ABORDAGENS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA DE ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NO ENSINO INFANTIL E FUNDAMENTAL I NO BRASIL
APPROACHES FOR INCLUSIVE EDUCATION OF STUDENTS WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER IN EARLY CHILDHOOD AND ELEMENTARY EDUCATION IN BRAZIL
ENFOQUES PARA LA EDUCACIÓN INCLUSIVA DE ALUMNOS CON TRASTORNO DEL ESPECTRO AUTISTA EN LA EDUCACIÓN INFANTIL Y PRIMARIA EN BRASIL
Autores:
Alejandro Rangel Andrade
Discente em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-6708-834X
Giovane Coimbra Nascimento
Discente em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
ORCID: https://orcid.org/0009-0009-9331-8934
Jhonatan Martins de Souza
Discente em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-1402-3411
Joyce Moreira de Lima
Discente em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
ORCID: https://orcid.org/0009-0002-8210-9159
Ryan Cysne Mire Corrêa
Discente em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
ORCID: https://orcid.org/0009-0007-6998-4844
Sabrina Argento Zubelli de Assumpção
Discente em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). ORCID: https://orcid.org/0009-0004-6272-4300
Uliana Pontes Vieira
Doutora em Educação, Difusão e Gestão em Biociências- UFRJ. Bacharel em Fonoaudiologia- UFRJ. Docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8035-3831
Karla Santa Cruz Coelho
Doutora em Epidemiologia - UERJ; Bacharel em Medicina- UFF; Docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4943-4814
RESUMO
Objetivo: Investigar políticas e estratégias educacionais para a inclusão de alunos com Transtorno do Espectro Autista no Ensino Infantil e Fundamental I no Brasil. Método: Utilizou-se a Revisão Integrativa da Literatura, analisando políticas e abordagens pedagógicas. A pesquisa foi realizada no Google Acadêmico e SciELO, com artigos publicados entre 2020 - 2025, seguindo os critérios do PRISMA 2020. Além das bases de dados, foram consultadas outras fontes, incluindo manuais de diagnóstico, políticas públicas e documentos governamentais. Resultados: Treze artigos selecionados por suas contribuições originais e relevância. Destacou-se a importância do Atendimento Educacional Especializado, da formação docente, das adaptações curriculares, das políticas públicas, das tecnologias assistivas e das estratégias de mediação. Conclusão: A capacitação docente e a implementação de tecnologias assistivas são fundamentais parla a inclusão de alunos com autismo. Compreendendo as dificuldades locais e refletindo sobre práticas pedagógicas e soluções viáveis, busca-se o aprimoramento de políticas educacionais inclusivas.
DESCRITORES: Autismo Infantil; Distúrbios do Neurodesenvolvimento; Educação Inclusiva; Intervenção Educacional Precoce; Transtorno do Espectro Autista.
ABSTRACT
Objective: To investigate educational policies and strategies for the inclusion of students with Autism Spectrum Disorder in Early Childhood and Primary Education in Brazil. Method: An Integrative Literature Review was conducted, analyzing policies and pedagogical approaches. The research was carried out using Google Scholar and SciELO, focusing on articles published between 2020 and 2025, following PRISMA 2020 criteria. In addition to database searches, other sources were consulted, including diagnostic manuals, public policies, and government documents. Results: Thirteen articles were selected for their original contributions and relevance. The findings highlighted the importance of Specialized Educational Assistance, teacher training, curricular adaptations, public policies, assistive technologies, and mediation strategies. Conclusion: Teacher training and the implementation of assistive technologies are essential for the inclusion of students with autism. By understanding local challenges and reflecting on pedagogical practices and viable solutions, the aim is to enhance inclusive educational policies.
KEYWORDS: Childhood Autism; Neurodevelopmental Disorders; Inclusive Education; Early Educational Intervention; Autism Spectrum Disorder.
RESUMEN
Objetivo: Investigar políticas y estrategias educativas para la inclusión de estudiantes con Trastorno del Espectro Autista en la Educación Infantil y Primaria en Brasil. Método: Se realizó una Revisión Integrativa de la Literatura, analizando políticas y enfoques pedagógicos. La investigación se llevó a cabo en Google Académico y SciELO, con artículos publicados entre 2020 y 2025, siguiendo los criterios de PRISMA 2020. Además de las bases de datos, se consultaron otras fuentes, incluyendo manuales de diagnóstico, políticas públicas y documentos gubernamentales. Resultados: Se seleccionaron trece artículos por sus contribuciones originales y relevancia. Se destacó la importancia de la Atención Educativa Especializada, la formación docente, las adaptaciones curriculares, las políticas públicas, las tecnologías de asistencia y las estrategias de mediación. Conclusión: La formación docente y la implementación de tecnologías de asistencia son fundamentales para la inclusión de estudiantes con autismo. Comprendiendo las dificultades locales y reflexionando sobre prácticas pedagógicas y soluciones viables, se busca mejorar las políticas educativas inclusivas.
PALABRAS CLAVE: Autismo Infantil; Trastornos del Neurodesarrollo; Educación Inclusiva; Intervención Educativa Temprana; Trastorno del Espectro Autista.
Recebido : 10/02/2025 Aprovado: 25/02/2025
Tipo de artigo: Revisão integrativa
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, interação social e resulta em comportamentos repetitivos[1]. Nos últimos anos, tem ganhado destaque na Educação Inclusiva devido ao aumento de diagnósticos e à necessidade de aprimorar práticas pedagógicas para garantir a participação dos alunos no ensino regular. Estima-se que 1 em cada 100 crianças seja diagnosticada com autismo[2].
A educação inclusiva no Brasil tem raízes históricas nos anos 1950 e 1960, com a criação de políticas para pessoas com deficiência. Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 4.024/61, garantiu o direito à educação para essas pessoas, preferencialmente no ensino regular. Em 1971, o Ministério da Educação - MEC avaliou a educação especial por meio da Portaria n° 86, resultando em sugestões para a criação de um órgão especializado [3].
Com a Constituição de 1988[4], foram estabelecidos princípios de igualdade, garantindo a educação como direito de todos e prevendo o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na rede regular [5].
Nos anos 1990, a Conferência Mundial de Educação para Todos e a Declaração de Salamanca (1994) reforçaram a inclusão educacional. O Brasil seguiu esse movimento, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 e a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) em 1994, que buscou integrar alunos com deficiência ao ensino regular, desde que pudessem acompanhar o currículo comum [5].
A Educação Especial, embora voltada para esse público, reforçou a segregação social ao classificá-los negativamente. Apesar das diretrizes que garantem a inclusão de crianças autistas na Educação Infantil, a implementação enfrenta desafios, principalmente pela falta de formação docente [6].
Além da dificuldade de identificação precoce, há um despreparo dos professores para lecionar para crianças com necessidades especiais que dificultam a inclusão[7]. Assim, a capacitação docente é essencial para que o profissional atenda diversas áreas como sensorialidade, simbolização, subjetividade, cognição, hiperatividade, estereotipias, psicomotricidade, socialização e afeto[8]. A reformulação da Educação Infantil destaca a importância da formação qualificada dos profissionais da área, superando a ideia de que o espaço era destinado apenas ao acolhimento[6].
A inclusão visa eliminar barreiras e combater o preconceito, garantindo a participação equitativa de todos na sociedade. A inclusão de alunos com deficiência no ambiente escolar permite o desenvolvimento de suas habilidades e ampliação de conhecimentos, por meio de atividades que promovem interação. Para ser eficaz, é essencial que o professor adote estratégias pedagógicas que respeitem as singularidades desses alunos, evitando a exclusão, mesmo sem intenção[9].
Este estudo visa investigar as práticas de identificação e intervenção do TEA nas escolas públicas e o suporte oferecido atualmente, a fim de analisar os desafios enfrentados por professores na implementação de estratégias inclusivas. Ao compreender as dificuldades locais e propor reflexões sobre as práticas pedagógicas atuais e soluções viáveis, busca-se contribuir para o desenvolvimento de políticas educacionais mais inclusivas e eficazes para atender às necessidades dos alunos com TEA.
Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura (RIL), metodologia de pesquisa que permite a síntese e análise crítica da produção científica pré-existente sobre um tema específico, proporcionando uma compreensão aprofundada do conhecimento acumulado na área de investigação. A pesquisa teve como questão norteadora: "Quais políticas, diretrizes e abordagens pedagógicas recentes são voltadas para alunos com TEA na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I?". Utilizou-se a estratégia PICo: P (população) - Alunos com TEA do Ensino Infantil e Fundamental I; I (fenômeno de interesse) - Abordagens pedagógicas inclusivas; Co (contexto) - Atualização do suporte pedagógico para uma educação mais inclusiva no Brasil.
A busca bibliográfica foi realizada no Google Acadêmico, utilizando descritores padronizados (DeCS) em português, como ‘educação inclusiva’, ‘políticas de educação inclusiva’, ‘autismo infantil’, ‘deficiência’ e ‘inclusão escolar’. Na base de dados SciELO, empregaram-se as palavras-chave ‘autismo’, ‘inclusão’ e ‘escola’. A pesquisa abrangeu exclusivamente artigos publicados em português entre 2020 e 2025, com a aplicação dos operadores booleanos AND para refinar a precisão dos resultados.
Adicionalmente, recorreram-se a outras fontes e estratégias de busca para subsidiar a revisão, incluindo manuais de diagnóstico, políticas públicas, cartilhas, documentos governamentais e informações provenientes de associações de referência, como a American Psychiatric Association (APA) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). A seleção dos artigos foi detalhada no fluxograma adaptado e baseado nos parâmetros do PRISMA 2020.
FLUXOGRAMA
Inicialmente, foram encontrados 61 documentos na base de dados Google Acadêmico. Após análise dos títulos e resumos, 39 documentos foram excluídos: dois por exigirem acesso pago e 37 por não estarem alinhados ao foco do estudo. Dos 20 documentos restantes, 10 foram descartados após leitura aprofundada, por apresentarem informações redundantes que não contribuem com novos dados à pesquisa.
Na base SciELO, foram inicialmente recuperados 5 documentos. Um foi descartado com base na leitura do título e resumo, pois um dos documentos foi descartado por tratar da inclusão de alunos com TEA em nível universitário, em vez de se concentrar no ensino infantil e fundamental I, que é o escopo específico da pesquisa. Os outros 4 foram analisados de forma mais aprofundada. Após essa análise, mais um documento foi eliminado por não acrescentar informações originais ou pertinentes à pesquisa.
Dessa forma, ao final da pesquisa apenas treze artigos foram mantidos para a revisão integrativa pois apresentaram contribuições originais e significativas para o desenvolvimento do estudo e se enquadraram no período selecionado da análise.
Além das bases de dados, foram consultadas outras fontes, incluindo manuais de diagnóstico, políticas públicas e documentos governamentais. Essas fontes forneceram uma análise crítica dos marcos históricos e conceitos relevantes, contribuindo para uma compreensão mais ampla do contexto e das abordagens relacionadas ao tema da pesquisa.
A tabela a seguir apresenta a síntese dos resultados obtidos, organizando as principais informações analisadas. Para melhor compreensão, os dados foram estruturados considerando os seguintes elementos: autor, ano de publicação e a síntese dos resultados. Essa organização permite uma visão clara e objetiva das contribuições de cada pesquisa para o tema em estudo.
Autor/ Organização | Ano | Síntese dos Resultados |
Sociedade Brasileira de Pediatria | 2019 | Guia com informações sobre diagnóstico e orientações para profissionais de saúde e famílias sobre o TEA. |
American Psychiatric Association (APA) | 2023 | Revisão dos critérios diagnósticos do TEA, incluindo atualizações sobre sintomas, níveis de suporte e diferenciação com outros transtornos. |
Secretaria da Pessoa com Deficiência | 2023 | Documento informativo sobre direitos, suporte e orientações para autistas e suas famílias, com foco na acessibilidade e inclusão social. |
BRASIL (Constituição Federal) | 1988 | O artigo 208, inciso III, garante o AEE a pessoas com deficiência, priorizando a inclusão na rede regular de ensino com suporte especializado para seu desenvolvimento. |
Pereira, Cláudio Alves | 2023 | Explora práticas pedagógicas inclusivas e o papel do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no suporte a alunos com deficiência, incluindo TEA. |
Silva, Jaqueline da Silva e; Wolter, Lislei Rutz; Moraes, João Carlos Pereira de | 2022 | Analisa as percepções de professores sobre desafios e estratégias no ensino de crianças com TEA em escolas municipais, destacando a importância da formação docente e do suporte pedagógico. |
Camargo, S. P. H. et al. | 2020 | O texto destaca os desafios dos professores na inclusão de crianças com TEA, enfatizando a importância da formação continuada para melhorar as práticas pedagógicas. |
Mantoan, Maria Teresa Eglér; Ramos, Eliane de Souza; Barreto, Lilia Maria Souza | 2018 | Aborda os fundamentos do AEE na perspectiva da educação inclusiva, enfatizando a importância da formação de professores e das adaptações curriculares para garantir a acessibilidade educacional. |
Brito, Patricia Pereira | 2020 | Aborda os desafios e possibilidades da inclusão de crianças autistas nos anos iniciais do Ensino Fundamental, analisando a adaptação curricular e as práticas pedagógicas. |
Francês LA, Mesquita AMA | 2021 | Analisa as experiências escolares sob a perspectiva de uma criança com Transtorno do Espectro do Autismo, destacando desafios e possibilidades de inclusão nos espaços escolares. |
MEC (Nota Técnica nº 04/2014) | 2014 | Apresenta diretrizes para a implementação do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e orientações para a inclusão de estudantes com deficiência nas escolas brasileiras. Destaca a importância do suporte pedagógico e das adaptações curriculares. |
Felisbino, C.; Graff, P. | 2024 | Analisa as políticas públicas brasileiras voltadas ao autismo, discutindo como o TEA é nomeado e apresentado nos documentos oficiais. Aponta avanços e lacunas na legislação, bem como desafios na implementação de políticas inclusivas. |
Zanini, Carina | 2022 | Discute a diferença entre laudos médicos e pedagógicos no contexto da inclusão escolar. Destaca a importância da avaliação pedagógica para garantir apoio adequado aos estudantes com deficiência, incluindo aqueles com TEA. |
Instituto Inclusão Brasil | 2019 | Defende que a inclusão escolar deve ocorrer independentemente da apresentação de um laudo médico. Argumenta que a educação inclusiva deve se basear nas necessidades dos alunos e não em diagnósticos formais, promovendo o direito à aprendizagem para todos. |
Almeida, Janaína | 2024 | Análise de desafios e estratégias para a inclusão de crianças autistas na educação, destacando o papel da escola e da adaptação curricular. |
Soares, Rosângela Teles Carminati | 2022 | Examina a formação docente, políticas públicas e práticas pedagógicas voltadas para a inclusão de crianças com TEA na educação infantil, apontando avanços e desafios. |
Lizeo, Lígia Maria de Almeida | 2021 | Investiga a relação entre família e escola no processo de escolarização de alunos autistas, destacando a importância da comunicação e parceria para o sucesso da inclusão. |
Benites, Maira Cristiane | 2023 | Analisa as políticas educacionais voltadas à tecnologia assistiva como ferramenta para a inclusão de alunos com deficiência, incluindo autistas, destacando desafios e avanços na implementação dessas tecnologias no ambiente escolar. |
Carvalho, Magda Fernandes de | 2020 | O texto investiga estratégias de mediação pedagógica para o desenvolvimento de habilidades motoras em alunos com TEA, avaliando sua eficácia em uma escola especial e o impacto na inclusão e aprendizado desses alunos. |
A Sociedade Brasileira de Pediatria[10] define o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e gera comportamentos repetitivos. As características se manifestam antes dos três anos e podem envolver deficiência intelectual, dificultando a comunicação e as relações interpessoais, tornando os indivíduos vulneráveis à exclusão social[1].
A vigilância e avaliação precoce são fundamentais para o diagnóstico e intervenção terapêutica, favorecendo o desenvolvimento da criança. É importante suspeitar do TEA quando o bebê não responde a estímulos afetivos, não busca contato físico ou falta de contato visual, como durante a amamentação[11].
O TEA, conforme o DSM-5-TR[1], é classificado em três níveis. O Nível 1, "necessita de apoio", implica dificuldades sociais que podem ser gerenciadas com apoio. O Nível 2, "necessita de apoio substancial", envolve déficits mais pronunciados e inflexibilidade comportamental. O Nível 3, "necessita de apoio muito substancial", é caracterizado por déficits severos e grande comprometimento funcional. O diagnóstico também pode especificar a presença de deficiência intelectual, comprometimento da linguagem ou condições associadas[1].
A Constituição Federal de 1988, no Art. 208, inciso III, determina que o Estado deve garantir o AEE a pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino[4]. Essa medida impulsionou a inclusão progressiva de crianças e jovens com deficiência em escolas comuns, refletindo o movimento da década de 1980 sobre educação inclusiva.
A Declaração de Salamanca, de 1994, definiu a inclusão como um processo contínuo para garantir igualdade de oportunidades a todos os alunos, estabelecendo que as escolas devem acomodar todas as crianças, independentemente de suas condições. Esse princípio influenciou a atualização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), que reconhece a inclusão como essencial para a dignidade humana e a equidade educacional, considerando a escola inclusiva o ambiente mais adequado para o desenvolvimento de alunos com necessidades educacionais especiais[5].
A Educação Especial é um conjunto de serviços e metodologias voltados ao atendimento de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades. Integrada ao ensino regular, visa promover a inclusão e aprendizagem por meio de currículo adaptado, atendimento especializado e estratégias pedagógicas que respeitem as particularidades dos estudantes[6]. A inclusão escolar de crianças com deficiência é legalmente prevista no Brasil, mas sua implementação enfrenta desafios. No entanto, muitos educadores não se sentem preparados para atender as demandas da inclusão, especialmente para alunos com TEA, que requerem adaptações pedagógicas significativas[12].
A criação do AEE no Brasil, formalizada pela LDBEN em 1996 e regulamentada pelo Decreto nº 5.296/2004 e pela Resolução CNE/CEB nº 4/2009, representa um avanço significativo em direção a uma educação inclusiva e equitativa. O AEE é uma mediação pedagógica essencial para garantir o acesso ao currículo, eliminando barreiras que dificultam a plena participação dos alunos com deficiência, TEA e altas habilidades ou superdotação[5]. Portanto, o AEE constitui um alicerce para a elaboração de um ensino inclusivo que assegure a equidade e o respeito às diversas formas de aprendizado, sem pretender substituir o ensino regular ou realizar adaptações nos currículos, atividades, avaliações de desempenho e outros aspectos.
O AEE é oferecido na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), localizada preferencialmente na escola do aluno, podendo ser em uma escola próxima ou em um Centro de AEE, no período oposto ao das aulas. Nesse espaço, são disponibilizados ensinamentos de linguagens e códigos específicos de comunicação, sinalização, além de Tecnologia Assistiva (TA)[13]. A SRM foi criada como uma ferramenta facilitadora para a educação inclusiva, permitindo ao professor fortalecer suas práticas pedagógicas em sala de aula, o que pode transformar a realidade do aluno com TEA[14].
Os professores do AEE trabalham para garantir que as adaptações na SRM impactem diretamente o cotidiano da sala de aula comum. O objetivo é integrar as práticas da SRM ao ensino regular, promovendo o aprendizado e a participação dos alunos da educação especial. Para isso, é essencial a comunicação constante entre os professores da classe comum e do AEE, garantindo um planejamento alinhado às necessidades individuais de cada estudante[5].
A implementação do AEE exige reflexão sobre a inclusão e a valorização da diversidade, promovendo um ambiente de aprendizado onde todos possam se desenvolver. A construção de uma escola inclusiva é um esforço coletivo e contínuo, e o AEE desempenha um papel central ao promover acessibilidade, equidade e oportunidades significativas de aprendizado para todos os estudantes[5].
A criança é ativa na construção de suas próprias culturas, mas a voz das crianças com deficiência é frequentemente negligenciada, comprometendo as práticas inclusivas. Para criar ambientes escolares mais acessíveis e responsivos, é essencial ouvir ativamente a criança com deficiência. Para promover seu desenvolvimento integral, é necessário garantir condições como infraestrutura adequada, controle do número de alunos, capacitação dos profissionais, suporte pedagógico e participação da família e comunidade escolar[15].
Nesse contexto, o educador vai além da transmissão de conhecimento técnico, atuando como formador acadêmico e agente social. Seu papel é criar um ambiente de aprendizagem que permita aos alunos interagir, questionar e construir conhecimento de forma significativa[5].
A Nota Técnica nº 04/2014 do Ministério da Educação (MEC)[16] afirma que a inclusão escolar e o atendimento das necessidades educacionais de uma criança não dependem de laudo médico. A escola deve oferecer mediação, avaliações diferenciadas e recursos de apoio sem a exigência de um laudo formal, pois o AEE é pedagógico, não clínico. A legislação determina que a inclusão seja avaliada por uma equipe multidisciplinar, incluindo pais, profissionais de saúde e educação, e o próprio aluno, que pode contribuir com informações sobre suas preferências e necessidades de aprendizado.
Apesar dos benefícios da Nota Técnica, as políticas educacionais brasileiras ainda são tradicionalistas. A abordagem médica na educação tem contribuído para a culpabilização do estudante pelos processos de exclusão, associando o autismo a uma anormalidade. Isso gera estranhamento, silenciamento sobre estratégias inclusivas e estereótipos de "pessoas a serem corrigidas", transformando a escola em um espaço de correção, em vez de um ambiente de educação formal e acesso ao conhecimento[18].
A valorização excessiva do laudo gera uma desvalorização do saber docente, que é pautado na prática educativa. As percepções e experiências dos educadores, frequentemente, são vistas como inferiores às fundamentadas pela medicina e pela psicologia, visto que, com o tempo, o discurso médico tornou-se predominante entre os profissionais da educação, que enfatizam a necessidade de acompanhamento médico para alunos com dificuldades de aprendizagem[19].
Embora o laudo médico seja fundamental para que as famílias compreendam os comportamentos e características de seus filhos, ele não deve ser visto como apenas burocrático. Seu papel é garantir direitos e assegurar a inserção do aluno na Educação Especial, oferecendo o apoio previsto pela legislação. O laudo fundamenta legalmente os direitos da criança e assegura que a escola disponibilize os recursos necessários, como estrutura, acessibilidade, materiais adaptados, estratégias de ensino, AEE no contraturno, mediadores, equipe técnica de saúde, assistência social e medicação[20].
O uso do laudo como critério para o AEE pode prejudicar a aprendizagem ao priorizar aspectos biológicos em vez de abordagens pedagógicas. O problema é a grande influência do laudo, que classifica transtornos antes de implementar o suporte necessário, dificultando a criação de um ambiente inclusivo, já que o laudo se torna um requisito inicial, embora não seja exigido nas normativas nacionais para a matrícula[19].
A ação do professor deve se assemelhar à de um cientista, que revisita registros para avaliar o conhecimento do aluno. Essa prática, essencial no ensino, é baseada na reciprocidade. Quando o educador sabe observar e interpretar as necessidades do aluno, pode ajudá-lo a alcançar seu maior potencial. O laudo médico deve agregar informações e garantir os direitos da criança, integrando-se ao processo educativo e respeitando a experiência docente[19].
A inclusão do aluno com TEA é complexa e, para avançar, é necessário um longo caminho, desde o diagnóstico até a inclusão na rede regular de ensino[9]. A colaboração entre educadores, famílias e comunidades é essencial para garantir que a educação infantil prepare as crianças para o sucesso acadêmico e uma vida plena[7].
O diagnóstico é essencial para identificar as necessidades do aluno, mas não deve limitar seu potencial. A família tem um papel crucial na preparação da criança com TEA para a sociedade. A aceitação do diagnóstico facilita o desenvolvimento, sendo um ponto de partida para buscar estratégias que ajudem na superação de desafios e no crescimento do aluno[9].
A família desempenha um papel crucial no compartilhamento de informações sobre as necessidades do aluno, ajudando a escola a adaptar práticas pedagógicas. O acesso dos professores às experiências familiares, especialmente no caso do autismo, permite adaptar estratégias que favoreçam o aprendizado e a autonomia da criança (SOARES, 2022, p. 10). Assim, a parceria entre escola e família fortalece o processo inclusivo, promovendo um ensino mais alinhado às demandas dos alunos e complementando as ações familiares[21].
No Brasil, a Educação Infantil é obrigatória para crianças de quatro a dezessete anos (Emenda Constitucional nº 59, de 2009)[17], podendo começar desde os primeiros meses de vida. Essa etapa promove aprendizagens, descobertas e socialização. A inclusão nesse período é crucial para garantir a continuidade dos estudos, exigindo professores capacitados e um ambiente escolar adaptado às necessidades dos alunos[9]. No entanto, a inclusão vai além da matrícula, demandando acesso ao conteúdo, participação ativa na escola e reconhecimento na comunidade escolar, criando um espaço acolhedor e inclusivo[22].
Para a inclusão ser eficaz, é essencial que os professores observem o comportamento das crianças autistas e desenvolvam estratégias adequadas. Compreender as especificidades de cada criança possibilita o estímulo adequado ao seu desenvolvimento e favorece sua integração ao ambiente escolar[6].
Uma estratégia de inclusão é o AEE, que começa com a coleta de dados sobre o aluno, como idade, série, deficiência e sua percepção da escola, incluindo interações, atividades preferidas e dificuldades. A escola avalia participação, desempenho, necessidades e barreiras ambientais. Professores analisam seu desenvolvimento, sugerem apoios e avaliam os recursos de acessibilidade. Por fim, investiga-se o envolvimento da família, suas percepções e expectativas, visando um suporte integral no ambiente escolar e familiar – ver Figura 2.
Figura 2 – Roteiro para Estudo de Caso segundo o AEE
Fonte: Adaptado de MANTOAN, 2018
Após o estudo de caso, o aluno pode ser encaminhado para o AEE, onde o professor elabora um Plano de AEE para atender suas necessidades específicas, promovendo autonomia. O plano define frequência, duração e formato das sessões, materiais necessários e parcerias externas, como terapeutas. O professor de AEE também orienta a equipe escolar. O acompanhamento é contínuo, com registros das mudanças no comportamento e desempenho do aluno, e o plano é revisado conforme necessário para garantir resultados positivos– ver Figura 3.
Figura 3 – Roteiro do Plano de AEE
Fonte: Adaptado de MANTOAN, 2018
A Tecnologia Assistiva (TA) é essencial para apoiar o AEE, promovendo a aprendizagem, autonomia e criatividade dos alunos com TEA por meio de ferramentas como computadores, tablets e materiais adaptados. Esses recursos facilitam a comunicação, interação social e personalização do ensino, além de contribuir para o desenvolvimento da autonomia. A presença de TA na sala de aula regular é crucial para garantir a continuidade da inclusão, evitando a dependência do atendimento especializado e promovendo uma educação acessível e igualitária[22].
A seguir, apresenta-se uma tabela com as principais estratégias pedagógicas utilizadas no ensino de alunos com TEA. Essas abordagens foram identificadas e analisadas na dissertação de Magda Fernandes de Carvalho (2020)[23], com base em uma revisão das práticas de mediação pedagógica- Tabela 2.
Estratégia | Descrição | Conclusão dos achados |
Pistas Visuais | Uso de imagens, símbolos e esquemas para facilitar a compreensão e organização das informações. | Favorecem a organização do pensamento e o desenvolvimento da leitura e escrita, especialmente quando combinadas com dicas verbais |
Dicas Verbais | Instruções orais diretas e objetivas para guiar o aluno na execução das tarefas. | Quando associadas a pistas visuais, contribuem significativamente para a compreensão de conceitos matemáticos e linguísticos. |
Negociação | Processo de diálogo para entender e ajustar as atividades às necessidades e interesses do aluno. | Essencial para o engajamento do aluno. Permite maior participação nas atividades e uma melhor adaptação ao ambiente escolar. |
Imitação | Modelagem do comportamento por meio da observação de docentes ou colegas, promovendo aprendizado social. | Fundamental no ensino de habilidades motoras e conteúdos das áreas de estudos sociais e ciências naturais |
Uso de Eixos de Interesse | Uso de preferências do aluno para engajá-lo nas atividades pedagógicas. | Possibilita maior envolvimento do aluno nas atividades e a construção de novos conhecimentos. |
Dramatização | Representação de conceitos por meio de encenações para facilitar a compreensão. | Auxilia na fixação de conteúdos ao tornar o aprendizado mais interativo e envolvente. |
Uso de Mapas Conceituais | Organização visual das informações. | Promove melhor compreensão e estimula a organização cognitiva. |
Atividades Lúdicas | Uso de jogos e brincadeiras para estimular a aprendizagem de forma mais envolvente. | Favorecem a interação social, estimulam a criatividade e facilitam a internalização dos conteúdos |
Apoio Tecnológico | Utilização de recursos digitais, como tablets e softwares educativos, para mediar o ensino. | Contribui para a autonomia do aluno e permite maior personalização do ensino conforme suas necessidades |
Ensino Estruturado | Organização do ambiente de aprendizado com rotinas e sequências previsíveis para dar segurança ao aluno. | Reduz a ansiedade dos alunos, melhora a adaptação ao ambiente escolar e promove maior independência nas atividades diárias |
Fonte: Carvalho, Magda Fernandes de. Mediação Pedagógica com Alunos com TEA: Revisando Conceitos. Dissertação de Mestrado, 2020.
A partir da literatura revisada, observou-se a insuficiência da formação inicial e continuada, o que resulta em práticas pedagógicas inadequadas, comprometendo a efetividade da inclusão e, em alguns casos, perpetuando a exclusão desses alunos no ambiente escolar. Esta exclusão repercute negativamente no desenvolvimento acadêmico de pessoas com autismo e nas possibilidades de desenvolvimento de outras habilidades, como interações sociais, afetivas e de trabalho. Assim, torna-se imprescindível a realização de investigações contínuas sobre a inclusão educacional de crianças autistas, com o objetivo de aprimorar a formação docente e garantir um ensino verdadeiramente inclusivo.
REFERÊNCIAS