PERCEPÇÃO DE CUIDADORES DE PESSOAS IDOSAS SOBRE A ALTA HOSPITALAR E A CONTINUIDADE DO CUIDADO NO DOMICÍLIO
CAREGIVERS' PERCEPTION OF ELDERLY PATIENTS' HOSPITAL DISCHARGE AND CONTINUITY OF CARE AT HOME
PERCEPCIÓN DE LOS CUIDADORES DE PERSONAS MAYORES SOBRE EL ALTA HOSPITALARIA Y LA CONTINUIDAD DEL CUIDADO EN EL DOMICILIO
Samara Mel da Silva Souza
Enfermeira pelo Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVAS).
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-2304-8581
Rita de Cassia Pereira
Mestre em Bioética pela Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVAS). Docente do Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVAS).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1043-4596
Jéssica de Aquino Pereira (autor responsável)
Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente do Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVAS).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6563-2960
RESUMO
OBJETIVO: Investigar a percepção dos cuidadores de pessoas idosas sobre as orientações para a alta hospitalar, além de descrever aspectos sociodemográficos e clínicos dos cuidadores. MÉTODO: Estudo descritivo e qualitativo, realizado com 20 cuidadores de pessoas idosas que receberam alta hospitalar nos últimos 30 dias. A coleta ocorreu nos domicílios e na atenção primária, por meio de um questionário sociodemográfico e uma questão aberta sobre a percepção das orientações recebidas. A análise seguiu diretrizes do Discurso do Sujeito Coletivo e estatística descritiva. RESULTADOS: Os cuidadores eram majoritariamente mulheres (90%), casadas (50%) e tinham entre 41 e 50 anos (30%). A maioria relatou sentir-se preparada para cuidar, mas consideraram as orientações insatisfatórias. As percepções foram categorizadas em dois temas: "Percepção Positiva das Orientações" e "Percepção Negativas das Orientações". CONCLUSÃO: Embora se sintam preparados, a insatisfação com as orientações destaca a necessidade de estratégias mais eficazes e centradas na continuidade.
DESCRITORES: Alta do Paciente; Saúde do Idoso; Cuidadores; Continuidade da Assistência ao Paciente.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To investigate caregivers' perception of the guidance provided for hospital discharge of elderly patients, as well as to describe caregivers' sociodemographic and clinical aspects. METHOD: A descriptive and qualitative study conducted with 20 caregivers of elderly patients discharged in the last 30 days. Data collection took place at home and in primary care through a sociodemographic questionnaire and an open-ended question about their perception of the received guidance. The analysis followed the guidelines of the Collective Subject Discourse and descriptive statistics. RESULTS: The caregivers were mostly women (90%), married (50%), and aged between 41 and 50 years (30%). Most reported feeling prepared to provide care but considered the guidance unsatisfactory. Perceptions were categorized into two themes: “Positive Perception of Guidance” and “Negative Perception of Guidance”. CONCLUSION: Although caregivers feel prepared, dissatisfaction with the guidance highlights the need for more effective and continuity-focused strategies.
DESCRIPTORS: Patient Discharge; Health of the Elderly; Caregivers; Continuity of Patient Care.
RESUMEN
OBJETIVO: Investigar la percepción de los cuidadores de personas mayores sobre las orientaciones para el alta hospitalaria, además de describir los aspectos sociodemográficos y clínicos de los cuidadores. MÉTODO: Estudio descriptivo y cualitativo realizado con 20 cuidadores de personas mayores que recibieron el alta hospitalaria en los últimos 30 días. La recolección de datos se llevó a cabo en los domicilios y en la atención primaria, mediante un cuestionario sociodemográfico y una pregunta abierta sobre la percepción de las orientaciones recibidas. El análisis siguió las directrices del Discurso del Sujeto Colectivo y la estadística descriptiva. RESULTADOS: Los cuidadores eran en su mayoría mujeres (90%), casadas (50%) y tenían entre 41 y 50 años (30%). La mayoría informó sentirse preparada para cuidar, pero consideró las orientaciones insatisfactorias. Las percepciones se categorizaron en dos temas: "Percepción Positiva de las Orientaciones" y "Percepción Negativa de las Orientaciones". CONCLUSIÓN: Aunque los cuidadores se sienten preparados, la insatisfacción con las orientaciones resalta la necesidad de estrategias más efectivas y centradas en la continuidad del cuidado.
DESCRIPTORES: Alta del Paciente; Salud del Anciano; Cuidadores; Continuidad de la Atención al Paciente
Recebido: 11/02/2025 Aprovado: 28/02/2025
Tipo de artigo: Artigo Original
INTRODUÇÃO
A alta hospitalar é um momento crítico no cuidado, impactando resultados clínicos, qualidade assistencial e utilização de recursos. Quando mal planejada, pode aumentar o risco de readmissões e complicações, enquanto um processo estruturado melhora a gestão hospitalar, reduzindo a superlotação e otimizando o atendimento1. A recuperação do paciente depende não apenas dos cuidados prestados durante a internação, mas também de um planejamento eficaz para o pós-alta. A transição para o domicílio deve considerar as condições e limitações do paciente, garantindo que as orientações sejam compreendidas e possam ser aplicadas na prática. Para isso, é essencial uma abordagem interprofissional, com diretrizes claras e acessíveis, visando à continuidade segura do cuidado e à prevenção de reinternações2-3.
A transição do cuidado exige mais do que orientações pontuais, demandando a articulação eficiente na Rede de Atenção à Saúde (RAS) e o envolvimento da equipe, do paciente e do cuidador. O enfermeiro desempenha um papel central, sendo responsável por avaliar o paciente, monitorar o autocuidado e educar a família ao longo da internação. Apesar dos desafios, como sobrecarga de trabalho e desarticulação entre serviços, estratégias como padronização das orientações, inclusão do cuidador e uso de tecnologias podem fortalecer o processo. Capacitado para ações educativas e planejamento de cuidados, o enfermeiro pode liderar um planejamento de alta estruturado, promovendo segurança e continuidade assistencial4.
Atualmente, o crescimento da população idosa em comparação às demais faixas etárias demanda políticas públicas voltadas à promoção da saúde e prevenção de doenças, considerando a maior prevalência de condições crônicas nesse grupo. O envelhecimento populacional é um fenômeno global, com aumento da expectativa de vida e projeção de 2 bilhões de idosos até 2050. O notável crescimento no número de pessoas idosas é uma realidade consolidada tanto na escala global, quanto na nacional, acarretando implicações no aumento da demanda por recursos de saúde5.
Ao passar pelo período de hospitalização, as pessoas idosas experimentam alterações significativas na condição de saúde que podem contribuir para a perda de autonomia e de independência, além da redução de sua capacidade funcional6-7. Frequentemente, isso requer a presença de um cuidador, seja de maneira permanente ou temporária.
É importante destacar que, na maioria dos casos, o cuidado continua além do ambiente hospitalar, estendendo-se ao domicílio. A adaptação da rotina familiar e a modificação de hábitos de vida tornam-se essenciais para lidar com limitações e tratamentos contínuos. Assim, a alta hospitalar pode gerar insegurança e, sem orientações adequadas, aumentar o risco de reinternações8.
Mesmo quando o cuidador recebe orientações e treinamento da equipe interprofissional, a complexidade inerente ao cuidado de uma pessoa idosa com dependência pode gerar insegurança e apreensão, devido à responsabilidade envolvida. Portanto, é crucial que, durante o período de internação da pessoa idosa, haja um planejamento para a alta, visando adaptar o ambiente e as condições do cuidador, promovendo, assim, um ambiente propício para o desempenho das atividades de vida diária6-8.
Os achados deste estudo revelam que os enfermeiros apresentam pouca atuação no planejamento da alta hospitalar e, muitas vezes, não o compreendem como um processo estruturado dentro da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE). A Resolução nº 736/2024, do Conselho Federal de Enfermagem, estabelece que o Processo de Enfermagem (PE) deve ser aplicado de forma deliberada e sistemática em todos os ambientes de cuidado, organizando-se em cinco etapas inter-relacionadas: avaliação, diagnóstico, planejamento, implementação e evolução. No entanto, sua aplicação na alta hospitalar ainda enfrenta desafios9.
Dentre os principais obstáculos para a atuação dos enfermeiros nesse contexto, destacam-se a falta de trabalho em equipe, a burocratização da assistência, o subdimensionamento de pessoal e a sobrecarga de atribuições. O PE, quando utilizado corretamente, possibilita um planejamento estruturado da alta, orientando as ações de cuidado e auxiliando na identificação e no manejo dos problemas de saúde. Dessa forma, para garantir a continuidade do cuidado e minimizar os riscos após a hospitalização, é essencial fortalecer a implementação do PE na alta hospitalar e capacitar os enfermeiros para seu uso efetivo9-10.
A estratégia do cuidado contínuo e integrado da pessoa idosa em sua casa após a alta hospitalar, juntamente com o objetivo de ampliar a capacidade de autocuidado, fortalece a adesão ao tratamento planejado, contribui para a diminuição da frequência de hospitalizações e promove uma comunicação mais estreita entre o ambiente hospitalar e o cuidado prestado aos pacientes. Portanto, é fundamental implementar estratégias que aprimorem a transição do cuidado do hospital para o domicílio2,5,8.
O processo de alta hospitalar é um momento crítico e complexo, pois envolve não apenas a transição do paciente do ambiente hospitalar para o domiciliar, mas também a continuidade do cuidado fora do ambiente clínico. A compreensão da percepção dos cuidadores é crucial para aprimorar as práticas de orientação fornecidas pelas equipes de saúde, promovendo uma transição, que possibilite a manutenção da qualidade do cuidado e a recuperação da pessoa idosa. Portanto, o objetivo desta pesquisa é investigar a percepção dos cuidadores de pessoas idosas sobre as orientações para a alta hospitalar, além de descrever aspectos sociodemográficos e clínicos dos cuidadores.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa, na medida em que se pretendeu identificar, descrever e caracterizar o fenômeno ou fato, com expectativa de conhecer uma percepção mais detalhada de sujeitos. Para Minayo: “A pesquisa qualitativa responde a questões particulares, enfoca um nível de realidade que não pode ser quantificado e trabalha com um universo de múltiplos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. Esses métodos são flexíveis e adaptáveis às especificidades do objeto de estudo, permitindo aos pesquisadores explorar as experiências, percepções e significados atribuídos pelos participantes”11.
O estudo foi realizado nos domicílios das pessoas idosas e/ou familiares e nas unidades de atenção primária à saúde do município de Pouso Alegre, Minas Gerais. Foram explorados, para este estudo, cuidadores de pessoas idosas que obtiveram alta hospitalar nos últimos 30 dias.
Os critérios de inclusão foram: ter desempenhado o papel de cuidador da pessoa idosa ao longo do período de internação; ter mais de 18 anos. Os critérios de exclusão foram: não desejar participar da pesquisa; não ter acompanhado a pessoa idosa no processo de internação; não ter capacidade cognitiva preservada.
A amostra foi constituída por 20 cuidadores de pessoas idosas e a amostragem foi do tipo intencional, onde a pesquisadora levantava os nomes das pessoas idosas que haviam recebido alta hospitalar e agendava uma visita domiciliar presencial.
No presente estudo, foram utilizados dois instrumentos: um questionário sociodemográfico e clínico, que abordou aspectos como gênero, idade, escolaridade, estado civil, situação atual do trabalho, presença de comorbidades, uso de medicamentos e quantidade de medicações utilizadas. Além disso, foram coletados dados específicos relacionados ao domicílio e ao cuidado, incluindo o número de pessoas que residem no mesmo ambiente, existência de apoio no cuidado, experiência prévia em cuidar de idosos, recebimento de orientações da equipe de saúde, oportunidade de sanar dúvidas e autopercepção sobre estar preparado para exercer o cuidado. Além da pergunta norteadora relacionada com o tema: “Qual a sua percepção em relação à orientação da equipe de saúde para os cuidados com a pessoa idosa para alta hospitalar?”.
As entrevistas foram realizadas com hora e local previamente estabelecidos e as respostas foram registradas manualmente e por meio de gravações. Os dados foram analisados através da narrativa descritiva e de acordo com as diretrizes do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). O DSC possibilita a visualização da percepção coletiva à medida que permite captar o discurso que revela o modo como os indivíduos reais e concretos pensam e agem12.
Os resultados foram apresentados com a utilização da estatística descritiva e para análise dos discursos foram empregadas as seguintes figuras metodológicas: Ideia Central (IC), Expressões-chave (ECH) e Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A IC representa o nome ou expressão linguística que revela e descreve o sentido de cada um dos discursos analisados e de cada conjunto homogêneo de ECH. As ECH são constituídas por transcrições literais de partes dos discursos, que permitem o resgate da essência do conteúdo discursivo dos segmentos em que se divide o depoimento. O DSC é um discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular e composto pelas ECH que têm a mesma IC, como se houvesse apenas um sujeito falando, na condição de portador de um discurso-síntese dos componentes do sujeito coletivo12.
A pesquisa iniciou-se após o projeto ser avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Sapucaí, em Pouso Alegre, Minas Gerais. A aprovação está registrada pelo parecer nº 6.881.862 e CAEE 79525424.0.0000.5102.
RESULTADOS
Durante a pesquisa, foram entrevistados 20 cuidadores de pessoas idosas que receberam alta hospitalar em Pouso Alegre, Minas Gerais. A maioria dos participantes era do sexo feminino (90%) e casadas (50%). Em relação à faixa etária, 30% tinham entre 41 e 50 anos, enquanto 55% tinham mais de 50 anos. Quanto à escolaridade, 60% concluíram o Ensino Médio, e a maioria possuía emprego formal (60%).
A maioria dos cuidadores (75%) possui comorbidades, e 45% utilizam múltiplos medicamentos. Dentre as comorbidades mais prevalente encontra-se: hipertensão e depressão. O uso de antidepressivos (35%) sugere impacto emocional do cuidado, enquanto 20% fazem uso de anti-hipertensivos. Além disso, 30% utilizam três ou mais medicações, e 25% não fazem uso de nenhum medicamento. Esses achados destacam a necessidade de suporte médico e psicológico para garantir a saúde dos cuidadores e a continuidade do cuidado às pessoas idosas.
Tabela 1 - Perfil sociodemográfico e clínico dos cuidadores de pessoas idosas que estiveram internadas no serviço hospitalar do município de Pouso Alegre entre junho e julho de 2024 (N=20). Pouso Alegre, MG, Brasil.
Variáveis | n | % |
Gênero | ||
Masculino | 2 | 10 |
Feminino | 18 | 90 |
Faixa etária | ||
23 a 30 anos | 2 | 10 |
31 a 40 anos | 1 | 5 |
41 a 50 anos | 6 | 30 |
51 a 60 anos ou mais | 11 | 55 |
Escolaridade | ||
Fundamental completo | 1 | 5 |
Fundamental incompleto | 4 | 20 |
Ensino Médio completo ou Superior incompleto | 12 | 60 |
Superior completo | 3 | 15 |
Estado Civil | ||
Casado | 10 | 50 |
Solteiro | 8 | 40 |
Divorciado | 1 | 5 |
Outros | 1 | 5 |
Situação Atual do Trabalho | ||
Empregado | 12 | 60 |
Trabalha por conta própria | 1 | 5 |
Desempregada | 4 | 20 |
Aposentado | 3 | 15 |
Possui comorbidades | ||
Sim | 15 | 75 |
Não | 5 | 25 |
Medicamentos em uso | ||
Antidepressivo | 7 | 35 |
Antihipertensivos | 4 | 20 |
Outros | 9 | 45 |
Número de medicamentos em uso | ||
1 a 2 medicações | 9 | 45 |
3 medicações | 2 | 10 |
4 medicações ou mais | 4 | 20 |
Nenhuma medicação | 5 | 25 |
Fonte: Elaborada pelas autoras (2024)
A maioria dos cuidadores (85%) mora com outras pessoas e 90% possuem apoio no cuidado, o que pode reduzir a sobrecarga. Além disso, 60% relataram sentir-se preparados para cuidar da pessoa idosa. No entanto, 40% não tinham experiência prévia no cuidado, e 55% não receberam orientações da equipe de saúde, comprometendo a continuidade do cuidado. Além disso, 60% não tiveram oportunidade de sanar dúvidas, evidenciando falhas na comunicação e a necessidade de estratégias para garantir um cuidado domiciliar mais seguro e eficaz.
Tabela 2 - Apoio, experiência e orientações recebidas pelos cuidadores de pessoas idosas (N=20). Pouso Alegre, MG, Brasil.
Variáveis | n | % |
Moram mais pessoas na residência | ||
Sim | 17 | 85 |
Não | 3 | 15 |
Possuem apoio para o cuidado | ||
Sim | 18 | 90 |
Não | 2 | 10 |
Possui experiência em cuidar de pessoas idosas | ||
Sim | 12 | 60 |
Não | 8 | 40 |
Receberam orientações da equipe de saúde para o cuidado domiciliar | ||
Sim | 09 | 45 |
Não | 11 | 55 |
Tiveram oportunidades de sanar dívidas | ||
Sim | 8 | 40 |
Não | 12 | 60 |
Se sente preparada para o cuidado | ||
Sim | 12 | 60 |
Não | 8 | 40 |
Fonte: Elaborada pelas autoras (2024)
A seguir, serão apresentados os DSC coletivo correspondentes a cada IC e ECH.
Percepção negativa das orientações.
Senti que a orientação foi deficiente, muito vaga e deixou muitas dúvidas. Acho que deveriam ter dado mais explicações e que a alta hospitalar deveria ter sido mais elaborada. Tive a impressão de que a equipe conversava entre si, mas não me passou informações claras, apenas disseram que o paciente iria embora com a sonda. Senti falta da postura da equipe e da assistência direcionada a mim como cuidador. A orientação foi péssima, parecia que cada profissional seguia por conta própria, sem um direcionamento. Não houve equipe, não me explicaram nada. Simplesmente informaram que a paciente teve alta e que deveria retornar depois de seis meses, sem nenhuma outra explicação sobre os cuidados necessários [DSC].
Percepção positiva das orientações
Fui muito bem orientada, tudo foi explicado de forma clara e detalhada. Não tive dúvidas, pois as informações foram transmitidas com precisão e reforçadas sempre que necessário. Eles explicavam a todo momento, garantindo que eu compreendesse cada aspecto do cuidado. As orientações sobre as medicações foram bem esclarecidas, e o médico que realizou a cirurgia não apenas explicou, mas também forneceu todas as instruções por escrito, o que foi essencial para minha segurança e para a continuidade do cuidado domiciliar. Esse suporte me deu confiança para cuidar corretamente, sabendo exatamente o que precisava ser feito.
Os DSC refletem percepções opostas sobre as orientações para a alta hospitalar. Enquanto alguns cuidadores relataram informações claras e satisfatórias, outros descreveram as orientações como vagas, insuficientes ou inexistentes, gerando insegurança no cuidado domiciliar. A falta de comunicação e a fragmentação da equipe foram apontadas como desafios, evidenciando a necessidade de padronizar as orientações, fortalecer a comunicação interdisciplinar e garantir o envolvimento ativo da enfermagem para um cuidado domiciliar mais seguro e eficaz.
DISCUSSÃO
Ao analisar os resultados deste estudo a partir do perfil sociodemográfico e clínico dos cuidadores de pessoas idosas que tiveram alta hospitalar nos últimos 30 dias, verificou-se a predominância do sexo feminino reforçando o papel social culturalmente atribuído às mulheres de cuidar do lar e zelar pela saúde de seus familiares13.
A responsabilidade pelo cuidado recai sobre indivíduos em plena fase produtiva e reprodutiva da vida. No entanto, a presença significativa de cuidadores em faixas etárias mais avançadas evidencia um cenário em que idosos cuidam de outros idosos. Com o avanço da idade, é natural que ocorram alterações físicas, sociais e psíquicas, tornando esses cuidadores também vulneráveis e, muitas vezes, necessitados de suporte. Esse achado reforça a importância de estratégias voltadas ao cuidado do cuidador, especialmente quando ele próprio já se encontra em uma fase da vida que pode demandar assistência13-14.
A análise do nível de escolaridade dos participantes revelou que a maioria possui ensino médio completo ou superior incompleto, indicando um nível educacional relativamente elevado entre os cuidadores. Esse achado não corrobora com outros estudos, que frequentemente apontam baixa escolaridade entre cuidadores, o que pode impactar a compreensão e a execução das orientações em saúde13-14.
Apesar desse perfil educacional mais elevado, um número significativo de cuidadores relatou não ter recebido instruções adequadas sobre os cuidados domiciliares. Esse dado é preocupante, pois a orientação adequada é essencial para promover a recuperação da funcionalidade do idoso e prevenir novas internações. O fato de um grupo de cuidadores potencialmente mais instruído ainda relatar dificuldades evidencia que a lacuna na comunicação entre profissionais de saúde e cuidadores vai além do nível educacional, reforçando a necessidade de estratégias mais eficazes para a transmissão de informações e suporte ao cuidado domiciliar.
O planejamento adequado da alta hospitalar desempenha um papel fundamental na recuperação do paciente de maneira mais humanizada, promovendo não apenas sua reabilitação, mas também o bem-estar do cuidador1,4-5. A falta desse planejamento pode resultar em um maior risco de complicações de saúde no domicílio e em um aumento do estresse e sobrecarga do cuidador. Idosos, devido às perdas funcionais associadas ao envelhecimento, estão mais suscetíveis à reinternação, um risco que se agrava com a hospitalização15. No entanto, muitas dessas internações e reinternações poderiam ser prevenidas com melhor compreensão das complicações pós-alta e com estratégias eficazes de orientação e suporte ao cuidador1,4-5,8.
Estudos indicam que, quando o serviço hospitalar atende essa necessidade durante a internação, os riscos no domicílio são reduzidos1. Durante esse período, o enfermeiro desempenha um papel essencial ao prestar assistência ao paciente em conjunto com seus familiares, permitindo que estes sanem dúvidas e participem ativamente do processo de cuidado. Esse envolvimento favorece a aquisição de segurança e autonomia pelos cuidadores, contribuindo para uma continuidade do cuidado mais eficiente e segura após o retorno ao domicílio1,4-5.
A análise das condições de saúde dos cuidadores revelou que a maioria apresenta comorbidades, e uma parcela significativa faz uso de antidepressivos, sugerindo um impacto direto na saúde mental e física desses indivíduos. O cuidado contínuo de um idoso dependente, especialmente sem apoio adequado, pode gerar sobrecarga e aumentar a vulnerabilidade do cuidador, tornando-o mais propenso a desenvolver problemas como depressão, ansiedade e deterioração da saúde geral14,16.
Além disso, essa sobrecarga pode levar ao uso de substâncias como hipnóticos, ansiolíticos e tabaco, refletindo estratégias inadequadas para lidar com o estresse. A falta de suporte fortalece esse ciclo de vulnerabilidade, evidenciando a necessidade de políticas e intervenções que promovam assistência e suporte adequado aos cuidadores, garantindo tanto a qualidade de vida deles quanto a continuidade do cuidado ao idoso13-14,16.
O estudo revelou que a maioria dos cuidadores também exerce outras atividades, o que aumenta os riscos de sobrecarga e a predisposição a doenças psíquicas. A dupla jornada de trabalho é frequentemente impulsionada por fatores sociais, como a falta de recursos financeiros para a contratação de um cuidador, levando os familiares a se revezarem na assistência ao idoso13-14,16.
Além disso, como o cuidado geralmente recai sobre as mulheres, muitas enfrentam uma tripla jornada, conciliando trabalho formal, cuidados com os filhos e atenção ao idoso dependente. Esse acúmulo de responsabilidades amplifica o desgaste físico e emocional, tornando essencial que a equipe de saúde esteja atenta ao bem-estar do cuidador, especialmente daqueles que desempenham múltiplas funções, garantindo suporte e estratégias para minimizar os impactos dessa sobrecarga13-14,16.
As falas evidenciaram falhas na comunicação, com relatos de cuidadores que receberam pouca ou nenhuma explicação sobre práticas adequadas, especialmente no manejo de procedimentos específicos, como sondas. Essas lacunas na orientação podem comprometer a qualidade do cuidado domiciliar, dificultando a adaptação dos cuidadores às necessidades do paciente e aumentando o risco de complicações evitáveis. Diante disso, torna-se essencial aprimorar a comunicação e garantir que as informações sobre o cuidado sejam transmitidas de forma clara e acessível, assegurando uma transição mais segura do hospital para o domicílio8,17.
É fundamental reconhecer que o cuidador, em sua maioria, não possui formação técnica e está distante da rotina e das práticas dos serviços de saúde, o que pode gerar insegurança no momento de assumir o cuidado domiciliar. Dessa forma, o planejamento da alta hospitalar deve ir além da simples transferência de responsabilidade, sendo estruturado com uma abordagem educativa, que inclua explicações claras, treinamento prático e materiais de apoio para garantir a assimilação das informações17. Além disso, a equipe de saúde deve considerar as dificuldades individuais dos cuidadores, como letramento em saúde, sobrecarga emocional e limitações físicas, promovendo um processo de orientação acessível e humanizado8.
As falas dos cuidadores evidenciam discrepâncias na percepção sobre as explicações e orientações recebidas. Embora alguns relatem informações adequadas, essas não foram suficientes para garantir a continuidade do cuidado domiciliar de maneira segura e eficaz. Isso reforça a necessidade de um plano estruturado de alta hospitalar, que contemple estratégias para promover o autocuidado do paciente e a capacitação do cuidador, reduzindo a insegurança e prevenindo reinternações.
Ao elaborar um plano de cuidado, é essencial reconhecer a importância do profissional de enfermagem, que permanece 24 horas ao lado do paciente durante a internação e tem um papel central na transmissão de informações sobre os cuidados necessários. A alta hospitalar deve ser acompanhada de orientações claras e detalhadas, garantindo que o cuidador tenha conhecimento sobre os procedimentos essenciais para o cuidado domiciliar1,4-5.
Este estudo apresenta como limitações o tamanho reduzido da amostra (N=20) e a realização da pesquisa em um único município, o que pode limitar a generalização dos resultados para outras populações e regiões do país. Entretanto, os achados ressaltam pontos críticos sobre a necessidade de fortalecer a comunicação na alta hospitalar e garantir suporte efetivo aos cuidadores.
CONCLUSÃO
Os achados desta pesquisa destacam a necessidade de um programa estruturado para o planejamento da alta hospitalar de pessoas idosas, considerando o aumento da longevidade e a crescente demanda por cuidados em idosos com maior grau de dependência. A hospitalização frequentemente resulta em perda de funcionalidade, insegurança e sobrecarga familiar, tornando essencial a articulação entre os serviços hospitalares e a rede de atenção à saúde.
A Atenção Primária à Saúde desempenha um papel central nesse processo, sendo o ponto de referência para a continuidade do cuidado no domicílio. A equipe hospitalar deve atuar de forma integrada com os serviços de Atenção Primária e Secundária, garantindo que as demandas do idoso sejam direcionadas corretamente, minimizando riscos de complicações e reinternações.
Além disso, a preparação do cuidador, seja ele familiar ou profissional, é fundamental para a segurança e qualidade do cuidado domiciliar. Compreender as percepções dos cuidadores sobre o cuidado no domicílio contribui para a criação de protocolos assistenciais eficazes, especialmente para a equipe de enfermagem.
REFERÊNCIAS