INOVAÇÃO TECNOLÓGICA DA OXIGENOTERAPIA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DURANTE A COVID-19: RELATO DE EXPERIÊNCIA


TECHNOLOGICAL INNOVATION OF OXYGEN THERAPY IN THE NATIONAL HEALTH SYSTEM DURING COVID-19: EXPERIENCE REPORT


INNOVACIÓN TECNOLÓGICA DE LA OXIGENOTERAPIA EN EL SISTEMA NACIONAL DE SALUD DURANTE LA COVID-19: INFORME DE EXPERIENCIA

RESUMO

A escassez de respiradores hospitalares durante a pandemia de COVID-19 comprometeu o atendimento de pacientes graves no Sistema Único de Saúde (SUS). Este relato de experiência descreve o desenvolvimento de uma tecnologia inovadora para oxigenoterapia, criada por um grupo interdisciplinar que atua na perspectiva do ensino-em-serviço. Foram produzidos 140 protótipos do “Conector Nasal de Alto Fluxo (CNAF) adaptado” por impressão 3D, com custo unitário de R$510,00. O dispositivo gerou um fluxo de 15 L/min de oxigênio, com possibilidade de ampliação para 30 L/min por um acréscimo de R$100,00. Sistemas comerciais completos de alto fluxo de oxigênio podem atingir R$25.000,00. A solução desenvolvida reduziu significativamente os custos e ampliou o acesso à oxigenoterapia no SUS, demonstrando o potencial da inovação tecnológica para otimizar recursos e melhorar a assistência em saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Respiração Artificial; Tecnologia biomédica; Práticas Interdisciplinares; Acesso à saúde; Custos hospitalares.

ABSTRACT

The shortage of hospital ventilators during the COVID-19 pandemic has compromised the care of critically ill patients in the Brazilian Unified Health System (SUS). This experience report describes the development of an innovative technology for oxygen therapy, created by an interdisciplinary group that works from the perspective of in-service teaching. 140 prototypes of the “adapted High Flow Nasal Connector (CNAF)” were produced by 3D printing, with a unit cost of R$510.00. The device generated a flow of 15 L/min of oxygen, with the possibility of expanding to 30 L/min for an additional R$100.00. Complete commercial high-flow oxygen systems can cost up to R$25,000.00. The developed solution significantly reduced costs and expanded access to oxygen therapy in the SUS, demonstrating the potential of technological innovation to optimize resources and improve health care.

KEYWORDS: Artificial Respiration; Biomedical technology; Interdisciplinary practices; Access to health; Hospital costs.

RESUMEN

La escasez de respiradores hospitalarios durante la pandemia de COVID-19 comprometió la atención a pacientes críticos en el Sistema Único de Salud (SUS). Este informe de experiencia describe el desarrollo de una tecnología innovadora para la oxigenoterapia, creada por un grupo interdisciplinario que trabaja desde la perspectiva de la docencia en servicio. Se produjeron 140 prototipos del “Conector Nasal de Alto Flujo adaptado (CNAF)” mediante impresión 3D, con un costo unitario de R$ 510,00. El dispositivo genera un flujo de 15 L/min de oxígeno, con posibilidad de ampliar a 30 L/min por R$ 100,00 adicionales. Los sistemas completos de oxígeno comercial de alto flujo pueden costar hasta R$ 25.000,00. La solución desarrollada redujo significativamente costos y amplió el acceso a la oxigenoterapia en el SUS, demostrando el potencial de la innovación tecnológica para optimizar recursos y mejorar la atención de salud.

PALABRAS CLAVE: Respiración Artificial; Tecnología biomédica; Prácticas interdisciplinarias; Acceso a la salud; Costos hospitalarios.

Recebido: 28/02/2025 Aprovado : 14/03/2025

Tipo de artigo: Artigo Original

INTRODUÇÃO

No Brasil, o aumento acelerado de casos de COVID-19 e a crescente demanda por internações para suporte respiratório testaram a resiliência do Sistema Único de Saúde (SUS), evidenciando um déficit na oferta de equipamentos e insumos médico-hospitalares, como respiradores artificiais, oxigênio e medicamentos. Essa situação revelou fragilidades que comprometeram a capacidade do SUS de absorver o impacto da crise e se adaptar a ela, especialmente em relação à aquisição e produção desses materiais, contribuindo para a exaustão do sistema 1.

Como consequência, houve a falta de oxigênio e ventiladores mecânicos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) que resultaram no aumento alarmante da mortalidade por insuficiência respiratória 2. Diante da escassez de equipamentos e do aumento dos custos, ficou evidente a necessidade de implementar estratégias adaptativas para garantir o atendimento adequado aos pacientes. E foi neste contexto, que profissionais da saúde na linha de frente da pandemia, buscaram estratégias inovadoras para o enfrentamento deste problema que exigia resposta rápida. Assim, surgiu a iniciativa de um hospital universitário para criar um dispositivo que foi capaz de aumentar o aporte de oxigênio: o “CNAF adaptado”. Tal feito buscou mitigar os danos em um cenário atípico e contribuir para a resiliência de um sistema de saúde sobrecarregado.

A suplementação de Oxigênio (O2) é uma intervenção bastante utilizada no manejo de hipoxemia aguda e pode ser realizada através de dispositivos nasais. Os Cateteres Nasais de Baixo Fluxo são sistemas abertos em que ocorre vazamento de ar da fonte de oxigênio, ofertando de 4 a 6 litros de O2 por minuto, correspondendo a uma fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 37 a 45%.  São dispositivos seguros que têm como complicação mais frequente o ressecamento da mucosa nasal, e que em alguns casos, pode levar a sangramentos locais. Portanto, é uma opção indicada para hipoxemias leves sem uso prolongado 3.

Os Cateteres Nasais de Alto Fluxo são sistemas capazes de oferecer uma FiO2 de até 100% de ar umedecido e aquecido com um fluxo de até 60 litros por minuto 4, tornando-o uma opção interessante para o tratamento da disfunção ventilatória aguda grave 5. Dentre os seus benefícios estão o menor tempo de ventilação mecânica, redução da mortalidade, diminuição do risco de internação em UTI e menor taxa de reintubação em falência respiratória aguda 6,7,8.

Apesar do Brasil dispor de importante poder de compra e possuir universidades e empresas com potencial científico, ainda se observa uma profunda dependência tecnológica de equipamentos do exterior. O país não dispõe de produção própria de diversos materiais de uso médico e as matrizes das corporações multinacionais encontram-se em território estrangeiro, bem como a produção industrial de seus produtos 9. Assim, em situações calamitosas, há escassez de recursos e dificuldades de importação e compra emergencial, pois os países que sediam as grandes indústrias também necessitam dessas tecnologias. Soma-se a isso o fato de que durante a pandemia de COVID-19, o fluxo de mercadorias se encontrava reduzido com o encerramento das atividades nos portos e aeroportos 1.

Desta forma, torna-se imperativo que instituições de pesquisa direcionem seus esforços para o campo da tecnologia e inovação, a fim de se reestruturarem e desenvolverem novas abordagens em períodos de crise. Caso contrário, o SUS ficará vulnerável à dinâmica das empresas internacionais. Os  serviços  de  saúde, especialmente aqueles vinculados a universidades e centros de pesquisa,  não  podem  permanecer alheios ao desafio da inovação,  frente ao atual cenário global marcado por conflitos armados e aumento súbito dos eventos climáticos extremos 10. Neste sentido, o presente relato tem como objetivo descrever a experiência de desenvolvimento de uma tecnologia inovadora empregada na oxigenoterapia de pacientes com COVID-19 que foi construída por equipe interdisciplinar a partir de  atividades de ensino-em-serviço. Esta tecnologia demonstrou custo-utilidade e contribuiu para o fortalecimento da rede assistencial.

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência, portanto, possui caráter retrospectivo, com enfoque descritivo e exploratório documental. A narrativa compreende o período de janeiro a dezembro de 2021 e baseou-se nos seguintes documentos: “projeto de desenvolvimento”; “declaração de invenção - protocolo Nº API 0219”; “procedimento operacional padrão” e “instrução de trabalho” do CNAF adaptado. Todos estes documentos foram elaborados por professores e profissionais vinculados ao Hospital São Lucas (HSL), Escola Politécnica e Parque Científico e Tecnológico (TecnoPUC) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Adicionalmente, foram consultadas informações em sites de empresas de equipamentos médico-hospitalares, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde.

Em relação a descrição dos cenários em que desenvolvido o CNAF adaptado, o HSL é um hospital universitário filantrópico, considerado um pólo tanto para a assistência à saúde, quanto para o ensino e pesquisa, com participação em estudos de relevância nacional e internacional, como os testes da vacina Coronavac® e da primeira vacina contra a dengue que será distribuída pelo SUS até 2025 11. O TecnoPUC abriga cerca de 178 organizações, entre elas a Escola Politécnica e o laboratório FabLab do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (IDEIA/ TecnoPUC). Essa infraestrutura permite articular inúmeras empresas e startups, conectando experts do Brasil para a prestação de serviços e apoio técnico, sendo um promotor do desenvolvimento de inovações tecnológicas 12.

RESULTADOS 

Este relato não se concentrará nos resultados clínicos, mas enfatizará os aspectos intelectuais e materiais que foram fundamentais para o desenvolvimento de uma tecnologia inovadora. No entanto, para ilustrar a aplicação prática, é relevante mencionar que o CNAF adaptado foi utilizado em aproximadamente 235 pacientes maiores de 18 anos internados na UTI do HSL, todos com síndrome da angústia respiratória aguda relacionada à COVID-19. Posteriormente, o dispositivo foi empregado em outros pacientes de sete hospitais filantrópicos, a maioria localizados no Rio Grande do Sul. O estudo que permitiu a utilização do CNAF adaptado em seres humanos foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da PUCRS, sob o Protocolo Nº 4.592.176.

Focando na narrativa sobre o desenvolvimento do CNAF adaptado, em 2021, durante a pandemia, havia um sistema comercial de alto fluxo de O2, reconhecido por seu excelente desempenho clínico, que estava disponível apenas em hospitais privados, visto que é uma tecnologia não incorporada no SUS. Diante desta barreira de acesso e da crescente necessidade de ofertar maiores fluxos de oxigênio para os pacientes com COVID-19 na UTI, foi proposto a realização de ajustes no modelo comercial, com o objetivo de torná-lo acessível em larga escala para os pacientes internados no SUS.

Neste ponto, ressalta-se - como parte integrante dos resultados - o papel fundamental do ensino-em-serviço, pois a iniciativa foi concebida por um professor, preceptor e chefe de serviço, intrinsecamente comprometido com a assistência hospitalar dos pacientes e com a formação de profissionais da saúde. Portanto, percebe-se que a busca por uma alternativa financeiramente sustentável e clinicamente eficaz foi fruto da sua implicação com o fazer-ensinar.

Em seguida, para tornar viável o desenvolvimento do protótipo, buscou-se parcerias, meios e recursos dentro do ecossistema universitário. Essa etapa foi facilitada pela colaboração entre a assistência à saúde e a pesquisa clínica realizada no hospital, juntamente com o desenvolvimento de tecnologias na Escola Politécnica / TecnoPUC. Na criação do protótipo, diversos profissionais estiveram envolvidos, incluindo engenheiros, médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, técnicos de enfermagem e equipe de apoio jurídico.

Graças aos esforços interdisciplinares, o CNAF adaptado foi desenvolvido como uma peça impressa em 3D no laboratório FabLab do IDEIA/Tecnopuc. O material utilizado foi o PoliTereftalato de Etileno Glicol (PETG), um polímero termoplástico de coloração branca, que se destaca por sua flexibilidade, durabilidade e tenacidade. O PETG é um material reciclável, produzido pela adição de CHDM (1,4 ciclohexanodimetanol) ao PET (PoliTereftalato de Etila). Devido à sua resistência, esse plástico é amplamente utilizado em projetos de próteses, por exemplo 13.

O CNAF, produzido a partir de PETG, tem dimensões menores que um palmo de uma mão adulta e pesa aproximadamente 20 gramas. O tempo necessário para imprimir cada peça é de 1h e 50min, utilizando a impressora 3D Ender 3® (Shenzhen, China), que opera com o processo de modelagem por deposição fundida (Fused Deposition Modeling - FDM). Durante a impressão, um fio de PETG é depositado por uma extrusora aquecida, onde o plástico se torna maleável o suficiente para ser aplicado com precisão pela cabeça de impressão, camada por camada, na área de impressão, resultando na peça final em 3D. A temperatura de extrusão do material, que corresponde à temperatura do bico da impressora 3D onde o filamento é aquecido e fundido, é de 235 ºC.

O CNAF adaptado funciona como um misturador de O2 e ar comprimido em Sistemas de Alto Fluxo. Sua configuração e medidas são apresentados na Figura 1. Ele possui duas entradas, sendo uma para o ar e outra para o O2, acopladas a dois fluxômetros com capacidade para 15 L/minuto que conduzem a uma única saída, onde ocorre a mistura do Ar + O2.

Figura 1: Vista interna e externa do dispositivo e medidas em milímetros (mm). 

Durante a pandemia, foram produzidos 120 protótipos do CNAF adaptado. Para a formulação do cálculo de estimativa de custo, foram considerados os aspectos relativos ao desenvolvimento do projeto (R$447,66) e os recursos necessários para fabricação (R$62,33 por peça), totalizando R$509,99 por unidade. As informações detalhadas sobre isso são apresentadas na Tabela 1 e as projeções de custo para a produção em escala estão dispostas na Tabela 2.

Tabela 1: Custo de produção por peça em reais.

Horas técnico

Custo técnico

Horas máquina

Custo máquina

Gramas material

Custo material

TOTAL

Custo de projeto

3

R$ 149,22

R$ 447,66

Custo por peça

0,33

R$ 149,22

1,83

R$ 1,89

12,67

R$ 0,76

R$ 62,33

Nota: O custo de projeto é único, sendo somado apenas uma vez aos cálculos de produção. Este último, por sua vez, é multiplicado pelo número de peças.

Tabela 2: Projeção de custo em reais para produção em escala do CNAF adaptado.

Unidades

Custo (R$)

1

509,99

10

1.070,97

100

6.680,71

1.000

62.778,16

10.000

623.752,66





Considerando a sua composição (PETG) e finalidade (misturador de Ar + O2), o CNAF adaptado é considerado um resíduo que não apresenta risco biológico, químico ou radiológico à saúde ou ao meio ambiente. Ou seja, pode ser encaminhado para reutilização, recuperação, reciclagem, compostagem, logística reversa ou aproveitamento energético, desde que esteja descrito no plano de gerenciamento de resíduos 14.

Para a montagem e utilização do CNAF adaptado na UTI, a equipe interdisciplinar desenvolveu um Procedimento Operacional Padrão e uma Instrução de Trabalho que orientam detalhadamente o processo de operacionalização dessa tecnologia. Além disso, foi criada uma Plataforma que ajuda médicos e fisioterapeutas a ajustar o fluxômetro de acordo com as necessidades específicas de cada paciente. Ela permite determinar o fluxo total desejado e a FiO2, fornecendo os valores que devem ser ajustados nos fluxômetros de ar comprimido e O2, garantindo assim um atendimento preciso e personalizado.

DISCUSSÃO 

O conceito de inovação refere-se à introdução de bens ou serviços que são inéditos ou que apresentam melhorias significativas em relação aos existentes 15. O CNAF adaptado, como o próprio nome indica, é uma modificação de um equipamento já existente, que, até então, era inacessível aos hospitais do SUS, especialmente durante a pandemia de COVID-19, quando a demanda por esse tipo de dispositivo aumentou consideravelmente. Assim, é fundamental que a acessibilidade a dispositivos tecnológicos seja considerada um aspecto central do processo de inovação no SUS, a fim de ampliar a capacidade do sistema de oferecer respostas eficazes em situações de emergência.

ENSINO-EM-SERVIÇO E INTERDISCIPLINARIDADE.

No presente relato, a necessidade de tornar uma tecnologia acessível está profundamente ligada ao ensino-em-serviço e à interdisciplinaridade. Esta última é considerada uma característica fundamental do sistema de inovação na saúde. O desenvolvimento de novas tecnologias exige a colaboração de diversos profissionais, incluindo físicos, engenheiros eletrônicos, especialistas em materiais, designers, entre outros, portanto, requer uma estrutura robusta, com alto grau de interação e interdisciplinaridade 16,17. Nesse contexto, os ecossistemas universitários (cursos de graduação, pós-graduação e hospitais de ensino) têm um papel crucial na concepção, desenvolvimento, implementação, compartilhamento e avaliação de inovações tecnológicas.

Somado a isso, o ensino-em-serviço, por ser um processo formativo que se integra ao cotidiano dos serviços, promove uma aprendizagem baseada na colaboração, articulação e integração entre instituições de ensino e saúde 18. Isso proposcia um cenário fértil para a inovação tecnológica direcionada às necessidades do SUS.  Como resultado, observa-se que a qualidade da atenção à saúde está diretamente relacionada à formação profissional que dispõe de  tecnologias efetivas para o atendimento da população. Assim, para que se possa gerar conhecimento e promover avanços científico-tecnológicos que impactem a prestação de serviços de saúde, é essencial a formação de novos perfis profissionais moldados pela perspectiva do ensino-em-serviço 19.

PROTÓTIPO E CUSTO-UTILIDADE.

Os sistemas comerciais de alto fluxo são relativamente simples e consistem em três componentes principais: gerador de fluxo, umidificador e cânula nasal. O gerador de fluxo de O2 pode ser classificado como misturador, turbina ou venturi. Este componente é o principal responsável pelo custo total do sistema. O umidificador de oxigênio utilizado é o mesmo que se encontra em outros dispositivos clínicos de ventilação. E a cânula nasal é composta por dois tubos de alto fluxo, conhecidos como prongs, que se conectam em ambas as extremidades. É um componente de baixo custo, destinado ao uso individual e, geralmente, não reutilizável 9,20,21,22. No Brasil, os preços dos principais sistemas completos que oferecem um fluxo de 60 L/minuto de oxigênio variam entre R$14.000 e R$25.000.

A peça impressa no laboratório FabLab do IDEIA/Tecnopuc (CNAF adaptado), pode ser integrada à estrutura de suplementação de oxigênio já existente nos hospitais, dispensando a necessidade de um gerador de fluxo. O protótipo desenvolvido na PUCRS custou  R$509,99 e foi capaz de gerar um fluxo de 15 L/minuto que já é considerado um alto fluxo de O2. Contudo, é possível aumentar essa capacidade acoplando um fluxômetro de 30 L/minuto, o que resultaria em um acréscimo de aproximadamente R$100,00 por unidade fabricada. Dessa forma, o custo do CNAF adaptado com fluxo de 30 L/minuto seria de aproximadamente R$610,00.

O umidificador utilizado no CNAF adaptado pode ser oriundo de diversos aparelhos clínicos de ventilação. Assim, o único componente que precisa ser adquirido é a cânula nasal de alto fluxo. Atualmente, existe uma opção nacional que é autoclavável (pode ser reutilizável até 30 vezes) que custa R$345,00. Considerando esta possibilidade, o preço total do sistema completo utilizando o CNAF adaptado seria de R$955,00 para o hospital. Isto geraria uma economia entre R$13.000 e R$24.000 em relação aos sistemas completos disponíveis no mercado brasileiro.

Em termos de funcionamento, o sistema de alto fluxo de oxigênio proporciona uma pressão expiratória positiva, o que ajuda a prevenir a recirculação de ar e a reduzir o espaço anatômico morto. Ao oferecer níveis elevados de oxigênio e maior conforto em comparação com outros dispositivos de ventilação, ele se torna uma excelente opção para o tratamento de disfunção ventilatória aguda grave 5. Um estudo retrospectivo realizado no Reino Unido, publicado em 2022, analisou pacientes internados com COVID-19 no sistema público de saúde e revelou que o sistema de alto fluxo de oxigênio conseguiu proporcionar uma taxa de sobrevida de 53% em situações com limitações no suporte a órgãos. Além disso, esse sistema foi utilizado como uma ferramenta segura para fornecer suporte respiratório a pacientes em unidades ambulatoriais, ajudando a aliviar a sobrecarga nas UTIs 23.

LIMITAÇÕES

As principais limitações do uso do CNAF adaptado estão relacionadas à disponibilidade de oxigênio nas instituições de saúde. O dispositivo pode operar com fluxos de até 30 L/min, correspondendo à metade da capacidade dos sistemas comerciais. Assim, em locais com dificuldades no fornecimento de O₂, a implementação pode enfrentar restrições operacionais, embora em menor escala do que os dispositivos convencionais. Além disso, a utilização do CNAF adaptado exige a presença de fisioterapeutas capacitados para sua indicação, instalação, monitoramento e manejo adequado. Como material de suporte, foram elaborados os Procedimentos Operacionais Padrão, Instruções de Trabalho e a Plataforma  para atender as necessidades técnicas. Por fim, ainda não foram realizados testes para determinar a durabilidade da peça na prática clínica, e os resultados terapêuticos do dispositivo estão sendo avaliados em estudos em andamento, que já indicam perspectivas promissoras.

CONCLUSÃO

A escassez de equipamentos para oxigenoterapia durante a pandemia de COVID-19 evidenciou a necessidade de soluções inovadoras e acessíveis para fortalecer o SUS. O presente relato demonstrou que a impressão 3D pode viabilizar o desenvolvimento de dispositivos de baixo custo, permitindo ampliar o acesso à oxigenoterapia em um cenário de crise. A iniciativa interdisciplinar e voltada ao ensino-em-serviço mostrou-se eficaz na criação de uma alternativa viável e economicamente sustentável.

Além da redução de custos, a experiência destaca o potencial das universidades e centros de pesquisa na geração de tecnologias voltadas à saúde pública. A colaboração entre academia e serviços de saúde pode acelerar a incorporação de inovações, tornando o SUS mais resiliente a emergências sanitárias. A ampliação desse modelo pode contribuir para o desenvolvimento de soluções acessíveis, beneficiando diretamente a população.

AGRADECIMENTO

Aos profissionais que compuseram a equipe interdisciplinar: Alessandro Silveira; Alessandro Ribas; Henrique Bosembecker; Leonardo Marchionni; Luis Fernando Carrasco; Luís Fernando Nunes; Thiele Quadros; Filipi Damasceno Vianna; Eduardo Giugliani e Daniele Molardi de Aguiar.

DECLARAÇÕES

Este artigo foi financiado em parte pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código Financeiro 001 - I.C.R. foi bolsista integral de doutorado (processo 88887.511985/2020-00); C.E.P.F. é pesquisador PQ 1B (processo 308250/2022-2).

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