PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS CASOS DE HIV, SÍFILIS E HEPATITES EM PRIVADOS DE LIBERDADE, MINAS GERAIS

EPIDEMIOLOGICAL PROFILE OF CASES OF HIV, SYPHILIS AND HEPATITIS IN PRIVATE OF FREEDOM, MINAS GERAIS

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE CASOS DE VIH, SÍFILIS Y HEPATITIS EN PRIVADOS DE LIBERTAD, MINAS GERAIS

AUTORES

Carlos Eduardo Prates Fonseca - Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Medicina/Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde: infectologia e medicina tropical. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0082-905X

Unaí Tupinambás - Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Medicina/Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde: infectologia e medicina tropical. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3681-4124

RESUMO

Objetivo: Traçar o perfil epidemiológico do HIV, sífilis e hepatites virais em privados de liberdade de Minas Gerais. Métodos: Estudo transversal com 273 indivíduos privados de liberdade. Foram aplicados um questionário socioeconômico, contendo questões estruturadas e foi realizado exames de testagem rápida para HIV, Sífilis e Hepatites tipo ‘B’ e ‘C. Resultados: A idade média foi de 33,3 anos. Cerca de 62,3% eram solteiros, 53,7% eram pardos, 39,4% com ensino fundamental incompleto e 95,1% se declararam heterossexual. Quanto à detecção de anticorpos observou-se 6,3% de resultados positivos para anti-HIV, 3,3% para anti-HCV, 1,1% para HBsAg, 11% para teste treponêmico e 87,5% de resultados positivos para o teste confirmatório para HIV. Conclusão: A presente pesquisa realizada com privados de liberdade do sexo masculino, com perfil social que evidenciou expressivas vulnerabilidades individuais e coletivas, sobretudo pelo inadequado hábito do uso de preservativos em indivíduos heterossexuais e baixa escolaridade. 

DESCRITORES: Infecções sexualmente transmissíveis; Prisioneiros; HIV; Sífilis; Hepatite viral.

ABSTRACT

Objective: To outline the epidemiological profile of HIV, syphilis and viral hepatitis in prisoners of liberty in Minas Gerais. Methods: Cross-sectional study with 273 individuals deprived of their liberty. A socioeconomic questionnaire was applied, containing structured questions, and rapid testing for HIV, Syphilis and Hepatitis type ‘B’ and ‘C’ was carried out. Results: The average age was 33.3 years. Around 62.3% were single, 53.7% were mixed race, 39.4% had incomplete primary education and 95.1% declared themselves heterosexual. Regarding antibody detection, 6.3% of positive results were observed for anti-HIV, 3.3% for anti-HCV, 1.1% for HBsAg, 11% for treponemal test and 87.5% positive results for the HIV confirmatory test. Conclusion: This research was carried out with men deprived of liberty, with a social profile that highlighted significant individual and collective vulnerabilities, especially due to the inadequate habit of using condoms in heterosexual individuals and low education.

DESCRIPTORS: Sexually transmitted infections; Prisoners; HIV; Syphilis; Viral hepatitis.

RESUMEN

Objetivo: Describir el perfil epidemiológico del VIH, sífilis y hepatitis viral en presos en libertad en Minas Gerais. Método: Estudio transversal con 273 individuos privados de libertad. Se aplicó un cuestionario socioeconómico con preguntas estructuradas y se realizaron pruebas rápidas para VIH, Sífilis y Hepatitis tipo 'B' y 'C'. Resultados: La edad media era de 33,3 años. Alrededor del 62,3% eran solteros, el 53,7% mestizos, el 39,4% tenían estudios primarios incompletos y el 95,1% se declaraban heterosexuales. En cuanto a la detección de anticuerpos, se observó un 6,3% de resultados positivos para anti-HIV, un 3,3% para anti-HCV, un 1,1% para HBsAg, un 11% para la prueba treponémica y un 87,5% de resultados positivos para la prueba confirmatoria del VIH. Conclusiones: Esta investigación fue realizada con hombres privados de libertad, con un perfil social que destacó importantes vulnerabilidades individuales y colectivas, especialmente por el inadecuado hábito de uso del preservativo en individuos heterosexuales y baja escolaridad.

DESCRIPTORES: Infecciones de transmisión sexual; Presos; VIH; Sífilis; Hepatitis virales.

Recebido: 18/08/2023 Aprovado: 26/09/2023

Tipo de artigo: Artigo Original

INTRODUÇÃO

No ano de 2019, foram contabilizados 690 mil óbitos por HIV/Aids no mundo, com queda de 39% entre 2010 e 2019. Do início de sua epidemia (década de 1980) até dezembro de 2019, foram identificados no Brasil 349.784 óbitos tendo como causa básica a AIDS1

No Estado de Minas Gerais, mais de 50% e 30% dos casos de HIV/AIDS se concentram na população com faixa etária compreendida entre 20-34 e 35-49 anos, respectivamente, tendo uma razão de sexos de 3,05 para o sexo masculino. Em relação aos diagnósticos por Superintendências Regionais de Saúde (SRS), a de Belo Horizonte apresenta incidência de 17,1 casos para cada 100 mil habitantes, seguida de Uberlândia. No tocante às regiões de saúde, a Macronorte apresenta ocorrências de casos que variam de 150-300casos/100 mil2

Pessoas envolvidas com a criminalidade e o cárcere são significativamente mais propensas à infecção pelo HIV e outras IST do que na população geral3. No atual cenário da epidemia no Brasil, para Alvarez4, chama a atenção a concentração de casos entre em homens que fazem sexo com homens.

Além disso, as relações com parcerias eventuais podem indicar situações de maior exposição às IST, sobretudo considerando a quantidade e a diversidade de parcerias, bem como os locais e condições em que se dão as práticas sexuais, inclusive considerando-se alguns elementos contextuais, tais como o uso de álcool e outras drogas (antes ou durante o sexo). Temos que considerar também relações sexuais que ocorrem em condições de disparidade de poder de negociação, ou ainda sob violência física ou psicológica, em contexto de marginalização, sexo transacional ou práticas que ensejem situações de preconceito e estigma que costumam dificultar a adoção de estratégias preventivas5.

Desta forma, estudar a ocorrência e traçar o perfil epidemiológico das IST em instituições prisionais é relevante ao campo da saúde pública, uma vez que os comportamentos de risco de privados de liberdade podem contribuir para a manutenção da sua cadeia de transmissão. Assim, justifica-se a realização deste estudo com o objetivo de traçar o perfil epidemiológico do HIV, sífilis e hepatites virais em privados de liberdade de Minas Gerais.

MÉTODOS

Estudo transversal, quantitativo, descritivo e analítico realizado com privados de liberdade de prisões da 11ª RISP, situadas na região Macronorte de Saúde de Minas Gerais. 

A presente pesquisa adotou a amostragem probabilística aleatória simples6. A população total de reclusos na 11ª RISP, realizado em maio de 2022, contabilizou 3.272 privados de liberdade. O método para o cálculo amostral foi o de Barnett7 utilizando a prevalência dos desfechos identificados na literatura: HIV - 4,4% a 24,8%; Sífilis - 5,7% a 25,2%; Hepatite B - 7,4%; Hepatite C - 4,6% a 19%8. Assim, o tamanho mínimo amostral estimado foi de 273 indivíduos.

Os critérios de inclusão foram: ser pessoa privada de liberdade do sexo masculino; estar sob custódia há mais de 06 meses nas prisões da 11ª RISP; aceitar participar de forma espontânea e consentir em assinar o Termo de Consentimento; possuir capacidade cognitiva para responder ao instrumento de coleta de dados; consentir com a presença do Agente de Segurança Penitenciária (ASP)  no local de coleta de dados, se necessário; consentir em responder ao questionário semiestruturado e se prestar à coleta de material para testagem sorológica rápida. 

O estudo foi realizado com a aplicação de questionário socioeconômico contendo questões estruturadas, adaptado de Reis e Tupinambás9, seguida de realização de exames de Testagem Rápida para HIV, Sífilis e Hepatites tipo ‘B’ e ‘C’. A aplicação do questionário e a realização da testagem foi feita por profissionais Farmacêuticos, Psicólogos, Enfermeiros e/ou Técnicos de Enfermagem, previamente treinados.

Inicialmente os dados foram colhidos no segundo semestre de 2019, com supressão da coleta durante o período de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), causada pela pandemia da COVID-1910. As atividades foram retomadas no primeiro semestre de 2022.

Os indivíduos foram elencados mediante relação alfabética nominal dos reclusos em cada prisão, sendo posteriormente selecionados de forma aleatória. Os privados de liberdade convidados que não manifestaram interesse em participar do estudo foram substituídos por outros reclusos. Além disso, o contato com os privados de liberdade sempre ocorreu com a presença dos ASP. Após a realização da coleta e testes sorológicos os participantes eram informados dos resultados de forma sigilosa, quando possível. Os casos positivos foram encaminhados à rede local de saúde. 

Os questionários e todos outros procedimentos foram aplicados após consentimento formal do participante, sendo que enquanto esse procedimento era realizado, em cerca de 25 minutos, foram feitos testes rápidos (TR) de triagem das IST. Para casos positivos na triagem inicial para o vírus HIV, utilizou-se de imunoensaio cromatográfico, de forma confirmatória. 

Os TR utilizados para triagem da infecção do treponema pallidum basearam-se na tecnologia de imunocromatografia de fluxo lateral. Em se tratando de testes para o vírus Hepatite B, utilizou-se do teste qualitativo de imunocromatografia de fluxo lateral para a pesquisa do HBsAg circulante. Foram ainda realizados TR para a detecção qualitativa de anticorpos específicos para Hepatite C em soro humano.

Os dados obtidos foram digitados no software EpiData® versão 3.1. Os mesmos foram exportados para o programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 22.0. As análises descritivas foram realizadas por meio de frequência absoluta e relativa (%), média, desvio padrão, mínimo e máximo. As análises inferenciais foram feitas por meio de modelos bi e multivariados utilizando o teste de Qui-quadrado ou Exato e Fisher e a Regressão Logística, com o valor de p fixado em 0,05.

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais – COEP/UFMG, obtendo plena autorização de sua realização, conforme Parecer Consubstanciado nº 3.909.883.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 273 pessoas privadas de liberdade. A idade variou de 18 a 75 anos, com uma média igual a 33,3 anos. Entre as pessoas que participaram do estudo, 62,3% são solteiros, 16,8% possuem alguma união estável ou são amasiados e 15,4% são casados. Em relação à escolaridade, observou-se 18,2% de pessoas que concluíram apenas as séries iniciais do ensino fundamental, 39,4% possuem o ensino fundamental incompleto 17,8% possuem o ensino médio incompleto e 12,5% possuem o ensino fundamental completo. Quanto à cor temos uma maior proporção de pardos (53,7%), seguido dos negros (24,1%) e dos brancos (20%). A maioria das pessoas (95,1%) se declarou heterossexual, além de 86,5% não se considerarem transgênero ou transexual (Tabela 1). 

Tabela 1 - Caracterização dos privados de liberdade quanto às variáveis de interesse, no geral

Variáveis

Frequência

n

%

Idade (anos)

   

Média ± d.p 

33,3 ± 10,2

I.C. da média (95%)

32,1 - 34,5

Mediana (Q1 – Q3)

32,0 (26,0 – 38,0)

Mínimo - Máximo

18,0 – 75,0

     

Faixa etária

   

De 18 a 25 anos

62

23,1

De 26 a 35 anos

119

44,2

De 36 a 45 anos

57

21,2

Mais de 45 anos

31

11,5

Total

269

100,0

4 casos sem informação

   
     

Estado civil

   

Solteiro

170

62,3

Casado

42

15,4

União estável / Amasiado

46

16,8

Divorciado / Separado

13

4,8

Viúvo

2

0,7

Total

273

100,0

     

Escolaridade

   

Analfabeto

1

0,4

Séries iniciais do Ensino Fundamental

48

18,2

Ensino Fundamental incompleto

104

39,4

Ensino Fundamental completo

33

12,5

Ensino Médio incompleto

47

17,8

Ensino Médio completo

29

11,0

Superior Incompleto

2

0,7

Total

264

100,0

9 casos sem informação

   

Com relação a sua cor/raça, você se considera:

   

Branco

54

20,0

Negro

65

24,1

Pardo

145

53,7

Indígena

1

0,4

Amarelo / Oriental

5

1,8

Total

270

100,0

3 casos sem informação

   
     

Qual a sua orientação sexual:

   

Heterossexual

254

95,1

Homossexual

7

2,6

Bissexual

1

0,4

Não sabe

5

1,9

Total

267

100,0

6 casos sem informação

   

Fonte: Dados da pesquisa, 2023

NOTA: d.p=Desvio-padrão I.C. da média