A ATUAÇÃO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL NA HEMOFILIA: RELATO DE CASO

THE ROLE OF THE OCCUPATIONAL THERAPIST IN HEMOPHILIA: CASE REPORT

LA ACTUACIÓN DEL TERAPEUTA OCUPACIONAL EN LA HEMOFILIA: INFORME DE CASO

Elisa Pereira Pullig Bastos - Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti. Clínica de Hematologia. Centro. Rio de Janeiro. Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6976-1287

RESUMO

Introdução: A hemofilia é um distúrbio hereditário grave de coagulação sanguínea que pode provocar deformidades e incapacidades permanentes ou transitórias, comprometendo o desempenho ocupacional em algumas áreas de desempenho do paciente acometido.  Procedimento metodológico: este é um relato de caso que visa apresentar a atuação do Terapeuta Ocupacional junto a um lactente com hemofilia A grave durante o período de hospitalização no Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti – Hemorio. Discussão: a importância da Terapia Ocupacional no trabalho da equipe multidisciplinar humanizada, sendo essencial para a organização das funções físicas e mentais do paciente, através de práticas profissionais em conjunto. Conclusão: ressalta-se a necessidade da atuação terapêutica ocupacional nos casos de hemofilia desde a profilaxia a reabilitação. O profissional Terapeuta Ocupacional fazendo uso dos seus conhecimentos técnicos, avaliando e definindo o programa de tratamento, observando a relação entre a pessoa, seu envolvimento em ocupações importantes e o contexto/ambiente nos quais está inserida.

PALAVRAS-CHAVE: Hematologia; Hemofilia A; Hemofilia B; Terapia Ocupacional.

ABSTRACT

Introduction: Hemophilia is a severe hereditary blood coagulation disorder that can cause permanent or transient deformities and disabilities, compromising the occupational performance in some performance areas of the affected patient.  Methodological procedure: this is a case report that aims to present the performance of the Occupational Therapist with an infant with severe hemophilia A, during the period of hospitalization at the Arthur de Siqueira Cavalcanti State Hematology Institute - Hemorio. Discussion: the importance of Occupational Therapy in the work of the humanized multidisciplinary team, being essential for the organization of the physical and mental functions of the patient, through professional practices together. Conclusion: the need for occupational therapeutic action in cases of hemophilia from prophylaxis to rehabilitation is emphasized. The professional Occupational Therapist making use of their technical knowledge, evaluating and defining the treatment program, observing the relationship between the person, his involvement in important occupations and the context/ environment in which he is inserted.

KEYWORDS: Hematology; Hemophilia A; Hemophilia B; Occupational Therapy.

RESUMEN

Introducción: La hemofilia es un trastorno hereditario grave de la coagulación sanguínea que puede provocar deformidades y discapacidades permanentes o transitorias, comprometiendo el desempeño ocupacional en algunas áreas del paciente afectado. Procedimiento metodológico: Este es un informe de caso que tiene como objetivo presentar la intervención del Terapeuta Ocupacional con un lactante con hemofilia A grave durante el período de hospitalización en el Instituto Estatal de Hematología Arthur de Siqueira Cavalcanti – Hemorio. Discusión: La importancia de la Terapia Ocupacional en el trabajo del equipo multidisciplinario humanizado, siendo esencial para la organización de las funciones físicas y mentales del paciente, a través de prácticas profesionales conjuntas. Conclusión: Se destaca la necesidad de la intervención terapéutica ocupacional en los casos de hemofilia, desde la profilaxis hasta la rehabilitación. El profesional Terapeuta Ocupacional, haciendo uso de sus conocimientos técnicos, evaluando y definiendo el programa de tratamiento, observando la relación entre la persona, su participación en ocupaciones significativas y el contexto/ambiente en el que se encuentra.

PALABRAS CLAVE: Hematología; Hemofilia A; Hemofilia B; Terapia Ocupacional.

Recebido: 27/01/2025 Aprovado: 07/02/2025
Tipo de artigo:
Relato de Caso

INTRODUÇÃO

A hemofilia é uma doença caracterizada pela deficiência dos fatores VIII ou IX da coagulação sendo classificada em hemofilia A e hemofilia B respectivamente, tendo como principal sinal a hemorragia. A causa mais comum é a hereditária (congênita), podendo ser adquirida, onde os anticorpos são produzidos em resposta a doenças autoimunes, câncer, gravidez ou de origem idiopática1.

A hemofilia A corresponde 75% a 80% dos casos enquanto a hemofilia B por 20% a 25%. Normalmente é transmitida por mães portadoras, assintomáticas, aos filhos do gênero masculino. Podendo decorrer de mutação de novo, isto é, quando ocorre na ausência de casos em outros familiares1.

A classificação da doença baseia-se nos níveis plasmáticos do fator deficiente, dividida em leve, superior a 5%, moderado, entre 1% e 5% e grave quando o fator circulante for menor que 1%1.

A intensidade das manifestações hemorrágicas na hemofilia modifica-se de acordo com a gravidade do caso. Nas formas mais graves da doença, a ocorrência das primeiras hemorragias pode acontecer antes dos dois anos de idade. As formas mais características são os hematomas e as hemartroses. Podendo ocorrer sob forma de hematúria, epistaxe, melena/hematêmese e ainda como sangramentos internos para cavidade abdominal, torácica e retroperitonial, além de hemorragia intracraniana1.

Uma das principais medidas disponíveis para garantir a integridade física, psíquica e social dos pacientes, foi à implementação do protocolo de profilaxia primária no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde em 2011, além de ser a modalidade recomendada pela Organização Mundial da Saúde – OMS2.

Desse modo, é destacada a importância da equipe multidisciplinar visando à humanização no tratamento e na reabilitação, incluindo profissionais que agregam conhecimentos importantes para esse cuidado2. Dentro desta equipe, ressalta-se a ação do terapeuta ocupacional, habilitado para avaliar e cuidar do desempenho ocupacional do paciente com hemofilia nos diversos contextos3.  

Com base nisso, o objetivo é relatar atuação da terapia ocupacional na assistência à criança com diagnóstico de hemofilia A grave.  

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este trabalho é o relato de caso de um lactente diagnosticado com hemofilia A grave apresentando hematoma subdural agudo em região occipitotemporal direita evoluindo para síndrome compartimental e que foi submetido à intervenção da Terapia Ocupacional no período de hospitalização no Instituto de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti – HEMORIO, após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, bem como, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento (TCLE) pelo responsável legal do paciente em cumprimento a Resolução CNS N° 466, de 12 de dezembro de 2012.

Foram utilizados dados coletados do prontuário físico, do sistema eletrônico, exames de imagens e fotos do uso dos dispositivos de tecnologia assistiva (TA).

RELATO DO CASO

Lactente de 11 meses, apresentando desenvolvimento típico e sem histórico de doenças pregressas. Foi levado ao hospital universitário da cidade onde reside no dia 11/07/2021 devido à crise convulsiva febril, realizando exames laboratoriais, sem alteração, foi medicado e permanecendo em observação por 12 horas. Dois dias após a alta hospitalar, o lactente retornou com sua mãe, pálido, com edema no local da punção feita para coleta dos exames em membro superior esquerdo (MSE), hematoma em toda a extensão e dor a mobilização. Durante a hospitalização paciente evoluiu com importante edema em todo o MSE.

Após a realização de exames laboratoriais e de imagem, foram encontradas alterações prováveis de etiologia de distúrbio de coagulação que foi confirmado pela hematologia, através de exame laboratorial que mostrou diminuição do fator de coagulação, diagnosticando hemofilia A grave. Os resultados dos exames anteriores, tomografias e laboratoriais evidenciaram hematoma subdural agudo occiipitotemporal direita, com extensão a foice do cérebro e acentuada infiltração líquida na região supraclavicular esquerda no hemitórax porção superior do braço esquerdo, linfonodomegalias axilares, anemia e Fator VIII com valor inferior ao de referência.

No exame físico foi visto déficit motor em MSE com hematomas em MMSS. Com esses resultados, o hospital universitário entrou em contato direto com o ambulatório de triagem do Hemorio, solicitando a avaliação do caso. No dia 06/08/21 o lactente foi recebido pelo setor de triagem e admitido no setor de internação, iniciando o protocolo de tratamento da hemofilia A grave, com a reposição do fator VIII, realizando exames laboratoriais e de imagem, recebendo cuidados multiprofissionais relativos aos sintomas apresentados. Após a avaliação fisiátrica, foi solicitado o parecer da Terapia Ocupacional, tendo em vista a disfunção do MSE.

AVALIAÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL

Lactente acompanhado por sua mãe durante a abordagem terapêutica. Ambos mostravam bastante irritação, justificada pelo tempo de hospitalização assim como as limitações referentes ao contexto hospitalar e os cuidados necessários à preservação do paciente. A responsável relatou dificuldade em evitar que o paciente provocasse o agravamento do quadro já existente, pela agitação psicomotora e também com a disfunção do MSE. Após a formação do vínculo, foi possível manipular o paciente.

No decorrer da inspeção física no membro superior direito (MSD) foram encontrados edemas endurecidos e hematomas na região antecubital do punho e mão dificultando a apalpação do pulso. Extremidades rosadas e quentes com perfusão capilar preservada assim como o movimento. No MSE era possível visualizar a presença de hematomas, edema, paresia e adução do polegar. Tais alterações acarretaram a disfunção do membro. Foram observados hematomas na região dorsal dos pés.

INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA

Imediatamente empregando o recurso de Tecnologia assistiva (TA) foi confeccionada, de modo artesanal, a órtese abdutora conhecida como fio em oito, utilizando o esparadrapo que era a matéria-prima disponível na unidade hospitalar, com objetivo de manter o polegar abduzido. Na mesma ocasião foi confeccionada órtese de repouso, em material de espuma, com o propósito de manter a mão em posição funcional durante o sono.

A responsável recebeu treinamento para a colocação da órtese fio em oito a ser usada durante as atividades de vida diária (AVD), atividades instrumentais de vida diária (AIVD) e na principal ocupação infantil que é o brincar, promovendo e facilitando as habilidades manuais. Em relação ao uso da órtese de repouso, a orientação foi o uso no período do sono garantindo o posicionamento funcional da mão, reduzindo edema e evitando deformidades.

Durante o atendimento com os responsáveis foi discutido e planejado a indicação do uso da luva, funcional, confeccionada em material de neoprene, que além de posicionar o seguimento, facilita a função da mão. O pai e a avó paterna são artesãos o que viabilizou a confecção do dispositivo a partir do modelo e material dispensados pela terapeuta. Todos os dispositivos foram testados durante os atendimentos terapêuticos, apresentando resultados positivos com melhoras no desempenho ocupacional. No treinamento das AVD, alimentação, o paciente recuperou a habilidade manual segurando a mamadeira e os alimentos oferecidos assim como na atividade do brincar, manuseando, bilateralmente, de forma mais ativa os brinquedos.

DISCUSSÃO

O presente relato descreve a atuação da Terapia Ocupacional na sequela de hematoma subdural agudo occipitotemporal direita durante a hospitalização de lactente com hemofilia grave A no Hemorio apresentando limitações no desempenho ocupacional durante as AVD e na ocupação do brincar, comprometendo a qualidade de vida do lactente e dos seus familiares. E ressalta a importância da Terapia Ocupacional no trabalho da equipe multidisciplinar humanizada, sendo essencial para a organização das funções físicas e mentais do paciente, através de práticas profissionais em conjunto1.

Durante a coleta de dados, analisamos artigos, dentre eles: “Qualidade de Vida de pacientes hemofílicos acompanhados no Ambulatório de Hematologia em Serviço Especializado”4, que concluem que fatores biopsicossociais prejudicam a qualidade de vida do paciente hemofílico e que se faz necessário um trabalho multidisciplinar definindo programas de inclusão deste indivíduo. No artigo “Limitações no desempenho ocupacional de indivíduos portadores de hemofilia em Centro Regional de Hemoterapia de Ribeirão Preto”, Barata et al., concluem que a abordagem Terapêutica Ocupacional é importante, pois contribui com a reabilitação do paciente com hemofilia, minimizando deformidades e incapacidades restabelecendo a função e autonomia5.

Portanto, a Terapia Ocupacional é definida como o uso terapêutico de atividades diárias (ocupações) em indivíduos ou grupos com o propósito de melhorar ou possibilitar a participação em papéis, hábitos e rotinas em diversos ambientes. O Terapeuta Ocupacional utiliza seus conhecimentos acerca da relação entre as pessoas, a ocupação e contextos para delinear planos de intervenção6.

CONCLUSÃO

Tendo em vista a magnitude das manifestações hemorrágicas nas hemofilias, variando conforme a gravidade do caso e que os pacientes com as formas graves tem as primeiras hemorragias antes do segundo ano de vida1, este relato retrata a contribuição da Terapia Ocupacional no atendimento ao paciente hemofílico desde o início do tratamento, com uma visão integrada do ser humano e da ocupação humana. Diante disso ressalta-se a importância da atuação terapêutica ocupacional nos casos de hemofilia desde a profilaxia a reabilitação. O profissional Terapeuta Ocupacional fazendo uso dos seus conhecimentos técnicos avalia e define o programa de tratamento, observando a relação entre a pessoa, seu envolvimento em ocupações importantes e o contexto/ambiente nos quais está inserido. Utilizando atividades básicas de vida diária (AVD), adaptações, técnicas e métodos6. Diante disso a atuação da Terapia Ocupacional visa minimizar os agravos da doença, melhorando o desempenho ocupacional nos diversos contextos promovendo a melhora na qualidade de vida.

No entanto, futuros estudos são necessários a fim de destacar a importância da atuação da Terapia Ocupacional na assistência ao paciente com hemofilia, incentivando a implementação do serviço em instituições de referência. Agradecimento: Ao Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti. Clínica de Hematologia por todo apoio e incentivo concedido.

Fonte de Financiamento: O presente trabalho não contou com financiamento. Contribuição da Autora: A autora foi responsável   pela concepção, redação e revisão do texto, organização de fontes e análises e aprovação da versão final do texto.

REFERÊNCIAS

1. Manuais MSD para profissionais de saúde. Hematologia e Oncologia. Distúrbios de Coagulação. Hemofilia. 2021. [Acesso em: 04 AGO 2023]. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-do-sangue/hemorragia-decorrente-de-dist%C3%BArbios-de-coagula%C3%A7%C3%A3o/hemofilia.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Manual de Hemofilia. 2 ed., 1ª reimp. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 80 p.: il. [Acesso em: 04 AGO 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_hemofilia_2ed.pdf.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados. Manual da Reabilitação na Hemofilia. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 68 p.: il. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). [Acesso em: 04 AGO 2023]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_reabilitacao_hemofilia.pdf.

4. Nunes AA, Rodrigues BSC, Soares EM, Soares S, Miranzi SSC. Qualidade de vida de pacientes hemofílicos acompanhados em ambulatório de hematologia. Rev. bras. hematol. Hemoter. 2009; (31)6. DOI: https://doi.org/10.1590/S1516-84842009005000085. [Acesso em: 05 AGO 2023]. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbhh/a/VL9SfVY6h8SnrrJ8LX8wyDf/?lang=pt&format=pdf.

5. Barata-Assad DA, Elui VMC. Limitações no desempenho ocupacional de indivíduos portadores de hemofilia em Centro Regional de Hemoterapia de Ribeirão Preto, Brasil. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo. 2010; 21(3): 198-206. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v21i3p198-206. [Acesso em: 05 AGO 2023].  Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/14105/15923.

6. Associação Americana de Terapia Ocupacional. Estrutura da prática da terapia ocupacional: domínio & processo. Tradução: Alessandra Cavalcanti (UFTM), Fabiana Caetano Martins Silva e Dutra (UFTM) e Valéria Meirelles Carril Elui  (FMRP - USP). Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo. 2015; 26(1): 1-49. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v26iespp1-49. [Acesso em: 05 AGO 2023].   Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/97496/96423.