FATORES ASSOCIADOS AO USO DE MÁSCARAS CONTRA COVID-19 ENTRE USUÁRIOS DA ATENÇÃO BÁSICA DO PIAUÍ.

FACTORS ASSOCIATED WITH THE USE OF MASKS AGAINST COVID-19 AMONG PIAUÍ PRIMARY CARE USERS.

FACTORES ASOCIADOS AL USO DE MASCARILLAS FRENTE AL COVID-19 EN USUARIOS DE ATENCIÓN PRIMARIA DE PIAUÍ.

Ademir Aragão Moura - Médico Neurologista do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI). Preceptor da residência multiprofissional em Neurologia Clínica do HU-UFPI. Mestrando em Saúde da Família pelo programa PROFSAUDE- UFPI. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8886-6447.

João Maria Correa Filho -

Médico Psiquiatra. Doutor em ciências. Professor adjunto do curso de Medicina da Universidade Federal do Delta do Parnaíba– PI. Professor do curso de Mestrado em saúde da família – PROFSAUDE – UFPI. ORCID:https://orcid.org/0000-0001-9688-0177.

RESUMO

Objetivo: Identificar fatores relacionados ao uso de máscaras durante a pandemia de COVID-19. Método: Estudo quantitativo transversal incluindo 303 usuários entrevistados entre fevereiro e julho de 2021. Foram analisados: informações sociodemográficas, taxa de uso, universo informacional, percepção de susceptibilidade e severidade da doença e percepção do benefício da máscara. Realizou-se estatística descritiva e análise de regressão. Resultados: Usar máscara foi a informação mais recebida (95,7%); a medida mais implementada, (93,7%); e o método mais importante (53,3%) segundo os usuários. A televisão foi o principal veículo informativo, porém o agente de saúde foi a fonte mais segura. A maioria classificou a doença como severa e mostrou-se indecisa sobre o potencial protetivo da máscara. Maior nível de renda e escolaridade foram preditores de maior confiança na medida. Conclusão: Os usuários adotaram máscaras em larga escala,porém o senso de proteção foi baixo. Tais achados poderão subsidiar estratégias de comunicação em pandemias futuras.

DESCRITORES: COVID-19; Ações preventivas contra doenças; Equipamentos de proteção individual; Modelo de crenças de saúde (Health BeliefModel).

ABSTRACT

Objective: To identify factors related to the use of masks during the COVID-19 pandemic. Method: Cross-sectional quantitative study including 303 users interviewed between February and July 2021. Sociodemographic information, usage rate, information universe, perception of susceptibility and severity of the disease and perception of the benefit of the mask were analyzed. Descriptive statistics and regression analysis were performed. Results: Wearing a mask was the most received information (95.7%); the most implemented measure (93.7%); and the most important method (53.3%) according to users. Television was the main information vehicle, but the health agent was the safest source. Most classified the disease as severe and were indecisive about the protective potential of the mask. Higher level of income and education were predictors of greater confidence in the measure. Conclusion: Users adopted masks on a large scale, but the sense of protection was low. Such findings may support communication strategies in future pandemics.

DESCRIPTORS: COVID-19; Preventive actions against diseases; Equipments for individual safety; Health Belief Model.

RESUMEN

Objetivo: Identificar factores relacionados con el uso de mascarillas durante la pandemia de COVID-19. Método: Estudio cuantitativo transversal que incluyó a 303 usuarios entrevistados entre febrero y julio de 2021. Se analizaron: información sociodemográfica, tasa de uso, universo de información, percepción de susceptibilidad y gravedad de la enfermedad y percepción del beneficio de la mascarilla. Se realizaron estadísticas descriptivas y análisis de regresión. Resultados: El uso de mascarilla fue la información más recibida (95,7%); la medida más implementada (93,7%); y el método más importante (53,3%) según los usuarios. La televisión fue el principal vehículo de información, pero el agente de salud fue la fuente más segura. La mayoría clasificó la enfermedad como grave y se mostró indeciso sobre el potencial protector de la máscara. Mayor nivel de ingreso y educación fueron predictores de mayor confianza en la medida. Conclusión: Los usuarios adoptaron mascarillas en gran escala, pero la sensación de protección fue baja. Dichos hallazgos pueden respaldar las estrategias de comunicación en futuras pandemias.

DESCRIPTORES: COVID-19; Acciones preventivas contra enfermedades; Equipos para la seguridad individual; Modelo de creencias sobre la salud.

RECEBIDO:07/11/2022

APROVADO: 12/12/2022

INTRODUÇÃO

A pandemia causada pelo novo coronavírus é considerada a mais grave ameaça à saúde pública mundial desde a primeira pandemia do vírus influenza H1N1, em 1918. Inicialmente, na ausência de uma vacina para o novo coronavírus que levaria à contenção da doença, diversos países adotaram medidas de intervenção não farmacológicas com o intuito de mitigar a transmissão do vírus, reduzindo os níveis de contato na população, destacando-se: higiene das mãos, distanciamento social e uso de máscara (1).

Com o avançar da pandemia, o uso ampliado das máscaras em ambientes públicos passou a ser discutido como medida adicional de proteção, a partir da experiência acumulada por outros países em epidemias prévias. O debate se fortaleceu devido ao papel de indivíduos assintomáticos e oligossintomáticos na disseminação da doença, diante das evidências de que a COVID-19 apresentava um longo período de incubação e do entendimento de que havia uma alta carga viral nos estágios iniciais da doença. No dia 5 de junho de 2020, a OMS divulgou orientações para uso e fabricação de máscaras de tecido como proteção contra a COVID-19, e passou então a recomendar o seu uso em locais onde houvesse ampla transmissão da doença(2).

Tal recomendação necessita encontrar apoio na população para tornar-se medida realmente efetiva no combate ao vírus. Sabe-se que a adesão das pessoas a medidas de prevenção depende, entre outros fatores, da consistência da informação veiculada pelo poder público, da confiabilidade da população nas autoridades públicas e sanitárias e no conhecimento da população acerca da doença. Entender os determinantes pelos quais as pessoas podem apresentar relativa resistência às medidas protetivas contra a disseminação do vírus é, pois, de grande importância para que as políticas públicas possam ter a eficácia desejada, evitando ou reduzindo a não aderência aos controles sociais propostos(3).

Dentre os modelos que buscam explicar os fatores associados à mudança de hábitos em saúde encontra-se o “Modelo de crenças em saúde”. Trata-se de um modelo psicológico de mudança de comportamentos em saúde desenvolvido por Rosenstock em 1966 para predizer resposta comportamental ao tratamento recebido por pacientes crônica e agudamente doentes. Ele consiste em 4 componentes principais: percepção de susceptibilidade, percepção de severidade, percepção de barreiras e percepção dos benefícios de adotar uma nova conduta em saúde(4).

Aplicando-se o modelo às doenças virais de transmissão respiratória, tem-se que a percepção de susceptibilidade relaciona-se à percepção de estar propenso a contrair a doença. Acredita-se que seja a principal força motivadora da aderência ao uso de máscaras: quanto maior a sensação de susceptibilidade, maior a adesão à medida. Os benefícios percebidos referem-se a quão efetivamente se acredita que as máscaras sejam eficazes quanto à prevenção da disseminação de doenças. Correlação positiva tem sido observada entre benefícios percebidos e a probabilidade de um indivíduo usar máscaras. A percepção de severidade vincula-se ao medo do adoecimento grave e morte ou até mesmo medo de danos à economia ou bem-estar coletivo(4).

Ante divergências científicas sobre a eficácia do uso de máscara para conter a pandemia de COVID-19, a pergunta norteadora deste estudo é: como isto se traduz no imaginário do usuário da atenção básica, no que diz respeito à credibilidade dada ao seu uso, à percepção de eficácia e ao uso efetivo desta medida de proteção? São ainda objetivos deste estudo: identificar fatores individuais sociodemográficos relacionados ao uso de máscaras e à credibilidade atribuída a esta medida; avaliar o universo informacional dos usuários quanto ao acesso à informação sobre o uso de máscaras.

MÉTODO

Este estudo é braço de um estudo nacional multicêntrico intitulado “Prevenção e controle do COVID-19: Estudo Multicêntrico sobre a percepção e práticas no cotidiano das orientações médico-científico pela população dos territórios de abrangência da Atenção Primária à Saúde”, conduzido pela FIOCRUZ e pelos programas de mestrado profissional em saúde da família – PROFSAUDE-  em diversas cidades do Brasil em 2021.

O delineamento deste braço da pesquisa foi quantitativo, observacional e transversal. Foram analisados questionários respondidos no estado do Piauí, presencialmente, nas cidades seguintes: Teresina, Batalha, Floriano, Canto do Buriti e Pimenteiras. As cidades escolhidas foram os campos de trabalho dos estudantes do mestrado PROFSAUDE no Piauí participantes da pesquisa, abrangendo capital e cidades do interior do estado. A aplicação do instrumento ocorreu durante período de fevereiro a julho de 2021.

A amostra foi por conveniência através da inclusão das famílias de usuários (as) cadastrados(as) que tivessem freqüentado a UBS nos 90 dias precedentes à pesquisa. Foram excluídos os usuários que não tivessem freqüentado a UBS nos últimos 90 dias e a população indígena. Foram selecionados 70 indivíduos por unidade de saúde. Dos 350 questionários respondidos no estado do Piauí, foram descartados os questionários com preenchimento incompleto, totalizando-se 303 questionários para análise. Realizou-se calibração do instrumento com 10 entrevistas, as quais foram descartadas da análise.

As recomendações éticas da Resolução 466, de 10 de outubro de 2012 foram seguidas, tendo sido pedidas autorizações aos entrevistados através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa pela Plataforma Brasil sob número 4.444.329 e CAAE: 37269320.4.2016.5214.

Foram calculadas estatísticas descritivas: média, desvio padrão para as variáveis quantitativas; e frequências absolutas e relativas, para as variáveis qualitativas. Na análise inferencial, para avaliar os preditores da variável dependente confiabilidade no uso de máscara, foi utilizado o modelo de Regressão de Poisson, com o estimador robusto da matriz de covariâncias. Os valores foram expressos na forma de Razão de Prevalência (RP) robusta, intervalos de confiança (IC95%) e a significância do Teste Qui-quadrado de Wald. Os dados foram analisados no IBM StatisticalPackage for the Social Sciences versão 20.0. O nível de significância adotado foi p ≤ 0,05.

RESULTADOS

Houve predomínio de: pessoas do sexo feminino, 260 (85,8%), da faixa etária de 18 a 40 anos, 174 (57,4%), média de idade de 38,7 anos, etnia autorreferida como parda, 169 (55,8%), indivíduos com companheiro (a), 177 (58,4%), com nível médio de escolaridade, 109 (36%), 1 a 3 habitantes compartilhando o domicílio com o usuário, 170 (56,1%) e rendimento mensal do lar de até 1 salário-mínimo, 183 (60,4%).

Quanto ao universo informacional dos usuários a respeito da COVID -19, o uso de máscara ao sair de casa foi a informação mais recebida, 289 (95,7%). O meio de comunicação mais utilizado como fonte informacional foi a televisão, 216 (71,5%), no entanto, dentre as fontes de informação citadas, a de maior confiabilidade segundo os usuários encontra-se nos profissionais de saúde do território, 164 (54,3%). As mídias sociais responderam pelos menores índices de confiabilidade: Instagram, 12 (4%), Whatsapp, 8 (2,6%), Facebook 7 (2,3%) – TABELA 1.

TABELA 01. UNIVERSO INFORMACIONAL E CONFIABILIDADE ATRIBUÍDA A INFORMAÇÕES SOBRE O CORONAVÍRUS RECEBIDAS PELOS USUÁRIOS DA ATENÇÃO BÁSICA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19, PIAUÍ-BR, 2022.

Variáveis

n

%

Quais as informações que o/a Sr(a) recebeu a respeito do CORONAVÍRUS?*

 

 

Uso de máscara para quando tenho que sair de casa

289

95,7

Uso de álcool gel

284

94,0

Lavagem frequente das mãos

269

89,1

Isolamento social total

192

63,6

Isolamento parcial

172

57,0

Outros

12

4,0

Como o/a Sr(a) se informa a respeito do CORONAVÍRUS?*

 

 

Televisão

216

71,5

Jornais na TV e/ou na internet

196

64,9

Profissionais de saúde do território

161

53,3

WhatsApp

106

35,1

Amigos/vizinhos/parentes/comunidade

93

30,8

Instagram

91

30,1

Facebook

86

28,5

Rádio

53

17,5

Governantes

49

16,2

Religião

40

13,2

Dessas fontes citadas quais delas confia mais?*

 

 

Profissionais de saúde do território

164

54,3

Jornais na TV e/ou na internet

130

43,0

Televisão

115

38,1

Governantes

24

7,9

Amigos/vizinhos/parentes/comunidade

22

7,3

Religião

20

6,6

Rádio

17

5,6

Instagram

12

4,0

WhatsApp

8

2,6

Facebook

7

2,3

*variável múltipla (a soma do percentual ultrapassa 100%)

FONTE: dados dos autores, 2022.

Dentre as medidas de prevenção e controle, o uso de máscara foi a medida mais efetivamente implementada entre os usuários, 283 (93,7%), sendo elencada como a mais importante por 161 usuários (53,3%), seguida pelo isolamento social total, 89 (29,5%) e lavagem freqüente das mãos, 82 (27,2%)- GRÁFICO 01.

GRÁFICO 01- AÇÕES CONSIDERADAS AS MAIS IMPORTANTES PARA PREVENÇÃO DA CONTAMINAÇÃO DO CORONAVÍRUS ENTRE USUÁRIOS DA ATENÇÃO BÁSICA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19, PIAUÍ-BR, 2022.

FONTE: dados dos autores, 2022.

Observou-se que a maior parte dos usuários ficou indecisa sobre a possibilidade de ser contaminado- a maioria relatando uma possibilidade de contaminação razoavelmente alta, 112 (36,9%). Similarmente, boa parte dos usuários demonstrou-se indecisa quanto à capacidade de proteção conferida pelas medidas preventivas- maioria relatando estar razoavelmente confiante com as medidas, 134 (44,2%) - GRÁFICOS 02 e 03. Por outro lado, houve consenso majoritário entre os usuários (298) de que a doença provocada pelo Sars-cov2 é grave ou muito grave, representando 98% dos entrevistados.

 

GRÁFICO 02. POSSIBILIDADE DE CONTAMINAÇÃO PELO CORONAVÍRUS ENTRE OS USUÁRIOS DA ATENÇÃO BÁSICA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19, PIAUÍ-BR, 2022.

FONTE: dados dos autores, 2022.

GRÁFICO 03. NÍVEL DE CONFIANÇA NAS MEDIDAS DE PREVENÇÃO ADOTADAS PELOS USUÁRIOS DA ATENÇÃO BÁSICA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19, PIAUÍ-BR, 2022.

FONTE: dados dos autores, 2022.

Realizou-se análise de regressão para buscar associação entre variáveis demográficas e confiança no uso de máscaras. Classificou-se como confiante os indivíduos que responderam estar “muito confiantes” ou “confiantes” quanto à proteção conferida pelas medidas preventivas conforme escala de Likert, ao passo que os que responderam estar “razoavelmente confiantes”, “pouco” ou “nada confiantes” foram classificados como “não confiantes”.

Com relação às variáveis independentes relacionadas à confiança no uso de máscara destaca-se uma chance 1,29 maior entre os portadores de nível superior para confiar em seu uso em relação às pessoas sem escolaridade (p<0,001) e 1,13 maior entre aqueles que ganham até 3 ou mais salários-mínimos em relação aos que ganham menos do que 1 salário-mínimo (p<0,001) – TABELA 02.

TABELA 02. CONFIANÇA NO USO DE MÁSCARA CONTRA O CORONAVÍRUS SEGUNDO O PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DOS USUÁRIOS DA ATENÇÃO BÁSICA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19, PIAUÍ-BR, 2022.

 

Confiança no uso de máscara

 

 

Variáveis

Sim

Não

RP (IC95%)

p-valor

 

n (%)

n (%)

 

 

Município

 

 

 

 

Batalha

56 (75,7)

18 (24,3)

1,00 (0,92 - 1,09)

0,254

Canto do buriti

52 (75,4)

17 (24,6)

1

 

Floriano

58 (86,6)

9 (13,4)

1,06 (0,99 - 1,14)

 

Pimenteiras

19 (90,5)

2 (9,5)

1,09 (0,99 - 1,87)

 

Teresina

55 (76,4)

17 (23,6)

1,01 (0,93 - 1,09)

 

Sexo

 

 

 

 

Feminino

210 (80,8)

50 (19,2)

1,07 (0,98 - 1,16)

0,149

Masculino

30 (69,8)

13 (30,2)

1

 

Idade

 

 

 

 

18 a 40 anos

144 (82,8)

30 (17,2)

1,11 (0,99 - 1,25)

0,134

41 a 60 anos

80 (76,9)

24 (23,1)

1,08 (0,95 - 1,22)

 

Mais de 60 anos

16 (64,0)

9 (36,0)

1

 

Cor/raça/etnia autorreferida

 

 

 

 

Branca

42 (73,7)

15 (26,3)

1

0,137

Preta

57 (74,0)

20 (26,0)

1,00 (0,92 - 1,09)

 

Parda

141 (83,4)

28 (16,6)

1,06 (0,98 - 1,14)

 

Estado Civil

 

 

 

 

Com companheiro (a)

138 (78,0)

39 (22,0)

1

0,523

Sem companheiro (a)

102 (81,0)

24 (19,0)

1,02 (0,97 - 1,07)

 

Nível Educacional

 

 

 

 

Sem Escolaridade

8 (50,0)

8 (50,0)

1

<0,001

Fundamental

72 (71,3)

29 (28,7)

1,14 (0,96 - 1,35)

 

Médio

88 (80,7)

21 (19,3)

1,21 (1,02 - 1,43)

 

Superior

72 (93,5)

5 (6,5)

1,29 (1,09 - 1,52)

 

Mora com quantas pessoas

 

 

 

 

0

4 (66,7)

2 (33,3)

1

0,257

1 a 3

130 (76,5)

40 (23,5)

1,06 (0,84 - 1,33)

 

Mais de 3

106 (83,5)

21 (16,5)

1,10 (0,87 - 1,38)

 

Rendimento mensal do lar

 

 

 

 

Até 1 SM

134 (73,2)

49 (26,8)

1

<0,001

Até 2 SM

59 (83,1)

12 (16,9)

1,06 (0,99 - 1,12)

 

Até 3 SM

24 (96,0)

1 (4,0)

1,13 (1,07 - 1,19)

 

Mais de 3 SM

23 (95,8)

1 (4,2)

1,13 (1,07 - 1,20)

 

SM = Salário-Mínimo; RP = Razão de Prevalência; IC95% = Intervalo de Confiança de 95%; p-valor = Qui-quadrado de Wald.

FONTE: dados dos autores, 2022.

DISCUSSÃO

A pandemia de COVID-19 é a segunda pandemia do século XXI após a pandemia de H1N1 em 2009. Muito da literatura que se tem a respeito do uso de medidas preventivas em massa em pandemias incluindo uso de máscara vem de países da Ásia (5). Este estudo buscou avaliar os fatores associados ao uso de máscara contra a COVID-19 em uma população de um estado do nordeste brasileiro, incluindo-se percepções dos usuários sobre a sua eficácia. 

Quanto ao perfil sociodemográfico, considera-se que reflete o perfil de usuários da atenção básica no Piauí e foi constituído por usuários em sua maioria do gênero feminino, sem nível superior de escolaridade, com renda mensal de até 1 salário-mínimo. O quantitativo dos usuários buscou englobar indivíduos do interior do estado e da capital, de zonas urbanas e rurais, permitindo obter informações sobre ambos os grupos.

No que diz respeito ao universo informacional observou-se que o meio de comunicação que mais atingiu os usuários foi a TV, porém a fonte de maior confiabilidade foi o agente comunitário de saúde (ACS). As mídias sociais ficaram em último lugar no quesito confiabilidade. 

Apesar das mudanças impostas pela pandemia, comprometendo o trânsito entre os diferentes territórios de abrangência das equipes de saúde da família e dificultando inclusive reuniões presenciais entre membros das equipes e usuários, este estudo apontou o agente de saúde como maior fonte de credibilidade das informações recebidas. Isso se deve possivelmente à capilaridade que o ACS tem nos territórios, reconhecendo demandas e peculiaridades da área sob sua responsabilidade, com construção de vínculo, que por sua vez gera credibilidade (6).

Por outro lado, o ecossistema das mídias sociais, onde informações relevantes encontram-se dispostas lado a lado com outras cuja acurácia não tem relevância, pode estar relacionado com a baixa busca de veracidade das informações nesses veículos e por seguinte à baixa credibilidade das informações oriundas deles(7).

A polarização política contribuiu sobremaneira para o surgimento e perpetuação de notícias falsas – as fake news. Estudos colocam o Brasil entre os cinco países do mundo com maior circulação de rumores, teoria da conspiração e estigma, estando ao lado de EUA, China, Espanha e Indonésia (13). A polarização política acarreta uma polarização de atitudes e afetiva entre as pessoas. Os indivíduos tendem a tomar atitudes extremas e opostas ao mesmo tempo, sendo então difundidos mais facilmente sentimentos negativos e de desconfiança em relação ao praticante da ação oposta. Isso pode fazer com que segmentos da população cheguem a diferentes conclusões sobre a mesma ameaça e tomem ações distintas, compartilhadas em geral em grupos privativos, onde ecoam apenas pensamentos próprios daquele grupo sem abertura para contraditórios (11).

Mesmo se tratando de um hábito novo, observou-se que o uso da máscara encontrou forte apoio entre os usuários da atenção básica do Piauí. Os dados do estado referentes ao uso de máscara são similares também aos pesquisados na Paraíba, outro estado da região nordeste do Brasil, onde foi verificado que a maioria dos entrevistados (61,1%) referiram sempre utilizar máscaras em ambientes públicos (5).

Apesar de não haver consenso sobre o assunto, o uso universal de máscara foi voluntariamente adotado pela comunidade na Ásia, a exemplo de Hong Kong na China, mesmo antes de a OMS se posicionar a favor do mascaramento universal. Essa ação massiva pode ter relação com aspectos culturais e experiências dolorosas no passado como no surto de SARS em 2003. A mudança de paradigma ocorreu após a constatação de contaminação por indivíduos pré-sintomáticos e assintomáticos (8).

O fato de a maioria dos usuários ter considerado a doença COVID -19 uma doença grave (98,0%) pode ser um dos fatores implicados com as altas taxas de adoção do uso da máscara no Piauí. Sabe-se que a percepção de ameaça é um dos pilares do modelo de crenças em saúde, um modelo que se propõe a explicar os motivadores para mudança de hábitos e comportamentos em saúde. A percepção de ameaça refere-se a crenças pessoais sobre a probabilidade de contrair uma determinada doença. Ela inclui dois subcomponentes: percepção de vulnerabilidade que se constitui na extensão em que um indivíduo se sente vulnerável a uma dada doença e percepção de severidade que se refere a crenças sobre o quão sérias podem ser as consequências do referido adoecimento. O modelo supõe que quanto mais fortes as crenças pessoais na severidade de uma doença e maior a susceptibilidade percebida mais fortemente o indivíduo será motivado para evitá-la (9).

Segundo Clarka percepção de vulnerabilidade, a percepção de severidade e a crença no governo foram variáveis de menor importância na tomada de decisão em favor das medidas de proteção (9). Sim, et al(4)explorando pandemias pregressas encontraram que a percepção de susceptibilidade foi o maior motivador. É preciso considerar também que outros fatores que extrapolam o modelo de crenças em saúde podem explicar os movimentos em direção a uma nova ação dentre eles os “indutores de ação” propostos por Tang, et al(10).

A família, a sociedade, a mídia e o governo tem papel importante em atuar como indutores de mudança de comportamento na sociedade para a tomada de medidas preventivas. Dentre estes principais indutores encontra-se a norma social: aquilo que o indivíduo percebe que as outras pessoas estão fazendo e a aprovação ou reprovação envolvida nestes atos. Por trás da norma há um desejo de aprender com outra pessoa, ganhar afiliação de grupo ou aprovação de pares. Os grupos sociais podem ser capazes de amplificar comportamentos tanto benéficos quanto maléficos e pesquisas sugerem ainda que o maior número de intervenções em saúde não vem do efeito direto na pessoa que recebe a intervenção, mas de efeitos indiretos em seus contatos sociais que buscam copiar este comportamento (11).

A alta taxa de adoção das máscaras implica que o usuário confia na sua eficácia protetiva? Os dados deste estudo mostraram que não. A maioria dos usuários encontrou-se indecisa sobre a possibilidade de ser contaminado e sobre a real capacidade protetiva conferida pela medida. A constante mudança das informações e regulamentações; as incertezas de uma doença nova e as divergências entre os órgãos regulatórios podem ter contribuído para minar a confiança dos usuários.

Por fim, a análise de regressão evidenciou associação entre renda e escolaridade com a importância conferida às máscaras: maiores níveis educacionais e maior renda estão mais relacionados ao seu uso. Observou-se ainda uma tendência para maior confiabilidade nas medidas preventivas entre idosos e indivíduos do sexo masculino, diferente da literatura que aponta para um predomínio do comportamento pró-máscara entre indivíduos do gênero feminino(4).

Indivíduos mais jovens tendem a engajar menos em medidas preventivas. Um estudo conduzido na China apontou que tais indivíduos relataram menos comportamentos preventivos, menor intenção de fazê-los e foram menos prováveis de realizar mudanças de comportamento. No contexto pandêmico isto pode estar relacionado a rumores de que indivíduos mais idosos são os únicos a adoecerem por COVID-19. O fato é que indivíduos adultos e pessoas com comorbidades estão em maior risco de adquirir a doença, mas qualquer um pode se tornar doente. As notícias falsas e a desinformação podem ter contribuído com a difusão de notícias errôneas neste sentido (12).

Este estudo apresenta limitações. As barreiras relacionadas ao uso da máscara (econômicas, estéticas, incômodo respiratório,etc) bem como os motivadores elencados pelo usuário desta medida (norma social? Questões de saúde? Presença de comorbidades?) podem ser explorados mais profundamente no futuro por desenho qualitativo.

Importa ainda saber que fatores individuais levam à descontinuação do uso da máscara quando decretos normativos liberarem os indivíduos do seu uso em via pública conforme as realidades locais.

CONCLUSÃO

O uso de máscara tem um papel central na prevenção e controle da transmissão de doenças infecciosas respiratórias virais. A aderência ao seu uso pode ser modulada por múltiplos fatores, sejam eles demográficos, individuais ou do meio. 

Apesar das divergências entre cientistas, governantes e dirigentes dos órgãos de saúde pública do Brasil sobre o uso de máscaras em via pública, os usuários da atenção primária adotaram em larga escala esta medida e consideraram na importante medida preventiva frente ao Sars-cov-2. Observou-se, no entanto, que o senso de proteção dado por elas foi baixo, modulando negativamente a percepção de susceptibilidade ao vírus.

Fatores demográficos (maior nível de renda e escolaridade) foram preditores de maior confiança no uso da máscara e o agente de saúde foi o veículo de maior credibilidade de informações a respeito da COVID-19, reiterando o seu papel central na atenção primária à saúde, mesmo em vigência de medidas de distanciamento social.

As campanhas de saúde voltadas a incentivar os usuários a adotarem medidas preventivas em futuras pandemias, considerando a urgência devida em períodos de crise sanitária, terão de levar em conta os fatores relacionados ao seu uso e confiabilidade atribuída a elas, a fim de entregar mensagens mais dirigidas a públicos-alvo, no intuito de obter melhores resultados. 

REFERÊNCIAS

  1. Iwaya GH, Cardoso JG, Sousa Júnior JH de,Steil AV. Preditores da intenção de permanecer em distanciamento social. RevAdm Pública. 2020;54(4):714–34.
  2. Ortelan N, Ferreira AJF, Leite L, Pescarini JM, Souto AC, Barreto ML, et al. Cloth masks in public places: An essential intervention to prevent COVID-19 in Brazil. Cienc e Saude Coletiva. 2021;26(2):669–92.
  3. Costa MF. Health belief model for coronavirus infection risk determinants. Rev Saude Publica. 2020; 54:1–11.
  4. Sim SW, Moey KSP, Tan NC. The use of facemasks to prevent respiratory infection: A literature review in the context of the Health Belief Model. Singapore Med J. 2014;55(3):160–7.
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