PROTOCOLO PARA AVALIAÇÃO DE CAPACIDADE E RETORNO LABORAL DE TRABALHADORES COM LER/DORT
PROTOCOL FOR ASSESSING THE CAPACITY AND RETURN TO WORK OF WORKERS WITH RSI/WMSD
PROTOCOLO PARA EVALUACIÓN DE CAPACIDAD Y REGRESO LABORAL DE TRABAJADORES CON RSI/WMSD
Autores:
Ana Carla Scardin Pleutim
Médica Residente na UNICAMP
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-3517-6211
Sergio Roberto de Lucca
Professor Doutor na UNICAMP
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6023-0949
Marcia Bandini
Professora Doutora na UNICAMP
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2899-090X
Valmir Antonio Zulian de Azevedo
Professor Doutor na UNICAMP
ORCID: https://orcid.org/0009-0008-7804-5280
Vitória Melleiro
Doutoranda na UNICAMP
ORCID: https://orcid.org/0009-0002-6023-4549
RESUMO
Objetivo: O estudo analisou criticamente o Protocolo para Avaliação de Capacidade de Trabalho e Retorno Laboral em trabalhadores com lesões relacionadas ao esforço repetitivo e distúrbios osteomusculares. Método: O protocolo foi aplicado em 17 trabalhadores nos serviços de Saúde do Trabalhador do CEREST de Piracicaba e no ambulatório de Medicina do Trabalho do Hospital de Clínicas da Unicamp. Resultado: Os resultados indicam que o protocolo é abrangente e funcional, exigindo equipe multidisciplinar e cerca de três horas para aplicação. Conclusão: A aplicação do protocolo requer treinamento especializado, atenção à saúde mental, compreensão dos trabalhadores e readequação de espaços para registros. Conclui-se que é uma ferramenta eficaz para o retorno laboral, contribuindo para a reabilitação ocupacional e prevenção de incapacidades.
DESCRITORES: Retorno laboral. Lesão por esforço repetitivo. Doença osteomuscular relacionada ao trabalho.
ABSTRACT
Objective: This study critically analyzed the Protocol for Work Capacity Assessment and Return to Work in workers with repetitive strain injuries and musculoskeletal disorders. Method: The protocol was applied to 17 workers at the Occupational Health Services of CEREST in Piracicaba and the Occupational Medicine outpatient clinic of the Hospital de Clínicas at Unicamp. Result: Results indicate that the protocol is comprehensive and functional, requiring a multidisciplinary team and approximately three hours for full application. Conclusion: Application of the protocol requires specialized training, attention to mental health, worker comprehension, and space adjustments for record-keeping. The study concludes that it is an effective tool for work reintegration, contributing to occupational rehabilitation and the prevention of work-related disabilities.
DESCRIPTORS: Return to work; Repetitive strain injury; Work-related musculoskeletal disease.
RESUMEN
Objetivo: El estudio analizó críticamente el Protocolo para la Evaluación de la Capacidad Laboral y el Retorno al Trabajo en trabajadores con lesiones por esfuerzos repetitivos y trastornos musculoesqueléticos. Método: El protocolo se aplicó a 17 trabajadores en los servicios de Salud del Trabajador del CEREST de Piracicaba y en la clínica de Medicina del Trabajo del Hospital de Clínicas de la Unicamp. Resultado: Los resultados indican que el protocolo es integral y funcional, requiriendo un equipo multidisciplinario y aproximadamente tres horas para su aplicación completa. Conclusión: La aplicación del protocolo requiere capacitación especializada, atención a la salud mental, comprensión de los trabajadores y adaptación de espacios para el registro de información. Se concluye que es una herramienta eficaz para el retorno al trabajo, contribuyendo a la rehabilitación ocupacional y la prevención de discapacidades laborales.
DESCRIPTORES: Vuelve al trabajo. Lesión or esfuerzo repetitivo. Enfermedad musculoesquelética relacionada con el trabajo.
Recebido: 24/02/2025 Aprovado: 10/03/2025
Tipo de artigo: Artigo Original
INTRODUÇÃO
As doenças relacionadas ao trabalho são descritas desde a antiguidade e da revolução industrial. Nos anos 80 com o advento da globalização e das novas tecnologias intensificou-se o ritmo de trabalho e as demandas laborais. Devido à falta de pausas e o aumento das exigências acima da capacidade individual dos trabalhadores verificou-se uma epidemia global e no Brasil de um grupo de doenças por Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT).1
No Brasil, a prevalência de LER/DORT varia entre 15% e 40% em trabalhadores expostos a fatores ergonômicos de risco, dependendo da atividade e condições de trabalho,2;3 e representam um grupo de distúrbios osteomusculares, que afetam os membros superiores e inferiores e a coluna cervical e lombar desencadeada ou agravada pela condições de trabalho,4 sendo a segunda principal causa de afastamento laboral entre os trabalhadores formais e segurados da Previdência Social,5 se associando aos fatores de riscos ergonômicos, psicossociais e organizacionais tais como: movimentos repetitivos, contração estática de estruturas osteomusculares, excesso de demandas, falta de pausas, horas extras,6 que evoluem para dores osteomusculares crônicas e limitações funcionais que comprometem qualidade de vida e produtividade.7
O elevado potencial de cronicidade das lesões, agravadas pela falta de mudança nos ambientes, atividades de trabalho desencadeantes, dificuldades de afastamento, tratamento adequado e falta de acompanhamento no retorno ao trabalho contribuem para atitudes discriminatórias destes trabalhadores acometidos. Este ciclo vicioso e perverso de situações de trabalho adoecedoras e falta de ações de prevenção desses agravos perpetuam a elevada prevalência de LER/DORT e o seu impacto na perda de capacidade de trabalho entre os trabalhadores de todos os setores econômicos da indústria e dos setores de serviços trabalho, assume uma dimensão de saúde pública. 8;9;10
Estudos mostram que a reabilitação ocupacional interdisciplinar é fundamental para o retorno laboral em casos de LER/DORT.11 A utilização de protocolos clínicos baseados em evidências científicas e tecnologias é de fundamental importância, uma vez que contribui para a qualificação da equipe e na qualidade do relatório para aprimorar tratamento, retorno ao trabalho e prevenção.12 A eficácia do protocolo é também garantir a segurança do trabalhador, prevenir recaídas e poder direcionar o trabalho seguro. Além de orientações práticas visando a adaptação, reinserção e reabilitação nos ambientes de trabalho.
Este estudo tem como objetivo analisar criticamente o Protocolo para avaliação de capacidade de trabalho e retorno laboral de trabalhadores com LER/DORT em serviços especializados de medicina do trabalho e saúde do trabalhador.13
MÉTODO
Neste estudo qualitativo, foi aplicado de forma transversal o protocolo desenvolvido por Melleiro (2024),11 para avaliação de capacidade e retorno laboral em 17 trabalhadores portadores de LER/DORT nos serviços de Saúde do Trabalhador do CEREST de Piracicaba e no ambulatório de medicina do trabalho do Hospital de Clínicas da Unicamp em Campinas-SP. O protocolo consiste em quatro etapas: 1. Avaliação de saúde dirigida para LER/DORT. 2. Avaliação de funcionalidade: core sets da classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF) para LER/DORT e lombalgia. 3. Avaliação de capacidade para o trabalho: índice de capacidade para o trabalho (ICT): Avaliação da capacidade de trabalho a partir de escala Likert com graduação de 1 a 5 e 1 a 10; Cálculo do Índice de Capacidade de Trabalho (ICT) e resultado do ICT: baixa, moderada, boa ou ótima. 4. Orientações/recomendações da equipe de avaliação: Discussão em equipe, considerando as etapas anteriores; Orientações para retorno ao trabalho quando aplicável e discussão dos resultados da avaliação com o trabalhador.13
Foram selecionados 17 pacientes portadores de LER/DORT pelos profissionais de saúde dos dois serviços que após treinamento prévio aplicaram o referido protocolo no período de agosto de 2024 a novembro de 2024.
No CEREST de Piracicaba foram selecionados 9 casos pela equipe multidisciplinar, constituída por terapeuta ocupacional, médicos e fisioterapeutas. A aplicação foi efetuada em duas etapas: a primeira com aplicação dos core sets da classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF) e Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT). e a segunda a avaliação médica com roteiro e manobras específicas de avaliação clínica.
Durante a aplicação do protocolo no CEREST, as pesquisadoras deram suporte técnico online para garantir a sua uniformidade. Após a aplicação de 9 casos neste serviço, os profissionais foram entrevistados pelas pesquisadoras. O fluxo do atendimento envolveu as seguintes etapas: acolhimento, consulta médica, aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) e Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT).
No ambulatório do HC UNICAMP a aplicação foi realizada por médicos residentes da medicina do trabalho em uma única etapa. Foram selecionados 8 pacientes do ambulatório de LER/DORT. O tempo de aplicação nos dois serviços foi de três horas de duração.
No CEREST de Piracicaba os profissionais de saúde foram entrevistados coletivamente em duas sessões de 3 horas de duração. Na UNICAMP os dois residentes foram entrevistados individualmente. Além disso, a percepção dos pacientes a respeito da aplicação do protocolo foi avaliada através de uma pesquisa de opinião. As entrevistas com os profissionais de saúde e a pesquisa de opinião dos trabalhadores foram conduzidas mediante as respectivas assinaturas prévias do Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
As observações das pesquisadoras foram registradas em diário de campo e o protocolo revisado foi apresentado e discutido com equipes de cada serviço para obtenção de contribuições adicionais. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob número de CAAE 78795124.5.0000.5404.
RESULTADOS
No CEREST Piracicaba, nove pacientes foram selecionados pela equipe, sendo que um deles não pôde comparecer na segunda etapa de avaliação médica devido à convalescença pós cirúrgica. Na UNICAMP os oito pacientes participaram do estudo. Considerando-se os dois serviços, 16 eram homens, 15 estavam com contrato de trabalho ativo, dos quais 12 afastados do trabalho recebendo auxílio previdenciário e dois estavam desempregados. A idade média foi de 41 anos. Nos dois serviços, o tempo médio para conclusão de todas as etapas do protocolo foi de três horas de duração.
O protocolo é estruturado em quatro etapas bem definidas: acolhimento, avaliação médica, aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e do Índice de Capacidade Funcional (ICT), considerações e recomendações da equipe a respeito do caso, facilitando o acompanhamento do progresso do trabalhador e garantindo que todas as áreas relevantes sejam abordadas durante a avaliação. Os resultados indicaram que essa abordagem sistemática não apenas melhora a eficiência do atendimento, mas também proporciona um maior entendimento das limitações funcionais dos trabalhadores.
Os principais comentários e sugestões das equipes dos dois serviços estão sintetizados na tabela 2.
Etapa | Considerações |
1. Avaliação de saúde dirigida para LER/DORT |
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2. Avaliação de funcionalidade: core sets da classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF) para LER/DORT e lombalgia |
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3. Avaliação de capacidade para o trabalho: índice de capacidade para o trabalho (ICT) |
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4. Orientações/recomendações da equipe de avaliação |
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DISCUSSÃO
Existem protocolos para LER/DORT, porém nenhum tão completo quanto o apresentado. A inclusão da avaliação física, da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e do Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) torna o protocolo mais extenso, mas também mais abrangente. As considerações dos profissionais de saúde envolvidos na aplicação do protocolo em ambos os serviços foram semelhantes, resultando nas sugestões apresentadas na tabela 2.
Nas atividades de trabalho, a equipe sugeriu alguns aprimoramentos na estrutura do protocolo: a ampliação do espaço destinado à descrição das atividades laborais para a coleta de informações essenciais para o reconhecimento e nexo de doenças ocupacionais, tais como, ritmo de trabalho, posto de trabalho, grau de esforço físico e mental requeridos, sobrecarga de grupamentos musculares, pausas; a falta de campos adequados para essas observações impede uma avaliação completa do contexto laboral do trabalhador, o que é essencial para entender a origem das lesões e adaptar as recomendações de retorno ao trabalho.14
Na saúde mental e nos fatores psicossociais a aplicação do protocolo evidenciou lacunas significativas. Embora esses elementos desempenhem papel central na reabilitação ocupacional, os resultados indicaram que o protocolo atual não os aborda de forma suficientemente abrangente e eficaz.15
Quando se refere aos agentes e fatores de risco relacionados ao trabalho reconhecidos pelo trabalhador, o protocolo traz questionamentos sobre organização do trabalho, assédio, jornada de trabalho, conteúdo das tarefas e relação dela com o trabalhador. Os textos extensos e abrangentes apresentaram dificuldades de interpretação, gerando confusões e comprometendo a precisão das respostas. Embora a equipe de vigilância tenha relatado maior facilidade em responder às questões, observou-se que a aplicação do protocolo, referente às questões de saúde mental, não foi suficiente para mapear adequadamente essa questão.
Alguns trabalhadores relataram que o protocolo, embora extenso, os fez sentir ouvidos, evidenciando a necessidade de instrumentos que proporcionem um espaço para compartilhar experiências e dificuldades emocionais. Estudos recentes mostram que estressores ocupacionais associados a distúrbios musculoesqueléticos podem agravar condições como depressão e esgotamento profissional, dificultando o retorno laboral.15;16
Sobre a avaliação física, o protocolo revelou um ponto forte na inclusão de etapas voltadas ao exame físico e à avaliação de amplitude de movimento. Esses componentes são altamente relevantes para a identificação de limitações funcionais e para orientar as recomendações de reabilitação ocupacional. Durante o exame físico, é fundamental avaliar estruturas anatômicas como tendões, músculos, ligamentos e nervos, que estão frequentemente envolvidas na fisiopatologia das LER/DORT. A identificação de alterações nessas estruturas permite uma compreensão mais precisa das limitações funcionais do trabalhador.17
O exame físico detalhado, que inclui inspeção, palpação e testes específicos de mobilidade articular, foi amplamente valorizado pelos profissionais envolvidos na aplicação do protocolo. Esse aspecto foi considerado essencial para o diagnóstico diferencial e para a compreensão objetiva das condições musculoesqueléticas dos trabalhadores avaliados. Entre os elementos analisados, destacam-se os testes direcionados a articulações específicas: ombros, cotovelos, punhos, quadris, joelhos e coluna vertebral; medições de amplitude de movimento: a avaliação sistemática dos limites de mobilidade permitiu registrar com precisão a extensão das limitações funcionais.
Essas etapas contribuíram para a elaboração de relatórios claros e objetivos, fundamentais para o planejamento de adaptações no ambiente laboral e para a reintegração dos trabalhadores.
O exame físico e a avaliação de amplitude de movimento são pilares da abordagem funcional do protocolo, fornecendo dados objetivos sobre o estado físico do trabalhador. Esses componentes foram destacados como altamente práticos e eficazes por sua capacidade de fornecer subsídios para o diagnóstico funcional, o que ajudou a identificar comprometimentos específicos, permitindo intervenções direcionadas; orientar o planejamento terapêutico que, com base nos resultados, é possível propor adaptações ergonômicas e terapias específicas para promover a recuperação funcional; registrar progressos e resultados pois, a reavaliação periódica permite monitorar melhorias ao longo do tempo, oferecendo evidências concretas da eficácia das intervenções.
Esses resultados são corroborados pela literatura,14;18 que reconhece o valor do exame físico detalhado e da análise de amplitude de movimento como elementos fundamentais para a gestão de condições musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho.
A Classificação internacional de funcionalidade (CIF) é reconhecida como uma ferramenta abrangente para avaliação de funcionalidade, mas a sua operacionalização prática apresentou limitações no contexto estudado. Devido à complexidade da CIF e à ampla gama de aspectos que abrange, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu os core sets da CIF. Esses conjuntos de categorias foram elaborados para descrever a funcionalidade de pessoas com condições de saúde específicas. Em vez de avaliar os 1.454 aspectos da funcionalidade, considera-se apenas as categorias mais relevantes e características de determinada doença.19
No momento da aplicação, foram identificadas dificuldades tanto por parte dos aplicadores quanto dos trabalhadores, relacionadas às limitações na compreensão e na operacionalização do instrumento. Em relação ao uso do qualificador, discutiu-se a necessidade de registrar o número nove (não aplicável) ou deixar os campos não aplicáveis em branco.
As equipes multiprofissionais que ressaltam que Instrumentos abrangentes como a CIF, são importantes para avaliações mais completas, embora sua implementação exija treinamento especializado e adaptações contextuais.20 Entre as dificuldades destacaram a demora do processo e o volume extenso de perguntas, muitas vezes com baixa relevância para os casos analisados, que necessita de preparação prévia de quem a aplica.
No contexto do estudo ficou claro para os profissionais envolvidos na aplicação que o instrumento não é possível ser utilizado na rotina da unidade, já que além do conhecimento para aplicá-lo exige tempo, onde os recursos de tempo e equipe são limitados além de que, muitas vezes as informações coletadas são de pouca utilidade. Essa observação também está alinhada às dificuldades relatadas na literatura sobre intervenções ergonômicas no ambiente ocupacional.13
Após deliberação da equipe, concluiu-se que não é imprescindível preencher integralmente a tabela da CIF constante no protocolo. No entanto, considerou-se altamente relevante manter o documento em separado para fins de consulta. A proposta é utilizá-lo como referência para anotar e graduar apenas os códigos pertinentes ao caso analisado, no formato checklist, que foi usado em alguns estudos e mostrou-se bem sucedido.21
Quanto aos fatores ambientais, é importante entender como eles impactam na prática, correspondem a linha (e) dos códigos presentes e devem ser qualificados apenas se pertinentes para que não ocorra exaustão ao utilizar o documento.22 Os resultados também indicam que é fundamental desenvolver uma ferramenta alinhada à realidade do serviço, capaz de refletir as necessidades locais.
O Índice da Capacidade para o Trabalho (ICT) é fundamental para direcionar intervenções no retorno laboral, pois permite identificar com precisão o nível de capacidade funcional do trabalhador. A partir dessa avaliação, é possível propor adaptações específicas no ambiente de trabalho, reduzir riscos de recaídas e promover uma reintegração mais segura e eficiente.23
Na avaliação do ICT, dos trabalhadores entrevistados, 14 mostraram capacidade baixa, dois mostraram capacidade moderada, um mostrou capacidade boa e nenhum mostrou ótima capacidade para o trabalho. Esse dado reflete a gravidade das limitações funcionais associadas às LER/DORT e reforça a necessidade de intervenções eficazes para melhorar a aptidão laboral.
Durante a ICT, não foram constatadas dificuldades significativas. Os trabalhadores apresentaram maior clareza na compreensão ao utilizar escalas graduadas de um a cinco e de um a dez. Contudo, verificou-se que questões relacionadas às expectativas e esperanças para o futuro poderiam gerar respostas mais positivas caso fossem abordadas no início do protocolo. Tal observação decorre do fato de essa etapa ser realizada ao final, momento em que o cansaço dos entrevistados tornava-se perceptível.
Para maximizar os benefícios do ICT no protocolo, algumas melhorias podem ser implementadas como, por exemplo, a reorganização da ordem de aplicação e posicionar o ICT em um momento estratégico, evitando o impacto do cansaço dos trabalhadores, além de incluir questões que abordem saúde mental e fatores emocionais diretamente relacionados à capacidade de trabalho.
A última etapa corresponde às orientações e recomendações da equipe de avaliação sobre o caso em questão. Inicialmente, foi proposto que essa etapa ocorresse em uma reunião, na qual os profissionais envolvidos em cada caso pudessem debater e realizar as orientações de forma conjunta. A avaliação multidisciplinar é fundamental no manejo das Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), devido à natureza multifatorial dessas condições. Estudos indicam que uma abordagem que integra profissionais de diversas áreas é essencial para uma avaliação abrangente e um tratamento eficaz dos pacientes.14
Devido às agendas dos profissionais, houve dificuldade na realização desses encontros. Diante disso, foi sugerido que cada profissional registrasse seus comentários no protocolo após a aplicação da etapa que lhe cabia, tornando o processo menos dependente das reuniões para a conclusão do caso.
Como limitação do estudo, devido à sobrecarga dos serviços, a amostra foi pequena. O longo tempo necessário para a aplicação do questionário também foi um fator determinante para o tamanho reduzido da amostra. Além disso, a abrangência das sugestões depende da qualificação das equipes envolvidas. Resultados mais consistentes poderiam ser obtidos com a expansão da amostra e um acompanhamento longitudinal.18;24 Essas medidas permitiriam avaliar de forma mais robusta o impacto do protocolo na reintegração laboral e na prevenção de recaídas.
Após a assinatura no TCLE e aplicação do protocolo, os trabalhadores foram entrevistados para que fizessem considerações a respeito da experiência. Ficou claro tanto para os trabalhadores, quanto para os profissionais de saúde que o protocolo deve ser aplicado em modelo de entrevista, não sendo possível o modelo de auto preenchimento. Comentários a respeito da duração foram comuns, “Não senti dificuldade para responder, foi extenso, mas proveitoso”. Também relataram perguntas em excesso: “Bem extenso, tem perguntas que não precisavam; poderia ser mais objetivo com o que interessa”. Contrariando a narrativa anterior, houveram considerações positivas quanto ao volume do protocolo, “Nenhum médico antes se preocupou em me perguntar tanto sobre minha vida e não só da doença, me senti ouvido”.
Sugeriu-se uma reestruturação interna do protocolo, com a definição prévia dos setores e empresas a serem avaliados, visando otimizar sua aplicação e promover maior alinhamento com os dados normativos.
O tempo médio de aplicação do protocolo, de três horas, gerou queixas de trabalhadores quanto à extensão e complexidade do processo. Apesar de alguns participantes terem reconhecido o valor do detalhamento das perguntas, a percepção geral foi de que questionários longos e pouco objetivos comprometem o engajamento.
Sugere-se uma reestruturação do protocolo para priorizar informações essenciais, eliminando redundâncias e mantendo o foco nos aspectos mais relevantes para a reabilitação ocupacional.
CONCLUSÃO
O exame físico e a avaliação de amplitude de movimento destacam-se como um dos principais pontos positivos do protocolo, fornecendo dados objetivos e direcionadores para a reabilitação ocupacional de trabalhadores com LER/DORT. Sua contribuição para o diagnóstico funcional e o planejamento de intervenções reforça a importância de sua inclusão no protocolo, enquanto ajustes na capacitação e no registro podem ampliar ainda mais sua eficácia. Esses elementos, alinhados a uma abordagem interdisciplinar, fortalecem o protocolo como uma ferramenta essencial para a promoção da saúde do trabalhador e o retorno laboral seguro e eficiente.
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