O USO DE ESTIMULANTES CEREBRAIS ENTRE ESTUDANTES DE MEDICINA: revisão integrativa

THE USE OF BRAIN STIMULANTS AMONG MEDICAL STUDENTS: an integrative review

EL USO DE ESTIMULANTES CEREBRALES ENTRE LOS ESTUDIANTES DE MEDICINA: una revisión integradora

CARLA PATÍCIA ALVES BARBOSA - Acadêmicas de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). ORCID:https://orcid.org/0000-0001-8981-1210

DÉBORA IRENE BARBOSA - Acadêmicas de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). ORCID:https://orcid.org/0000-0001-8981-1210

GABRIELA IRENE BARBOSA - Acadêmicas de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). ORCID: https://orcid.org/0009-0004-5169-5145

GABRIELLY PINHEIRO MARINHO - Acadêmicas de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). ORCID: https://orcid.org/0009-0004-5169-5145

LINDA CONCITA NUNES ARAÚJO - Acadêmicas de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). ORCID: https://orcid.org/0009-0004-5169-5145

PEDRO IGOR OLIVEIRA ÁVILA - Acadêmicas de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). ORCID: https://orcid.org/0009-0004-5169-5145

TAYNÁ MARIA DANTAS CAROZO CALUMBY - Acadêmicas de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (UNIT-AL). ORCID: https://orcid.org/0009-0001-7015-8167

TERESA AMÉLIA DA SILVA OLIVEIRA - Médica, graduada pela Universidade Federal de Alagoas, Mestra em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Alagoas. ORCID: https://orcid.org/0009-0001-7015-8167

RESUMO

Objetivo: evidenciar o uso de estimulantes cerebrais por estudantes de medicina no Brasil para melhora da performance acadêmica, entendendo as substâncias mais utilizadas, a prevalência de uso, efeitos percebidos e consequências. Metodologia: a pesquisa trata-se de uma revisão integrativa, na qual foram realizadas buscas nas fontes de dados PubMED, SciELO, LILACS e MEDLINE, a partir dos descritores "stimulants", "medical students", "performance" e "psychoative substances" no período de 2018 a 2023, que resultaram na seleção de 9 artigos que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão. Resultados: foi observado consumo abusivo de estimulantes, principalmente de cafeína, bebida energética, metilfenidato e anfetaminas entre o público-alvo, além de maior incidência entre estudantes do quarto ano, que se mudaram da cidade-natal, tabagistas e/ou sedentários. Conclusão: o
tema é um problema de saúde pública e carece de pesquisas aprofundadas para propiciar a mobilização das instituições de ensino e órgãos de saúde.

DESCRITORES: Estimulantes cerebrais; Estudantes de medicina; Substâncias psicoativas; Performance.

ABSTRACT

Objective: to highlight the use of brain stimulants by medical students in Brazil to improve academic performance, understanding the most used substances, the prevalence of use, perceived effects and consequences. Methodology: the research is an integrative review, in which searches were carried out in PubMED, SciELO, LILACS and MEDLINE data sources, from the descriptors "stimulants", "medical students", "performance" and "psychoactive substances" from 2018 to 2023, which resulted in the selection of 9 articles that met the inclusion and exclusion criteria. Results: abusive consumption of stimulants was observed, mainly caffeine, energy drink, methylphenidate and amphetamines among the target audience, in addition to a higher incidence among fourth-year students, who moved from their hometown, smokers and/or sedentary. Conclusion: the theme is a public health problem and lacks in-depth research to encourage the mobilization of educational institutions and health agencies.

DESCRIPTORS: Brain stimulants; Medical students; Psychoactive substances; Performance.

RESUMEN

Objetivo: destacar el uso de estimulantes cerebrales por estudiantes de medicina en Brasil para mejorar el rendimiento académico, conociendo las sustancias más utilizadas, la prevalencia de uso, los efectos percibidos y las consecuencias. Metodología: la investigación es una revisión integradora, en la que se realizaron búsquedas en las fuentes de datos PubMED, SciELO, LILACS y MEDLINE, utilizando los descriptores "estimulantes", "estudiantes de medicina", "rendimiento" y "sustancias psicoactivas" de 2018 a 2023, lo que resultó en la selección de 9 artículos que cumplieron con los criterios de inclusión y exclusión. Resultados: se observó un consumo abusivo de estimulantes, principalmente cafeína, bebidas energéticas, metilfenidato y anfetaminas entre el público objetivo, además de una mayor incidencia entre los estudiantes de cuarto año, que se mudaron de su ciudad natal, fumadores y / o sedentarios.Conclusión: El tema es un problema de salud pública y requiere una investigación en profundidad para movilizar a las instituciones educativas y los organismos de salud.

DESCRIPTORES: Estimulantes cerebrales; Estudiantes de medicina; Sustancias psicoactivas; Rendimiento.

RECEBIDO: 26/05/2023

APROVADO: 26/06/2023

INTRODUÇÃO

A transição da adolescência para a fase adulta, especialmente na realidade brasileira, costuma vir pela busca da capacitação profissional, sendo o curso de medicina um dos mais concorridos e sonhados pelos jovens no Brasil. O processo de ingresso na universidade costuma ser desgastante e ao ingressar, de fato, o acadêmico enfrenta desafios ainda maiores, ao passo que desenvolve a autonomia, surgem novas responsabilidades na realidade de um estudante que tende à instabilidade psicossocial. Vale destacar a rotina de sono irregular, a alimentação inadequada, com alto consumo de açúcar, sal e produtos super processados, levando esse grupo a uma precariedade da saúde mental e vulnerabilidade para o consumo de substâncias psicoativas.¹

Os estudantes de medicina possuem maior prevalência de estresse e transtornos mentais, principalmente de ansiedade, do que a população geral. A aprovação na universidade de medicina geralmente ocasiona sentimentos positivos, no entanto, pode ser um período crítico para esses alunos, visto que, como já mencionado, são expostos a vários estressores: conteúdos extensos para estudar, falta de tempo, autocobrança para tirar notas boas, insegurança em lidar com situações de doença e enfrentar o dilema de vida e morte prematuramente. Dessa forma, os alunos vivem ansiosos e em permanente estado de vigília, o qual desencadeia comprometimento no desempenho cognitivo, diminuição da aprendizagem, inquietação, dificuldade de concentração e falhas de memória.2

Segundo um estudo realizado com estudantes de uma universidade médica de Minas Gerais, foram percebidos "manifestações e condicionantes do adoecimento como sentimento de culpa e insegurança, aliados a pressões sociais para um alto desempenho escolar e profissional" em relação ao desgaste mental que o curso de medicina traz. O estudo afirmou, ainda, que “estresse, ansiedade e burnout são adoecimentos comuns”.3 É pertinente ressaltar que o cérebro humano ainda está passando pelo processo de mielinização durante a segunda década de vida (faixa etária comum desses estudantes), sendo o córtex frontal - responsável pela execução e atenção - o último a se desenvolver 4, logo, estímulos nocivos têm potencial de gerar dano nas células nervosas e levar a modificações no processo cognitivo, seja na aprendizagem e/ou memorização.

Nesse contexto, os estimulantes cerebrais são elementos que atuam elevando o estado de vigília no corpo humano, dessa maneira, melhoram o humor, o desempenho cognitivo, a concentração, a memória e a criatividade, além de terem propriedades antidepressivas. Essas substâncias exógenas possuem efeitos que imitam o sistema simpático e afetam vias de neurotransmissores colinérgicas, dopaminérgicas, noradrenérgicas e serotoninérgicas.5 É importante entender que esses estimulantes variam, desde aqueles mais aceitos culturalmente, como a cafeína, a bebida energética e o guaraná, até aqueles ilícitos ou obtidos de forma irregular, como MDMA (metilenodioximetanfetamina), metilfenidato, modafinil, piracetam e anfetaminas.6

Dessas substâncias citadas, as anfetaminas são o grupo de medicações mais utilizados, principalmente o metilfenidato e a dextroanfetamina, no entanto, elas apresentam um risco significativo de dependência, além de outros efeitos nocivos como agressividade, agitação, confusão, dor de cabeça, tremores, alterações do humor, anorexia e náuseas, arritmias, overdose e depressão.7  Estudos estimam que 5 a 35% dos universitários utilizam drogas para melhorar o desempenho acadêmico, assim, fica claro que esses estudantes estão incluídos não apenas em um meio de alta competitividade, mas também que o psicológico desse grupo é mais suscetível a adesão de ferramentas que aumentem a sua produtividade, ainda que isso signifique trazer riscos para a própria saúde.8

Fica nítido, portanto, que os estimulantes cerebrais são um problema de saúde pública entre os estudantes de medicina, visto que aumentam as chances de custos econômicos, sociais e culturais, seja por todo o processo que envolve a recuperação do usuário, seja pelo impacto na sua formação, autoconfiança e qualidade de vida. Logo, ter conhecimento sobre sua prevalência, motivação e características envolvidas auxilia na compreensão e planejamento de como lidar com essa situação. O presente estudo teve como foco de pesquisa analisar e entender o cenário brasileiro e perfil dos estudantes de medicina e os principais estimulantes utilizados por eles durante a formação.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa realizada através de revisão integrativa de literatura, onde realizou-se uma busca bibliográfica nas seguintes fontes de dados: Center for Biotechnology Information (PubMed), biblioteca eletrônica Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE). Foram selecionados artigos publicados nos últimos 5 anos, nos idiomas português e inglês. Os descritores utilizados para a localização dos estudos foram: Stimulants, Medical Students, Psychoactive Substances e Performance, a fim de entender o uso de estimulantes cerebrais por estudantes de medicina brasileiros.

A estratégia de busca foi direcionada atendendo a pergunta: “Qual é o cenário brasileiro atual dos estudantes de medicina em relação ao uso de estimulantes cerebrais?”. Desse modo, objetivando adquirir a resposta para tal questionamento, foi desenvolvido um método de busca utilizando os descritores em grupo com, no mínimo, duas palavras-chave. Na Scielo, os cruzamentos foram: stimulants AND medical students. Na PubMed, os cruzamentos foram: stimulants AND medical students e psychoactive substances AND medical students AND performance. Na LILACS, os cruzamentos foram: psychoactive substance AND medical students. Na MEDLINE, as intercepções foram stimulants AND medical students e psychoactive substances AND medical students.

Os critérios de seleção adotados para os artigos encontrados foram: estarem publicados nos idiomas inglês ou português, publicação nos últimos cinco anos, texto completo gratuito e artigos que contemplassem o território brasileiro. Como critério de exclusão, foram analisados e retirados deste trabalho os artigos que não foram publicados nos últimos cinco anos, os artigos de revisão de literatura e os que tiveram sua publicação em outro idioma que não o português ou inglês. Após a aplicação da estratégia utilizada para busca de artigos, contendo os descritores escolhidos, a seleção foi realizada em três etapas:

  1. Em primeiro lugar, foi feita a exclusão dos títulos que não se encaixavam nos critérios do nosso estudo ou que não foram realizados com direcionamento para o Brasil, após identificados e lidos nas diferentes fontes eletrônicas de dados.
  2. Em segundo lugar, foi realizada a leitura dos resumos selecionados, também excluindo aqueles que não pertenciam aos critérios de inclusão do presente estudo.
  3. Após essas duas etapas, em terceiro lugar, todos os artigos selecionados foram lidos na íntegra para uma última seleção para esta revisão.

Com isso, uma tabela foi feita no programa Word, inserindo os principais dados dos artigos selecionados e optando por considerar as seguintes características para a apresentação dos resultados: título, autor, ano de publicação, metodologia e principais resultados.

RESULTADOS

A busca eletrônica usando as estratégias de busca descritas rendeu 1827 artigos nas plataformas SciELO, PubMed, LILACS e MEDLINE. Seguindo os critérios de inclusão e exclusão e subtraídas as referências repetidas constantes em mais de uma fonte de dados e, após todo o processo de seleção, 9 artigos foram selecionados após a leitura na íntegra.

Na fonte de dados PubMed, foram encontrados 449 artigos, dos quais 351 foram excluídos pelos filtros, 77 excluídos pelo título, 20 foram lidos pelo resumo e um foi selecionado para leitura na íntegra.

Na plataforma eletrônica SciELO, foram encontrados 10 artigos, dos quais 7 foram excluídos pelos títulos, 3 foram lidos pelo resumo e 1 selecionado para leitura na íntegra. Na fonte de dados LILACS, foram encontrados 102 artigos, dos quais 86 foram excluídos pelos filtros, 4 excluídos pelo título, 12 foram lidos pelo resumo e 6 na íntegra.

Na plataforma MEDLINE, foram encontrados 1266 artigos, dos quais 938 foram excluídos pelos filtros, 283 excluídos pelo título, 45 foram lidos pelo resumo e 1 selecionado para leitura íntegra.

Fluxograma 01 – Descrição da seleção dos artigos.

Os artigos selecionados foram categorizados e as informações foram extraídas e organizadas mediante as seguintes características: título, autor, ano de publicação, metodologia e principais resultados, conforme quadro abaixo.

Quadro 1 – Descrição dos artigos selecionados

Fonte: Dados da Pesquisa, 2023.

DISCUSSÃO

A admissão de jovens nas universidades de medicina acarreta uma grande mudança de ambiente e hábitos, com a presença de novas responsabilidades e desafios que o curso apresenta. Frente a grande pressão exigida pela preparação profissional para lidar com a vida humana, o estresse torna-se fator comum. Com isso, a universidade torna-se um período de muita vulnerabilidade para o uso dessas substâncias psicoativas.9 Um estudo analisou a razão de chances de usar drogas psicotrópicas entre estudantes de vários cursos de ensino superior (Medicina, Educação Física, Farmácia e Nutrição), o qual obteve o resultado de que indivíduos na faculdade de medicina têm 7,943 vezes mais chance de fazer uso dessas substâncias.  Além disso, de forma geral, indivíduos com alta renda e que estão no último período do curso se mostraram mais propensos ao uso.10

O uso de psicoestimulantes, como metilfenidato, tornou-se uma prática recorrente de doping que ultrapassou os ambientes esportivos. Esses estimulantes cerebrais são utilizados para tratamentos de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e narcolepsia. No entanto, o uso dessas substâncias por indivíduos saudáveis, sem transtorno de atenção, pode aumentar as habilidades cognitivas e relaxar as inibições de funções executivas importantes para o desempenho mental. Por isso, tornou-se uma prática frequente o uso indiscriminado e sem prescrição médica dessas substâncias por estudantes de medicina, visto que aumenta a capacidade de aprendizagem, rendimento e concentração. Assim, criando um comércio clandestino dessas substâncias nos campus universitários e tornando-se um assunto de preocupação de saúde pública.11

Desse modo, os psicoestimulantes podem ser encaixados em diferentes classificações, no entanto, de forma geral, existem aqueles naturais (relacionados à extração vegetal, como a cafeína) e os sintéticos, os quais são produzidos em laboratório, como o metilfenidato. A princípio, o café apresenta a maior prevalência de consumo, além de outros compostos que contenham cafeína na composição, como bebidas energéticas ou cápsulas de cafeína, visto que acabam tendo seu uso mais disseminado pelo fácil acesso e utilização socioculturalmente difundida, embora possam causar a dependência. O pó de guaraná passa por um processo parecido e tem a guaranina como princípio. Em relação ao metilfenidato, já foi citada a sua importância para tratar o TDAH, o que o tornou mundialmente comercializado e, devido a essa ampla necessidade, facilitou o seu acesso para outros fins.9

Analisando as principais substâncias utilizadas e entendendo seus mecanismos de ações, observamos que o metilfenidato age aumentando os níveis de noradrenalina (NA) e dopamina (DA) no córtex pré-frontal e nas regiões corticais/subcorticais. Seu efeito acarreta melhores níveis de atenção no TDAH. Já o modafinil, utilizado para narcolepsia, possui ações na NA, glutamato e principalmente na DA visto que aumenta os níveis dela no caudado e no núcleo accumbens, além de bloquear os transportadores de DA. As anfetaminas agem bloqueando a recaptação de NA e DA no neurônio pré-sináptico e aumentam sua liberação também no neurônio pré-sináptico, assim aumentando a concentração da fenda sináptica.6

Sobre a prevalência das substâncias, Muniz et al. relata que 70,0% dos alunos consumiam cafeína, seguido de 37,78% que consumiam energético e 13% dos alunos consumiam anfetaminas. Em relação ao uso de metilfenidato, houve uma concordância dos autores: Mezacasa Júnior et al. diz na sua pesquisa que a maior substância de consumo foi o metilfenidato passando de 21% em alunos do primeiro ano para 56% em alunos do quarto ano. Enquanto isso, Haas et al. relata que nas universidades de Florianópolis, dos 698 alunos analisados, 11,2% fizeram uso de metilfenidato ou lisdexanfetamina sem prescrição médica - cenário que denota uma prática comum nesse grupo, pois entre os fármacos sem prescrição devida, o metilfenidato é majoritariamente o escolhido. Na amostra de Cândido et al., o uso de metilfenidato foi seis vezes maior do que o consumo em qualquer outro momento. 7, 6, 12, 11

No que tange ao início do consumo, é necessário pontuar que a experimentação de psicoestimulantes pode iniciar ainda no período do vestibular, como evidenciado por Batista et al., mas é durante a graduação médica que o uso se torna mais frequente e preocupante, tendo como motivação as razões já discutidas. Esse início também se mostra mais evidente, de acordo com Mezacasa Júnior et al., entre alunos que migraram de outros estados, que estavam no final do ciclo clínico e que reprovaram em alguma disciplina, que tomavam remédio para dormir e que já haviam fumado (dos 64% que afirmaram que consomem ou já consumiram psicoestimulantes, 48,2% relataram que fumavam ou já haviam fumado na vida).1, 6

Desse modo, como variáveis associadas, podemos dizer que o sedentarismo, tabagismo e o uso de outros medicamentos relacionam-se à prática estudada.12 Isso comprova que a associação desses fatores estressantes, além dos fatores condicionados pela formação, aumenta ainda mais a prevalência do uso dessas substâncias pelos acadêmicos. Cabe destacar que o estudo de Mezacasa Júnior et al. foi produzido observando estudantes de uma universidade do extremo Sul do Brasil no período de 2015 a 2018 e foi visto que a proporção de alunos que começaram a usar algum tipo de estimulante durante o curso de medicina dobrou de 2015 (15%) para 2018 (30%).6 O consumo de mais de um agente psicoestimulante simultaneamente demonstrou aumento do estresse entre esses estudantes.

Em relação ao perfil de gênero dos acadêmicos supracitados, foram observados dados controversos entre o gênero que mais consome essas substâncias, haja vista a relação destoante de participantes do gênero masculino e feminino - com muito mais participação ativa deste nas pesquisas. Sendo assim, proporcionalmente, pode-se dizer que o maior consumo é pelo público masculino, entretanto, nos últimos anos vem ocorrendo um aumento do uso pelo gênero feminino, o que pode ser consequência do cenário médico e cultural atual, onde mulheres estão ingressando no ensino superior e, em especial, no curso de medicina com mais predominância.1 Por outro lado, no que tange a proporção de alunos que já usaram metilenodioximetanfetamina, modafinil, piracetan e anfetamina, Mezacasa Júnior et al. mostra que a prevalência foi maior para o sexo masculino.6

Cândido et al., discute como a automedicação é um fator sociocultural importante nesse problema, pois a prática no caso estudantil é incentivada por colegas e amigos, tal qual acontece na realidade com outras medicações que costumam ser recomendadas dentro de casa por familiares.11 Muniz et al. também chama atenção para o uso não prescrito de medicações, pois em relação ao metilfenidato, dos estudantes que relataram seu uso, 66,67% o fizeram sem prescrição médica, enquanto apenas 33,33% tiveram indicação médica.7 Em contrapartida, ao considerar as substâncias ilícitas, foi relatada uma baixa frequência de consumo, como a cocaína, o que pode ser reflexo do custo financeiro, do acesso aos locais em que a venda ocorre e até pelo estigma sociocultural relacionado à substância.1

Vale ressaltar também os efeitos, de fato, percebidos pelos estudantes após esse consumo. Segundo Santana et al., a ordem de incidência foi por redução do sono, melhora da concentração, bem-estar, raciocínio, redução da fadiga, melhora na memória e redução do estresse.9 É inegável que as substâncias psicoestimulantes produzem um efeito rápido positivo, no entanto, ao observar a longo prazo, poucos alunos relataram um efeito real nos resultados acadêmicos, logo, "pode existir um efeito motivacional associado a drogas psicoativas que é mais importante do que o efeito real nas capacidades individuais”.9

Entre os efeitos adversos, doses elevadas de cafeína (com concentração plasmática maior que 50μM - no mínimo, cinco e, no máximo, dez xícaras de café) podem promover tolerância, sendo comum relatos de sensação de angústia, nervosismo e agitação.9 Além disso, as anfetaminas podem provocar prejuízo a vários sistemas: no trato gastrointestinal leva a xerostomia, redução do apetite e dor abdominal. No sistema cardiovascular, predispõe à hipertensão, taquicardia, arritmia e até parada cardíaca.  No sistema endócrino, pode haver diminuição do hormônio do crescimento (GH) e alterações da secreção dos hormônios sexuais. No sistema nervoso, cefaleia, insônia, estresse e dependência química.8

 Outros efeitos que devem ser considerados são as modificações de comportamento, nas quais o estudante pode se envolver em agressões e acidentes automobilísticos e apresentar comportamentos sexuais de risco. Por outro lado, também entre as consequências percebidas, podemos citar até as microscópicas, haja vista o estudo de Oliveira et al., que evidenciou o aumento do número de células binucleadas na mucosa oral - sendo estas comumente relacionadas às células cancerosas.10 Outrossim, no estudo de Boclin et al., muitos alunos relataram algum efeito colateral (59,2%), como dores de cabeça (23,8%). Fica claro, portanto, que o uso contínuo e exacerbado de psicoestimulantes traz consigo o surgimento de problemas psicológicos, físicos, sociais, financeiros e acadêmicos.8

Diante dos artigos incluídos na pesquisa, notou-se tanto o aumento dos estudos sobre essa temática, como também o aumento do uso pelos estudantes de medicina. Essas informações indicam a relevância social desse tema, bem como evidenciam uma problemática que abrange desde substâncias lícitas a substâncias não lícitas e a obtenção de medicações para fins não terapêuticos entre um público jovem. Além disso, esses dados denunciam o modelo de formação universitário, a visão da sociedade em relação ao que significa produtividade e tornam-se valiosos para criação de intervenções nas universidades, como melhora da abordagem da grade curricular e trabalhos multidisciplinares para construir um apoio mental e emocional para os estudantes de medicina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revisão integrativa produzida verificou que o consumo de psicoestimulantes por estudantes de medicina no Brasil é uma realidade preocupante, onde a incidência de uso das substâncias cresce conforme os anos, motivada pelo desejo de melhorar o desempenho acadêmico através da redução do sono e do cansaço, ainda que estas se tratem de manifestações fisiológicas do organismo que precisam ser respeitadas. Pode-se dizer, portanto, que a busca pela produtividade entre universitários de medicina brasileiros ocorre, muitas vezes, de maneira irresponsável e não saudável, pois o consumo de estimulantes cerebrais neste grupo acontece de forma acentuada e crescente, assim, caracteriza-se como um problema de saúde pública.

Entre as limitações da pesquisa, vale ressaltar que embora os estudos sobre a temática tenham aumentado, ainda há uma baixa produção científica sobre o assunto nos últimos 5 anos, logo, outros estudos foram deixados de fora por não atenderem ao critério de tempo determinado para a seleção desta revisão. Além disso, os artigos foram produzidos abrangendo poucas regiões nacionais - a maioria dos estudos aconteceram na região sul (n=2) e sudeste (n=5), de maneira ainda distante de entender as realidades da região norte (n=0), nordeste (n=1) e centro-oeste (n=0). Outrossim, as metodologias dos trabalhos são diversas em relação aos tipos de substâncias utilizadas, a forma de mensurá-las e as consequências carecem de um maior detalhamento, em especial, no que cerne a dependência química e outras repercussões na vida dos estudantes (financeiras, sociais, psicológicas ou físicas).

De forma geral, é uma necessidade pública investir em pesquisas que visem verificar a prevalência e a incidência do uso de estimulantes cerebrais nos acadêmicos de medicina de todo o país, assim como motivar o direcionamento das pesquisas nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, a fim de ter uma visão psicossocial e geográfica mais profunda, para assim estabelecer metas de intervenção e cuidado de acordo com as necessidades regionais. Em segundo lugar, cabe criar metodologias padronizadas de avaliação para direcionar esses estudos. É fundamental o desenvolvimento de políticas públicas e intervencionistas, com participação ativa das universidades e campanhas educacionais direcionadas à população jovem, com ênfase nas drogas psicoativas mais comuns. Por fim, a fiscalização e controle sobre as vendas irregulares de medicamentos devem ser reforçados pela vigilância sanitária.

REFERÊNCIAS

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