TABAGISMO ENTRE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DA ÁREA DE SAÚDE: PERFIS E FATORES MOTIVACIONAIS EM CONTEXTO ACADÊMICO

SMOKING AMONG UNIVERSITY STUDENTS IN THE HEALTH FIELD: PROFILES AND MOTIVATIONAL FACTORS IN AN ACADEMIC CONTEXT

TABAQUISMO ENTRE ESTUDIANTES UNIVERSITARIOS DEL ÁREA DE LA SALUD: PERFILES Y FACTORES MOTIVACIONALES EN EL CONTEXTO ACADÉMICO

Cássia Regina da Silva Neves Custódio - Docente dos cursos de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e da Universidade Santo Amaro (UNISA), Doutora em Ciências Básicas Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3926-2203

Paulo José Campos do Nascimento - Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5435-3683

Natalie Leal - Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). ORCID: https://orcid.org/0009-0002-8420-4635

Mariana Gonçalves Fernandes - Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). ORCID: https://orcid.org/0009-0000-6878-2457

Victor Benfica Ugolini - Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). ORCID: https://orcid.org/0009-0003-5967-7147

RESUMO

Objetivo: Investigar o perfil e os fatores motivacionais associados ao uso do tabaco entre estudantes de cursos da área da saúde em uma universidade brasileira.  Método: Estudo transversal quantitativo com 431 estudantes, divididos em dois grupos: Medicina e Outros Saúde. Os dados foram coletados por questionário eletrônico, incluindo informações sociodemográficas, histórico de tabagismo e motivações para fumar pela Escala de Razões para Fumar Modificado. Os dados foram analisados por regressão logística e teste de Mann-Whitney. Resultados: O tabagismo foi relatado por 23,7% dos estudantes, com maior prevalência de cigarro eletrônico em Medicina. No grupo Medicina, gênero masculino e idade acima de 23 anos foram associados ao hábito, enquanto, em “Outros Saúde”, a convivência com familiares fumantes foi o principal fator. Diferenças significativas nos fatores motivacionais incluíram tabagismo social e associação estreita. Conclusão: Estratégias específicas são necessárias para abordar o tabagismo entre universitários, considerando as diferenças nos perfis e motivações.

DESCRITORES: Tabagismo; Estudantes de Ciências da Saúde; Motivação; Saúde Pública.

ABSTRACT

Objective: To investigate the profile and motivational factors associated with tobacco use among students in health-related courses at a Brazilian university. Method: A cross-sectional quantitative study with 431 students, divided into two groups: Medicine and Other Health. Data were collected through an electronic questionnaire, including sociodemographic information, smoking history, and motivations for smoking using the Modified Reasons for Smoking Scale. The data were analyzed using logistic regression and Mann-Whitney test. Results: Smoking was reported by 23.7% of students, with a higher prevalence of e-cigarette use in the Medicine group. In the Medicine group, male gender and age over 23 years were associated with the habit, while in the "Other Health" group, living with smoking family members was the main factor. Significant differences in motivational factors included social smoking and close association. Conclusion: Specific strategies are needed to address smoking among university students, considering the differences in profiles and motivations.

DESCRIPTORS: Smoking; Health Science Students; Motivation; Public Health.

RESUMEN

Objetivo: Investigar el perfil y los factores motivacionales asociados al consumo de tabaco entre estudiantes de carreras del área de la salud en una universidad brasileña. Método: Estudio transversal cuantitativo con 431 estudiantes, divididos en dos grupos: Medicina y Otros Salud. Los datos fueron recolectados mediante un cuestionario electrónico, que incluía información sociodemográfica, historial de tabaquismo y motivaciones para fumar mediante la Escala de Razones para Fumar Modificada. Los datos fueron analizados por regresión logística y prueba de Mann-Whitney. Resultados: El tabaquismo fue reportado por el 23,7% de los estudiantes, con una mayor prevalencia de cigarrillos electrónicos en Medicina. En el grupo Medicina, el género masculino y la edad superior a 23 años se asociaron con el hábito, mientras que en “Otros Salud”, la convivencia con familiares fumadores fue el principal factor. Las diferencias significativas en los factores motivacionales incluyeron el tabaquismo social y la asociación estrecha. Conclusión: Se requieren estrategias específicas para abordar el tabaquismo entre universitarios, considerando las diferencias en los perfiles y motivaciones.

DESCRIPTORES: Tabaquismo; Estudiantes de Ciencias de la Salud; Motivación; Salud Pública.

Recebido: 28/01/2025 Aprovado: 10/02/2025

Tipo de artigo: Artigo Quantitativo

INTRODUÇÃO

O tabagismo é uma das principais causas evitáveis de doenças crônicas não transmissíveis e mortes prematuras no mundo. Estudos indicam que aproximadamente 100 milhões de pessoas morreram devido ao uso de tabaco no século XX, e o hábito continua a ser responsável por milhões de mortes anualmente1,2. Além disso, o tabagismo representa um impacto econômico significativo, devido aos custos relacionados ao tratamento de doenças e à perda de produtividade por mortes precoces3 No Brasil, políticas públicas, como as leis antifumo e campanhas educativas, têm contribuído para a redução na prevalência de fumantes4. Contudo, a experimentação precoce do tabaco continua sendo motivo de preocupação Pesquisas indicam que a maioria dos fumantes inicia o hábito antes dos 18 anos, sendo que o ambiente universitário é um período crítico para o desenvolvimento desse comportamento5. Entre os jovens universitários, diversos fatores estão associados ao uso de tabaco. O estresse acadêmico, a busca por aceitação social é frequentemente relatados como motivos para iniciar o uso6. Além disso, produtos alternativos, como o cigarro eletrônico e o narguilé, têm ganhado popularidade nessa faixa etária7. Apesar de frequentemente serem vistos como menos prejudiciais, estudos mostram que esses dispositivos estão relacionados a sérios riscos à saúde, incluindo doenças respiratórias, cardiovasculares e câncer5,8. Estudantes universitários da área da saúde representam uma população de interesse para estudos sobre tabagismo, pois seu comportamento pode influenciar tanto sua própria saúde quanto sua prática profissional futura. Apesar disso, há lacunas na literatura que abordem de forma comparativa o uso de tabaco entre estudantes de Medicina e outros cursos da área da saúde, bem como suas motivações para fumar. Assim, este estudo busca explorar os perfis de tabagismo e os fatores motivacionais associados entre estudantes universitários da área da saúde, com foco em diferenças entre os alunos de Medicina e os de outros cursos da saúde. Nosso objetivo é contribuir para a compreensão do impacto do ambiente acadêmico e das motivações individuais no uso do tabaco, oferecendo subsídios para intervenções direcionadas no contexto universitário.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal de abordagem quantitativa realizado na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, envolvendo estudantes de cursos presenciais da área da saúde. Participaram do estudo 431 estudantes matriculados nos cursos de Medicina, Biomedicina, Enfermagem, Nutrição, Farmácia, Fisioterapia, Psicologia e Medicina Veterinária. A amostra foi dividida em dois grupos: estudantes do curso de Medicina e estudantes de outros cursos da área da saúde. Foram incluídos no estudo apenas estudantes com idade acima 18 anos, que aceitaram voluntariamente participar da pesquisa e que completaram o questionário eletrônico. Os dados foram coletados por meio de um formulário eletrônico enviado aos participantes por e-mail institucional. O questionário permaneceu disponível por duas semanas, permitindo apenas uma resposta por participante. Incluiu informações sociodemográficas e dados relacionados ao histórico e hábito de tabagismo e mudanças a pandemia de COVID-19. Para avaliar os fatores motivacionais relacionados ao tabagismo, foi utilizada a Escala Razões para Fumar Modificada9 composta por 21 itens em formato Likert (0 = "nunca" a 5 = "sempre") e avalia nove dimensões principais: dependência, prazer de fumar, redução de tensão, automatismo, manuseio, tabagismo social, controle de peso, associação estreita e estimulação.

Análise Estatística

A associação entre características sociodemográficas e o hábito de fumar foi investigada por meio de regressão logística, considerando o hábito de fumar como variável dependente binária com resultados apresentados em termos de Odds Ratio (OR) e Intervalo de Confiança (IC). Para verificar as diferenças nos escores dos fatores avaliados pela Escala de Razões para Fumar, foi utilizado o teste de Mann-Whitne estabelecendo-se como nível de significância estatística p≤0,05. Todas as análises foram realizadas no programa R (versão 4.2.2). Este estudo foi conduzido em conformidade com os princípios éticos e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Parecer nº 4.690.643; CAAE nº 44498921.9.0000.5510).

RESULTADOS

Os resultados mostraram que os respondentes foram predominantemente alunos do curso de Medicina, com 27,6%. A faixa etária predominante entre os participantes foi de 18 a 23 anos, com a maioria identificando-se de etnia branca, do gênero feminino e de religião católica. Entre os estudantes de Medicina, verificou-se uma predominância de renda familiar superior a 10 salários-mínimos (tabela 1)

Tabela 1. Características dos estudantes amostrados. “Outros Saúde” se refere aos cursos da área da Saúde excluindo Medicina, enquanto “Total” se refere a todos os cursos da área da Saúde, portanto, incluindo Medicina.

Variáveis

Medicina

Saúde - outros

Total

Número alunos total

685

2322

3007

Número alunos amostrados

189

242

431

Idade

18-23 anos

136 (72%)

163(67%)

299(69,4%)

24-28 anos

42(22%)

54(22%)

96(22,3%)

29-34 anos

9(4,8%)

13(5,4%)

22(5,1%)

35 anos ou mais

      2 (1%)

12(4,9%)

14(3,2%)

Gênero

Feminino

131 (69%)

205 (84%)

336(77,9%)

Masculino

58(31%)

36 (16%)

94(21,8%)

Não-binário

0(0%)

0(0%)

0(0%)

Prefiro não dizer

0(0%)

1(0,4%)

1(0,2%)

Etnia

Amarelo

5 (2,6%)

7(2,9%)

12(2,7%)

Indígena

1(0,52%)

1(0,4%)

2(0,4%)

Branco

166(87,8%)

186(77%)

352(81,7%)

Pardo

16(8,5%)

36(15%)

52(12,1%)

Preto

1 (0,52%)

12(5%)

13(3,0%)

Religião

Ateu

20 (10,6%)

22 (9,1%)

42(9,7%)

Católica

84 (44,4%)

83(34,3%)

167(38,7%)

Espírita

31(16,4%)

34(14%)

65(15,1%)

Evangélica

24(12,7%)

56(23,1%)

80(18,6%)

Religiões matriz africana

6 (3,2%)

12(5%)

18(4,2%)

Outra

5(2,6%)

15(6,2%)

20(4,6%)

Nenhuma

19(10%)

19(7,9%)

38(8,8%)

Não respondeu

0 (0%)

1(0,4%)

1(0,2%)

Renda

Até 2 salários-mínimos

4(2,1%)

53(21,9%)

57(13,2%)

De 2 a 4 salários-mínimos

14(7,4%)

84(34,3%)

98(22,7%)

De 4 a 10 salários-mínimos

60(31,8%)

71(29,3%)

131(30,4%)

De 10 a 20 salários-mínimos

64(33,8%)

26(10,7%)

90(20,9%)

Acima de 20 salários-mínimos

43(22,7%

4(1,7%)

47(10,1%)

Não respondeu

4(2,1%)

4(1,7%)

8(1,8%)

O hábito de fumar foi relatado por 23,7% dos respondentes. Entre os que declararam fumar, observou-se um padrão diferenciado no consumo de cigarros eletrônicos e narguilé. O cigarro eletrônico foi mais prevalente entre os estudantes de Medicina (66,7%) em comparação aos estudantes de outros cursos da área da saúde (35,1%), enquanto o narguilé foi mais consumido por alunos de outros cursos (49,1%) em relação aos de Medicina (35,6%). A duração do hábito de fumar também apresentou variações, com a maioria dos fumantes reportando mais de três anos de consumo (tabela 2). A convivência com familiares fumantes foi relatada pelos respondentes, sendo mais prevalente entre os estudantes de outros cursos da área da saúde (tabela 2).

Durante a pandemia, 53,9% dos participantes relataram ter alterado o hábito de fumar, sendo esse percentual mais elevado entre os estudantes de Medicina. Entre aqueles que relataram mudanças, foram apontadas as seguintes razões não poder fumar em casa, não socializar para fumar e o medo de contrair COVID-19 (tabela 2).

Tabela 2. Características do hábito de fumar dos estudantes amostrados (número absolutos). “Outros Saúde” se refere aos cursos da área da Saúde excluindo Medicina, enquanto “Todos Saúde” se refere a todos os cursos da área da Saúde, portanto, incluindo Medicina.

Variáveis

Medicina

Outros Saúde

Saúde (todos)

Fuma

Sim

45(23,8%)

57(23,6%)

102(23,7%)

Não

144 (76,2%)

185(73,4%)

329(76,3%)

Já fumou

Apenas experimentou

62 (43,1%)

77(41,6%)

139(42,2%)

Fumava e parou

8(5,6%)

14(7,6%)

22(6,7%)

Nunca fumou

73(50,7%)

91(49,2%)

164(49,8%)

Não respondeu

1(0,7%)

3(1,6%)

4(1,2%)

O que fuma

Cigarro comum

18(40%)

23(40,4%)

41(40,2%)

Cigarro eletrônico

30(66,7%)

20(35,1%)

50(49%)

Narguilé

16(35,6%)

28(49,1%)

44(43,1%)

Tabaco

24(53,3%)

13(22,8%)

37(36,3%)

Há quanto tempo fuma

Até 1 ano

10(22,2%)

8(14%)

18(17,6%)

De 1 a 2 anos

13(28,9%)

14(24,6%)

27(26,5%)

De 3 a 5 anos

17(37,8%)

18(31,6%)

35(34,3%)

De 6 a 9 anos

3(6,7%)

6(10,5%)

9(8,8%)

Mais de 10 anos

2(4,4%)

8(14,0%)

10(9,8%)

Não respondeu

0(0%)

3(5,3%)

3(2,9%)

Familiares fumam?

Sim

70(37,0%)

143(59,1%)

213(49,4%)

Não

119(63%)

99(40,9%)

218(50,6%)

Mudou o hábito na pandemia

Sim

30(66,7%)

25(43,9%)

55(53,9%)

Não

15(33,3%)

32(56,1%)

47(46,1%)

O que mudou no hábito?

Maior número de cigarros

9(30,0%)

10(40,0%)

19(34,5%)

Menor número de cigarros

10(33,3%)

6(24%)

16(29,1%)

Mudou do comum para narguilé

1(3,3%)

1(4%)

2(3,6%)

Mudou do comum para eletrônico

9(30%)

4(16%)

13(23,6%)

Por que mudou o hábito?

Medo de pegar coronavírus

  5(16,7%)

7(28%)

12(21,8%)

Não pode fumar em casa

13(43,3%)

4(16%)

17(30,9%)

Não socializava para fumar

 9(30,0%)

4(16%)

13(23,6%)

Não respondeu/ Não mudou

 5(16,7%)

10(40%)

15(27,3%)

Valores correspondem às frequências absolutas (n) e as frequências relativas (%) estão representadas entre parênteses.

Fonte: Autores

A análise de fatores associados ao hábito de fumar revelou relações significativas com o gênero e a idade dos participantes. Entre os alunos de Medicina, aqueles do sexo masculino apresentaram uma probabilidade entre 5% e 363% maior de fumar em comparação às alunas do sexo feminino (Odds Ratio = 2,20; IC = 1,05 – 4,63). De forma similar, estudantes com mais de 23 anos de idade apresentaram uma probabilidade entre 7% e 390% maior de fumar do que aqueles com 23 anos ou menos (Odds Ratio = 2,29; IC = 1,07 – 4,90). Não foi identificada relação significativa entre renda ou o hábito de fumar de familiares com o comportamento de fumar dos estudantes de Medicina (Tabela 3).

Entre os estudantes de outros cursos da área da saúde, o hábito de fumar esteve relacionado à convivência com familiares ou pessoas próximas que fumam (Tabela 3).. Esses estudantes apresentaram uma probabilidade entre 3% e 295% maior de fumar quando comparados àqueles que não convivem com fumantes (Odds Ratio = 2,02; IC = 1,03 – 3,95).

Tabela 3. Resultados da regressão logística para o hábito de fumar dos alunos de medicina.

Estimativa coeficiente

Erro padrão

 p

Medicina

Gênero (masculino)

 0,79

0,38

0,04*

Idade (maior que 23 anos)

 0,83

0,39

0,03*

Renda até 4 salários-mínimos

-0,61

0,68

0,36

Renda de 4 a 10 salários-mínimos

-0,77

0,50

0,12

Renda de 10 a 20 salários-mínimos

-0,58

0,46

0,20

Familiar fuma (sim)

 0,60

0,37

0,10

Cursos da Saúde (exceto Medicina)

Gênero (masculino)

 0,64

0,41

0,12

Idade (maior que 23 anos)

 0,19

0,33

0,56

Renda até 2 salários-mínimos

 0,60

0,63

0,34

Renda de 2 a 4 salários-mínimos

 0,79

0,60

0,19

Renda de 4 a 10 salários-mínimos

 0,32

0,62

0,60

Familiar fuma (sim)

 0,70

0,34

0,04*

Categorias de referência: gênero feminino, renda maior de 20 salários-mínimos, familiar ou pessoa próxima não fuma. *p ≤ 0,05.

Fonte: Autores

Quando analisado o hábito específico de fumar cigarro eletrônico (Tabela 4) verificou-se que alunos do sexo masculino apresentaram uma probabilidade entre 25% e 203% maior de consumir esse tipo de cigarro (Odds Ratio = 1,9; IC = 1,25 – 3,03), enquanto estudantes com mais de 23 anos apresentaram uma probabilidade entre 1% e 127% maior (Odds Ratio = 1,5; IC = 1,01 – 2,27). A convivência com familiares fumantes também foi um fator significativo, com uma probabilidade entre 31% e 194% maior de fumar cigarro eletrônico (Odds Ratio = 1,96; IC = 1,31 – 2,94).

Tabela 4: Resultados da regressão logística para o hábito de fumar cigarro eletrônico dos alunos de todas as áreas de conhecimento.

Estimativa coeficiente

Erro padrão

 p

Gênero (masculino)

0,66

0,23

0,003**

Idade (maior que 23 anos)

0,41

0,21

0,04*

Renda até 4 salários-mínimos)

-0,15

0,29

0,60

Renda de 4 a 10 salários-mínimos)

-0,32

0,28

0,24

Familiar fuma (sim)

0,67

0,21

0,001**

Curso (Medicina)

0,03

0,44

0,95

Curso (Outros da saúde)

-0,004

0,42

0,99

Categorias de referência: gênero feminino, renda maior de 10 salários-mínimos, familiar ou pessoa próxima não fuma, *p ≤ 0,05, **p ≤ 0,01.

Fonte: Autores

Os resultados da Escala de Razões para Fumar (tabela 5) revelam  o prazer de fumar foi a motivação predominante entre os estudantes de ambos os grupos. No grupo Medicina, os fatores redução de tensão (μ=2,8 ±1,2) e manuseio (μ=2,6±1,2) também se destacaram como motivações frequentes. Além disso, o tabagismo social apresentou um escore significativamente mais elevado nesse grupo (μ=2,4±1,2) em comparação ao grupo Outros Saúde (μ=1,9±1,0, p=0,0005). Por outro lado, entre os estudantes do grupo Outros Saúde, os fatores redução de tensão (μ=2,9±1,5) e dependência (μ=2,4±1,3) foram mais evidentes. O fator associação estreita também apresentou destaque nesse grupo, com escores mais elevados (μ=2,0±1,2) em comparação ao grupo Medicina (μ=1,8±1,0, p=0,04).

Tabela 5. Escores dos nove fatores da escala de Razões para Fumar.

Escores dos fatores

Medicina

Outros Saúde

Dependência

2,1 (1,3)

2,4 (1,3)

Estimulação

2,1 (1,0)

2,0 (1,0)

Prazer de fumar

3,6 (1,0)

3,4 (1,2)

Associação estreita

1,8 (1,0)

2,0 (1,2)ǂ

Redução da tensão

2,8 (1,2)

2,9 (1,5)

Controle de peso

1,6 (1,2)

1,6 (1,1)

Tabagismo social

  2,4 (1,2)*

1,9 (1,0)

Manuseio

 2,6 (1,2)

2,5 (1,2)

Automatismo

1,4 (0,7)

1,6 (0,8)

Os valores representam a Média  desvio padrão (entre parentes) dos escores.

Fonte: Autores

DISCUSSÃO

Os resultados mostraram que os respondentes foram predominantemente alunos do curso de Medicina, representando 27,6% do total de estudantes matriculados nesse curso.   A faixa etária predominante foi de 18 a 23 anos, com a maioria identificando-se como do gênero feminino. Entre os estudantes de Medicina, destacou-se a predominância de renda familiar refletindo um perfil socioeconômico elevado nesse grupo, enquanto os estudantes de outros cursos apresentaram renda familiar mais heterogênea. Entre os fumantes especificamente

A prevalência de tabagismo entre universitários observada no presente  estudo foi maior do que a encontrada na população geral em ambos grupos um achado que está alinhado a estudos conduzidos em diferentes cidades brasileiras  que indicam que o tabagismo entre jovens adultos (18 a 24 anos) está associado tanto a fatores individuais quanto a fatores contextuais, como o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) sendo que em índices maiores, a prevalência de tabagismo entre os jovens também aumenta10. Essa relação é particularmente relevante para este estudo, considerando que a universidade analisada está localizada em São Caetano do Sul, um município com IDH elevado embora não tenha sido observado uma correlação positiva entre a renda e tabagismo em ambos os grupos

De qualquer forma, a maior renda observada pelos estudantes de Medicina pode sugerir que fatores contextuais como maior acesso a produtos de tabaco e maior exposição a cigarros eletrônicos. Os estudantes dos demais cursos da saúde fazem uso do narguile e o tabaco do com maior frequência do que os estudantes de medicina. Esse achado é consistente com a literatura, que aponta que jovens adultos em contextos onde há maior disponibilidade financeira possam ser mais suscetíveis ao consumo de tabaco refletindo um padrão global emergente 10. Embora não tenha sido observadas diferenças estatísticas significativas em prevalência entre os grupos, os achados indicam uma mudança preocupante no comportamento de consumo.  

Um estudo que investigou a prevalência de tabagismo entre universitários da área da saúde, revelou índices semelhantes (23%)  aos encontrados em nosso estudo que  estava concentrada em indivíduos entre 18 e 24 anos, refletindo um cenário preocupante e consistente com os padrões observados em instituições que atendem públicos com características sociodemográficas similares11. Essa convergência sugere que, independentemente da localização geográfica, o tabagismo entre universitários da área da saúde é condicionado por fatores comuns, como a alta pressão acadêmica, a influência de pares e o início precoce do hábito tabagista, frequentemente antes dos 18 anos. A similaridade dos índices reforça a relevância de estratégias nacionais de prevenção e cessação que considerem as especificidades desse público-alvo.

A maior prevalência de tabagistas do sexo masculino obtida em nossos resultados reafirma a predominância apontada em diversos estudos12, 13, 14.  Queiroz et al. (2021) por exemplo destacou que a maior prevalência entre os indivíduos do sexo masculino está associada a diversos contextos como morar sozinho ou com amigos14.  Além disso, é evidente que, mesmo em cursos da área da saúde, onde os estudantes são mais expostos a informações sobre os malefícios do tabaco, a prática do tabagismo ainda é expressiva, o que demanda atenção especial para estratégias de prevenção e cessação voltadas para esse grupo.

Entre os estudantes de Medicina, o consumo de cigarros eletrônicos foi mais prevalente, enquanto os estudantes de outros cursos relataram maior uso de narguilé e tabaco convencional. Essa diferença pode refletir variações no perfil socioeconômico, uma vez que cigarros eletrônicos, tendem a ser mais caros. Além disso, motivações comportamentais, como curiosidade e tabagismo social destacadas na literatura15,16, parecem ser mais marcantes entre os estudantes de Medicina

Fatores associados ao uso de cigarros eletrônicos, como gênero masculino, idade superior a 23 anos e convivência com familiares fumantes observados no presente estudo,  reforçam a importância de influências sociais e contextuais. Homens jovens tendem a estar mais expostos a ambientes que normalizam comportamentos de risco, enquanto a independência financeira de indivíduos mais velhos pode facilitar o acesso a esses dispositivos. Adicionalmente, o impacto do ambiente familiar é relevante, uma vez que a convivência com familiares fumantes normaliza o comportamento tabagista e facilita o acesso a produtos relacionados ao tabaco17.

Os resultados do presente estudo mostraram que a pandemia de COVID-19 impactou  o comportamento tabagista em mais  da metade dos acadêmicos fumantes considerando que o período de distanciamento social foi marcado por desafios emocionais, a piora no bem-estar mental, incluindo sentimentos de ansiedade e isolamento. Entre as mudanças, destacaram-se o número de cigarros e a transição do cigarro convencional para o eletrônico. No contexto deste estudo, essas mudanças parecem ter sido mais prevalentes entre estudantes de Medicina, possivelmente em função do estresse acadêmico, das exigências específicas do curso durante o período pandêmico além de restrições pelo distanciamento, como a impossibilidade de fumar em casa ou a falta de interação social 18.  No caso dos estudantes que mudaram para dispositivos eletrônicos, fatores como a maior discrição no uso desses produtos e a percepção de que são menos prejudiciais podem ter contribuído para essa transição.

Os resultados da Escala de Razões para Fumar revelaram que o prazer de fumar emergiu como a motivação predominante em ambos os grupos analisados. Entre os estudantes de Medicina, esse fator foi seguido por redução da tensão e manuseio, destacando tanto o impacto das interações sociais quanto a associação do tabaco com alívio emocional e rotinas práticas. Essas motivações sugerem que, além de razões emocionais, o contexto social universitário pode ser determinante para o comportamento tabagista nesse grupo. Já no grupo "Outros Saúde", o prazer de fumar foi acompanhado por redução da tensão e dependência, indicando um padrão de consumo possivelmente mais consolidado, relacionado à busca por alívio emocional e à satisfação de uma dependência estabelecida. Entre as limitações apresentadas no presente estudo, destaca-se o desenho transversal, que impede a determinação de relações causais. O uso de questionários autorrelatados pode ter levado à subnotificação ou viés de resposta, especialmente em relação a comportamentos considerados socialmente indesejáveis. A amostra, composta por estudantes de uma única instituição, limita a generalização dos resultados para outros contextos acadêmicos ou regiões. Estudos futuros devem contemplar amostras mais amplas e diversificadas, além de investigações longitudinais que explorem o impacto de fatores contextuais e motivacionais ao longo do tempo.

Apesar dessas limitações, o estudo apresenta dados relevantes ao investigar as motivações associadas ao tabagismo no contexto universitário, utilizando a Escala de Razões para Fumar em um cenário que inclui cigarros eletrônicos, narguilé e tabaco convencional. Esse aspecto torna os resultados particularmente interessantes para compreender as mudanças nas motivações contemporâneas e os padrões de consumo entre jovens universitários.

Por fim, os achados reforçam a necessidade de políticas públicas que não apenas informem sobre os malefícios do tabagismo, mas também abordem as motivações subjacentes, como o prazer, a redução de tensão e o impacto social. Campanhas educativas e programas de apoio precisam ser mais personalizados, considerando as especificidades das populações universitárias e o papel central que os futuros profissionais de saúde desempenham na promoção de hábitos saudáveis.

CONCLUSÃO

O presente estudo evidenciou diferenças importantes nos padrões de tabagismo entre estudantes de Medicina e de outros cursos da área da saúde, com destaque para o consumo de cigarros eletrônicos entre os primeiros. Fatores sociodemográficos e contextuais, como gênero, idade, renda e convivência com familiares fumantes, influenciaram esses padrões. A pandemia de COVID-19 também teve um impacto significativo no comportamento tabagista, com alterações no consumo e na transição para dispositivos eletrônicos.

Além disso, o prazer de fumar emergiu como a motivação predominante em ambos os grupos, enquanto fatores como redução de tensão e tabagismo social foram mais evidentes entre os estudantes de Medicina. Por outro lado, os estudantes de outros cursos apresentaram maior influência da dependência e da associação do tabaco com rotinas consolidadas.

Os resultados destacam a importância de estratégias de intervenção que levem em conta aspectos psicológicos, sociais e contextuais. Abordagens direcionadas e personalizadas, que considerem as motivações específicas e os desafios emocionais e sociais que perpetuam o hábito, são fundamentais para alcançar populações universitárias. Reconhecer essas dinâmicas pode contribuir para ações mais eficazes de prevenção e cessação do tabagismo, alinhadas ao papel que esses futuros profissionais desempenharão na promoção de hábitos saudáveis.

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