IMPACTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO USO DE TELAS NA INFÂNCIA

NEUROPSYCHOLOGICAL IMPACTS OF SCREEN USE IN CHILDREN

TINPACTOS NEUROPASICOLÓGICOS DEL USO DE PANTALLAS EM LA INFANCIA

Autores:

Lucas José Rodrigues Costa 

Bacharel em Enfermagem – Universidade Estadual do Maranhão.

ORCID: https://orcid.org/0009-0002-8444-3724

Gilvago Silva Souza 

Doutor em Neurociências – Universidade Federal do Pará

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4525-3971

Eliza Maria da Costa Brito Lacerda

Doutora em Neurociências – Universidade Federal do Oeste do Pará

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8525-205X

Gilberto Sousa Alves

Doutor em Psiquiatria – Universidade Federal do Maranhão.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0463-6183

Cândida Helena Lopes Alves 

Pós-Doutora em Saúde Mental – Faculdade Edufor

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6161-2938

RESUMO

Objetivo: Verificar se o uso de telas é prejudicial para crianças e qual os impactos decorrentes dessa prática. Método: Foi realizada uma revisão de literatura, através das bases de dados Scielo, PubMed, BVSc e Google Scholars, onde foram selecionados artigos e capítulos de livro escritos em português, inglêss e espanhol, publicados entre 2018 e 2025. Resultados: Foram encontradas 135 publicações, das quais selecionou-se 35.  Conclusão: Atualmente, considera-se que o uso excessivo de telas, se não for bem acompanhada, dosada e assistida, pode gerar malefícios, especialmente para as crianças. O uso indiscriminado e não supervisionado pode gerar impactos negativos no desenvolvimento neurobiológico, cognitivo, comportamental e na vida escolar da criança.

DESCRITORES: Crianças; Tempo de Tela; Desenvolvimento, Neuropsicologia.

ABSTRACT

Objective: Check whether the use of screens is harmful to children and what the impacts of this practice are. Method: A literature review was carried out, using the Scielo, PubMed, BVSc and Google Scholars databases, where articles and book chapters written in Portuguese, English and Spanish, published between 2018 and 2025, were selected. Results: 135 publications were found, of which 35 were selected. Conclusion: Currently, it is considered that the excessive use of screens, if not well monitored, dosed and assisted, can cause harm, especially for children. Indiscriminate and unsupervised use can have negative impacts on the child's neurobiological, cognitive, behavioral development and school life.

DESCRIPTORS: Children; Screen Time; Development, Neuropsychology.

RESUMEN

Objetivo: Comprobar si el uso de pantallas es perjudicial para los niños y qué consecuencias se derivan de esta práctica. Método: Se realizó una revisión de la literatura utilizando las bases de datos Scielo, PubMed, BVSc y Google Scholars, donde se seleccionaron artículos y capítulos de libros escritos en portugués, inglés y español, publicados entre 2018 y 2025.  Resultados: Se encontraron 135 publicaciones, de las cuales se seleccionaron 35. Conclusión: Actualmente, se considera que el uso excesivo de pantallas, si no se controla, mide y vigila adecuadamente, puede producir daños, especialmente en los niños. El uso indiscriminado y no supervisado puede tener repercusiones negativas en el desarrollo neurobiológico, cognitivo y conductual del niño y en su vida escolar.

DESCRIPTORES: Niños; Tiempo frente a la pantalla; Desarrollo, Neuropsicología.

Recebido: 07/03/2025 Aprovado: 18/03/2025

Tipo de artigo: Revisão de Literatura

INTRODUÇÃO 

De acordo com a União Internacional de Telecomunicações(1), em 2022, 66% da população mundial teve acesso à internet, no Brasil esse índice é ainda maior, pois conforme a Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios Contínua(2) realizada em 2021, a internet está presente em 90% dos domicílios e que o celular é o aparelho mais utilizado para o acesso a internet (98,8% da população), seguido da Smart TV e computador. Segundo um estudo de 2022, administrado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação(3), 92% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos do Brasil (24,4 milhões de indivíduos), são usuários de internet.

Os impactos sociais relacionados ao aumento de uso dessas mídias estão associados com a separação do convívio social, solidão, impactos negativos na saúde física, mental e no desenvolvimento cognitivo, emocional, motivacional e comportamental, principalmente das crianças.

Há cada vez mais crianças com diagnóstico de ansiedade, de depressão, hiperatividade, entre outros. Existem teorias que o motivo para tal possa orbitar entre mudança de hábitos sociais e melhor cobertura diagnóstica. Teoriza-se também que um dos motivos seja a nova realidade do uso de telas.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de enfoque qualitativo, descritiva e de revisão de literatura narrativa. Foram consultadas as bases de dados Scielo, PubMed, BVSc e Google Scholars. A pesquisa foi efetuada usando os descritores ‘screen time’, ‘child development’ e palavras-chave ‘desenvolvimento cognitivo infantil’, ‘habilidades cognitivas infantil’, ‘tecnologia, cérebro infantil desenvolvimento telas’, ‘alterações cerebrais crianças tempo de tela’, com o operador de busca AND. Os critérios incluíam publicações em português, inglês e espanhol, entre 2018 e 2025, possuírem identificadores da publicação científica, e terem relevância em relação a temática.

RESULTADOS

Foram encontradas 135 publicações, que após analisados, foram selecionados 31 artigos. Desses artigos, 12 são de língua portuguesa, 17 de língua inglesa e 2 de língua espanhola. Ao final foi utilizado em quatro citações no trabalho, o Manual de ‘Diretrizes sobre Atividade Física, comportamento sedentário e sono para crianças  com menos de 5 anos de idade’, da Organização Mundial de Saúde (OMS), o relatório ‘Pesquisa sobre o uso da internet por crianças e Adolescentes no Brasil, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), e o relatório de “uso individual de Internet da União Internacional de Comunicações (ITU) e o relatório da ‘Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua’ (PNAD) sobre o ‘Acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal’, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

DISCUSSÃO

O USO DE TECNOLOGIAS

Quando se trata de estudos relacionados à utilização de telas comumente se usa o termo, sugerido pela Associação Americana de Pediatria (APA), ‘Tempo de Tela’ (TT), que é o somatório total do tempo em que houve utilização de telas, como celular, televisão, computador, videogame, laptop, entre outros, por dia (4-5).

Quando se fala de tecnologia sabe-se que se está tratando de um artificio inerente do mundo atual que dependendo de quando, onde e como é utilizada pode trazer benefícios ou malefícios, podendo auxiliar nos processos de aprendizagem, e viabilizando comunicações, ou causar dependência e empobrecimento cognitivo (6-7).

A OMS recomenda que o uso de telas para crianças menores um ano, seja de zero minutos/dia, enquanto que em crianças de 1 a 5 anos, 60 minutos/dia, o que nem sempre reflete a realidade dos dias atuais.

Um estudo internacional realizado em 2021(8) com 613 crianças, com idades de 1,5 anos a 12 anos, indicou que o TT é expressivamente maior que as indicações de entidades como Organização Mundial de Saúde (OMS), Associação Americana de Pediatria(APA) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), pois revela que a média de uso é superior a duas horas por dia, sendo essa média corroborada por outro estudo de 2022(9), com única ressalva que esse último estudou uma população de 2 a 5 anos somente; ambos corroboram que um TT superior a duas horas esta relacionado a alterações na capacidade da criança de desenvolver otimizadamente capacidades e habilidades tanto motoras quanto psicológicas.  O estudo de 2021 ainda expõe que 47,5% da população iniciou a utilizar dispositivos com tela antes de um ano de idade.

IMPACTOS NEUROLÓGICOS

O desempenho cerebral está ligado com seu volume, nos primeiros dois anos de vida o cérebro humano aumenta de tamanho em proporção superior ao dobro do tamanho que tinha no momento do nascimento, devido à expansão do córtex (149% no primeiro ano) e da substância branca (que tem maior taxa de crescimento a partir dos 3 anos) (10 -11).

Há uma relação entre TT e alterações na massa cinzenta e branca, assim como afinamento do córtex, de maneira precoce e acelerada, em crianças, segundo dados de um estudo da ‘Brain Cognitive Development’, pois a morfologia cortical sofre mudanças dinâmicas durante a infância, e essa estimulação sensorial contínua aos estímulos digitais afeta o desenvolvimento cerebral elevando riscos de distúrbios comportamentais, emocionais e cognitivos (12).

Estudos realizados (5, 13) com sistemas de captação de imagens por tensor de difusão em ressonância magnética e aplicação de testes com os pais de crianças em idade pré-escolar, até cinco anos, identificaram, dentro da amostra estudada que crianças expostas a mídias baseadas em telas apresentaram alterações em aspectos da substância branca e cinzenta cerebral.

A integridade da substância branca tem sido relacionada (10) com a capacidade cognitiva em crianças e em adultos, mesmo ainda não sabendo como ocorra o suporte da cognição emergente com o processo de maturação da substância branca.

Existem associações entre o aumento do uso de telas e menor integridade microestrutural das porções de substância branca, porções essas que estão relacionadas às habilidades de alfabetização emergente e linguagem, em crianças em idade pré-escolar (13). Importante salientar que a Associação Americana de Pediatria, assim como a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um tempo mínimo de exposição, sendo que a Associação Americana de Pediatria (APA) recomenda que o nível de exposição não seja superior a 2 horas diárias em crianças menores de 9 anos de idade, e levaram em consideração, nesse estudo que uso abusivo desses dispositivos seria TT além desse limite.

Encontraram-se evidências relacionadas à menor Anisotropia Fracionada (FA) e maior Difusividade Radial (RD) em associações à maior TT em tratos relacionados com as habilidades executivas e de alfabetização emergentes (13). Foi encontrado também diminuição de Anisotropia Fracionada (FA)  e aumento de Difusividade Radial (RD)  nas áreas de Wernicke e Broca, respectivamente relacionadas à linguagem receptiva e expressiva quando há maior TT.

Estudos recentes têm associado o aumento de Anisotropia Fracionada (FA)  e diminuição de Difusividade Radial (RD)  ao desenvolvimento emergente, enquanto diminuição de Anisotropia Fracionada (FA)  nos fascículos arqueado, fascículo longitudinal inferior e fascículo superior têm sido associados a menores habilidades de pré-leitura, especialmente às fonológicas; importante citar que ambas as associações são em crianças em fase pré-escolar (13).

Precedidas da maturação das áreas límbicas, evoluções morfológicas da substância cinzenta, como espessura cortical (TC) e Profundidade sulcal (SD), ocorrem na infância e atingem máxima expansão na adolescência. Foi sugerido que espessura cortical (TC), que se refere à densidade sináptica, pode ser um marcador para processos sensoriais superiores ou inferiores. Mudanças relacionadas à diminuição ou aumento de espessura cortical (TC), podem ser de natureza acumulativa ou redutora (como sinaptogênese ou poda, respectivamente) e refletem remodelação cortical em resposta à estímulos ambientais (5).

O maior uso de mídia digital foi associado a menor espessura cortical (TC)  no giro supramarginal direito, no giro pós-central (relacionada com habilidades relacionadas a processamento emocional e a empatia, através do sistema de neurônios espelho). E maior TT tem sido associado, em áreas de ordem superior, no giro lingual (área responsável pelo reconhecimento de letras impressas), a menor espessura cortical (TC), que pode provocar diminuição de memória episódica e cognição social em adultos.

Há indícios de correlação negativa (14) de maior TT, a um nível inferior de funcionalidade da área visual relacionada à formação de palavras com áreas direita Brodmann 13 e 24 e esquerda Brodmann 25 e 47 (encarregadas do controle cognitivo).

Um estudo (15) com 284 crianças relacionou o maior uso de internet com diminuição do volume da matéria cinzenta regional (rGMV) e o volume da matéria branca regional (rWMV), correlacionado com diminuição de inteligência verbal; as áreas em questão envolvem regiões relacionadas ao processamento de atenção, linguagem, emoção, recompensa e funções executivas. Um dos principais motivos apontados pela pesquisa trata do conteúdo que era consumido durante a utilização da internet, o que pode estar relacionado não só à quantidade de estimulo digital, mas também a respeito da qualidade dos mesmos.

IMPACTOS COGNITIVOS

Crianças de 4 anos, que utilizam telas para acessar conteúdos relacionados a entretenimento e não conteúdos educativos adaptados à idade, manifestaram pontuações inferiores em medidas cognitivas (12).

Autores (12, 16) também citam que a exposição em tempo adequada a Estímulos Digitais (ED) adaptados à idade pode favorecer o enriquecimento cognitivo; muito embora outros (17- 18) apontam que os estímulos Naturais (EN) trazem mais benefícios do que qualquer tipo de estimulação cognitiva advinda de Estímulos Digitais (ED); sendo uma das possíveis justificativas se deva a respeito de como as funções superiores ainda não estão desenvolvidas por completo e há uma certa dificuldade na adaptação do que foi aprendido em 2D para o mundo real em 3D.

Nos cinco primeiros  anos de vida da criança (dando ênfase aos 3 primeiros), deve-se priorizar o enriquecimento cognitivo, desenvolvimento de habilidades cognitivas, por meio da interação familiar e ambiental, e, embora não compreenda os processos cognitivos, os processos emocionais na criança também devem ser zelados a fim de que não ocorram prejuízos no desenvolvimento cognitivo (19-21), uma vez que  há indícios que crianças que crescem em ambientes onde elas são obrigadas a manter-se em estado de alerta por muito tempo (advindo do medo/stress) têm alto risco de sofrer alterações/danos no desenvolvimento neuronal e cognitivo (22).

Além do mais, as habilidades, tanto cognitivas como socioemocionais, sofrem influência de variáveis ambientais, não só na infância, mas ao longo da vida (21). Outros autores (23), afirmam que a interação bebê-pais/cuidadores estabelece uma relação de ‘apego’, que possibilita exploração mais competente para com o meio, exercendo um importante papel na organização do comportamento da criança, e promovendo promoção do desenvolvimento cognitivo.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) afirma que a presença dos pais e cuidadores não pode ser substituída por telas e tecnologias, pois nos primeiros 1000 dias no pós natal são importantes para o desenvolvimento neuropsicológico, assim como o período que subsede conhecido como pré-escolar e o escolar (7).

O uso de telas pode comprometer principalmente a quantidade de exposição de EN em que a criança terá contato, através do isolamento tela-individuo, característico do manuseio dessa tecnologia, uma vez que se convenciona que os EN, principalmente quando se trata de contato advindo dos pais/cuidadores, contribuem significativamente para o desenvolvimento cognitivo, principalmente no que tange à linguagem, ou em funções elevadas que estão ainda em formação, como um dos tripés das funções executivas e da inibição(6, 16, 19, 24 - 26).

Conforme dois estudos (7, 27) o cérebro humano não tem mecanismos adaptativos o suficiente para o convívio com os Estímulos Digitais (ED), pois o mesmo carece de moderação sensorial, sono e nutrição adequadas, atividade física, presença humana, e, utilizando o termo utilizado pelo autor ‘nutrição cognitiva’ adequada. Sem esses, o cérebro segue funcionando, porém, com comprometimento potencial, fazendo perder períodos chaves de plasticidade cerebral, que dificilmente serão recuperados em outros momentos da vida.

Os autores ainda corroboram que o ‘frenesi digital’ prejudica de maneira grave o desenvolvimento intelectual do infante e gera um ‘empobrecimento cognitivo’ devido ao decorrer demasiado de horas de ‘distração passiva’.

De acordo com dois estudos (26, 28), há primazia no que tange a EN advindos da interação com objetos, brinquedos e pessoas, no desenvolvimento de habilidades relacionadas ao processo cognitivo (PC) atenção, sendo fundamental nos primeiros anos de vida, ainda chegando a afirmar que o uso abusivo de tecnologias pode estar relacionado a déficits nesse mesmo PC.

Há relação entre o TT e prejuízos na aquisição de memória e a capacidade de aprendizagem, os autores também relatam riscos aumentados de transtornos mentais. No que tange à memória, uma arguição possível é na relação de redução da necessidade de esforço para armazenar a informação, em decorrência ao fácil acesso da mesma, pelos dispositivos (4).

Um dos estudos (27) enfatiza que a fragilização do vínculo entre pais/cuidadores que as telas/tecnologia podem causar, gerando problemas relacionadas ao desenvolvimento da linguagem, atenção e na habilidade de lidar com os limites impostos.

No que tange a linguagem, evidenciou-se que em  crianças de 18 meses, cada meia hora diária passada na frente de telas aumenta em 2,5 vezes a probabilidade de atrasos no desenvolvimento da linguagem, e em crianças de 24 a 30 meses conforme mais TT (limite de até 1 hora) maior a possibilidade de aumento de dificuldades de desenvolvimento da linguagem verbal, sendo além de 1h, especificamente ‘1h-2h’, ‘2h-3h’ e ‘>3h’ respectivamente representaram aumento de ‘1,45’, ‘2,75’ e ‘3,05’, na probabilidade de atraso(27). Outros autores (29) corroboram em relação ao aumento do risco de atraso no desenvolvimento nos domínios da comunicação.

Estudos citam que há relação entre o maior TT e casos de atraso cognitivo e de linguagem socioemocional, ocasionando uma problemática que terá maior impacto no futuro dessa criança, não somente no que tange à adaptabilidade social, mas também relacionada ao déficit de subsídios necessários para que a criança desenvolva mecanismos de regulação emocional e/ou de habilidades relacionadas ao controle inibitório (6, 7, 12, 29,).

De maneira geral, a infância por ser um período de desenvolvimento crítico, onde bases de personalidade e desenvolvimento de habilidades essenciais cognitivas como linguagem, interpretação reconhecimento de objetos, planejamento executivo, entre outros, se tolhida a exposição aos s e exacerbada a exposição à Estímulos Digitais (ED) podem ocorrer prejuízos irreversíveis nos Processos Cognitivos (PC) memória, linguagem e atenção, na capacidade de concentração e sono (30).

IMPACTOS COMPORTAMENTAIS

A bibliografia indica que os impactos advindos do uso das telas também compreendem a esfera comportamental e, de uma forma mais ampla, o desempenho e interação da criança nos ambientes onde se encontra inserida.

Esta realidade tem sido motivo de preocupação devido o impacto negativo na vida infantil, pois assim como iremos explanar a frente, as principais alterações comportamentais encontradas na bibliografia com relação ao TT estão relacionadas às alterações no padrão de sono, hiperatividade, isolamento, sedentarismo e irritabilidade, afetando não só os padrões comportamentais mas também processos psicológicos cognitivos e emocionais (6, 7, 8, 12, 26, 31).

Quando o aumento do TT entra no período noturno a exposição à luz contribui com a estimulação do núcleo supraquiasmático que acaba interferindo no processo de produção de melatonina (diminuindo a secreção), que corrobora com a maior dificuldade para a criança dormir, influenciando também na qualidade do sono e na sua capacidade reparadora. Alguns autores citam que a estimulação advinda do uso de telas antes de dormir pode desencadear episódios de terrores noturnos; podendo desembocar em sonolência diurna, diminuição da capacidade de memorização e concentração e em alguns casos podendo estar relacionada ao aumento de hiperatividade e episódios ansiosos (4, 7, 13, 14, 26, 30, 31, 32, 33).

Além das recomendações de limitação de TT por dia, ainda recomenda-se a não utilização de telas durante a alimentação, pois isso pode se configurar como fator colaborativo de maior ingesta calórica  e redutor de controle habitual de ingesta alimentar, assim como redutor de sinais de saciedade (7). Alguns autores afirmam haver significativo potencial de correlacão entre maior TT e utilização de Telas durante a alimentação (6, 24). Outros seguem apresentando existencia de relação entre o elevado TT e o desenvolvimento de comportamentos mais sedentários, de isolamento e de menor frequência de realização de atividades fisicas, o que propicia maiores chances de desenvolvimento de obesidade (14, 33).

Quando se associa a manipulação de dispositivos com telas (> de 5h/dia), em especial no período noturno, e uma baixa oferta e realização de atividades fisicas, pode-se propriciar um pior bem-estar psicossocial e aparecimento de sintomas depressivos e/ou ansiedade; a depender do conteúdo acessado pode corroborar em diminuição de empatia (por exemplo conteúdos violentos) (14, 30, 32, 34).

Ademais, autores (7, 8, 14) corroboram no que se trata de que o uso de dispositivos de maneira excessiva pode gerar problemas comportamentais relacionado a episódios de dependências das telas, episódios esses semelhantes aos de dependência de substancias psicoativas.

ALTERAÇÕES NA VIDA ESCOLAR

De forma geral, todos esses impactos interferem de maneira global na vida da criança, principalmente no sistema escolar, segundo sistema onde a mesma se insere após o familiar. Nesse sentido, dimensões como cognitiva, emocional ou somática são afetadas, comprometendo a rotina escolar da criança (5).

O desenvolvimento integral saudável propicia, nas crianças, facilidade adaptativa, melhor processo de aquisição de conhecimento, entre outras características que contribuem com bom desempenho escolar, logo, espera-se que crianças com TT excessivo apresentem dificuldade na jornada escolar (7, 33).

Determinados autores (30, 32), consideram que em consequência do alto TT há um decaimento no desempenho escolar, relacionando-os aos prejuízos relacionadas a alterações comportamentais supramencionadas, enfatizando a piora da saúde mental e dificuldades de concentração. Há ênfase a respeito de um desmoronamento das trocas interpessoais, o bombardeio perceptivo, as alterações nos padrões de sono, a amplificação das condutas relacionadas ao sedentarismo e a insuficiência de estimulação intelectual, como efeito do uso de telas na infância, e que pode estar diretamente relacionado com o comprometimento não só de desempenho, mas da vida escolar da criança (14, 27, 35).

Outro fator que pode interferir negativamente na vida escolar que se chama de síndrome de visão computacional, que é compreendida como visão embaçada e/ou turva, irritação ocular e a longo prazo miopia, sendo esse outro fator de dificuldade na vida escolar relacionada a aprendizagem (7, 33).

CONCLUSÃO

Observou-se que a manipulação de mídias digitais (telas) por crianças evidencia uma quantidade consubstancial de impactos neuropsicológicos, inclusive muito mais do que conjecturou-se inicialmente.

A ocorrência de estímulo digital recorrente acima do TT recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), Associação Americana de Pediatria (APA), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), representa perigo em relação a aparecimento de danos nas dimensões neurológica, cognitiva, comportamental e social da criança.

Os principais impactos neuropsicológicos encontrados na pesquisa foram, alterações na superfície cerebral em pré-escolares, evidenciado por menor integridade microestrutural das porções de substância branca (relacionada às habilidades de alfabetização e linguagem), menor profundidade sulcal cortical no giro supramarginal direito, no giro pós-central e no giro lingual (responsável pelo reconhecimento de letras impressas). Além disso, maior TT foi relacionado ao ‘empobrecimento cognitivo’ em função da ‘distração passiva’, comprometendo processos cognitivos como atenção, memória, aprendizagem, e linguagem verbal e socioemocional.

No que tange aos impactos comportamentais, os principais achados foram alterações no padrão de sono, hiperatividade, isolamento, sedentarismo e irritabilidade, episódios de dependências das telas, pior bem-estar psicossocial e aparecimento de sintomas depressivos e síndrome de visão computacional.

O desenvolvimento motor infantil faz parte do processo de maturação adaptativa necessária, logo, deve-se atentar a tendência ao isolamento e sedentarismo que o excesso de TT pode ocasionar, sem contar com outros problemas citados.

Enfatiza-se que, além do TT ser controlado para os escores recomendados, se faz necessário o controle do conteúdo da interação criança-dispositivo de tela, atentando-se a necessidade de co-visualização, ou seja, criança deve ser monitorada no que se diz respeito à utilização de dispositivos para interações com mídias educativas que mantenham o nível de estimulação cognitiva esperado para esse período. Pois o fator ‘TT/ qualidade do estimulo digital’, pode ser benéfico para a criança se em tempo adequado e utilizado para interação de conteúdos que gerem enriquecimento cognitivo, como por exemplo, mídias educativas, e não só entretenimento, onde podem ser melhorados capacidade de memória e raciocínio perceptivo.

Porém, embora haja consenso que existem benefícios advindos da interação com as mídias digitais, em relação a crianças, ainda sim toma-se como padrão preferencial, na literatura, a interação com estímulos advindos de fontes não digitais e da socio-interatividade afetiva com os pais/cuidadores e pares.

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