p <0,0001).
Tabela 2: Presença dos insumos necessários ao atendimento de UE selecionados para o estudo, por porte, segundo dados do 3º ciclo do PMAQ.
Variável | Porte populacional | BRASIL | ||
Pequeno(n=11984) | Médio(n=9424) | Grande(n=7531) | n=28939 | |
A unidade possui insumos para atendimento de urgência? | ||||
Sim | 9950 (83,03%) | 7617 (80,83%) | 6002 (79,7%) | 23569 (81,44%) |
| Pequeno(n=9950) | Médio(n=7617) | Grande(n=6002) | n=23569 |
Torpedo/cilindro de oxigênio de 1 m3, com válvula, fluxômetro, umidificador de 250 ml e 2 m de tubo de intermediário de silicone | ||||
Sim | 6621 (66,54%) | 4120 (54,09%) | 3842 (64,01%) | 14583 (61,87%) |
Laringoscópio adulto com tubo endotraqueal | ||||
Sim | 4370 (43,92%) | 2800 (36,76%) | 3144 (52,38%) | 10314 (43,76%) |
Oxímetro de pulso | ||||
Sim | 6134 (61,65%) | 3771 (49,51%) | 3179 (52,97%) | 13084 (55,51%) |
Sistema bolsa-máscara autoinflável adulto com máscara transparente (AMBU) | ||||
Sim | 6686 (67,2%) | 4798 (62,99%) | 4663 (77,69%) | 16147 (68,51%) |
Fonte: elaborado pelo autor
A presença de AMBUR e Laringoscópio apresentaram-se mais frequentes nos municípios de grande e pequeno porte, sendo o AMBUR mais comum nas unidades que o laringoscópio.
Os municípios de pequeno porte apresentaram maiores chances de encontrar AMBUR (RP: 1,067; IC95%: 1,044-1,091; p<0,0001) e laringoscópio (RP: 1,195; IC95%: 1,152-1,240; p<0,0001) que os de médio porte. O laringoscópio também foi o menos citado nos municípios de médio porte (36,76%), com menor razão de prevalência quando compara-se aos municípios de pequeno (RP: 1,195; IC 95%: 1,152-1,240; p<0,0001) e grande porte (RP: 0,702; IC 95%: 0,676-0,729; p<0,0001).
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Evidencia-se neste estudo as disparidades em saúde no Brasil. Nota-se a carência de equipamentos nas regiões Norte e Nordeste quando comparadas as demais regiões. Os municípios de médio porte em três dos quatro itens avaliados apresentaram-se como maior déficit dos insumos. O laringoscópio foi o item com menor frequência nas análises por região e porte.
A APS deve responder pelas demandas crônicas, crônicas-agudizadas ou agudas da população adscrita, incluindo os atendimentos às urgências durante as demandas espontâneas; sejam elas cirúrgicas, clínicas, relacionadas à saúde mental, saúde da mulher e gestante, saúde da criança e/ou as relacionadas às causas externas.15 Para isto, as unidades precisam estar aptas para receber e atender tais demanda.
O primeiro atendimento às urgências na APS e a transferência dos casos para outros pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS), quando necessário, exige infraestrutura e insumos adequados e qualificação dos profissionais. Um dos desafios nesse processo é a melhoria da infraestrutura.7-8,16
Revisando as publicações oficiais do MS identifica-se escassez nas recomendações. O Manual de infraestrutura do Departamento de Atenção Básica/MS recomenda a presença de cilindro de oxigênio, a Portaria nº 2048 datada de 2002 e a PNAB apontam de forma genérica a necessidade de ambiente e disponibilização de equipamentos/materiais/insumos adequados ao primeiro atendimento/estabilização de urgências. Ademais o caderno de atenção básica, que trata do acolhimento à demanda espontânea recomenda a presença de oxigênio e AMBUR. Todavia o PMAQ, em sua pesquisa de âmbito nacional, investiga mais de 30 itens em estrutura e insumos; tornando-se um instrumento minucioso para avaliação da qualidade.7,12,17-18-19
A importância de materiais como laringoscópio, oxigênio, AMBUR e oxímetro reside na capacidade de fornecer assistência emergencial adequada. A ausência dos itens avaliados implica em atrasos no tratamento de problemas respiratórios agudos e proteção de via área quando rebaixamento do nível de consciência ou parada cardiorrespiratória, podendo gerar complicações graves.20
Dos itens analisados, o AMBUR foi o mais presente nas unidades, enquanto o laringoscópio foi o menos encontrado. Ainda assim nas regiões Norte e Nordeste aproximadamente metade das unidades ainda carecem do item, essencial para oxigenação e ventilação.
Em suma, a presença de materiais é fundamental para garantir um atendimento a urgências eficaz e oportuno na APS, enquanto sua ausência pode acarretar atrasos no atendimento, dificultar diagnósticos e gerar complicações clínicas aos pacientes e insegurança aos profissionais durante o atendimento, colocando em risco a saúde e a vida.21
Estudos associam fatores estruturais ao desempenho e apontam fragilidades na assistência de quadros agudos na APS relacionados a disponibilidade de equipamentos, o que corrobora com a importância de unidades bem equipadas. Faz-se necessário investir em aquisição de insumos e manutenção dos processos de avaliação da qualidade.9,22-23-24
Este artigo traz como limitação a não diferenciação de UBS para Estratégia Saúde da Família, o que pode influenciar a organização da assistência. Não foram avaliados insumos para população pediátrica, apenas adulta. Limitou-se à utilização de um programa já extinto, contudo não há outra estratégia atual implantada que avalie a APS no Brasil na abrangência do PMAQ.
A análise da presença de insumos reforça a necessidade de investimentos em infraestrutura para garantir o papel da APS na coordenação do cuidado dentro da rede de atenção à saúde, especialmente na RAU, e pode colaborar para o planejamento de ações dos gestores.
As desigualdades regionais no acesso a itens essenciais agravam disparidades de saúde, comprometendo o atendimento em áreas carentes e sobrecarregando regiões com mais recursos. Os resultados destacam a urgência de promover distribuição equitativa de materiais e fortalecer todas as regiões do país, garantindo atendimento justo, oportuno e universal, conforme os preceitos do SUS.
A pesquisa aponta a necessidade de aprimorar políticas públicas, gestão, alocação regional de recursos, processos de avaliação em saúde e práticas de atenção à saúde na APS, incluindo urgências médicas.
REFERÊNCIAS