EXPOSIÇÃO MATERNA AOS AGROTÓXICOS E COMPLICAÇÕES GESTACIONAIS EM MATO GROSSO

MATERNAL EXPOSURE TO PESTICIDES AND PREGNANCY COMPLICATIONS

IN MATO GROSSOEXPOSICIÓN MATERNA A PLAGUICIDAS Y COMPLICACIONES DEL EMBARAZO EN MATO GROSSO

Jardes Arquimedes de Figueiredo Junior - Graduação no Curso de enfermagem na Universidade de Cuiabá UNIC (2012), Mestre em Ambiente e Saúde pela Universidade de Cuiabá UNIC (2021). Especialização em Enfermagem Obstétrica, Especialização em Auditoria dos Serviços de Saúde, Especialização em Centro Cirúrgico. ORCID: https://orcid.org/0009-0008-1890-1890

Érika de Paula Ferreira -  Possui curso-tecnico-profissionalizante em Tecnico de Enfermagem pelo Centro de Ensino Técnico Matogrossense.

Karine Da Silva Campos Prado - Graduada em Enfermagem pela Universidade de Cuiabá (2013). Mestre em Ambiente e Saúde pela Universidade de Cuiabá (2021). Pós-graduada em enfermagem obstétrica. Pós-graduação em auditoria de serviços de saúde. Experiência na área hospitalar e docência, com ênfase em saúde primária (SUS), saúde da mulher, idoso, adulto, crianças e adolescentes. Experiência em auditoria em serviços de saúde. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2584-7764

Agnes Manuela Machado Fernandes - Graduação no Curso de enfermagem na Universidade de Cuiabá UNIC (2011), com Especialização em Enfermagem do Trabalho com ênfase em Urgência e Emergência, Especialização em Urgência e Emergência, Especialização em Auditoria em Sistemas de Saúde.

Luciana Marques da Silva - Possui doutorado em Ciências, área de concentração Genética, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMRP/USP (2004), mestrado em Ciências, área de concentração Genética, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMRP/USP (1999) e graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT (1995). ORCID:https://orcid.org/ 0000-0001-9980-5690.

RESUMO

Objetivo: Analisar a exposição materna aos agrotóxicos e a ocorrência de desfechos gestacionais adversos no estado de Mato Grosso no período de 2011 a 2017. Método: Trata-se de um estudo quantitativo e ecológico, em 16 municípios do estado de Mato Grosso, onde foi realizada a divisão em dois grupos de comparação, sendo o 1º grupo (caso) constituído de 8 municípios de maior consumo de agrotóxicos e o 2º grupo (controle) constituído igualmente por 8 municípios com características sociodemográficas semelhantes, porém, com menor consumo de agrotóxicos. Posteriormente foi calculado os indicadores de desfechos gestacionais selecionados do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC), tendo como variáveis resposta os indicadores: proporção de nascidos vivos com malformação congênita, proporção de nascidos vivos com prematuridade, proporção de baixo peso e proporção de muito baixo peso ao nascer. Resultados: Comparando às médias de consumo de agrotóxicos por habitante dos municípios caso em relação ao controle observa-se que o grupo dos municípios caso consume 6.078% (32.884.497,03 litros por habitante) a mais que o grupo dos municípios controle. As taxas dos casos tanto de baixo peso quanto de prematuridade se apresentaram superior em relação à taxa controle em todos os anos estudados, porém observou-se tendência estável nas proporções dos desfechos gestacionais para todas as morbidades. Conclusão: As tendências de taxas dos desfechos gestacionais adversos foram estáveis para todos os municípios estudados no período e houve uma maior ocorrência de taxas de nascidos vivos com baixo peso e com prematuridade nos municípios de maior utilização de agrotóxicos.

Palavras-chaves: Anomalias Congênitas; Recém-Nascido de Baixo Peso; Recém-Nascido Prematuro; Pesticidas.

ABSTRACT

Objective: To analyze maternal exposure to pesticides and the occurrence of adverse gestational outcomes in the state of Mato Grosso between 2011 and 2017. Method: This is a quantitative, ecological study in 16 municipalities in the state of Mato Grosso, which was divided into two comparison groups, with the 1st group (case) consisting of 8 municipalities with the highest pesticide consumption and the 2nd group (control) also consisting of 8 municipalities with similar sociodemographic characteristics, but with lower pesticide consumption. Subsequently, selected gestational outcome indicators from the Live Birth Information System (SINASC) were calculated, with the following indicators as response variables: proportion of live births with congenital malformation, proportion of live births with prematurity, proportion of low birth weight and proportion of very low birth weight. Results: Comparing the average consumption of pesticides per inhabitant of the case municipalities in relation to the control, it can be seen that the group of case municipalities consumes 6,078% (32,884,497.03 liters per inhabitant) more than the group of control municipalities. The rates of both low birth weight and prematurity were higher than the control rate in all the years studied, but there was a stable trend in the proportions of gestational outcomes for all morbidities. Conclusion: The trends in rates of adverse gestational outcomes were stable for all the municipalities studied during the period and there was a higher occurrence of rates of low birth weight and prematurity in the municipalities with the highest pesticide use.

Keywords: Congenital Anomalies; Low Birth Weight Newborn; Premature Newborn; Pesticides.

Objetivo: Analizar la exposición materna a plaguicidas y la ocurrencia de resultados gestacionales adversos en el estado de Mato Grosso entre 2011 y 2017. Método: Se trata de un estudio cuantitativo, ecológico en 16 municipios del estado de Mato Grosso, donde el estudio se dividió en dos grupos de comparación, con el 1er grupo (caso) formado por 8 municipios con el mayor consumo de plaguicidas y el 2º grupo (control) también formado por 8 municipios con características sociodemográficas similares, pero con menor consumo de plaguicidas. Posteriormente, se calcularon indicadores de resultado gestacional seleccionados del Sistema de Información de Nacidos Vivos (SINASC), con los siguientes indicadores como variables respuesta: proporción de nacidos vivos con malformación congénita, proporción de nacidos vivos con prematuridad, proporción de nacidos con bajo peso y proporción de nacidos con muy bajo peso. Resultados: Comparando el consumo medio de plaguicidas por habitante de los municipios caso en relación al control, se observa que el grupo de municipios caso consume un 6,078% (32.884.497,03 litros por habitante) más que el grupo de municipios control. Las tasas tanto de bajo peso al nacer como de prematuridad fueron superiores a las del control en todos los años estudiados, pero hubo una tendencia estable en las proporciones de resultados gestacionales para todas las morbilidades. Conclusión: Las tendencias de las tasas de resultados gestacionales adversos se mantuvieron estables en todos los municipios estudiados durante el período y hubo una mayor incidencia de las tasas de bajo peso al nacer y prematuridad en los municipios con mayor uso de plaguicidas.

Palabras clave: Anomalías congénitas; Recién nacido con bajo peso al nacer; Recién nacido prematuro; Plaguicidas.

 Recebido: 31/07/2023 Aprovado: 22/08/2023

Tipo de artigo: Artigo Original

INTRODUÇÃO

O Brasil iniciou a modernização de sua agricultura em 1965, com a chamada Revolução Verde, na qual colocou o país como um dos maiores produtores de alimentos e maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 20081. No estado de Mato Grosso em 2009 a população foi exposta a 34,1 litros de agrotóxicos por habitante, se comparada a média nacional sendo uma exposição oito vezes maior2.

O uso indiscriminado de produtos químicos pode causar forte impacto ambiental contaminando a água, o ar e o solo3. Além disso, diversos estudos identificaram contaminação de trabalhadores e moradores de regiões de plantios devido à pulverização dos pesticidas serem realizadas por tratores e aviões agrícolas, que por sua vez podem causar complicações de saúde ao homem4.

A exposição humana aos agrotóxicos está associada a diversos problemas de saúde e efeitos adversos durante o período gestacional5. Dentre eles pode se destacar o suicídio, depressão, câncer, problemas cardíacos6, aborto, malformação congênita (MC) e recém-nascido de baixo peso (BP)7.

O peso de todo recém-nascido (RN) ao nascer com menor ou igual a 999 gramas é considerado de extremo baixo peso, com menor ou igual a 1.499 gramas é chamado muito baixo peso (MBP) e com peso inferior a 2.500 gramas de baixo peso8. A expectativa de vida de toda criança nos primeiros anos de vida é impactada pelo peso do RN9. Na qual, por sua vez é influenciado por múltiplos fatores maternos, sendo um deles a exposição aos agrotóxicos no período gestacional10.

No Brasil, em 2013, a prematuridade foi considerada a principal causa de morte em crianças menores que 5 anos11. Todo bebê nascido vivo (NV) antes de 37 semanas de gestação é considerado prematuro12. Neste sentido, Chrisman13 identificou maior incidência de RNs com baixo peso e verificou ligação entre parto prematuro e exposição aos agrotóxicos no período gestacional.

A malformação congênita ou anomalia congênita é toda deformidade estrutural, funcional ou metabólica que ocorre com o feto no período intrauterino, a qual pode ser identificada tanto antes como depois do nascimento14. As MCs geralmente possuem múltiplas causas, alguns fatores são considerados influenciadores no aumento da teratogenicidade e sensibilidade de grande parte dos sistemas fetais durante a gestação, como a exposição ambiental e a agrotóxicos15. Contudo, existem poucos estudos no estado de Mato Grosso nesta temática e metodologia.

Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar a exposição materna aos agrotóxicos e a ocorrência de desfechos gestacionais adversos no estado de Mato Grosso no período de 2011 a 2017.          

MÉTODO

Trata-se de um estudo quantitativo, ecológico, abrangendo o período de 2011 a 2017, realizado em 16 municípios do Estado de Mato Grosso.

Este estudo foi dividido em duas etapas, sendo na primeira realizada a divisão dos municípios em dois grupos de comparação, onde o 1º grupo (caso) foi constituído de 8 municípios de maior consumo de agrotóxicos no estado: Campo Novo do Parecis, Campo Verde, Diamantino, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Primavera do Leste, Sapezal e Sorriso. Já o 2º grupo (controle) foi constituído igualmente por 8 municípios com características sociodemográficas semelhantes, porém, com menor consumo de agrotóxicos: Alta Floresta, Aripuanã, Barra do Garças, Cáceres, Guarantã do Norte, Juína, Mirassol D´Oeste e Pontes e Lacerda.

Para a seleção e inclusão dos municípios em seus respectivos grupos, primeiramente utilizou-se o método de Pignati, Oliveira e Silva16 onde o consumo de agrotóxicos em litros por habitante é estimado considerando-se a área total de área plantada em cada município e o quanto se utiliza de agrotóxicos por hectare de acordo com o tipo de lavoura, bem como a população residente destes municípios de acordo com o ano estudado. Importante destacar que para a seleção dos 8 municípios do grupo controle, buscou-se garantir pareamento com os municípios caso segundo tamanho de população e algumas das principais características sociodemográficas, tais como condições de saneamento e renda mensal média, utilizando-se uma razão de 1:1 (município controle para cada município caso).

Na segunda etapa foi calculado os indicadores de desfechos gestacionais selecionados do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC), sendo eles, malformação congênita, baixo peso ao nascer, muito baixo peso e prematuridade, acessados pela homepage do DATASUS.

Como variáveis resposta foram avaliados os seguintes indicadores: proporção de nascidos vivos com MC, proporção de nascidos vivos com prematuridade, proporção de baixo peso e proporção de muito baixo peso ao nascer. Estes indicadores foram calculados considerando-se como numeradores, os desfechos selecionados e nos denominadores, o total de nascidos vivos segundo ano de ocorrência.

Posteriormente estes indicadores foram comparados entre os munícipios dos Grupos 1 e 2 por meio de razões de taxas e estimou-se as taxas médias dos municípios do estudo e as taxas médias dos municípios casos. Já as estatísticas da população dos municípios estudados foram filtradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)17.

Procedeu-se ao cálculo das proporções de nascidos vivos segundo desfecho de estudo, em seguida realizou-se a análise de tendência das proporções (1ª fase) por meio de modelos de regressão linear simples. A análise dos diagramas de dispersão das proporções de desfechos gestacionais adversos demonstrou que a suposição de uma evolução linear poderia ser assumida para todas as análises, fato este que justificou o uso de modelos lineares, sendo então ajustados estes modelos para cada série temporal. A modelagem estatística considerou cada proporção dos desfechos em estudo como variável dependente e, o tempo cronológico (de 2011 a 2017), onde optou-se pela centragem desta variável subtraindo o ponto médio de cada valor da série (X – 2014). Desta maneira, evitou-se a autocorrelação entre os termos da equação de regressão. Os modelos estimados podem ser escritos como: Y = β0 + β1 (X – 2014), onde Y correspondeu às proporções de desfechos gestacionais adversos, β0, coeficientes anuais médios, β1, coeficientes de efeito linear e X, anos de nascimento. A tendência foi considerada significativa quando o modelo obteve p < 0,05. Como medida de precisão dos modelos, utilizou-se o coeficiente de determinação (R2)18,19.

Em seguida, construiu-se tabelas de contingência onde foram calculadas as Razões de Proporções de desfechos adversos gestacionais dos municípios do Grupo 1, cuja a estimativa de utilização de agrotóxicos foi alta, divididas pelas proporções do grupo 2 (controle), estes últimos referentes aos que não usavam os agrotóxicos de maneira intensiva, conforme demonstrado na Tabela 1. As razões de proporções e Intervalo de Confiança de 95% (IC95%) foram estimadas pelo método de Mantel–Haenszel. Para todas as análises o nível de significância adotado foi o de valor p < 0,05. Foi utilizado, para todas as análises, o software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 18.0 para Windows.

Por se tratar de um estudo realizado com dados secundários, de domínio público onde não são informados dados pessoais dos registros, extraídos do DATASUS, segundo a Resolução 510/2016, este estudo dispensou a submissão em comitê de ética em pesquisa (CEP).

RESULTADOS

Percebe-se que dos municípios caso (grupo 1) os que tiveram maior consumo de agrotóxicos por habitante foram Campo Novo do Parecis, Primavera do Leste e Sapezal, já dos municípios controle (grupo 2) foram Barra do Garças, Alta Floresta e Cáceres. Se comparado às médias de consumo de agrotóxicos por habitante dos municípios caso em relação ao controle observa-se que o grupo 1 consome 6.078% (32.884.497,03 litros por habitante) a mais que o grupo 2 (Tabela 1).

 

Tabela 1- Descrição dos municípios selecionados por população e consumo de agrotóxicos por habitante, Mato Grosso, 2010

Grupo 1

(Caso)

População

Consumo de agrotóxicos/hab.

Grupo 2

(Controle)

População

Consumo de agrotóxicos/hab.

Campo Novo do Parecis

35.360

 

44.598.865,71

 

Alta Floresta

51.782

 

750.915,83

 

Campo Verde      

44.041

28.580.505,48

Aripuanã

22.354

91.680,80

Diamantino         

22.041

27.801.677,49

Barra do Garças

61.012

1.218.723,68

Lucas do Rio Verde

65.534

26.026.017,25

Cáceres

94.376

663.468,24

Nova Mutum      

45.378

25.616.478,89

Guarantã do Norte

35.816

168.821,15

Primavera do Leste

62.019

40.619.087,13

Juína

40.997

570.084,30

Sapezal 

25.881

39.319.339,16

Mirassol D´Oeste

27.739

411.494,25

Sorriso

90.313

34.842.330,09

Pontes e Lacerda

45.436

453.136,72

Total

-

267.404.301,20

Total

-

4.328.324,97

Fonte: IBGE, elaborado pelo  Autor, 2021

As proporções médias de indicadores de desfechos gestacionais dos municípios caso e controle dos anos de 2011 a 2017 encontram-se na tabela 2. As taxas dos casos tanto de BP quanto de prematuridade se apresentaram superior em relação à taxa controle em todos os anos estudados. Já em relação às taxas de MBP e MC verificou-se que em alguns anos as taxas dos controles foram superiores as taxas dos casos. Contudo, nos anos de 2012 e 2014 as taxas dos casos de todos os desfechos gestacionais analisados foram maiores que as taxas dos controles.

Tabela 2 – Proporções médias de malformação congênita, baixo peso, muito baixo peso e prematuridade segundo o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) nos municípios caso e controle, Mato Grosso, 2011 a 2017

 

Ano

Proporção MC

Caso

Proporção MC

Controle

Proporção BP

Caso

Proporção BP Controle

Proporção MBP

Caso

Proporção MBP Controle

Proporção Prematu.

Caso

Proporção Prematu.

Controle

2011

8,31

8,70

7,52

6,44

0,98

0,88

13,12

10,77

2012

6,61

6,20

6,66

6,08

1,13

0,83

13,71

10,29

2013

6,10

6,30

7,69

6,18

1,16

0,72

14,05

10,74

2014

5,47

3,10

7,38

6,94

1,01

0,73

13,28

11,61

2015

7,80

14,6

7,29

6,83

0,82

0,90

11,40

11,21

2016

5,34

14,0

7,75

6,79

1,07

0,81

12,40

10,61

2017

6,10

2,50

6,78

6,54

0,93

0,96

12,08

9,66

Fonte: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc)

Elaborado pelo autor, 2021  

A figura 1 apresenta as análises gráficas das tendências de proporções dos desfechos gestacionais estudados entre 2011 a 2017. Na figura A, verifica-se que apesar da taxa de nascidos vivos com anomalia congênita permanece superior aos casos nos anos de 2015 e 2016, a tendência apresentou-se estável. O mesmo se deu na figura B, onde as taxas de nascidos vivos com BP dos casos também foram superiores as taxas dos controles em todos os anos, sendo que também a tendência de ambas as proporções foram estáveis. Observa-se na figura C uma estabilidade das taxas nascidos vivos com MBP também com tendência estável, entretanto as taxas dos municípios casos permaneceram menores às taxas dos municípios controle nos anos de 2015 e 2017. Já na figura D observa-se a mesma estabilidade de taxas de nascidos vivos com prematuridade, mesmo que maiores entre o grupo caso em relação aos municípios controle.

As razões de proporção de nascidos vivos com desfechos gestacionais estudados nos munícipios caso e controle entre 2011 e 2017 estão descritos na tabela 3. Observa-se que a taxa de nascidos vivos com baixo peso foi 1,05 vezes maior nos municípios caso em relação aos controles, tendo sido estas diferenças estatisticamente significantes (p=0,019). Neste mesmo sentido, a taxa de nascidos vivos com prematuridade também foi maior nos municípios caso e com significância estatística (RT=1,06; p=0,001). Já em relação às proporções de nascidos vivos com muito baixo peso e com MC, ambos não apresentaram significância estatística (p=0,059 e p=0,113 respectivamente).

Tabela 3 - Razões de proporção de nascidos vivos com malformação congênita, baixo peso, muito baixo peso e prematuridade nos municípios caso e controle, Mato Grosso, 2011 a 2017

Indicadores

Taxa (%)

 

Razão de taxas

(IC 95%)

p-valor

Proporção NV malformação

Municípios Controle

Municípios Caso

 

0,68

0,61

 

1,00

0,91 (0,77-1,06)

 

 

0,113

Proporção NV baixo peso

Municípios Controle

Municípios Caso

 

6,60

6,95

 

1,00

1,05 (1,01-1,73)

 

 

0,019

Proporção NV muito baixo peso

Municípios Controle

Municípios Caso

 

0,90

0,10

 

1,00

1,10 (0,97-1,26)

 

 

0,059

Proporção de NV prematuridade

Municípios Controle

Municípios Caso

 

11,72

11,07

 

1,00

1,06 (1,02-1,10)

 

 

0,001

Fonte:  Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), elaborado pelo Autor, 2021

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos pelas análises realizadas com os municípios de intensa produção agrícola e uso de agrotóxicos em comparação com os municípios de menor atividade agropecuária apresentaram, em todas as análises, tendências estáveis, apesar de as taxas de nascidos vivos com BP e prematuridade terem sido maiores nos municípios caso, em todos os anos estudados.

Corroborando com os achados do presente estudo com relação aos nascidos vivos com baixo peso, uma pesquisa desenvolvida nos estados brasileiros por Guimarães et al.20 identificou associação estatística entre baixo peso ao nascer e exposição a agrotóxicos durante a gravidez. Neste sentido, outro estudo do tipo caso-controle realizado na Espanha identificou que MCs geniturinárias, aborto espontâneo e baixo peso ao nascer aumentam com a exposição ambiental a pesticidas21.  

Com relação à prematuridade, um estudo realizado na região Sul do Brasil, no período de 1996 a 2000, que investigou possíveis eventos adversos durante e após a gravidez, como duração da gravidez, peso ao nascer e índice de Apgar. Como resultados, identificaram casos de prematuridade de bebês do gênero masculino (0,5%) e do gênero feminino (3,8%), ou seja, nascimento com período gestacional menor que 37 semanas22. Neste sentido, Guimarães et al.20 obtiveram resultados semelhantes, onde identificaram associação estatística significante entre prematuridade e exposição a agrotóxicos durante a gravidez.

Um dos achados deste estudo foi à associação limítrofe para MBP ao nascer, isso devido ao seu pequeno número de ocorrências. Apesar disso, uma pesquisa realizada em Nova Friburgo, interior do Rio de Janeiro, de 2004 a 2006 com 6714 nascidos vivos, identificou que mulheres residentes em áreas rurais possuem maior risco de dar à luz a RNs com extremo baixo peso, baixo índice de apgar e uma MC em comparação com mulheres que residem em zona urbana23.

As MCs não apresentaram associação estatística significativa, possivelmente por conta de essas mulheres residirem em municípios de intensiva produção agrícola, mas distante dessas regiões de pulverização. Corroborando com a ideia, um estudo realizado em 2008, em Lavras, Minas Gerais, buscou estimar a distância horizontal alcançada por uma gota pulverizada de um tamanho determinado, em diferentes alturas e velocidade do vento. Assim, identificou que uma gota lançada de 0,8 m de altura, de 40 µm, com vento de 5 ms-1 pode percorrer 38,3 m, sendo estas as condições que a levou em maior distância24.

Apesar disso, associações com MCs são verificadas na literatura em diversos estudos. Um deles é este estudo desenvolvido no estado do Paraná, no período de 2008 a 2015, na qual se buscou analisar a taxa de prevalência de nascidos vivos com MC com relação a indicadores sociais, fatores econômicos, de saúde e ambientais. Assim, a taxa de MC apresentou significância estatística com gestantes expostas a agrotóxicos25.

Ainda neste sentido, um estudo realizado em hospitais da cidade de Cuiabá (MT) em 2011, investigou a associação da exposição à agrotóxicos e a ocorrência de MC, a pesquisa utilizou como critérios, a progenitora ter sido exposta a agrotóxicos três meses antes e após a fecundação e também exposição paterna durante um ano antes da fecundação. Concluindo assim, que a exposição paterna a agrotóxicos, correlacionado com a baixa escolaridade materna pode corroborar com a ocorrência de MC2.

Oliveira et al.4 ao analisar a associação da exposição a agrotóxicos durante a gestação com a presença de MC, em oito municípios de Mato Grosso, considerou como casos todos os nascidos vivos com MC dentro do período de 2000 a 2009 e como controle os nascidos vivos com mais de trinta e sete semanas de gestação e sem nenhuma MC. O referido estudo concluiu que a exposição materna a agrotóxicos no período pós-fecundação (primeiro trimestre gestacional) e no período total gestacional foram associados à maior ocorrência de casos de MC.

Observou-se que os desfechos gestacionais estudados afetam as mães residentes próximos a áreas de cultivos se apresentando em tendência estável em todos os desfechos. Entretanto, mesmo assim, baixo peso e prematuridade mostraram proporções maiores ao longo do tempo estudado.

Este estudo encontrou algumas limitações no decorrer de seu desenvolvimento, como a dificuldade de obter as informações reais de consumo de agrotóxicos dos municípios do estado de Mato Grosso, por isso estes dados foram estimados pela metodologia de Pignati, Oliveira e Silva16. Idealmente, os registros de venda das casas agropecuárias e receituários de agrônomos do estado são obtidos pelo Instituto de Defesa Agropecuário (INDEA), que não mais disponibiliza estes dados. Outra dificuldade é em relação ao nível de exposição da população, pois não é possível determinar exatamente a distância entre a população e as lavouras onde ocorreram as aplicações dos agrotóxicos.  Todavia, os achados deste estudo trazem grandes contribuições para compreensão dos riscos à saúde materna-infantil que estão ligados à exposição de agrotóxicos.   

CONCLUSÃO

As tendências de taxas dos desfechos gestacionais adversos foram estáveis para todos os municípios estudados no período. Houve uma maior ocorrência de taxas de nascidos vivos com baixo peso e com prematuridade nos municípios de maior utilização de agrotóxicos. Por isso, é de suma importância melhorar o controle de aplicação de agrotóxicos e facilitar o acesso às informações com a divulgação dos dados de consumo de pesticidas por parte dos órgãos governamentais. Permitindo assim, instruir e alerta a população quanto aos riscos à saúde ligados a exposição a produtos agrícolas

REFERÊNCIAS

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  3. Oliveira NP. Malformações congênitas e o uso de agrotóxicos em municípios de Mato Grosso, período de 2000 a 2009. (Dissertacao de Mestrado). Cuiaba: Universidade Federal de Mato Grosso, 2012. 99 p.
  4. Oliveira NP, Moi GP, Atanaka-Santos M, Silva AMC, Pignati WA. Malformações congênitas em municípios de grande utilização de agrotóxicos em Mato Grosso, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva. 2014; 19(10): 4123-4130.
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