DESAFIO PARA O CAMPO SAÚDE DO TRABALHADOR NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO: TRABALHO IMIGRANTE E TRABALHO INFANTIL TEMPORANEO 

CHALLENGES FOR THE WORKER´S HEALT FIELD IN THE COTEMPORARY CONTEXT: IMMIGRANT WORK AND CHILD LABOR

DESAFÍOS PARA EL ÁMBITO DE LA SALUD DEL TRABAJADOR EM EL CONTEXTO CONTEMPORÁNEO: TRABAJO INMIGRANTE Y TRABAJO INFANTIL

Letícia Alves Carvalho - Mestranda do Programa de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador/Universidade Federal de Uberlândia.  ORCID: 0000-0002-6867-5317

Kariciele Cristina Corrêa -  Mestranda do Programa de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador/Universidade Federal de Uberlândia. ORCID: 0000-0002-4529-2356

Helenitta Melo da Silva Alves Morais -  Mestranda do Programa de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador/Universidade Federal de Uberlândia. ORCID: 0000-0002-4552-8103

Márcio Paulo Magalhães -  Mestrando do Programa de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador/Universidade Federal de Uberlândia.  ORCID: 0000-0002-4009-8968

Paula Cardinalle de Queiroz Romão - Mestranda do Programa de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador/Universidade Federal de Uberlândia.  ORCID: 0000-0002-7444-9703

Vivianne Peixoto da Silva -  Docente do curso de Graduação em Saúde Coletiva e do Programa de Pós-graduação em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador.  ORCID: 0000-0002-6653-5062

RESUMO

Objetivo: A proposta deste artigo é apresentar a realidade vivenciada em uma cidade de grande porte sobre trabalho infantil e trabalho imigrante, de acordo com a visão sensível de três pessoas que possuem íntimo contato com os temas. Método: A metodologia escolhida foi o relato de experiência, sendo expostas informações sobre experiências vivenciadas nas referidas áreas, de modo contextualizado e com aporte teórico. Resultados: Foi possível identificar diversas situações que envolviam direta e indiretamente, os imigrantes, crianças e adolescentes em situação de trabalho. Dentre elas, chama à atenção as condições precárias de trabalho nas quais estavam inseridos os imigrantes e, a inserção de crianças e adolescentes em atividades laborais diversas. Conclusão: Considera-se necessário e urgente, esforços coletivos (governo, trabalhadores, empregadores e sociedade civil) para eliminação do trabalho infantil e a adoção de ações e políticas voltadas ao trabalhador imigrante para a erradicação da exploração de mão de obra dessa população.

DESCRITORES: Trabalho infantil; Migração Humana; Vigilância em saúde do trabalhador.

ABSTRACT

Objective: The purpose of this article is to present the reality experienced in a large city about child labor and immigrant labor, according to the sensitive view of three people who have intimate contact with the themes. Method: The methodology chosen was the experience report, exposing information about experiences lived in the referred areas, in a contextualized way and with theoretical support. Results: It was possible to identify several situations that directly and indirectly involved immigrants, children and adolescents in a work situation. Among them, attention is drawn to the precarious working conditions in which immigrants were inserted, and the insertion of children and adolescents in various work activities. Conclusion: It is considered necessary and urgent, collective efforts (government, workers, employers and civil society) to eliminate child labor and the adoption of actions and policies aimed at immigrant workers to eradicate the exploitation of labor in this population.

DESCRIPTORS: Child labor; Human migration; Occupational health surveillance.

RESUMEN

Objetivo: El propósito de este artículo es presentar la realidad vivida en una gran ciudad sobre el trabajo infantil y el trabajo inmigrante, según la mirada sensible de tres personas que tienen contacto íntimo con los temas. Método: La metodología elegida fue el relato de experiencia, exponiendo información sobre experiencias vividas en los referidos espacios, de forma contextualizada y con sustento teórico. Resultados: Fue posible identificar varias situaciones que involucran directa e indirectamente a inmigrantes, niños y adolescentes en una situación laboral. Entre ellos, se llama la atención sobre las precarias condiciones laborales en las que se insertaron los inmigrantes, y la inserción de niños, niñas y adolescentes en diversas actividades laborales. Conclusión: Se considera necesario y urgente el esfuerzo colectivo (gobierno, trabajadores, empresarios y sociedad civil) para erradicar el trabajo infantil y la adopción de acciones y políticas dirigidas a los trabajadores inmigrantes para erradicar la explotación laboral en esta población.

DESCRIPTORES: Trabajo infantil; Migración Humana; Vigilancia de la salud ocupacional.

RECEBIDO: 16/01/2023

APROVADO : 07/05/2023

INTRODUÇÃO

O relato de experiência ora apresentado buscou contextualizar duas realidades distintas à princípio, mas que guardam relação entre si: “trabalho infantil” e “trabalho migrante”. Buscou-se contextualizar tais temas no Brasil, e as políticas públicas que amparam e garantem os direitos fundamentais da criança e do adolescente e do migrante internacional, bem como, as condições de trabalho dos migrantes no Brasil e em específico, no município estudado, mediante relato de experiência e material de domínio público.

Normalmente, as motivações para migrar estão atreladas a problemas econômicos, perseguições, violência, miséria e fome, dentre outras, o que coloca em risco a vida do migrante e de sua família 1.Assim, em relação ao trabalho, de modo geral, observa-se que os migrantes buscam a subsistência no primeiro momento, e não uma forma de explorar suas capacidades criativas e laborais, principalmente por falta de oportunidades, de documentação (em espacial aqueles oriundos de migração forçada) e/ou xenofobia.

No país de destino, dificilmente o migrante acessa de imediato, o direito à seguridade social e condições de trabalho dignas. Além disso, cabe destacar que no Brasil, as condições de trabalho têm sido colocadas em pauta, em função das reformas trabalhistas recentes. A esse respeito, Pochmann2 afirma que a precarização do trabalho é uma realidade brasileira que vem sendo intensa ao passo que o desemprego, os processos de terceirização, a ampliação do setor de prestação de serviços, as reformas neoliberais e a trabalhista, acentuaram as desigualdades no mundo do trabalho, com a desproteção social e trabalhista na classe que vive do seu trabalho 2.

No que tange à saúde no Brasil, os imigrantes e refugiados têm acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o território brasileiro, o que evidencia um grande avanço nos processos de inclusão 3. Existem também relatos positivos, como a contratação de migrantes de diferentes nacionalidades como agente comunitário de saúde (ACS) em determinados municípios do país, como é o caso do pioneirismo de São Paulo. Contudo, ainda estão presentes outros exemplos, como a xenofobia, violência e racismo, dentro dos serviços de saúde. Ainda merece destaque, a dificuldade de comprovação de endereço para cadastro em unidades de saúde, o idioma e a cultura dos migrantes, o que dificulta não só o acesso, como o atendimento e acompanhamento das demandas dessa população.

Desse modo, é indispensável que o Brasil exerça esforços sanitários e políticos inclusivos com a admissão dos migrantes nos sistemas de saúde, de forma a propiciar condições de vida, trabalho e saúde favoráveis, como também garantir que as políticas de saúde concedam a prevenção e segurança da população residente no país4.

Fato alarmante é a realidade do trabalho infantil, presente desde a antiguidade, na qual, relativo à menoridade, os filhos não eram considerados sujeitos de direito perante o Estado, mas sim, comparados a servos da autoridade familiar paterna 5.

Por milhares de anos, as crianças foram consideradas como ínferas aos adultos. Só na segunda metade do século XIX que ocorreram mudanças sobre a definição de “criança” e da concepção acerca da proteção da criança, em virtude do advento das Sociedades Protetoras da Infância e de expressões no campo jurídico como ‘proteção da infância’, ‘direitos da Criança’ e posteriormente, com Organizações Não Governamentais (ONGs) de proteção às crianças.

 A ocorrência do trabalho infantil é multifacetária e engloba vários ângulos, com vários fatores, entre eles, econômicos, educacionais, culturais e políticos para a sua manutenção e resultado, o que gera efeitos ao pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes6. Não obstante, da proteção jurídica presente e da articulação do sistema de garantias de direitos por meio de seus diversos órgãos, as crianças e adolescentes ainda detêm os seus direitos violados.

A criança, quando categorizada como refugiada ou imigrante possui maior vulnerabilidade, já que além da categoria migratória, defronta-se com sua situação enquanto ser humano de pouca idade e que necessita de proteção específica no âmbito internacional, regional e nacional.

No que concerne às normas do trabalho da criança migrante, no campo internacional existem diretrizes que atestam seus direitos. Ainda que não existam especificamente tais normas no Brasil, crianças e adolescentes migrantes detêm de direitos garantidos por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei de Migração, que alcança todos os migrantes7.

Deste modo, observa-se que, quando se trata de direitos e garantias de crianças e adolescentes, em sua maioria, as leis e convenções criadas além do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil cooperaram com as políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil, porém, na prática são insuficientes e merecem atenção e ações específicas capazes de identificar respostas fundamentadas em termos de políticas públicas.

Assim, o presente manuscrito objetivou retratar a realidade do trabalho migrante e do trabalho infantil como desafios contemporâneos a serem enfrentados pelo SUS no campo Saúde do Trabalhador.

Desse modo, indagamos: O que a sociedade civil, agentes públicos e organização social entendem e como agem em relação ao trabalho migrante e o trabalho infantil?   Munidos destes questionamentos, as experiências trocadas e conhecimentos sobre o tema guiaram a escrita deste artigo.

MÉTODOS  

O presente estudo descreve um relato de experiência, vivenciada pelos autores em sua prática de trabalho, que retrata a realidade de um município de grande porte do estado de Minas Gerais.

A experiência ora apresentada provém de um evento social realizado no município, no período de um dia e que envolveu várias instituições, agentes públicos e participantes da sociedade civil.

Durante o evento foi possível identificar diversas situações que envolviam direta e indiretamente, os migrantes, crianças e adolescentes em situação de trabalho. Dentre elas, chama à atenção as condições precárias de trabalho nas quais estavam inseridos os migrantes, e a inserção de crianças e adolescentes em atividades laborais diversas.

Ocorreram trocas de experiências e ouvido relatos dos participantes, provenientes de contatos informais empreendidos durante o evento. Os contatos se deram especialmente com membros de uma Organização Não Governamental (ONG) que atende a população migrante do município e região, com um agente público vinculado a uma instituição governamental e com uma imigrante haitiana, que está no Brasil desde outubro de 2017 que atualmente trabalha no setor saúde do município.

Quanto às questões éticas, os pontos aqui apresentados pautam-se em depoimentos livres e públicos, fruto de uma ação social pública. Portanto, os relatos aqui apresentados resguardam as questões de sigilo dos participantes e instituições envolvidas no referido evento, em acordo com os padrões éticos conforme resoluções do Conselho Nacional de Saúde.

Assim, apresenta-se a seguir os pontos que nortearam este relato de experiência e sua relação com pressupostos teóricos.

RELATO DE EXPERIÊNCIA 

RESULTADOS

A partir dos relatos obtidos e das experiências compartilhadas entre os atores envolvidos no município em questão, o presente relato de experiência traz à tona duas realidades encontradas: “trabalho migrante” e “trabalho infantil”.

Sobre as políticas públicas governamentais voltadas especificamente para os migrantes, os atores envolvidos neste relato afirmam conhecer a Convenção nº 97 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assinala que os imigrantes devem receber tratamento igualitário aos nacionais. Entretanto, são unânimes ao afirmar que na prática tal premissa não se efetiva e que os migrantes internacionais desconhecem a Convenção e seus direitos, em especial os trabalhistas e previdenciários. Esta afirmativa é corroborada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região quando versa que os imigrantes “desconhecem o funcionamento da Justiça brasileira e não sabe que lhes são assegurados os mesmos direitos trabalhistas garantidos aos brasileiros” 8.

Foi unânime entre os atores sociais o fato de que a maioria dos migrantes deixa seu país de origem em busca de melhores condições laborais, mas que ao chegarem ao Brasil, por diversas vezes, não encontram vagas de trabalho, o que os levam para a informalidade, conhecida como a economia subterrânea no Brasil 9. Porém, os relatos do agente público e do membro da ONG, discordam quando se trata da informalidade. O primeiro assinala que a maioria dos migrantes está inserida no trabalho informal, enquanto o segundo acredita que aqueles estariam no mercado formal.

Outro fenômeno apontado é que, mesmo no mercado de trabalho formal, os migrantes acabam expostos a situações de trabalho irregular, comprovado através do relato da haitiana, que foi vítima de tentativa de exploração em relação à carga horária em seu ambiente de trabalho, além de conhecer inúmeras situações parecidas e outras ainda mais precárias.

Quando se trata de denúncias trabalhistas recebidas, foi possível identificar pelos relatos que as principais irregularidades encontradas foram: condições degradantes no ambiente de trabalho (segurança, condições sanitárias e de higiene), jornada exaustiva e ausência de Equipamento de Proteção Individual (EPI) e Equipamento de Proteção Coletiva (EPC).

Quanto à política de saúde brasileira, todos os atores concordam que se trata da única política pública que realmente possui cobertura universal de atendimento, mas, alegam que os migrantes desconhecem as ações de atenção integral à Saúde do Trabalhador, entendendo-a apenas no processo saúde x doença, em seu caráter curativo.

Eles acreditam que os migrantes desconhecem qualquer dispositivo legal, inclusive a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST) dada pelo Decreto nº 7.602, de 7de novembro de 2011 e, da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) publicada pela Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012.

Cabe ressaltar também, que um dos atores sinalizou as dificuldades de acesso à saúde enfrentada pelos migrantes internacionais, devido à barreira do idioma, embora o SUS seja uma política de caráter universal. Santos e Medeiros, reforçam que o imigrante possui diversas dificuldades no acesso ao SUS, em especial na falta de equidade e comunicação 10.

Tal relato pôde ser confirmado pelo relato da haitiana sobre a dificuldade do desconhecido idioma vivenciado por ela quando da sua chegada ao Brasil e atualmente, na sua experiência, enquanto trabalhadora da área da saúde e tradutora da língua portuguesa para haitianos que não falam o português, em consultas, grupos operativos e exames. Soma-se a isto, o traço cultural do Haiti da não prevenção de agravos ou complicações, em especial o pré-natal, que se distingue do caráter de atenção à saúde de forma integral, preconizado no Brasil.

Sobre o trabalho infantil, segundo apontamentos do agente público envolvido neste relato de experiência, em Uberlândia/MG a condição de trabalho infantil se agravou desde o início da pandemia. Ele assinala que com a perda de renda durante a pandemia, as famílias foram colocadas em situação de vulnerabilidade e a consequência disso foi o aumento dos casos de trabalho infantil. E ainda, que acredita que haja subnotificação, uma vez que a sociedade ainda não consegue enxergar o que é trabalho infantil e, portanto, não denuncia esta ocorrência. Além disso, as pessoas não reconhecem o tráfico de drogas realizado por crianças e adolescentes como trabalho infantil.

Ademais, fizeram-se presentes falas acerca do risco de minimizar os problemas gerados pelo trabalho infantil, “romantizando” essa problemática, com o viés de que o trabalho enobrece a criança e o adolescente.

Por fim, debateu-se sobre a existência de alguma relação entre o trabalho de migrantes e o trabalho infantil. O agente público em questão denotou que ao considerar os aspectos jurídicos, trata-se de temas e/ou fenômenos distintos e que não acredita ter uma relação diretamente proporcional entre o número de imigrantes e, de crianças e adolescentes em trabalho infantil.

Sobre tal relação, a voluntária da ONG ouvida neste relato, recorda que desde 2020 a cidade recebe indígenas venezuelanos da etnia Warao e que culturalmente, as crianças vão com os pais para pontos estratégicos das cidades pedirem dinheiro, o que representa uma preocupação, já que fere o Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. E questiona se futuramente irão aprender a vender balas e outras mercadorias nos semáforos, o que configura um tipo de trabalho infantil. 

DISCUSSÃO

Para melhor entendimento, os dois temas serão tratados em separado, como segue.

TRABALHO MIGRANTE

Trazer à tona este relato de experiência suscita, antes de tudo, contextualizar o fenômeno das migrações na contemporaneidade. É sabido, que o Brasil é um país de atração e recepção de migrantes desde os anos 1980, somando, portanto, a entrada de um grande contingente de imigrantes e refugiados. A condição de migração por refúgio é uma das mais antigas do planeta. Nos anos 2011 a 2019, foram registrados no Brasil 1.085.673 migrantes11.

Apesar do considerável número de migrantes que chegam ao Brasil, observa-se que só recentemente o governo tem se preocupado com o atendimento destes, de modo a inseri-los na dinâmica social. Além disso, é histórica a omissão no direcionamento das políticas de migração no país, dado que o estatuto do estrangeiro existente até o ano de 2017 datava de 1980 e trazia em seu escopo os moldes da segurança nacional.

Quando se trata do mercado de trabalho, as relações são ainda mais frágeis. Faz-se relevante apontar, que embora existam várias razões/motivações para migrar, as migrações se motivam não só ligadas a decisões individuais, mas conduzidas pelas modificações na organização da produção, que acompanha os movimentos por busca de trabalho e mão de obra.

Os relatos do agente público e do membro da ONG discordam quanto ao vínculo trabalhista de migrantes. Para dirimir qualquer dúvida, apesar da escassa produção sobre esses trabalhadores no mercado informal, apropria-se dos estudos de Oliveira e Oliveira, que utilizando do Censo Demográfico de 2010, afirmam que “os informais estão mais presentes” 12; e de Silva e Silveira, em que “frise-se a redução dos contratos de trabalho formalizados e estáveis, em detrimento do crescente número de trabalhadores informais, contratos de trabalho flexíveis, que não garantem direitos trabalhistas e previdenciários [...]” 13.

Quanto às dificuldades de acesso a saúde enfrentada pelos migrantes internacionais, devido à barreira do idioma, corrobora com os autores: “Embora de caráter universal, no que tange aos migrantes, o acesso à saúde nem sempre é possível, seja pela barreira do idioma de origem, seja pela questão cultural e até mesmo pelo medo, em se tratando de indocumentados” 14. Em relação à cultura, a citação dos autores reforça a diferença cultural dos cuidados no país de origem, por exemplo, no relato da Haitiana sobre o Haiti, em relação à cultura da não prevenção de agravos ou complicações, em especial o pré-natal.

Por fim, em relação ao trabalho de imigrantes e refugiados, no que tange ao acesso à saúde e a atenção à Saúde do Trabalhador, considera-se que o Brasil não estava preparado para atender as demandas da população migrante e caminha a passos lentos para o acesso e garantia de direitos dos migrantes 15. Apesar do arcabouço jurídico existente e das atuais legislações aprovadas, como exemplo da nova Lei da Migração de 2017, muito ainda precisa ser articulado para a operacionalização de políticas públicas efetivas e eficazes.

TRABALHO INFANTIL

Trabalho infantil pode ser definido como toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral. Quando realizado na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista de piores formas de trabalho infantil - TIP, a proibição se estende aos 18 anos incompletos 11.

 Estatisticamente têm-se, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD do IBGE, para o ano de 2019, que 1.768 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalham em todo o território nacional, o que representa 4,6% da população (38,3 milhões) nesta faixa etária.

Sobre a condição de trabalho infantil, autores reforçam que “apesar do avanço nas últimas décadas do aparato jurídico de proteção à criança e ao adolescente no Brasil e da mobilização social frente ao trabalho infantil, permanecem ainda importantes lacunas no enfrentamento deste que constitui um relevante problema social, principalmente em países em desenvolvimento5.

Outro ponto que se avultou é o de que o Brasil possui o compromisso de erradicar o trabalho infantil, ancorado em normas e convenções internacionais, bem como as nacionais, como o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil.

Sobre o risco de romantizar a problemática do trabalho infantil e a necessidade de erradicação do mesmo, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) afirma que “o trabalho infantil é reconhecido como uma das formas de exploração mais prejudiciais ao desenvolvimento pleno do ser humano. Seus efeitos deixam marcas que, muitas vezes, tornam-se irreversíveis e perduram até a vida adulta”.

Sobre a existência de alguma relação entre o trabalho de imigrantes e o trabalho infantil, alguns autores apontam a ocorrência em maior escala de trabalho infantil dentre as crianças e os adolescentes migrantes. Estes afirmam que filhos de migrantes recentes tem maior probabilidade de trabalhar, devido à desvantagem de seus pais no mercado de trabalho e atribuem o fato também ao elemento cultural de algumas tribos, visto que o trabalho é um processo fundamental para o desenvolvimento da criança. Assim os autores10 concluem que filhos de migrantes estudam menos e trabalham mais

As colocações ora apresentadas e contextualizadas por pressupostos teóricos refletem a urgência de mais análises e estudos empíricos sobre os temas apresentados. De qualquer forma, fica evidente que eventos locais com participação de diferentes atores da sociedade ocupam lugar de destaque para discussões e trocas de saberes.

CONCLUSÃO

Este relato apresentou a experiência vivenciada pelos autores que a partir de um evento social suscitou a discussão sobre trabalho infantil e trabalho migrante em um município de grande porte.

Conclui-se que as políticas públicas por si só são ineficazes na garantia dos direitos das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, e em relação ao trabalho de imigrantes e refugiados em condições precárias e/ou de exploração.

Diante do exposto, é de grande relevância estudos nesta área, considerando-se necessário e urgente, esforços coletivos (governo, trabalhadores, empregadores e sociedade civil) para eliminação do trabalho infantil e a adoção de ações e políticas voltadas ao trabalhador migrante para a erradicação da exploração de mão de obra dessa população.

REFERÊNCIAS

1.OTERO, G.; TORELLY, M.; RODRIGUES, Y. A atuação da Organização Internacional para as migrações no apoio à gestão do fluxo migratório venezuelano no Brasil. In: BAENINGER, R.; SILVA, J. C. J. (Eds.). Migrações Venezuelanas. Campinas, SP: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”, 2018. p.38–44.

 

2.POCHMANN, M. 2020. Tendências selecionadas para o mundo do trabalho no Brasil. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 25 (1): 89-99. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232020000100 089&lng=en>. Acesso em 20 out. 2022.

 

3.MARTIN, D.; GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C.. Imigração, refúgio e saúde: perspectivas de análise sociocultural. Saúde soc., São Paulo, v. 27, n. 1, p. 26-36. Jan. 2018. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 12902018000100026&Ing=en&nrm=iso>. Acesso em 30 out. 2022.

 

4.KLUGE, H. H. P. et al. Refugeandmigranthealth in the Covid-19 response. The Lancet, v. 395, n. 10232, p. 1237-1239, abr. 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30791-1>. Acesso em: 31 out. 2022.

 

5.SILVA, G.C.O. et al. Características da produção científica sobre o trabalho infantil na América Latina. Caderno de Saúde Pública, v. 35, n. 7, 2019.

 

6.CUSTÓDIO, A.V.; RAMOS, F. M. Políticas Públicas de erradicação do trabalho infantil doméstico no Brasil. Rev. Direito UFMS. Campo Grande, MS, v. 6, n. 1, p. 112 – 130, jan./jun. 2020

 

7.CUSTÓDIO, A.V.; RAMOS, F. M. A proteção aos direitos da criança e do adolescente migrantes contra a exploração do trabalho infantil. Ciências Sociais Aplicadas em Revista. Rondon/PR, v. 21, n. 41, p. 11-28, semestral, julho-dezembro, 2021.

 

8.SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/JUSTIÇA DO TRABALHO. Acolhimento de Imigrantes. 2018. Disponível em: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/acolhimento-de-imigrantes.

 

9.JUNIOR, J.F. Migrantes e os labirintos da economia informal. Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. 2020. Disponível em: https://ittc.org.br/imigrantes-e-os-labirintos-da-economia-informal/.

 

10.SANTOS, H.S.; MEDEIROS, A.A. Migração e acesso aos serviços de saúde: a necessidade da pauta intercultural para o cumprimento dos direitos humanos. Unesp: Bauru, 2017, p9..

 

11.BRASIL. Sistema de Registro Migratório. Relatório Anual 2020. Disponível em: <http://portaldeimigracao.mj.gov.br.

 

12.OLIVEIRA, A.T.R; OLIVEIRA, W.F. A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho informal: o que nos dizem as pesquisas domiciliares? Piriplos, Revista de Pesquisa sobre Migrações, v. 4, n. 2, p. 65-94, 2020.

 

13.SILVA, V. P.; SILVEIRA, C. Saúde e trabalho dos imigrantes no Brasil sob a ótica das políticas públicas. Migração, Refúgio e Saúde. Santos: Ed. Universitária Leopoldianum, 2018.

 

14.MESQUITA, S.P.; RAMALHO, H.M.B. Migração familiar e trabalho infantil no Brasilurbano. Universidade Federal da Paraíba: UFPB, 2011.

 

15.Rocha, M.B. Sociologia das migrações: as migrações: permanência e diversidade. 1995. Disponível em: https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/7324.