“A VOLTA PARA O ARMÁRIO”: PERCEPÇÃO DA VIVÊNCIA DAS SEXUALIDADES DE PESSOAS IDOSAS LGBTQIAP+
RESUMO
Objetivo: analisar a percepção da vivência das sexualidades no processo de envelhecimento da população idosa LGBTQIAP+ na grande ilha de São Luís - MA. Método: empírico e qualitativo com amostra por conveniência. Resultados: os participantes possuem de 60 a 65 anos; sete se declararam cisgêneros e um não binário, todos homossexuais solteiros. A percepção da vivência das sexualidades se apresenta de forma subjetiva e se mostra através da construção da identidade, autoconhecimento e maturidade, assim como as características do processo de envelhecimento, comportamento sexual e os preconceitos e estigmas. Conclusão: A sexualidade se desenvolve a partir da construção da identidade e do autoconhecimento dos sujeitos. É influenciada pelo contexto social, pela dinâmica familiar e por outros aspectos que permeiam o processo de subjetividade do ser humano. Observou-se que é possível estabelecer vivências positivas no envelhecimento, vivências essas que contrariam os estigmas e preconceitos que as pessoas idosas estão inseridas.
DESCRITORES: Psicologia; Envelhecimento; Sexualidade.
ABSTRACT
Objective: to analyze the perception of the experience of sexualities in the aging process of the LGBTQIAP+ elderly population on the big island of São Luís - MA. Method: empirical and qualitative with a convenience sample. Results: participants are between 60 and 65 years old; seven declared themselves cisgender and one non-binary, all single homosexuals. The perception of experiencing sexualities is presented subjectively and is shown through the construction of identity, self-knowledge and maturity, as well as the characteristics of the aging process, sexual behavior and prejudices and stigmas. Conclusion: Sexuality develops from the construction of the subjects' identity and self-knowledge. It is influenced by the social context, family dynamics and other aspects that permeate the process of human subjectivity. It was observed that it is possible to establish positive experiences in aging, experiences that contradict the stigmas and prejudices that the elderly are inserted.
DESCRIPTORS: Psychology; Aging; Sexuality.
RESUMEN
Objetivo: analizar la percepción de la vivencia de las sexualidades en el proceso de envejecimiento de la población anciana LGBTQIAP+ de la isla grande de São Luís - MA. Método: empírico y cualitativo con muestra de conveniencia. Resultados: los participantes tienen entre 60 y 65 años; siete se declararon cisgénero y uno no binario, todos homosexuales solteros. La percepción de vivir las sexualidades se presenta de forma subjetiva y se muestra a través de la construcción de la identidad, el autoconocimiento y la madurez, así como las características del proceso de envejecimiento, el comportamiento sexual y los prejuicios y estigmas. Conclusión: La sexualidad se desarrolla a partir de la construcción de la identidad y el autoconocimiento de los sujetos. Está influenciado por el contexto social, la dinámica familiar y otros aspectos que permean el proceso de subjetividad humana. Se observó que es posible establecer experiencias positivas en el envejecimiento, experiencias que contradicen los estigmas y prejuicios que se insertan los ancianos.
DESCRIPTORES: Psicología; Envejecimiento; Sexualidad.
INTRODUÇÃO
Para fins deste estudo, o principal aspecto considerado sobre as singularidades da vida da pessoa idosa estará relacionado a uma grande temática social pertinente a ser discutida: a sexualidade da pessoa idosa LGBTQIAP+[1]. Quando falamos em estilo de vida saudável e bem-estar em pessoas idosas, a sexualidade geralmente não é vista como parte desse processo, assim como as nuances que os comportamentos sexuais dessa população podem ser estabelecidos. Pessoas idosas que estão na faixa etária dos 80 anos continuam sexualmente ativas e homens na faixa etária dos 90 anos se mantêm interessados e sexualmente ativos (3).
A perspectiva do avançar da idade vem acompanhada da ideia de um declínio da atividade sexual. Esta, está ligada principalmente por uma relação de causa e efeito entre virilidade e idade e tem sido responsável por não prestar atenção suficiente a atividades associadas à qualidade de vida, principalmente no que diz respeito à sexualidade (4).
Os desafios enfrentados pelas pessoas idosas LGBTQIAP+ são ainda mais amplos, pois integram os estigmas das compreensões sociais diversas a respeito do envelhecimento e da sexualidade de maneira geral - como atividade sexual nesta fase e os preconceitos direcionados ao público LGBTQIAP+, que enfrentam diariamente intolerância, estigmas e mesmo crimes de ódio. Podemos dizer ainda que, com esta gama de variáveis, estas populações estão também vulneráveis ao adoecimento mental (5).
Este estudo justifica-se para além de produção de conhecimento científico, uma vez que, trazem reflexões e amplitude dos olhares para os mais diversos públicos e ciências. Para a Psicologia, o bem-estar psicológico e a inserção ao meio social durante o processo de envelhecimento, por exemplo, é a inclusão em movimentos que lutam por direitos e políticas públicas LGBT (6).
MÉTODO
Esta pesquisa faz parte de uma pesquisa intitulada “Perfil de saúde e doença de idosos do município de São Luís no Estado do Maranhão” autorizado pelo Comitê de Ética da Universidade CEUMA com o parecer de Nº 5.498.949, fazendo parte da pesquisa do Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Gerontologia Social da Universidade CEUMA.
Foi utilizado o método empírico e qualitativo, trabalhando com o universo dos significados, dos motivos e das perspectivas seguindo as três etapas descritas como: fase exploratória; trabalho de campo e análise e tratamento do material empírico e documental. (7)
Foi utilizado como instrumentos de coleta de dados um questionário sociodemográfico e uma entrevista semiestruturada (7).
A pesquisa foi baseada nos critérios consolidados para relato de estudos e pesquisas qualitativas (COREQ). O Checklist possui 32 itens distribuídos em três domínios: caracterização e domínio da equipe; desenho do estudo e análise dos resultados (8).
A amostra utilizada foi por conveniência, que consiste em selecionar uma amostra da população que seja acessível, utilizando a técnica da bola de neve ou snowball. Essa técnica auxilia nas indicações dos primeiros participantes do estudo, que por sua vez, indicam os outros membros da população de interesse para a pesquisa (9).
Sendo assim, foram selecionadas por essa técnica, 08 (oito) pessoas que foram entrevistadas. Como critérios de inclusão foram elencados os seguintes: pessoas idosas com 60 anos ou mais, pertencentes à população LGBTQIAP+ e residentes na grande ilha[2] de São Luís - MA. Foram excluídas pessoas idosas que mesmo sendo indicadas pela técnica de bola de neve, se consideram heterossexuais e não residentes na grande ilha de São Luís.
Como aporte ético foi utilizado o TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e após a assinatura as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra para fins de análise. Para preservar a identidade dos participantes e assegurar o sigilo ético da pesquisa, os participantes foram identificados pelas seguintes codificações: P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8.
Por fim, os dados foram analisados e agrupados para a identificação dos objetivos previstos na pesquisa. Foi utilizada a análise de conteúdo, que se refere às etapas de pré-análise, exploração do material e interpretação dos resultados obtidos. Nesta, são levadas em consideração os sentidos semânticos e sociológicos, variáveis psicossociais, contexto cultural e mensagem produzida (7).
RESULTADOS
Na 1ª etapa da pesquisa foi traçado o perfil sociodemográfico dos participantes. Dos 8 participantes da pesquisa, 4 estavam com 60 anos, 2 com 65 e 2 com 61 anos até o momento das entrevistas. Quanto à autodeclaração de raça/etnia, apenas 1 pessoa se autodeclarou branco (a), 5 se autodeclaram pardos (as) e 2 se autodeclararam pretos (as).
Quanto ao nível de escolaridade, 2 participantes possuem nível superior sendo um deles com pós-graduação, 3 com nível médio, 1 com fundamental completo, 1 com nível técnico e 1 com superior incompleto.
No que diz respeito à ocupação profissional e renda dos participantes, foram obtidos os seguintes resultados: 2 aposentados (as), 3 servidores públicos (as), 2 cabeleireiros (as) e 1 técnico em informática. A renda dos participantes variou de 1 até 6 salários-mínimos.
Alguns aspectos da sexualidade como identidade de gênero[3] e orientação afetivo/sexual foram vistos por alguns participantes com certo grau de dificuldade, tendo em vista que a maioria não soube responder antes de uma explicação por parte do entrevistador. Após a psicoeducação, obtivemos os seguintes resultados: duas mulheres cisgêneros[4], cinco homens cisgêneros e uma pessoa não-binária[5].
No que diz respeito ao estado civil dos participantes, todos os 8 estavam solteiros até o momento das entrevistas.
PARTICIPANTES |
SEXO BIOLÓGICO |
IDADE |
ESTADO CIVIL |
ETNIA |
IDENTIDADE DE GÊNERO |
ORIENTAÇÃO AFETIVO/ SEXUAL |
P1 |
Feminino |
60 |
Solteira |
Branca |
Mulher Cisgênero |
Homossexual |
P2 |
Masculino |
65 |
Solteiro |
Pardo |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
P3 |
Feminino |
61 |
Solteira |
Parda |
Mulher Cisgênero |
Homossexual |
P4 |
Masculino |
60 |
Solteire |
Parde |
Não- Bináre |
Homossexual |
P5 |
Masculino |
61 |
Solteiro |
Pardo |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
P6 |
Masculino |
60 |
Solteiro |
Pardo |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
P7 |
Masculino |
60 |
Solteiro |
Negro |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
P8 |
Masculino |
60 |
Solteiro |
Pardo |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
[1] A população LGBTQIAP+ compreende as seguintes definições: Lésbicas: são mulheres que se sentem atraídas afetivamente ou sexualmente por outras mulheres. Gays: são homens que se sentem atraídos afetivamente ou sexualmente por outros homens. Bissexuais: são mulheres ou homens que sentem atração sexual ou afetiva tanto pelo gênero feminino quanto pelo gênero masculino. Transgêneros: são pessoas que não se identificam com seu gênero biológico, mas, sim, com o gênero oposto ao seu de nascença. Queers: são pessoas que transitam entre os gêneros feminino, masculino e/ou não-binários. Segundo a teoria queer, tanto a sexualidade quanto a identidade de gênero são construções sociais e não biológicas. Intersexuais: são pessoas que naturalmente desenvolvem características sexuais não-binárias, isto é, os cromossomos, as genitais e os hormônios dessas pessoas possuem características em parte femininas e em parte masculinas. Assexuais: são homens ou mulheres que não se sentem atraídos sexualmente (e às vezes até afetivamente) por nenhum gênero. +: são as outras possíveis sexualidades e identificações de gênero que existem. (1). Pansexual: É uma orientação sexual em que as pessoas desenvolvem atração física, amor e desejo sexual por outras pessoas independentemente de sua identidade de gênero (2).
[2] A grande ilha de São Luís consiste nos municípios de São Luís, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar.
[3] A identidade de gênero diz respeito a como uma pessoa se sente em relação ao próprio gênero (9).
[4] Cisgênero: é a pessoa que se identifica com o sexo biológico designado no momento de seu nascimento (9).
[5] Não-binário: é alguém que não se identifica completamente com o “gênero de nascença” nem com outro gênero. Esta pessoa pode não se ver em nenhum dos papéis comuns associados aos homens e as mulheres, bem como podem vivenciar uma mistura de ambos (9).
P4 |
Masculino |
60 |
Solteire |
Parde |
Não- Bináre |
Homossexual |
P5 |
Masculino |
61 |
Solteiro |
Pardo |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
P6 |
Masculino |
60 |
Solteiro |
Pardo |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
P7 |
Masculino |
60 |
Solteiro |
Negro |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
P8 |
Masculino |
60 |
Solteiro |
Pardo |
Homem Cisgênero |
Homossexual |
Fontes: Próprios autores (2022)
Os resultados obtidos na segunda etapa da pesquisa foram colhidos através de um roteiro de entrevista semiestruturada e analisados através de um quadro dividido em eixo temático e unidades temáticas a fim de categorizar os objetivos da pesquisa como descrito na tabela a seguir.
EIXO TEMÁTICO |
UNIDADE TEMÁTICA |
PARTICIPANTES (Nomes fictícios) |
PERCEPÇÃO DAS SEXUALIDADES NO ENVELHECIMENTO |
Sexualidade como algo subjetivo |
P1, P2, P5 e P8 |
Sexualidade como identidade |
P4, P6 e P8 |
|
Sexualidade como autoconhecimento |
P2, P6 e P7 |
|
Sexualidade como qualidade de vida |
P1, P2, P3 e P6 |
|
CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE ENVELHECIMENTO DAS SEXUALIDADES. |
Maturidade da sexualidade no envelhecimento |
P1, P2, P3 e P8 |
Preconceitos, estereótipos e estigmas do envelhecimento e das sexualidades |
P1, P2, P3, P4, P6 e P8 |
|
Volta pro armário |
P2, P5 e P7 |
|
Afeto por interesse |
P4 e P8 |
Fonte: Elaborada pelos autores (2022)
CATEGORIZAÇÃO DAS FALAS
Categoria 01: Sexualidade como algo subjetivo, identidade, autoconhecimento.
[No presente estudo, através das entrevistas semiestruturadas foi compreendido que a conceituação da sexualidade se dá de forma subjetiva para os participantes e através da construção de sua identidade, de como os indivíduos se enxergam no mundo. Podemos perceber esses fenômenos nas falas a seguir:]
(P2). Porém, aos 65 anos a gente entende que sexualidade é muito mais além do que se imagina, é muito mais além do físico, é muito mais além de corpo, é muito mais além de sexo.
(P3). Acho que é a convivência de duas pessoas, né? Não importa se são dois homens e são duas mulheres, acho que é o amor, o carinho, a convivência, o cheiro, pele, o tato. Em que acaba acontecendo a intimidade sexual entre duas pessoas.
(P4). Sexualidade é tudo aquilo que compõe, dentro da sua construção enquanto ser humano, enquanto você se descobre quem é você, enquanto gente.
(P6). Sexualidade é uma coisa que todos nós temos, independente do sexo masculino ou feminino, é uma coisa que já vem dentro.
(P8). É estar bem comigo mesmo sem ter vergonha do que sou.
CATEGORIA 02: Sexualidade como qualidade de vida.
[Um dado presente na fala de sete entrevistados na pesquisa, é que a vida sexual desses indivíduos continua ativa. O que diverge entre os participantes nesse quesito é que as mulheres que participaram relataram questões fisiológicas próprias do gênero, como a menopausa e a suspensão da menstruação. O ato sexual no envelhecimento foi visto pelos participantes como indicativo de qualidade de vida e bem-estar como pode-se perceber nas falas a seguir:]
(P1). O sexo me mostrou agora que eu tô muito viva. Como eu gosto de sexo, como é bom ainda. E eu não preciso de nenhum artifício. Eu achava que eu tinha que botar aquele... Como é que se diz? Aquelas reposições hormonais. Eu não preciso de nada disso.
(P2). Eu funciono perfeitamente bem, os meus desejos continuam os mesmos, a libido continua a mesma, só que nesse universo a gente passa a ser mais seleto, a gente passa a ter mais cuidado...
(P3). só melhorou, porque depois que a menstruação parou, entendeu? Então, só ficou melhor, porque não atrapalhou mais nada.
CATEGORIA 03: Maturidade da sexualidade no envelhecimento.
[Como características do processo de envelhecimento, foi identificado que os participantes têm noção dos processos de mudanças que o corpo passa no envelhecimento e enxergam essas mudanças com maturidade e respeito com os limites impostos pelo envelhecimento como as falas a seguir demonstram:]
(P3). Porque você passa a viver o dia a dia, as coisas vão mudando. Já não pode deixar de fazer aquilo que eu gosto. Mas você já faz as coisas de uma outra forma.
(P1). A gente muda muito. A gente está cada dia aprendendo.
(P2). É um dia de cada vez, é um processo tranquilo.
CATEGORIA 04: Preconceitos, estereótipos e estigmas do envelhecimento e das sexualidades e a “Volta para o armário".
[Alguns participantes relataram questões muito características do processo de envelhecimento através dos estigmas que rodeiam a velhice e os preconceitos que as novas gerações depositam nesses sujeitos. A volta para o armário apareceu como dado em diversas falas que é característico do processo de envelhecimento da população LGBTQIAP+ que pode ter como consequência solidão, carência e isolamento como podemos verificar através das falas de alguns:]
(P2). Mas também é meio preocupante por conta disso que eu já te falei, as pessoas estão meio que voltando para o armário.
(P2). As pessoas voltam mais para o armário, as pessoas ficam mais...Estão evitando de frequentar lugares que tenha muitos jovens gays, porque são vistos de uma outra forma.
(P5). E em relação a essa situação, eu sou muito tranquilo, né? Eu já me reservo mais, né?
(P7). Quando você não tem um acompanhamento legal, que você não tem pessoas do lado que estejam lhe apoiando, lhe orientando, a tendência dessas pessoas é retornar ao armário, retornar à invisibilidade, cair no ostracismo, é viver uma vida de baixa estima, na realidade, e que acaba se invisibilizando pra vida.
(P2). acham que nós homossexuais nessa idade estamos carente, estamos isolados, estamos sós e que tudo satisfaz.
(P4). Então eu fujo do contexto dos coroas. Eu sinto os olhares, às vezes, meio... Alguns admiram, outros dizem, não sei se o...não se manca. Entre os próprios LGBT, coroas.
(P4). Porque é uma visão que a gente tem da pessoa velha cuidar, servir ainda. Mesmo ele não podendo, às vezes tem um problema na coluna, mas fica ali. Sabe, eu não sei se é uma coisa muito egoísta da minha parte. Mas eu não me vejo. Eu tenho muito medo.
CATEGORIA 05: AFETO POR INTERESSE.
[O choque geracional se apresentou na fala de alguns participantes como falta de respeito e exclusão no mundo contemporâneo, onde a população LGBTQIAP+ está inserida nos contextos virtuais dos aplicativos de relacionamentos devido ao isolamento que ainda perpetua nos dias de hoje.]
(P4). O comércio que a pessoa mais jovem tenta fazer com a homossexual da terceira idade.
(P8). A gente acaba pagando mais para poder sair com alguém. Isso é fato. Todo mundo que se aproxima de nós quando vai ficando muito velho, não é um amor, é um emprego.
DISCUSSÕES
A sexualidade é uma experiência não limitada aos aspectos biológicos (genética, necessidades instintivas e reprodutivas) e a penetração. A sexualidade pode se manifestar de várias maneiras através de atitudes, preferências e até fantasias, isso tudo envolvendo fatores subjetivos como afeto, amor, carinho, contato e desejos que não acabam no decorrer da vida, ou seja, continuam com o envelhecimento (11).
O processo de envelhecimento é contínuo e cheio de transformações físicas, emocionais, subjetivas e sexuais, levando em consideração a história de vida e contexto sociocultural que influenciam os modos do envelhecer. Gênero, classe social, saúde, educação, personalidade, histórico de vida e contexto socioeconômico definem os diferentes modos de envelhecer. A idade cronológica que fornece os indicativos corporais ou fisiológicos não determina as experiências individuais dos idosos (11).
Espera-se que a sexualidade diminua ou até mesmo cesse com o processo de envelhecimento devido a alguns fatores como a menopausa e a redução da resposta genital. Entretanto, estudos apontam que o desejo sexual não cessa com o envelhecer (12).
O assunto é muito pouco estudado e difundido na América do Sul, o que contribuiu para o idoso experimentar, um duplo estigma: o da idade e o da sexualidade desviante. Dizer algumas palavras como bixa velha, coroa assanhado, traveco mostra manifestações preconceituosas nas representações sociais da velhice LGBTQIAP+ que repercute em solidão, crises e mitos (13).
Faz-se necessário considerar o silenciamento das vozes, principalmente os corpos considerados de menor valor como crianças, negros, mulheres, gays e velhos, praticamente em todas as fases da história (14).
CONCLUSÃO
O presente estudo se propôs a analisar a percepção das sexualidades de pessoas idosas LGBTQIAP+ que, através da construção da identidade e do autoconhecimento dos sujeitos, que se deu por meio do contexto social, da dinâmica familiar e de outros aspectos que rodeiam o processo de subjetividade do ser humano, é possível estabelecer vivências positivas no envelhecimento, vivências essas que contrariam os estigmas e preconceitos que as pessoas idosas estão inseridas.
A pesquisa veio mostrar que a percepção das vivências das sexualidades dos participantes está ligada ao processo de construção de identidade e autoconhecimento, e analisar as variações e os contextos das sexualidades desses indivíduos está muito além de perceber os comportamentos sexuais e as mudanças do processo de desenvolvimento humano, mas também está relacionado a qualidade de vida no envelhecimento.
Pode-se perceber ainda que, as características que envolvem o processo de maturação do desenvolvimento humano tornam um envelhecer mais saudável, possibilitando um olhar mais apurado para os estigmas e preconceitos, não só no âmbito da sexualidade, mas também no combate ao ageísmo e etarismo, que são utilizados para expressar a discriminação e o preconceito em razão da idade das pessoas.
Através da Gerontologia Social que vem estudando e desmistificando o processo de envelhecer, o presente estudo se faz necessário a fim de provocar o repensar do processo de envelhecimento na sociedade contemporânea através das ciências humanas e sociais, principalmente quando falamos dos estudos na gerontologia LGBTQIAP+ no âmbito social, sexual, físico e psicológico. Este estudo possui relevância por contribuir para desmistificar os preconceitos e estigmas que perseguem a população LGBTQIAP+ no processo de envelhecimento, contrariando os mitos de que pessoas idosas LGBTQIAP+ estão à mercê da solidão e como forma de combater a volta para o armário.
Esta pesquisa apresenta limitações em virtude da amostra reduzida de participantes, que não permitiu investigar com maior profundidade a complexidade desse tema nas suas variadas particularidades. Porém, os dados aqui apresentados, apontam para a necessidade de pesquisas futuras que envolvam essa temática com uma amostragem maior de sujeitos, contribuindo assim para subsidiar políticas públicas e modelos de intervenção psicossocial que promovam o combate ao ostracismo desse público no âmbito científico e social.
REFERÊNCIAS
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(2). BRASIL. JUSTIÇA DO TRABALHO. TRT da 4a região (RS). Brasil, 2021. Disponível em: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/465934. Acesso em: 05 de outubro de 2022.
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(4). VIEIRA, K. F. L; COUTINHO, M. da P. de L; SARAIVA, R. de A. A sexualidade na velhice: representações sociais de idosos frequentadores de um grupo de convivência. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 36, n. 1, p 193-209, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-3703002392013. Acesso em: 12 nov. 2022.
(5). SCIO EDUCATION. Scio Mental Health. Brasil, 2022. Disponível em: https://scioeducation.com/artigos/lgbtqia-e-a-saude-mental/. Acesso em: 03 de novembro de 2022.
(6). DE OLIVEIRA, Bruno Lemos; DE TOLEDO, Bruna Brum; SOARES, Ellen dos Santos. QUESTÃO DE GÊNERO: A HOMOSSEXUALIDADE NA TERCEIRA IDADE. Anais do XVI Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, v. 16, n. 1, 2019.
(7). MINAYO, M.C.S. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 12. ed. São Paulo: HUCITEC, 2016.
(8). SOUZA, Virginia Ramos dos. et al. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm. 2021; 34: Eape02631. DOI: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021A002631.
(9). BOCKORNI, B. R. S.; GOMES, A. F. A amostragem em snowball (bola de neve) em uma pesquisa qualitativa no campo da administração. Revista de Ciências Empresariais da UNIPAR, Umuarama, v. 22, n. 1, p. 105-117, jan./jun. 2021. Disponível em: https://revistas.unipar.br/index.php/empresarial/article/view/8346. Acesso em: 05 nov. 2022.
(10). PIMENTA, Tatiana. Identidade de gênero: tudo o que você precisa saber. In: Tatiana P Vittude: Vittude Blog. Brasil, junho, 2020. Disponível em: https://www.vittude.com/blog/identidade-de-genero/. Acesso
(11). SANTOS, Sueli Souza dos. Sexualidade e Velhice. In: FREITAS, Elizabeth Viana de; PY, Ligia (Org.). Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de janeiro: Guanabara Koogan, 2011. P. 1543-1546.
(12). CREMA, Izabella Lenza; TILIO, Rafael de. Sexualidade no envelhecimento: relatos de idosos. Fractal: Revista e Psicologia, v.33, n. 3, p. 182-191, set-dez, 2021. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1360452. Acesso em: 12 nov. 2022.
(13). HENNING, C. E. Gerontologia LGBT: velhice, gênero, sexualidade e a constituição dos “idosos LGBT”. Horizontes Antropológicos, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/Mw58qyvVjfSQy7hbmmZqLbm/abstract/?lang=pt. Acesso em: 28 ago. 2022.
(14). OLIVEIRA, R. da S. De inaudíveis a audíveis: vozes gays, vozes de resistência. In.; MENDES, A. de M.; SILVA, F. M. da; BARROCA; I. C. S. (orgs). Literatura e Resistência: corporeidade, gênero e decolonialidade. Teresina: Avant Garde Edições, 2020. p. 270-290.