SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DOS PACIENTES COM SÍFILIS CONGÊNITA CORRELACIONADA À SÍFILIS GESTACIONAL NO ESTADO DE GOIÁS

EPIDEMIOLOGICAL SITUATION OF PATIENTS WITH CONGENITAL SYPHILIS CORRELATED TO GESTATIONAL SYPHILIS IN THE STATE OF GOIÁS

SITUACIÓN EPIDEMIOLÓGICA DE LOS PACIENTES CON SÍFILIS CONGÉNITA CORRELACIONADA CON LA SÍFILIS GESTACIONAL EN EL ESTADO DE GOIÁS

Álvaro Luiz Monteiro Sena - Discente da Faculdade de Medicina de Formosa, Universidade de Rio Verde – GO, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1214-6301

Pedro Afonso Barreto - Docente da Faculdade de Medicina de Formosa, Universidade de Rio Verde – GO, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1025-8406

Flávia Neri Meira de Oliveira - Doutora em Ciências da Saúde. Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5417-4132

Sandra de Nazaré Costa Monteiro - Doutora em Ciências da Saúde. Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9054-9141

RESUMO

Objetivou-se analisar o perfil epidemiológico de pacientes com sífilis gestacional e congênita no Estado de Goiás. Trata-se de um estudo transversal descritivo, analítico, ecológico e retrospectivo com abordagem quantitativa dos casos de sífilis gestacional e congênita com base em dados do DataSUS no período de 2018 a 2023. Utilizou-se as notificações e internações hospitalares para a causalidade do adoecimento. Encontrou-se gestantes com sífilis em que a maior faixa etária foi dos 20-39 anos representando 74,47% do total. A maioria realizou o pré-natal representando 80,69%, sendo 61,59% a porcentagem de diagnósticos de sífilis congênita durante o pré-natal. Dessas 5,72% realizaram durante o pós-parto, em que 96,99% das crianças foram diagnosticadas com a doença antes do 6º dia de vida. Ressalta-se que 94,64% das crianças com sífilis congênita são classificadas como precoce e que 54,72% dos parceiros não receberam tratamento. Do total de parceiros, 20,48% não responderam ao questionário.

DESCRITORES: Atenção Primária à Saúde. Infecções Sexualmente Transmissíveis. Sexo Sem Proteção. Sífilis Congênita.

ABSTRACT

The aim of this study was to analyze the epidemiological profile of patients with gestational and congenital syphilis in the state of Goiás. This is a descriptive, analytical, ecological, and retrospective cross-sectional study with a quantitative approach to cases of gestational and congenital syphilis based on DataSUS data from 2018 to 2023. Hospital notifications and admissions were used to determine the causality of the disease. Pregnant women with syphilis were found in the largest age group, 20-39 years old, representing 74.47% of the total. The majority received prenatal care, representing 80.69%, with 61.59% of congenital syphilis diagnosed during prenatal care. Of these, 5.72% were performed during the postpartum period, in which 96.99% of the children were diagnosed with the disease before the 6th day of life. It is worth noting that 94.64% of the children with congenital syphilis are classified as early and that 54.72% of the partners did not receive treatment. Of the total number of partners, 20.48% did not respond to the questionnaire.

DESCRIPTORS: Primary Health Care. Sexually Transmitted Infections. Unprotected Sex. Congenital Syphilis.

RESUMEN

El objetivo fue analizar el perfil epidemiológico de los pacientes con sífilis gestacional y congénita en el Estado de Goiás. Se trata de un estudio transversal descriptivo, analítico, ecológico y retrospectivo con enfoque cuantitativo de los casos de sífilis gestacional y congénita basado en datos de DataSUS en el período de 2018 a 2023. Se utilizaron las notificaciones e internaciones hospitalarias para la causalidad de la enfermedad. Se encontró que las gestantes con sífilis tenían una edad más frecuente de 20 a 39 años, representando el 74,47% del total. La mayoría realizó el control prenatal, representando el 80,69%, siendo el 61,59% la proporción de diagnósticos de sífilis congénita durante el prenatal. De estas, el 5,72% realizaron el diagnóstico durante el posparto, y el 96,99% de los niños fueron diagnosticados con la enfermedad antes del sexto día de vida. Se destaca que el 94,64% de los niños con sífilis congénita son clasificados como precoz y que el 54,72% de los compañeros no recibieron tratamiento. Del total de compañeros, el 20,48% no respondieron al cuestionario.

DESCRIPTORES: Atención Primaria a la Salud. Infecciones de Transmisión Sexual. Sexo Sin Protección. Sífilis Congénita.

Recebido: 26/01/2025 Aprovado: 07/02/2025

Tipo de artigo: Artigo Original

INTRODUÇÃO

        

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de um milhão de infecções sexualmente transmissíveis (IST) são adquiridas todos os dias, as quais são majoritariamente assintomáticas. Essas afecções abrangem grande heterogeneidade em relação tanto aos agentes etiológicos, quanto às manifestações clínicas: corrimento, ulceração, imunossupressão, porém o fator que reflete a intersecção dos conjuntos é a via sexual (oral/vaginal/anal) como meio de transmissão1.

A sífilis é uma IST causada pela bactéria Treponema pallidum, na qual as manifestações clínicas podem variar de lesões cutâneas a acometimento sistêmico. É possível classificá-la de acordo com a sintomatologia e o modo de transmissão em: adquirida, gestacional e congênita2.

No que de refere à adquirida, em sua fase primária, observa-se ulceração cutânea indolor ou “cancro duro” no local de penetração da bactéria que desaparece espontaneamente após algumas semanas. Em seguida, há a secundária com lesões mucocutâneas, exantema palmo-plantar, alopecia e outros sintomas gerais. Subsequentemente, há o estado assintomático latente com potencial de perdurar por anos e o estágio terciário, o qual pode acometer qualquer órgão, em especial os osso/articulações, o sistema nervoso e o coração. A forma gestacional pode causar aborto, morte neonatal e má formação fetal3.

Já a sífilis congênita manifesta-se com sintomas precoces e tardios, nos quais o feto poderá apresentar baixo peso ao nascer, dificuldade respiratória, osteocondrite, alterações hematológicas, hepatoesplênicas, pseudoparalisia de Parrot, tíbia em “lâmina de sabre”, fissuras periorais, mandíbula curta, Tríade de Hutchinson, dificuldade no aprendizado, entre outros3.

Diante do exposto, é de suma importância conhecer o perfil epidemiológico dos indivíduos acometidos por sífilis com a finalidade de direcionar e/ou reforçar as estratégias públicas para manejo e combate das IST como um todo, uma vez que essas infecções tendem a se manifestar juntas, principalmente a infeção pelo HIV. Destaca-se a sífilis gestacional e congênita, pois, além do grande impacto na qualidade de vida da mulher e do neonato, sua detecção está relacionada aos testes realizados durante o pré-natal na atenção primaria de saúde (APS), isto posto os índices epidemiológicos podem ser usados como um reflexo da qualidade da saúde pública. Ainda, ressalta-se que é de interesse do Estado promulgar ações de prevenção, uma vez que o curativismo é mais custoso financeiramente à entidade pública. Logo, objetiva-se analisar o perfil epidemiológico de sífilis gestacional correlacionada com sífilis congênita no Estado de Goiás.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal descritivo, analítico, ecológico e retrospectivo com abordagem quantitativa sobre os casos de sífilis gestacional e sífilis congênita no Estado de Goiás utilizando-se dados secundários obtidos por meio do Tabnet, desenvolvido pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS)4.

A amostra compreendeu mulheres e crianças, as quais residiam em Goiás, e no Brasil, e que sofreram internação hospitalar ou tiveram seus casos notificados devido a sífilis gestacional e/ou congênita registrados no Sistema de Doenças e Agravos de Notificação (SINAN) e Morbidade Hospitalar do SUS (SIH/SUS), no período de 2018 a 2023.

Em relação às variáveis do estudo, selecionou-se quanto às faixas etárias infantil, realização do pré-natal, tratamento do parceiro, momento do diagnóstico, classificação do estágio clínico da sífilis, às faixas etárias maternas, internações hospitalares.

Os dados foram coletados e lançados no programa Microsoft Excel 2010®. Após foram analisados por meio de estatística descritiva com apresentação de frequências, percentuais e médias, representadas por tabelas e gráficos. Por se tratar de uma pesquisa envolvendo dados secundários, de domínio público, sem identificação das participantes, o estudo está dispensado de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa (Resolução 510/2016)5.

RESULTADOS

 Tabela 1 – Características clinica de Sífilis Congênita no Estado de Goiás 2018-2023, n= 3916. Brasil, 2025

Variáveis

N

%

Faixa Etária Infantil

Até 6 dias

3798

96,99

7 a 27 dias

43

1,10

28 dias a 1 ano

63

1,61

1 ano

6

0,15

2 a 4 anos

4

0,10

5 a 12 anos

2

0,05

Realização de Pré-Natal

Sim

3160

80,69

Não

579

14,79

Ign/Em branco

177

4,52

Tratamento do Parceiro

Sim

971

24,80

Não

2143

54,72

Ign/Em branco

802

20,48

Momento Diagnóstico

Pré-Natal

2412

61,59

Parto/Curetagem

1117

28,52

Pós-Parto

224

5,72

Não foram realizados

23

0,59

Ign/Em branco

140

3,58

Classificação Final

Precoce

3706

94,64

Tardia

6

0,15

Natimortos/Abortos

64

1,63

Descartados

140

3,58

Sexo

Feminino

1930

49,28

Masculino

1840

46,99

Ign/Em branco

146

3,73

Faixa Etária Materna

10 a 14 anos

28

0,72

15 a 19 anos

824

21,04

20 a 24 anos

1387

35,42

25 a 29 anos

828

21,14

30 a 34 anos

432

11,03

35 a 39 anos

224

5,72

40 a 44 anos

78

1,99

45 a 49 anos

4

0,10

50 a 54 anos

1

0,03

Ign/Em branco

110

2,81

Fonte: Autoria própria. DataSUS, 2025.

A Tabela 1 apresenta as faixas etárias de diagnóstico das crianças, 3798 casos (96,99%) são até os 6 dias de vida; 43 (1,10%) são dos 7 aos 27 dias; 63 (1,61%) são dos 28 dias a 1 ano; 6 (0,15%) são com 1 ano; 4 (0,10%) são dos 2 aos 4 anos; e 2 (0,05%) dos 5 aos 12 anos.

Quanto ao sexo das crianças, do total de 3916 casos, 1840 (46,99%) são masculinos, 1930 (49,28%) são femininos e 146 (3,87%) ignoraram ou deixaram em branco. Fizeram pré-natal 3160 (80,69%), e 2143 (54,72%) dos parceiros não realizaram tratamento.

No que se refere ao momento diagnóstico, 2412 foram realizados durante o pré-natal (61,59%); 1117 foram durante o parto/curetagem (28,52%); 224 foram realizados pós-parto (5,72%); não foram realizados 23 (0,59%); e 140 deixaram em branco ou ignoraram (3,58%).

No que diz respeito à classificação final da sífilis, 3706 são classificados como precoce (94,64%); 6 como tardia (0,15%); 64 natimortos ou abortos por sífilis (1,63%) e 140 foram descartados (3,58%). A faixa etária materna predominante, relativa à sífilis congênita, foi de 20-24 anos com 1387 casos perfazendo 35,42%, entretanto o intervalo mais acometido foi de 20 a 39 anos (73,31% do total).

Fonte: autoria própria.

A Figura 1 demonstra as Notificações e Internações dos casos de Sífilis Gestacional e Congênita no Estado de Goiás no período de 2018 até 2023.

Os dados do DataSUS (2025) referentes às notificações de casos confirmados registrados no SINAN de sífilis gestacional no Estado de Goiás apontam um total de 12.785 casos (3,29% do total nacional) no período de janeiro/2018 até dezembro/2023. Destaca-se o ano de 2023, em que tanto os valores nacionais (-56,95%), quanto goianos (-49,07%) sofreram profundo declínio em comparação aos valores anteriores, os quais apresentavam padrão médio ascendente positivo, como se observa na Figura 1. Tal subnotificação diverge da atual literatura e pode ser explicada por um atraso na tabulação das informações, visto que os dados foram atualizados no sistema em janeiro/2024, entretanto sujeitos à revisão. Outro declínio importante nas taxas de detecção ocorreu no ano de 2020 provocado pela pandemia de Covid-19 e sua sobrecarga ao sistema de saúde4,6.

Referente às internações hospitalares, os casos se mantiveram estáveis e abaixo do número de notificações. Entre 2018 e 2021, a diferença entre o número de notificações e internações foi uma média de 171,25. Já nos anos de 2022 e 2023, essa média subiu para 338,50. Portanto, infere-se que houve o aumento significativo de notificações da doença, embora sejam casos que não necessitem de assistência de alta complexidade.

Tabela 2 - Notificações de Sífilis Gestacional no Estado de Goiás por Faixa Etária (2018-2023) Brasil, 2025

2018

2029

2020

2021

2022

2022

Total

10 a 14

19

19

23

26

19

19

115

15 a 19

504

492

511

543

572

572

2910

20 a 39

1454

1557

1483

1753

2171

2171

9522

40 a 59

34

51

42

36

46

46

238

Total

2011

2119

2059

2358

2808

2808

12785

Fonte: autoria própria. Datasus, 2025.

Em relação às faixas etárias do período analisado em que foram realizados os diagnósticos nas gestantes com sífilis, em Goiás, 115 dos casos (0,89%) são dos 10-14 anos; 2910 (22,76%) são de 15-19 anos; 9522 (74,47%) são de 20-39 anos; e 238 (1,86%) dos 40-59 anos (Tabela 2).

Figura 2 – Fluxograma de Conduta no Neonato com Progenitora Inadequadamente Tratada. Brasil, 2025

Fonte: autoria própria. (Brasil, 2022).

Legenda: Teste não treponêmico (TNT), Raio-X (RX), Líquido cefalorraquidiano (LCR), Intravenoso (IV), Intramuscular (IM), Unidades (UI).

O tratamento adequado da gestante com sífilis consiste na administração de penicilina benzatina, conforme estadiamento da doença. A dose padrão de 2,4 milhões UI (1,2 milhões UI em cada nádega), IM, em dose única é utilizada para sífilis primária, secundária e latente recentes. Recomenda-se repetir a dose após uma semana. Para a sífilis terciária ou latente tardia, adiciona-se uma terceira dose na semana seguinte. Em caso de neurossífilis, utiliza-se penicilina potássica/ cristalina 18-24 milhões UI, 1x/ dia, IV, administrada em doses de 3-4 milhões UI, a cada 4 horas ou por infusão contínua, por 14 dias3.

No caso de ineficácia do tratamento faz necessário seguir o descritivo do fluxograma (Figura 2).

DISCUSSÃO

Nos anos de 2018 a 2023, foram notificados 3916 casos de sífilis congênita e 12785 de sífilis gestacional no Estado de Goiás. Diante dos achados, foi importante correlacionar as informações de notificação de ambos os modos de transmissão da bactéria e da necessidade de internação hospitalar. Vale lembrar que a notificação para casos de sífilis congênita é compulsória e mandatória por lei, instituída por meio da Portaria nº 542, de 22 de dezembro de 19867.

Dito isso, destaca-se a APS, como a principal porta de entrada para os demais serviços de saúde no Brasil. Dentre suas várias atribuições ressalta-se o acompanhamento e assistência das gestantes com o pré-natal, cujo conjunto de ações visa tanto a manutenção da saúde materna, quanto a identificação precoce e o manejo adequado de quaisquer problemas. O Ministério da Saúde (MS) preconiza o mínimo de 6 consultas pré-natais para a gestante com avalição de vários parâmetros, dentre eles a realização de teste não treponêmico, o qual apresenta forte correlação com a infecção pelo Treponema pallidum8. Caso haja positivação, a realização de um teste treponêmico fornecerá certeza diagnóstica. Ainda assim, os dados da Tabela 1 demonstram que 61,59% dos casos de sífilis congênita foram diagnosticados no pré-natal, enquanto a falha nesse processo, retratada pelo parto/curetagem e pós-parto, representou 34,24% do total dos momentos diagnósticos. Associado a isso, uma média de 19,31% das gestantes não realizou acompanhamento8.

Posto isso, os testes sorológicos para a infecção por Treponema pallidum incluem os não treponêmicos, de caráter quantitativo (Ex: VDRL, RPR), os quais são indicados para monitoramento e os testes treponêmicos (Ex: FTA-Abs, ELISA, Teste Rápido) de caráter qualitativo para auxílio na confirmação diagnóstica3.

Após a confirmação da positividade para os testes treponêmicos e não treponêmicos, é confirmada a infecção sifilítica na gestante, sendo, então, encaminhada para o tratamento adequado com penicilina e seguimento ambulatorial a fim de evitar a transmissão vertical. O tratamento inadequado, o qual consiste em doses incompletas de penicilina ou impróprias para a fase clínica da doença, uso de outros antibióticos para tratamento, início do tratamento depois de 30 dias antes do parto e parceiro inadequadamente ou não tratado, influenciará na conduta a ser tomada com o neonato, pois a situação clínica e laboratorial indicará a necessidade ou não de internação hospitalar (Figura 2)3,8.

As triagens neonatais e obrigatoriedade de realização de teste Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) no recém nascido garantem a identificação diagnóstica no Estado de Goiás, de 96,99% antes dos 6 dias de vida com 94,64% do total apresentando classificação de sífilis precoce3,8.

Em estudo com semelhante metodologia, no território nacional, observou-se que o tratamento da gestante foi inadequado em grande parte do universo de estudo. Ao extrapolar os dados, é possível intuir que a ineficácia do tratamento adequado aumenta a necessidade de condutas mais complexas com o neonato (Figura 2)9.

O seguimento da criança com sífilis congênita ou aquela que foi exposta à sífilis ocorre por consultas de puericultura na 1ª semana de vida e nos meses subsequentes (1,2,4,6,9,12 e 18). A avaliação sorológica é realizada mediante teste não treponêmico nos meses 1,3,6,12 e 18 com necessidade de descontinuação caso haja dois resultados negativos consecutivos. O teste treponêmico não é aplicado, uma vez que sua característica qualitativa possibilita o fenômeno da cicatriz sorológica. Outro parâmetro importante na avaliação do seguimento é o acompanhamento da titulação do VDRL, a qual deve diminuir, no mínimo, em duas até 3 meses ou em quatro ate 6 meses, após conclusão do tratamento. Caso esses parâmetros não sejam alcançados, torna-se necessário avaliar falha terapêutica3.

No presente estudo, em relação à variável sexo infantil, tanto na literatura quanto nos dados, não há evidencia de que o gênero da criança acometida com a infecção por Treponema pallidum possui influência na incidência dos casos de sífilis congênita, no entanto, neste estudo, houve leve tendência ao sexo feminino (Tabela 1).

Quando investigada a multifatoriedade causal das infecções sifilíticas, verifica-se a influência que os valores socioculturais patriarcais da sociedade brasileira exercem sobre os aspectos do cotidiano social, principalmente no ato sexual. O sentimento de invulnerabilidade que permeia os indivíduos masculinos é usado como justificativa ideológica de intangibilidade ao processo de adoecimento. Conforme DataSUS (2025)4, 54,72% dos parceiros optam por não realizar tratamento somado a 20,48% que deixaram de responder esse quesito. Concomitante a isso, os homens, de forma generalizada, praticam coito sem proteção com maior número de parceiros10. Portanto, a responsabilidade da utilização dos métodos contraceptivos para evitar a natalidade recai sobre a mulher, sem considerar a profilaxia contra infecções11.

Diante do exposto, atribui-se a responsabilidade da detecção da sífilis ao pré-natal. Assim, os casos de gestantes e neonatos com a doença possuem potencial para determinar um parâmetro de avaliação para qualidade dos serviços de saúde, os quais ainda podem relacionar-se à falha diagnóstica ou tratamento inadequado da sífilis, o que evidencia uma fragilidade na gestão em saúde da APS brasileira12.

Paralelamente, percebe-se falhas na promoção à saúde voltada para os métodos de prevenção e na educação sexual12. Essas informações são corroboradas por meio dos dados da Tabela 2, em que 23,65% das gestantes com sífilis estão na faixa etária dos 10-19 anos, somado ao alto índice de parceiros não tratados, demonstra-se uma problemática na educação sexual disponibilizada pelo sistema de educação.  Analogamente, referente à faixa etária da progenitora puérpera (Tabela 1), os dados indicam que 10-19 anos é a segunda faixa etária mais prevalente com 21,76% dos casos, em que a primeira é 20-29 anos representando quase metade do todo com 2215 (56,56%), dados esses também visualizados em outros estudos9,13-14.

Em associação, observa-se no território nacional, no ano de 2022, que a relação de casos de sífilis adquirida em adolescentes (13-19 anos) foi uma razão de 0,7 - sete homens para cada dez mulheres, além do aumento de 2,6 vezes quando comparado ao número de casos de 2015; concomitantemente, as faixas etárias seguinte, de 20 a 29 anos, apresentou razão de 1,8 - 18 homens para cada 10 mulheres6.

Outrossim, no que se refere às interferências nos dados, é importante considerar a própria subnotificação passível do Sistema Único de Saúde (SUS); os falsos reagentes, como na cicatriz sorológica ou em pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES); as falhas terapêuticas; e a disponibilidade, no Brasil, de testes rápidos, a qual aumentou em quase 1000 vezes de 2011 a 2014, todavia com distribuições diferentes e inferiores em relação à quantidade e estimativa de gestantes nos Estados, logo  resultando em aumento da capacidade de identificação de pessoas assintomáticas e, por conseguinte, aumento de casos de sífilis adquirida e gestacional15.

Constata-se que, apesar da alta eficiência da camisinha e do tratamento eficaz com antibióticos, os dados sugerem que a incidência e a prevalência da infecção por sífilis continuam altas. Tendo como exemplo, dados epidemiológicos 2022 apresentaram uma taxa de cerca de 32,4 casos/1000 nascidos vivos. Além disso, a taxa de detecção de gestantes com sífilis, nos últimos anos, manteve tendência crescente, enquanto a taxa de incidência da sífilis congênita se manteve estável6,17,16.

Por fim, constata-se que a causalidade do adoecimento por uma infecção de via sexual é multifatorial e engloba fatores socioculturais, biológicos, econômicos e governamentais, o que influencia os parâmetros como a incidência e prevalência dos casos de sífilis gestacional e congênita. Dito isso, são fundamentais os esforços para rastreio e manejo da doença na comunidade, principalmente nas mulheres grávidas e seus filhos, já que o Treponema pallidum exerce significativo impacto na qualidade de vida. O desempenho dos grupos mais afetados pode demonstrar a falha das medidas intervencionistas tanto da entidade pública, como da sociedade, porém oferece a oportunidade de focar e mitigar a problemática.

CONCLUSÃO

Em conclusão, estabeleceu-se um perfil epidemiológico de gestantes com sífilis, no Estado de Goiás, em que a maior faixa etária foi dos 20-39 anos representando 74,47% do total de casos, seguido por 15-19 anos com 22,76%. Essas faixas etárias coincidem com as mulheres com crianças já diagnosticadas com sífilis congênita, em que 20-39 anos representa 56,56% e 15-19 anos 21,04%. A maioria dessas progenitoras realizou o pré-natal representando 80,69%, sendo 61,59% a porcentagem de diagnósticos de sífilis congênita durante o pré-natal. Um total de 19,31% das mulheres com sífilis gestacional não realizou o pré-natal, ignoraram ou deixaram em branco. Tal informação, conjuga-se com 28,52% dos diagnósticos durante curetagem/parto e 5,72% durante o pós-parto, em que 96,99% das crianças foram diagnosticadas antes dos 6 dias de vida. Por fim, vale ressaltar que 94,64% das crianças com sífilis congênita são classificadas como precoce, de acordo com as manifestações clínicas e que 54,72% dos parceiros das mulheres optam por não realizar o tratamento com penicilina.

REFERÊNCIAS

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