DESCRIÇÃO CLÍNICA E EPIDEMIOLÓGICA DA COVID-19: DADOS DE UM ESTUDO SENTINELA EM UNIDADES DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO
CLINICAL AND EPIDEMIOLOGICAL DESCRIPTION OF COVID-19: DATA FROM A SENTINEL STUDY IN HEALTH UNITS IN RIO DE JANEIRO
DESCRIPCIÓN CLÍNICA Y EPIDEMIOLÓGICA DE LA COVID-19: DATOS DE UN ESTUDIO CENTINELA EN UNIDADES DE SALUD DE RÍO DE JANEIRO
Lucas Dalsenter Romano da Silva
Médico residente em Clínica Médica no Hospital Federal Cardoso Fontes; Pesquisador no Núcleo de Enfrentamento e Estudos de Doenças Infecciosas Emergentes e Reemergentes (NEEDIER) do IESC-UFRJ.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6078-4247
Rafael Mello Galliez
Professor Adjunto de Doenças Infecciosas e Parasitárias na Faculdade de Medicina da UFRJ; Médico intensivista do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0348-8374
Amilcar Tanuri
Consultor da WHO Res Net da Organização Mundial da Saúde; Coordenador da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do RJ; Associated Research Scientist - Columbia University; Consultor na Área de Laboratório do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro; Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0570-750X
Roberto de Andrade Medronho
Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Coordenador do Laboratório de Epidemiologia das Doenças Transmissíveis.
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4073-3930
RESUMO
Objetivo: Investigar a distribuição e características clínicas da COVID-19 em indivíduos atendidos em unidades de saúde do estado do Rio de Janeiro, entre junho e outubro de 2020. Método: Estudo observacional seccional seriado com 10.329 participantes. Foram coletados dados clínico-epidemiológicos por meio de formulário eletrônico, com testagem RT-PCR para SARS-CoV-2 e sorologia IgM/IgG. A análise estatística incluiu processamento de dados no software R, categorização de variáveis e uso de ferramentas descritivas. Resultados: A positividade foi de 14% para RT-PCR, 8,4% para IgM e 10% para IgG. Mulheres (60%) e pardos (45%) predominaram. Centros de testagem apresentaram maior taxa de positividade (RT-PCR: 16%; IgM: 13%). Cefaleia (41%) e mialgia (33%) foram os sintomas mais comuns, enquanto a anosmia foi relatada por 18%. Conclusão: O estudo destacou a relação temporal entre métodos diagnósticos e o perfil clínico da COVID-19, ressaltando a importância de estratégias integradas de testagem para manejo epidemiológico e clínico.
DESCRITORES: COVID-19; Testes Diagnósticos; Sorologia; Epidemiologia; Unidades de Saúde.
ABSTRACT
Objective: To investigate the distribution and clinical characteristics of COVID-19 in individuals treated at health units in the state of Rio de Janeiro, between June and October 2020. Method: A serial cross-sectional observational study with 10,329 participants. Clinical-epidemiological data were collected through an electronic form, with RT-PCR testing for SARS-CoV-2 and IgM/IgG serology. The statistical analysis included data processing using R software, categorization of variables, and descriptive tools. Results: The positivity rate was 14% for RT-PCR, 8.4% for IgM, and 10% for IgG. Women (60%) and individuals of mixed race (45%) were predominant. Testing centers showed a higher positivity rate (RT-PCR: 16%; IgM: 13%). Headache (41%) and myalgia (33%) were the most common symptoms, while anosmia was reported by 18%. Conclusion: The study highlighted the temporal relationship between diagnostic methods and the clinical profile of COVID-19, emphasizing the importance of integrated testing strategies for epidemiological and clinical management.
KEYWORDS: COVID-19; Diagnostic Tests; Serology; Epidemiology; Health Units.
RESUMEN
Objetivo: Investigar la distribución y las características clínicas de la COVID-19 en individuos atendidos en unidades de salud del estado de Río de Janeiro, entre junio y octubre de 2020. Método: Estudio observacional seriado de corte transversal con 10.329 participantes. Se recolectaron datos clínico-epidemiológicos mediante un formulario electrónico, con pruebas RT-PCR para SARS-CoV-2 y serología IgM/IgG. El análisis estadístico incluyó el procesamiento de datos en el software R, categorización de variables y el uso de herramientas descriptivas. Resultados: La tasa de positividad fue del 14% para RT-PCR, 8,4% para IgM y 10% para IgG. Predominaron las mujeres (60%) y las personas de raza mixta (45%). Los centros de prueba presentaron una mayor tasa de positividad (RT-PCR: 16%; IgM: 13%). Cefalea (41%) y mialgia (33%) fueron los síntomas más comunes, mientras que la anosmia fue reportada por el 18%. Conclusión: El estudio destacó la relación temporal entre los métodos diagnósticos y el perfil clínico de la COVID-19, resaltando la importancia de estrategias integradas de pruebas para el manejo epidemiológico y clínico.
PALABRAS CLAVE: COVID-19; Pruebas Diagnósticas; Serología; Epidemiología; Unidades de Salud.
Recebido: 12/02/2025 Aprovado: 26/02/2025
Tipo de artigo: Artigo Original
INTRODUÇÃO
Os primeiros casos de COVID-19 foram inicialmente associados ao Mercado de Frutos do Mar de Huanan, localizado no distrito de Jianghan, conhecido por comercializar animais vivos e frutos do mar. Esse mercado foi identificado como o provável ponto de transmissão zoonótica do vírus, que se acredita ter origem em morcegos e sido transmitido aos humanos. (1)Entre as 41 pessoas hospitalizadas até 2 de janeiro de 2020, dois terços estavam diretamente ligadas ao mercado, sugerindo uma origem comum e uma rápida disseminação da infecção.(2)
Em janeiro de 2020, as autoridades chinesas confirmaram que o agente causador da doença era um novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, e a condição associada foi nomeada COVID-19. Classificado como pertencente ao subgênero Sarbecovirus, do gênero Betacoronavirus e da família Coronaviridae, o SARS-CoV-2 emergiu como uma ameaça global significativa.(2)
A propagação do SARS-CoV-2 pela China e, subsequentemente, pelo mundo foi alarmantemente rápida. Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a COVID-19 uma emergência de saúde pública de interesse internacional. Apenas dois meses depois, em março de 2020, a OMS declarou a COVID-19 uma pandemia, evidenciando a magnitude da crise sanitária global.(1)
No Brasil, a resposta à pandemia foi igualmente ágil. O primeiro caso confirmado de COVID-19 foi registrado em 26 de fevereiro de 2020, e já em 3 de fevereiro, antes mesmo da confirmação do primeiro caso, o país havia declarado a COVID-19 uma emergência de saúde pública, antecipando a iminente chegada do vírus.(3)
Até o momento, a COVID-19 resultou em mais de 760 milhões de casos confirmados e aproximadamente 6,8 milhões de mortes globalmente. No Brasil, os números são igualmente devastadores, com mais de 37 milhões de casos e cerca de 700 mil mortes registradas. (4)Esses dados refletem não apenas a gravidade da crise de saúde pública, mas também as profundas repercussões sociais e econômicas que continuam a se desdobrar. A pandemia ressaltou a vulnerabilidade global e a necessidade urgente de respostas coordenadas e eficazes para mitigar futuras crises sanitárias.
O SARS-CoV-2 provavelmente teve origem em morcegos, com pangolins atuando como hospedeiros intermediários antes da transmissão aos humanos. A principal forma de transmissão entre humanos ocorre por meio de gotículas respiratórias expelidas durante a fala, tosse ou espirro. Essas gotículas podem ser inaladas diretamente ou depositar-se em superfícies, levando à transmissão por contato. Além disso, partículas menores chamadas aerossóis permanecem suspensas no ar por períodos mais longos, aumentando o risco de infecção em ambientes fechados e mal ventilados.(5)
A infecção pelo SARS-CoV-2 apresenta um espectro clínico variado que vai desde casos assintomáticos até pneumonia viral grave com insuficiência respiratória. Aproximadamente 40% das infecções são assintomáticas. Casos leves representam cerca de 40% das infecções e incluem sintomas como tosse, dor no corpo, dor de cabeça, fadiga, febre, dor de garganta, coriza, congestão nasal, diarreia, dificuldade para respirar e perda dos sentidos olfativo e gustativo. Casos moderados constituem cerca de 8% das infecções e envolvem sintomas mais intensos que frequentemente exigem cuidados médicos ou hospitalização. Casos graves representam aproximadamente 2% das infecções e são caracterizados por pneumonia e insuficiência respiratória severa, necessitando geralmente de hospitalização e cuidados intensivos. A duração dos sintomas varia entre os pacientes; em média, os sintomas persistem por 8 a 9 dias.(6)
A testagem laboratorial para SARS-CoV-2 é essencial no gerenciamento da pandemia. Ela permite a identificação precoce dos casos e facilita o controle da propagação da doença além da alocação eficaz dos recursos de saúde. Os testes fornecem dados críticos sobre a prevalência da infecção e ajudam as autoridades sanitárias a ajustar suas estratégias de controle e prevenção. A testagem é fundamental para proteger grupos vulneráveis ao isolar infectados e reduzir a disseminação entre populações em risco.(7)
O ensaio baseado na reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR) é considerado o padrão-ouro para o diagnóstico da COVID-19. (7)Contudo, testes point-of-care que oferecem resultados rápidos e custo reduzido são particularmente valiosos em contextos de saúde pública devido à sua praticidade. Nesse contexto, destacam-se os testes sorológicos baseados na detecção dos anticorpos IgM e IgG.(8)
Os anticorpos IgM são os primeiros produzidos em resposta à infecção por SARS-CoV-2; a soroconversão ocorre geralmente cerca de seis dias após o início da infecção. Os níveis de IgM atingem o pico aproximadamente no décimo oitavo dia e retornam aos níveis basais cerca de um mês após o início da infecção. Esses anticorpos são úteis para a detecção precoce da infecção. Os anticorpos IgG surgem no soro por volta do décimo dia e frequentemente se tornam positivos por volta do vigésimo primeiro dia; sua presença indica uma infecção mais avançada ou recuperação e desempenha um papel crucial na resposta imunológica prolongada ao vírus.(7)
Durante o período estudado, diversos estudos epidemiológicos foram conduzidos globalmente para estimar a prevalência da COVID-19 com base em testes sorológicos e PCR. Esses estudos têm sido fundamentais para nortear decisões em saúde pública e apresentaram resultados variados conforme o contexto específico de cada país ou região; essa abordagem também foi utilizada no Brasil.(9)
Este estudo busca contribuir para essa discussão ao apresentar dados relevantes sobre a prevalência e características clínicas da COVID-19 na população atendida nas unidades sentinelas do estado do Rio de Janeiro no período de junho à outubro de 2020.
MÉTODO
O presente estudo realizou uma análise exploratória de dados para investigar a distribuição e as características dos dados coletados, incluindo variáveis relacionadas a sintomas sugestivos de síndrome gripal, perfil epidemiológico e resultados de testes sorológicos. Trata-se de um estudo observacional seccional seriado, realizado entre junho e outubro de 2020 em 25 Unidades de Saúde de diferentes municípios do estado do Rio de Janeiro. Essas unidades incluíram centros de testagem para COVID-19, unidades de pronto atendimento (UPAs), policlínicas, emergências hospitalares, clínicas da família, centros de saúde e coordenações de emergência regionais. Ao longo de seis ciclos, foram realizadas testagens sistemáticas para garantir a coleta contínua de informações.
A amostra foi composta por 10.329 indivíduos, representando a população atendida nas Unidades de Saúde durante o período do estudo. Os critérios de inclusão abrangeram todos os indivíduos que compareceram às unidades, independentemente do motivo. Não foram aplicados critérios de exclusão, garantindo ampla representatividade da população, incluindo pessoas com e sem sintomas relacionados à COVID-19. O cálculo do tamanho amostral foi realizado para detectar diferenças estimadas nas proporções de 0,1 e 0,07, com poder estatístico de 80% e nível de significância de 5%, resultando em uma amostra mínima de 1.347 indivíduos por grupo. Esse cálculo foi realizado utilizando o pacote EnvStats no software R.
O desfecho principal do estudo foi o diagnóstico de COVID-19, determinado com base nos resultados dos testes RT-PCR, que analisaram os genes N1, N2 e RP. Além disso, foram realizados testes sorológicos imunocromatográficos (teste de fluxo lateral) para detecção dos anticorpos IgM e IgG contra o SARS-CoV-2. As variáveis analisadas incluíram dados demográficos (idade, sexo, etnia e escolaridade), sintomas atuais e prévios respiratórios, histórico de doenças prévias e resultados dos testes diagnósticos. Os dados clínico-epidemiológicos foram coletados por meio de um formulário eletrônico padronizado desenvolvido no sistema FormSUS, coletados através de dispositivos móveis, e posteriormente exportado em formato Excel para análise estatística.
A coleta de dados seguiu um protocolo rigoroso para assegurar a padronização das informações. O formulário eletrônico incluiu questões sobre sintomas apresentados, histórico médico e perfil demográfico, sendo projetado para reduzir inconsistências e aumentar a precisão dos registros. Para minimizar vieses, a coleta foi realizada de forma abrangente, garantindo que indivíduos sintomáticos e assintomáticos fossem incluídos. Além disso, os dados foram analisados por pesquisadores independentes, e técnicas estatísticas apropriadas foram aplicadas para ajustar possíveis fatores de confusão e vieses remanescentes.
A análise estatística foi conduzida no software R. O processamento dos dados envolveu a padronização de nomes das variáveis, transformação de categorias para fatores e criação de novas variáveis relevantes, como a classificação de resultados dos testes RT-PCR e sorológicos. Foram geradas variáveis categóricas para distinguir pacientes sintomáticos, assintomáticos e com sintomas respiratórios. A categorização do intervalo entre o início dos sintomas e a coleta foi realizada, distinguindo períodos de até sete dias e superiores a sete dias. Uma análise descritiva foi conduzida utilizando a função tbl_summary do pacote Gtsummary, permitindo uma visualização detalhada das variáveis sociodemográficas, clínicas e relacionadas às unidades notificantes.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC-UFRJ), registrado sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) número 58202222.2.0000.5286, com parecer consubstanciado número 5.499.127. A aprovação ética garante o cumprimento das normas éticas e regulatórias aplicáveis às pesquisas envolvendo seres humanos.
RESULTADOS
Análise da amostra de 10.329 participantes, mostra que 40% eram do sexo masculino e 60% do sexo feminino. A composição étnica dos participantes revelou que 43% se identificaram como brancos, enquanto 45% eram pardos, 11% pretos, 1,1% amarelos e menos de 0,1% indígenas, com 4 participantes não especificando sua cor. Em relação ao nível educacional, 59% dos participantes possuíam até o ensino médio completo, com uma distribuição que incluía 18% com ensino fundamental, 41% com ensino médio, 21% com ensino superior e apenas 0,1% com doutorado. A mediana da idade dos participantes foi de 42 anos.
A Tabela 1 explora a relação entre os resultados de RT-PCR e as sorologias para IgM e IgG em um total de 7.319 participantes, dos quais 1.000 apresentaram RT-PCR detectável e 6.319 apresentaram RT-PCR não detectável, com 3010 dados faltantes para essa variável.
Entre os participantes com RT-PCR detectável, 787 tiveram IgM negativo e 187 apresentaram IgM positivo. Adicionalmente, 26 casos com RT-PCR detectável tiveram resultados faltantes para IgM. No grupo com RT-PCR não detectável, 5.776 participantes apresentaram IgM negativo, enquanto 480 foram positivos para IgM. Há ainda 63 casos faltantes para IgM nesse grupo.
Para a sorologia IgG, entre os participantes com RT-PCR detectável, 825 apresentaram resultados negativos, enquanto 126 tiveram IgG positivo. Foram observados 49 casos faltantes para IgG nesse grupo. No grupo com RT-PCR não detectável, 5.600 participantes apresentaram IgG negativo e 641 tiveram IgG positivo. Nesse grupo, 78 casos tiveram dados faltantes para IgG.
A análise dos resultados dos testes sorológicos mostrou que a presença de anticorpos IgM foi positiva em 8,4%, enquanto 10% apresentaram anticorpos IgG. O teste
RT-PCR detectou a presença do vírus em 14% das amostras analisadas.
Tabela 1: Correlação entre resultados de sorologias IGM e IGG com RT-PCR, no estudo.
A interseção dos resultados dos testes dos participantes com todos os dados presentes mostrou que 948 participantes apresentaram resultado positivo para RT-PCR, 637 para IgM e 758 para IgG. Além disso, 165 participantes tiveram resultados positivos tanto para RT-PCR quanto para IgM, enquanto 123 apresentaram resultados positivos para RT-PCR e IgG. A combinação positiva de IgM e IgG foi observada em 405 casos, e apenas 83 indivíduos tiveram resultados positivos em todos os três testes (RT-PCR, IgM e IgG), conforme demonstrado no gráfico 1.
Gráfico 1: Interseção entre os elementos das variáveis RT-PCR, IgM e IgG
Dentre os atendimentos, 16% ocorreram em centros de testagem, enquanto 35% se deram em emergências e 49% em SMS/CF/Outros.
Em relação à sorologia, a positividade da IgM foi significativamente maior nos centros de testagem (13%) em comparação com emergências (5,4%) e SMS/CF/outros (9%). A positividade da sorologia IgG foi similar entre as diferentes unidades de atendimento, com cerca de 10% em cada uma delas. O teste RT-PCR também apresentou maior taxa de positividade nos centros de testagem (16%).
Além disso, os dados foram coletados em seis ciclos diferentes, sendo que o primeiro ciclo teve a maior participação com 2.021 (20%) participantes, seguido pelo ciclo três com 1.706 (17%) e o ciclo quatro com 1.844 (18%). O ciclo de coleta de dados que apresentou menor número de participantes foi o sexto, com apenas 1.288 (13%).
Os sintomas mais comuns relatados pelos participantes nos últimos 30 dias incluíram tosse (35%), cefaleia (41%), mialgia (33%), cansaço (27%), febre (26%), anosmia (18%), dispneia (18%), odinofagia (27%), congestão nasal (20%) e diarreia (17%).
Aproximadamente 60% dos pacientes atendidos em centros de testagem relataram síndrome gripal nos últimos 30 dias, comparado a 54% nos serviços SMS/CF/outros e 49% nas emergências.
Quanto aos sintomas respiratórios, observou-se que 83% dos pacientes atendidos em centros de testagem e emergências apresentaram sintomas respiratórios, enquanto 80% dos atendidos nos serviços SMS/CF/outros relataram o mesmo.
A categorização dos sintomas revelou que apenas 19% dos participantes apresentaram sintomas por até sete dias.
As unidades de atendimento também foram analisadas e mostraram que 16% dos participantes foram atendidos em centros de testagem, enquanto 35% buscaram atendimento em serviços de emergência e 49% em outros tipos de serviços de saúde.
DISCUSSÃO:
O estudo fornece insights relevantes sobre a epidemiologia da COVID-19 e suas características clínicas na população atendida em unidades sentinelas do estado do Rio de Janeiro no período estudado, pré-vacinal.
A distribuição sociodemográfica evidenciada na amostra, composta majoritariamente por mulheres (60%) e com maior proporção de participantes de cor parda (45%), é representativa da diversidade do estado do Rio de Janeiro. Além disso, a predominância de indivíduos com até o ensino médio reflete o perfil socioeconômico das populações que buscaram atendimento nas unidades sentinelas.
A análise dos resultados dos testes sorológicos (IgM e IgG) e RT-PCR revelou um panorama crítico da detecção e resposta imunológica à COVID-19. A positividade do RT-PCR em 14% das amostras analisadas indica uma presença significativa de casos ativos durante o período do estudo, enquanto a detecção de anticorpos IgM e IgG (8,4% e 10%, respectivamente) reflete a resposta imunológica em diferentes estágios da infecção.
A Tabela 1 explora a relação entre os resultados de RT-PCR e as sorologias para IgM e IgG, mostrando participantes com RT-PCR detectável e IgM negativo indicando que, na fase inicial de infecção, uma proporção significativa dos pacientes ainda não havia desenvolvido resposta imunológica detectável pela sorologia.
Por outro lado, no grupo com RT-PCR não detectável, 5.776 participantes apresentaram IgM negativo, enquanto 480 foram positivos para IgM. Esse dado sugere que, em infecções tardias ou em situações onde a carga viral diminui, a positividade da IgM pode persistir mesmo com RT-PCR já indetectável.
Para a sorologia IgG, entre os participantes com RT-PCR detectável, a maioria apresentou resultados negativos. Esses resultados reforçam que a IgG tende a ser detectada em fases mais tardias da infecção, dado que apenas uma minoria dos indivíduos com carga viral ativa (RT-PCR positivo) já havia soroconvertido para IgG.
No grupo com RT-PCR não detectável, 5.600 participantes apresentaram IgG negativo e 641 tiveram IgG positivo, refletindo a fase convalescente ou tardia da infecção, quando a resposta imunológica adaptativa já está estabelecida.
Assim se evidencia uma dinâmica esperada na relação temporal entre a detecção do RNA viral (via RT-PCR) e as respostas imunológicas mediadas por IgM e IgG (via sorologia). A RT-PCR é mais sensível na fase inicial da infecção, antes do desenvolvimento de uma resposta imunológica detectável, conforme evidenciado pela alta proporção de IgM e IgG negativos em indivíduos com RT-PCR positivo.
Conforme a infecção pelo SARS-CoV-2 evolui, observa-se uma transição diagnóstica significativa. Inicialmente, a carga viral é elevada, o que torna o RT-PCR o método mais eficaz para detecção nos primeiros sete dias após o início dos sintomas. À medida que a resposta imunológica se desenvolve, ocorre a soroconversão com aumento da positividade para IgM, seguida pela IgG em estágios mais avançados da infecção. Este padrão reflete a dinâmica temporal do vírus e da resposta imunológica, sendo fundamental para compreender as janelas diagnósticas de cada teste e sua aplicação em diferentes contextos clínicos e epidemiológicos.
A combinação de RT-PCR e testes sorológicos oferece uma perspectiva abrangente do status infeccioso e imunológico dos indivíduos. Enquanto o RT-PCR é ideal para identificar infecções na fase aguda, os testes sorológicos complementam o diagnóstico nas fases posteriores, permitindo um panorama mais completo da evolução da infecção. Esta abordagem combinada é indispensável para o manejo de casos, monitoramento epidemiológico e estratégias de rastreamento.
Baseando-se nos dados apresentados por Guaman-Bautista et al. (2021), a análise gráfica demonstra claramente as inter-relações temporais entre os métodos diagnósticos. O Gráfico 2 sintetiza essa cronologia, evidenciando que o RT-PCR predomina como ferramenta diagnóstica na fase inicial, enquanto os testes sorológicos se destacam a partir da segunda semana, com a progressiva elevação de IgM e predominância de IgG após a terceira semana. Esse comportamento reafirma a complementaridade dos métodos e o potencial de aumento da sensibilidade diagnóstica ao longo do curso clínico da infecção(10).
Visualmente, o Gráfico 2 traduz a importância dessa integração diagnóstica, destacando sua aplicabilidade tanto no contexto clínico, para o diagnóstico e manejo individual, quanto no epidemiológico, para o monitoramento populacional e avaliação de imunidade em larga escala. Essa abordagem integrada não apenas melhora a detecção de casos em diferentes estágios da doença, mas também contribui para o planejamento de intervenções de saúde pública, rastreamento de contatos e vigilância epidemiológica em populações expostas.
Os sintomas mais relatados, como cefaleia (41%), mialgia (33%) e tosse (35%), estão alinhados com os dados globais sobre a apresentação clínica da COVID-19. A frequência elevada de anosmia (18%) também destaca sua relevância como um marcador clínico da infecção. Contudo, a prevalência relativamente baixa de sintomas respiratórios graves (18% para dispneia) é um indicador positivo, sugerindo que a maioria dos casos avaliados nas unidades sentinelas foi de natureza leve ou moderada.
O curto período de sintomas (até 7 dias) relatado por 19% dos participantes sugere um diagnóstico e manejo oportunos em parte da população, o que pode ter contribuído para a redução de complicações graves e a disseminação do vírus.
Gráfico 2: Distribuição de Pacientes por Tipo de Teste Diagnóstico para COVID-19 e Tempo desde o Início dos Sintomas e cronologia para detecção de SARS-CoV-2 utilizando RT-PCR e testes sorológicos.
A maior positividade nos testes RT-PCR e IgM em centros de testagem (16% e 13%, respectivamente) indica a relevância desses locais na identificação de casos ativos. Por outro lado, os serviços de emergência e outros serviços de saúde (SMS/CF/Outros) tiveram um papel complementar no atendimento a diferentes estágios da infecção.
Este estudo corrobora achados previamente descritos no início da pandemia, demonstrando que os testes sorológicos não tiveram um papel significativo no suporte diagnóstico clínico da COVID-19 para o manejo do paciente, dada sua limitação na detecção da infecção na fase aguda. A baixa sensibilidade da sorologia nos primeiros dias de sintomas restringiu sua aplicabilidade ao contexto epidemiológico e à avaliação retrospectiva da infecção(11,12).
Essa limitação tornou-se ainda mais evidente com a chegada das vacinas, após o período analisado neste estudo. Com a imunização em larga escala, a soropositividade passou a refletir tanto infecções naturais quanto a resposta vacinal, reduzindo ainda mais sua utilidade no diagnóstico individual. Em contrapartida, os testes antigênicos emergiram como uma alternativa viável no ponto de cuidado, complementando o RT-PCR ao oferecer um método rápido e acessível para a detecção da infecção na fase aguda, especialmente em locais com alta circulação viral(13,14).
Embora as estratégias empregadas neste estudo tenham minimizado potenciais fontes de viés, como o uso de formulários eletrônicos padronizados e a inclusão de uma amostra diversificada, algumas limitações devem ser consideradas. A representatividade dos participantes pode não refletir adequadamente populações rurais ou de difícil acesso.
Os achados reforçam a importância da ampliação da testagem e do monitoramento contínuo, especialmente em ambientes com maior circulação viral, como os centros de testagem. Além disso, o papel dos sintomas clínicos como indicadores diagnósticos deve ser explorado de forma mais robusta, considerando o impacto da identificação precoce no manejo da COVID-19.
CONCLUSÃO
Este estudo, conduzido em um período pré-vacinal, oferece uma visão detalhada da epidemiologia e das características clínicas da COVID-19 antes da introdução da imunização em larga escala. Ao analisar a distribuição da doença em unidades de saúde do Rio de Janeiro, foi possível destacar a relação temporal entre os métodos diagnósticos RT-PCR, IgM e IgG e a evolução da resposta imunológica, além da importância dos centros de testagem na detecção precoce dos casos. Os sintomas mais prevalentes, como cefaleia e mialgia, foram identificados em uma população com ampla diversidade sociodemográfica.
A ausência de imunidade vacinal confere um valor adicional aos achados, permitindo compreender a progressão da doença em sua fase inicial e servindo como referência para estudos comparativos com períodos posteriores. Além disso, a dinâmica diagnóstica temporal identificada reforça o potencial de investigações adicionais que associem diferentes métodos diagnósticos ao acompanhamento longitudinal de pacientes, possibilitando intervenções mais direcionadas e eficazes em cenários pandêmicos.
Dessa forma, os achados deste estudo contribuem para o aprimoramento das estratégias de vigilância epidemiológica e resposta a emergências sanitárias, ressaltando a importância de políticas integradas de testagem e monitoramento populacional.
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