IMPACTO DAS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS NA SAÚDE BUCAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOCIALMENTE VULNERÁVEIS
THE IMPACT OF SOCIOECONOMIC CONDITIONS ON THE ORAL HEALTH OF SOCIALLY VULNERABLE CHILDREN AND ADOLESCENTS
EL IMPACTO DE LAS CONDICIONES SOCIOECONÓMICAS EN LA SALUD BUCODENTAL DE NIÑOS Y ADOLESCENTES SOCIALMENTE VULNERABLES
Autores:
Raquel da Costa dos Santos
Cirurgiã-Dentista/São Leopoldo Mandic
ORCID: https://orcid.org/0009-003–2576-0508
Ingrid Quaresma Diniz de Queiroz
Doutora em Odontologia/UNICEPLAC
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3031-8311
Rafaela Sabino e Andrade
Estudante de Doutorado em Odontologia/Universidade de Brasília-UnB. Cirurgiã-dentista, mestre, especialista em Odontopediatria e Ortodontia
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8117-1535
Érica Torres de Almeida Piovesan
Doutora em Odontologia/Universidade de Brasília-UnB
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8124-954X
RESUMO
Objetivo: Analisar o impacto das condições socioeconômicas na saúde bucal de crianças e adolescentes vulneráveis, considerando escolaridade do chefe da família, renda e disparidades étnicas e de gênero. Métodos: Estudo transversal com 267 crianças e adolescentes (idade média: 6,7 anos) de escolas sem fins lucrativos do Distrito Federal, Brasil. Foram coletados dados sociodemográficos e clínicos (ceo-d, CPO-D), analisados estatisticamente para avaliar associações com condições orais. Resultados: Escolaridade e renda per capita correlacionaram-se significativamente com cárie, sendo mais prevalente em famílias de baixa escolaridade (decídua: 52,5%, permanente: 60,5%). Crianças pardas apresentaram maior prevalência de cáries (58,9%) que brancas (29,1%). O CPO-D foi maior entre meninas. Houve correlação positiva entre idade e cárie em dentes permanentes. Conclusão: Fatores socioeconômicos influenciam a saúde bucal infantil, acentuando desigualdades raciais e de gênero. Os achados reforçam a necessidade de políticas públicas para ampliar o acesso à saúde bucal e estratégias preventivas para populações vulneráveis.
DESCRITORES: Saúde bucal; Saúde Pública; Condições Socioeconômicas; Cárie Dentária; Vulnerabilidade Social; Escolaridade.
ABSTRACT
Objective: To analyze the impact of socioeconomic conditions on the oral health of vulnerable children and adolescents, considering household head education, income, and ethnic and gender disparities. Methods: Cross-sectional study with 267 children and adolescents (mean age: 6.7 years) from non-profit schools in the Federal District of Brazil. Sociodemographic and clinical data (dmft, DMFT) were collected and statistically analyzed to assess associations with oral health conditions. Results: Education and per capita income were significantly correlated with dental caries, with higher prevalence in families with lower education levels (primary dentition: 52.5%, permanent dentition: 60.5%). Brown-skinned children had a higher prevalence of caries (58.9%) than white children (29.1%). The DMFT index was higher among girls. A positive correlation was observed between age and caries in permanent teeth. Conclusion: Socioeconomic factors influence children's oral health, exacerbating racial and gender inequalities. The findings highlight the need for public policies to expand access to oral healthcare and preventive strategies for vulnerable populations.
DESCRIPTORS: Oral Health; Public Health; Socioeconomic Conditions; Dental Caries; Social Vulnerability; Education Level.
RESUMEN
Objetivo: Analizar el impacto de las condiciones socioeconómicas en la salud bucal de niños y adolescentes vulnerables, considerando la escolaridad del jefe de familia, el ingreso y las disparidades étnicas y de género. Métodos: Estudio transversal con 267 niños y adolescentes (edad media: 6.7 años) de escuelas sin fines de lucro en el Distrito Federal, Brasil. Se recolectaron datos sociodemográficos y clínicos (ceo-d, CPO-D), analizados estadísticamente para evaluar asociaciones con las condiciones de salud bucal. Resultados: La escolaridad y el ingreso per cápita se correlacionaron significativamente con la caries dental, con mayor prevalencia en familias con menor nivel educativo (dentición primaria: 52.5%, dentición permanente: 60.5%). Los niños de piel morena presentaron mayor prevalencia de caries (58.9%) en comparación con los niños blancos (29.1%). El índice CPO-D fue mayor entre las niñas. Se observó una correlación positiva entre la edad y la caries en dientes permanentes. Conclusión: Los factores socioeconómicos influyen en la salud bucal infantil, acentuando las desigualdades raciales y de género. Los hallazgos refuerzan la necesidad de políticas públicas que amplíen el acceso a la atención odontológica y estrategias preventivas dirigidas a poblaciones vulnerables.
DESCRIPTORES: Salud Bucal; Salud Pública; Condiciones Socioeconómicas; Caries Dental; Vulnerabilidad Social; Escolaridad.
Recebido: 10/03/2025 Aprovado: 20/03/2025
Tipo de artigo: Artigo Original
INTRODUÇÃO
As doenças bucais, embora amplamente evitáveis, continuam sendo um desafio global de saúde pública, afetando indivíduos ao longo da vida e resultando em dor, desconforto e, em casos extremos, complicações graves (1). Entre essas doenças, a cárie dentária se destaca por sua alta prevalência e impacto significativo na qualidade de vida. O Global Burden of Disease (GBD) estimou que, em 2017, a cárie em dentes decíduos afetava 7,8% (IC 95%: 6,5–9,1%) da população mundial, totalizando 532 milhões de casos (IC 95%: 443–622 milhões). Já a cárie em dentes permanentes apresentou uma prevalência de 29,4% (IC 95%: 26,8–32,2%), atingindo 2,3 bilhões de pessoas (IC 95%: 2,1–2,5 bilhões) (2). No Brasil, a prevalência de cárie em dentes decíduos foi de 7% (IC 95%, 5,4% a 8,4%), com 11 milhões de casos (IC 95%, 8 a 13 milhões) no mesmo período.
Além das consequências clínicas, a cárie dentária compromete a qualidade de vida das crianças, causando dor, dificuldades na alimentação, distúrbios do sono e prejuízo no desempenho escolar. Em casos mais graves, pode resultar em infecções e hospitalizações (3). O reconhecimento da saúde bucal como parte integrante da saúde geral foi recentemente reforçado pela Declaração de Bangkok de 2024 (4), que destaca a necessidade de políticas integradas para reduzir desigualdades em saúde. Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica enfrentam desafios adicionais, como acesso limitado a serviços odontológicos, barreiras educacionais para práticas adequadas de higiene bucal e dificuldades na adoção de uma alimentação saudável devido a restrições financeiras (5). Assim, a cárie dentária não deve ser compreendida apenas como uma condição biológica, mas como uma doença socialmente determinada, influenciada por fatores como renda familiar, nível educacional dos pais e comportamentos familiares (6, 7).
Estudos indicam que crianças pertencentes a famílias com menor renda e menor nível de escolaridade dos responsáveis apresentam maior risco de desenvolver cárie e outras condições bucais adversas. Além disso, o estado psicológico e as atitudes dos pais impactam diretamente na saúde bucal infantil, com destaque para a influência maternal (8). Dessa forma, a saúde bucal é um reflexo não apenas de fatores individuais e biológicos, mas também das desigualdades sociais e das condições de vida da população (9).
A equidade na atenção odontológica exige a implementação de políticas públicas que reduzam as disparidades no acesso e na qualidade dos serviços prestados. A Carta de Ottawa reforça a importância da promoção da saúde em diferentes esferas, como escolas e comunidades, para garantir mudanças efetivas e sustentáveis (10, 11). Apesar dos avanços na odontologia e no desenvolvimento de políticas públicas, persistem lacunas significativas no cuidado odontológico de populações vulneráveis, especialmente crianças e adolescentes, evidenciando a necessidade de estudos que aprofundem a compreensão dos fatores que contribuem para essas desigualdades (12).
Diante desse cenário, este estudo tem como objetivo avaliar a relação entre condições socioeconômicas e saúde bucal em crianças e adolescentes socialmente vulneráveis no Distrito Federal. A identificação de fatores de risco associados a essa população fornecerá subsídios para o desenvolvimento de intervenções mais eficazes e para a formulação de políticas públicas que promovam a equidade em saúde.
MÉTODO
Desenho do estudo e população amostral
Este estudo transversal foi conduzido em cinco instituições de ensino sem fins lucrativos no Distrito Federal (DF, Brasil), incluindo pré-escolas e escolas. Os participantes incluíram todas as crianças e adolescentes (0 a 18 anos) em situação de vulnerabilidade socioeconômica que frequentavam as instituições envolvidas na pesquisa. Os pais ou responsáveis legais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e as crianças com mais de 6 anos assinaram o Termo de Assentimento. Não foram aplicados critérios de exclusão.
Coleta de dados
A equipe de campo foi composta por dentistas (professores e preceptores) e estudantes de graduação matriculados no Estágio em Atenção Primária (fevereiro a julho de 2024) no curso de Odontologia do UDF. O treinamento da equipe incluiu uma palestra teórica de 4 horas, abordando imagens de dentes saudáveis e com alterações, a fim de padronizar os critérios diagnósticos. O exercício de calibração foi realizado com escolares da mesma faixa etária dos participantes do estudo, garantindo que um nível adequado de concordância intraexaminador fosse atingido antes do início da coleta de dados. Durante o estudo principal, o coeficiente de concordância intraexaminador (kappa ponderado) foi de 1,00 para dentes permanentes e 0,84 para dentes decíduos, indicando alta reprodutibilidade dos exames. Os questionários socioeconômicos e de saúde foram aplicados nas dependências das instituições por dentistas treinados e também calibrados em 4 encontros, para evitar que a resposta dos pais fosse influenciada.
A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário de entrevista com os pais e um formulário de exame clínico. A equipe de campo aplicou o Questionário de Saúde Bucal Infantil da OMS aos pais, cobrindo informações demográficas e socioeconômicas. Os exames clínicos foram conduzidos dentro das instituições, utilizando macas portáteis, espelhos bucais e sondas da OMS. A cárie dentária foi avaliada pelo índice CPO-D, fornecendo uma medida abrangente da prevalência de cárie. Todos os exames foram realizados por dentistas treinados e calibrados com o Formulário de Exame Clínico para Pesquisas de Saúde Bucal da OMS. Todos os formulários incluíam um código da instituição e um identificador único da criança, os nomes foram omitidos para garantir a confidencialidade.
Análise dos dados
A análise estatística buscou descrever a prevalência das condições orais e investigar associações entre variáveis sociodemográficas e de saúde bucal. As variáveis categóricas foram expressas como valores absolutos e percentuais, e as associações entre essas variáveis (como sexo, etnia, escolaridade e renda) foram testadas por meio do teste qui-quadrado ou do teste Exato de Fisher, quando apropriado. Para estimar a magnitude das associações, foram calculadas as Razões de Prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) utilizando regressão de Poisson com variância robusta. As variáveis contínuas, como os índices CPO-D e ceo-d, foram comparadas entre os grupos utilizando o teste t de Student ou ANOVA, conforme aplicável. A confiabilidade intra e interavaliador foi avaliada pelo coeficiente Kappa. As análises estatísticas foram realizadas com o software Stata versão 17 (StataCorp, College Station, TX, EUA), sendo considerado significativo um p-valor inferior a 0,05.
Considerações Éticas
O estudo começou após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do UDF (CAAE: 78336324.9.0000.5650). Foi conduzido em total conformidade com a World Medical Association Declaration of Helsinki.
Os participantes e seus responsáveis foram informados sobre os objetivos do estudo, e os termos de consentimento e assentimento foram obtidos conforme a faixa etária. As crianças que necessitavam de tratamento odontológico receberam atendimento na própria instituição ou foram encaminhadas à Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima.
RESULTADOS
A análise de dados incluiu 267 crianças (idade média: 6,7 anos, DP: 0,9, intervalo: 0–18 anos), das quais 40,4% eram do sexo masculino e 59,6% do sexo feminino. A distribuição étnica mostrou que 50,6% se identificaram como pardos, 39% como brancos, 10,1% como negros e 0,3% como indígenas (Tabela 1).
Em relação ao nível socioeconômico das crianças, a maioria das famílias possui escolaridade do chefe da família com ensino médio completo ou superior (40,1%). Em seguida, 29,6% das famílias têm chefe de família com escolaridade até o ensino fundamental incompleto, e 30,3% possuem chefe de família com ensino fundamental completo ou ensino médio incompleto. Quanto à renda familiar, 31,8% das famílias ganham menos de 1 salário mínimo, 39% ganham entre 1 e 2 salários mínimos, e 29,2% possuem uma renda superior a 2 salários mínimos. A renda per capita revelou que 85,4% das crianças vivem com uma renda inferior a 1 salário mínimo por pessoa, enquanto 14,6% têm uma renda per capita superior a 1 salário mínimo (Tabela 1).
Tabela 1. Características demográficas e socioeconômicas da amostra (n=267).
Características da amostra | n | (%) | |
Sexo | |||
Feminino | 159 | 59,6% | |
Masculino | 108 | 40,4% | |
Etnia | |||
Branco | 104 | 39% | |
Pardo | 135 | 50,6% | |
Negro | 27 | 10,1% | |
Indígena | 1 | 0,3% | |
Asiático | 0 | 0 | |
Escolaridade do chefe da família | |||
Até o ensino fundamental incompleto | 79 | 29,6% | |
Ensino fundamental completo ou ensino médio incompleto | 81 | 30,3% | |
Ensino médio completo ou superior | 107 | 40,1% | |
Renda familiar (salários mínimos) | |||
Menos de 1 salário mínimo | 85 | 31,8% | |
Entre 1 e 2 salários mínimos | 104 | 39% | |
Mais de 2 salários mínimos | 78 | 29,2% | |
Renda per capita (salários mínimos) | |||
Menos de 1 salário mínimo por pessoa | 228 | 85,4% | |
Mais de 1 salário mínimo por pessoa | 39 | 14,6% |
No geral, 18,7% das crianças tiveram experiência de cárie na dentição decídua e 18% na dentição permanente, com 15,7% e 16,9% apresentando lesões de cárie não tratadas nos dentes decíduos e permanentes, respectivamente. Além disso, 3% exibiram lesões na mucosa oral, como úlceras e outras condições, e 2,6% mostraram graus variados de fluorose dentária.
As associações entre fatores demográficos com condições orais foram analisadas. Não houve diferença no índice ceo-d médio entre meninas (0,83, DP: 2,07, intervalo: 0–13) e meninos (0,40, DP: 1,48, intervalo: 0–13). No entanto, o índice CPO-D médio foi maior em meninas (1,71, DP: 4,26, intervalo: 0–19) do que em meninos (0,40, DP: 1,34, intervalo: 0–9).
Em termos de etnia, o índice ceo-d médio foi de 0,61 (DP: 1,54) para crianças brancas, 1,01 (DP: 2,09) para pardas e 1,00 (DP: 1,34) para crianças negras, indicando uma maior carga de cárie em grupos pardos e negros em comparação com crianças brancas. Os grupos indígenas e asiáticos tiveram índices ceo-d e CPO-D médios de 0,0, sugerindo ausência de cárie ou observações insuficientes (Tabela 2).
Além disso, 58,9% das crianças pardas e 23,3% das crianças negras apresentaram lesões de cárie, em comparação com 29,1% das crianças brancas. A Razão de Prevalência (RP) para a presença de cárie entre crianças pardas foi de 2,02 (IC95%: 1,55–2,64) em comparação com crianças brancas, indicando maior vulnerabilidade das crianças pardas à cárie dentária. Não foi identificada uma associação estatisticamente significativa entre a etnia negra e a presença de cárie (RP = 0,80, IC95%: 0,52–1,22).
A análise de regressão revelou diferentes correlações para a dentição decídua e permanente. Para os dentes decíduos, foi observada uma correlação fraca com a idade (R² = 1,67%), com um coeficiente de idade de -0,20, sugerindo uma ligeira diminuição não significativa na cárie com o aumento da idade (p = 0,083). Por outro lado, para os dentes permanentes, foi encontrada uma correlação moderada (R² = 16,22%), com um coeficiente de idade de 0,59, indicando um aumento esperado de aproximadamente 0,59 cáries por ano, o que foi estatisticamente significativo (p < 0,001).
A associação entre o nível socioeconômico e as condições orais também foi analisada. As crianças provenientes de famílias com baixa escolaridade do chefe da família apresentaram um índice de cárie significativamente maior, com 52,5% delas exibindo lesões de cárie na dentição decídua, em comparação com 40,7% das crianças cujos responsáveis possuíam ensino médio ou superior (p < 0,001). A Razão de Prevalência (RP) para a presença de lesões de cárie em crianças de famílias com baixa escolaridade foi de 1,29 (IC95%: 1,10–1,52), indicando uma maior prevalência em relação às crianças de famílias com maior nível educacional.
A prevalência de cárie dentária na dentição permanente também foi maior entre as crianças de famílias com renda per capita inferior a 1 salário mínimo, com 60,5% apresentando cáries não tratadas, contra 34,7% das crianças de famílias com renda per capita superior a 1 salário mínimo (p < 0,05). A RP para cárie não tratada na dentição permanente em crianças de famílias com renda per capita inferior a 1 salário mínimo foi de 1,74 (IC95%: 1,25–2,41), evidenciando um impacto significativo da renda na presença de cárie.
O índice CPO-D foi significativamente mais alto entre as crianças de famílias com menor escolaridade (2,5, DP: 4,8) em comparação com aquelas de famílias com maior nível educacional (1,3, DP: 3,1; p < 0,05), conforme ilustrado na tabela 2.
A análise destacou que 53,9% das crianças necessitaram de alguma forma de tratamento odontológico, incluindo selantes, restaurações, coroas, procedimentos endodônticos ou extrações.
Tabela 2. Comparação dos índices ceo-d e CPO-D de acordo com as características demográficas e socioeconômicas
ceo-d | CPO-D | ||||||
Média | (DP) | Média | (DP) | ||||
Sexo | |||||||
Meninas | 0,83 | (2,07) | 1,71 | (4,26) | |||
Meninos | 0,40 | (1,48) | 0,40 | (1,34) | |||
P-valor | 0,055 | 0,001 | |||||
Etnia | |||||||
Branco | 0,61 | (1,54) | 1,03 | (4,64) | |||
Pardo | 1,01 | (2,09) | 1,14 | (3,61) | |||
Negro | 1,00 | (1,34) | 0,76 | (2,87) | |||
Indígena* | 0 | 0 | 0 | 0 | |||
Asiático* | 0 | 0 | 0 | 0 | |||
P-valor | 0,04 | <0,001 | |||||
Escolaridade do chefe da família | |||||||
Até o ensino fundamental incompleto | 2,5 | (4,8) | 2,0 | (3,5) | |||
Ensino fundamental completo/ensino médio incompleto | 1,8 | (3,2) | 1,5 | (2,8) | |||
Ensino médio completo ou superior | 1,3 | (3,1) | 1,0 | (2,5) | |||
P-valor | 0,02 | <0,001 | |||||
Renda familiar (salários mínimos) | |||||||
Menos de 1 salário mínimo | 2,4 | (4,5) | 2,6 | (3,9) | |||
Entre 1 e 2 salários mínimos | 1,2 | (3,0) | 1,1 | (2,4) | |||
Mais de 2 salários mínimos | 0,9 | (2,2) | 1,0 | (2,0) | |||
P-valor | 0,03 | 0,04 | |||||
Renda per capita (salários mínimos) | |||||||
<1 salário mínimo por pessoa | 2,7 | (4,6) | 2,9 | (4,0) | |||
>1 salário mínimo por pessoa | 1,0 | (2,3) | 0,9 | (2,1) | |||
P-valor | <0,001 | <0,001 |
* Ausência de dados para as etnias indígena e asiática.
DISCUSSÃO
Os achados deste estudo destacam desafios persistentes e disparidades significativas na saúde bucal de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade no Distrito Federal, Brasil. A análise dos dados de 267 crianças, com idade média de 6,7 anos, revelou uma elevada prevalência de cárie dentária, com 18,7% apresentando experiência de cárie na dentição decídua e 18% na dentição permanente. Esses índices estão acima da média relatada para o Distrito Federal na Pesquisa Nacional de Saúde Bucal SB Brasil 2020/2023 (13), indicando uma carga desproporcional da doença nessa população. Os resultados corroboram estudos prévios (9), que evidenciam a persistência da cárie em populações pediátricas de países em desenvolvimento, onde fatores socioeconômicos, acesso limitado a serviços odontológicos e hábitos inadequados de higiene bucal e dieta desempenham um papel determinante.
A alta taxa de cárie não tratada (15,7% na dentição decídua e 16,9% na dentição permanente) reforça a necessidade de estratégias preventivas e restauradoras eficazes, especialmente em comunidades socialmente vulneráveis. O maior índice CPO-D médio entre meninas em comparação aos meninos está alinhado com achados anteriores (14), e pode ser explicado por diferenças nos hábitos alimentares, fatores hormonais que influenciam a mineralização dentária e uma possível maior preocupação estética entre as meninas, que pode impactar seus comportamentos de autocuidado. Entretanto, a diferença entre os sexos não foi estatisticamente significativa na dentição decídua, sugerindo que outros fatores, como determinantes sociais e ambientais, exercem maior influência na ocorrência da cárie nessa faixa etária. Conforme apontado por Abreu et al. (15), a abordagem das desigualdades em saúde bucal deve considerar o contexto social e econômico no qual essas crianças estão inseridas.
As disparidades socioeconômicas evidenciadas neste estudo também refletem o impacto das condições de vida na saúde bucal infantil. A análise demonstrou que crianças cujos responsáveis tinham menor nível de escolaridade apresentaram índices mais elevados de cárie dentária, com 52,5% delas exibindo lesões de cárie na dentição decídua, em comparação com 40,7% daquelas crianças cujos responsáveis possuíam ensino médio ou superior. A Razão de Prevalência (RP) para a presença de cárie na dentição decídua em crianças de famílias com menor escolaridade foi de 1,29 (IC95%: 1,10–1,52), indicando uma prevalência significativamente maior nesse grupo. Essa diferença é consistente com a literatura (16, 17), que aponta a escolaridade dos pais como um fator determinante na adoção de hábitos saudáveis e na busca por cuidados odontológicos regulares. Além disso, a associação entre baixa renda per capita e maior prevalência de cárie na dentição permanente (60,5% versus 34,7% entre crianças de maior renda) evidencia que barreiras financeiras podem limitar o acesso a serviços odontológicos preventivos e terapêuticos, agravando a progressão da doença. A RP para cárie não tratada na dentição permanente em crianças de famílias com renda per capita inferior a 1 salário mínimo foi de 1,74 (IC95%: 1,25–2,41), sugerindo um impacto substancial da renda na prevalência da cárie.
As desigualdades raciais também foram evidenciadas, com maior prevalência de cárie entre crianças pardas (58,9%) e negras (23,3%), em comparação com crianças brancas (29,1%). Esses achados estão em consonância com pesquisas que indicam que grupos raciais historicamente marginalizados tendem a enfrentar maiores dificuldades no acesso a serviços de saúde, seja por fatores econômicos, culturais ou estruturais (18). A RP para presença de cárie entre crianças pardas foi de 2,02 (IC95%: 1,55–2,64) em relação às crianças brancas, enquanto para crianças negras a RP foi de 0,80 (IC95%: 0,52–1,22), sugerindo que crianças pardas apresentam maior vulnerabilidade à cárie dentária. Nesse sentido, políticas públicas devem priorizar a equidade no acesso à saúde bucal, garantindo a inclusão de grupos vulneráveis em programas preventivos e assistenciais.
A relação entre idade e ocorrência de cárie também apresentou particularidades. A análise dos dentes decíduos indicou uma correlação fraca e não significativa com a idade, sugerindo que outros fatores, como hábitos de higiene e dieta, podem exercer maior influência nessa dentição (19). Em contraste, a correlação moderada e estatisticamente significativa entre idade e cárie em dentes permanentes reforça a necessidade de medidas preventivas contínuas, especialmente durante a transição da dentição mista para a permanente, período crítico para o desenvolvimento de hábitos saudáveis (20).
A elevada necessidade de tratamento odontológico identificada (53,9%) ressalta a urgência de estratégias abrangentes de promoção e recuperação da saúde bucal. As intervenções implementadas neste estudo, como exames clínicos, escovação supervisionada, aplicações de flúor e tratamentos restauradores atraumáticos (ART), demonstram o potencial das ações coletivas no controle da cárie em populações vulneráveis. No entanto, o encaminhamento de 37 crianças para atendimento especializado destaca a necessidade de fortalecer a infraestrutura de serviços odontológicos e garantir o acesso contínuo a cuidados de maior complexidade.
Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Por se tratar de um estudo transversal, não é possível estabelecer relações de causalidade entre as variáveis socioeconômicas e os desfechos de saúde bucal. Além disso, a amostra foi composta por crianças e adolescentes atendidos em instituições escolares de uma região específica, o que pode limitar a generalização dos achados para outras populações com diferentes características socioeconômicas e culturais. Outro aspecto a ser considerado é a possibilidade de viés de informação decorrente da coleta de dados autorrelatados, especialmente em relação às condições socioeconômicas. Apesar dessas limitações, o estudo contribui para o entendimento das desigualdades em saúde bucal e reforça a necessidade de políticas públicas voltadas à equidade no acesso aos serviços odontológicos.
Apesar dessas limitações, os achados deste estudo fornecem evidências importantes sobre as desigualdades em saúde bucal e reforçam a necessidade de intervenções direcionadas. Diante desses achados, fica evidente que a melhoria dos indicadores de saúde bucal nessa população exige uma abordagem intersetorial que aborde determinantes sociais e econômicos. Programas de saúde bucal nas escolas, aliando educação e assistência odontológica, podem contribuir significativamente para a redução das desigualdades observadas. Além disso, políticas públicas voltadas à ampliação do acesso a serviços odontológicos e ao fortalecimento da atenção primária são essenciais para mitigar as barreiras socioeconômicas que perpetuam o ciclo de doenças bucais não tratadas.
CONCLUSÃO
Os achados deste estudo reafirmam o impacto determinante dos fatores socioeconômicos na saúde bucal infantil, evidenciando que crianças de famílias com menor nível de escolaridade e renda apresentam maior prevalência de cárie dentária e menor acesso a cuidados odontológicos. Essas desigualdades ressaltam a necessidade urgente de políticas públicas que integrem ações preventivas e assistenciais, especialmente em comunidades socialmente vulneráveis. Além disso, a associação entre barreiras socioeconômicas e piores indicadores de saúde bucal indica que intervenções isoladas são insuficientes, tornando essencial a adoção de estratégias intersetoriais que promovam educação em saúde, ampliem o acesso equitativo a serviços odontológicos e reduzam as disparidades sociais. Nesse contexto, a implementação de programas escolares de promoção da saúde bucal, aliada ao fortalecimento da atenção primária, pode desempenhar um papel fundamental na mitigação dessas desigualdades a realização da investigação e potenciais aspectos que possam permitir futuras pesquisas.
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