Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância – AIDPI: relato de experiência no Território Indígena Xingu

Integrated Care for Childhood Illnesses – IMCI: experience report in the Xingu Indigenous Territory

Atención Integral a las Enfermedades de la Infancia – AIEPI: relato de experiencia en el Territorio Indígena Xingu

AUTORES

Marieli Basso Bolpato - Enfermeira e Fisioterapeuta. Doutora em Saúde Pública pela Universidade Americana (UA, 2015) e, Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade católica de Goiás (PUC) (2021), Goiânia, Brasil. Professora Adjunta na Universidade Federal de Mato Grosso, MT, Brasil. E-mail: Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7923-2343.

Damiane Santos CerqueiraMestre em Ciências Ambientais e Saúde pela Pontifícia Universidade católica de Goiás (PUC) (2020), Goiânia, Brasil. Enfermeiro de campo na área assistencial de atenção primária junto as populações indígenas no Parque Indígena do Xingu. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3162-6159

Larissa Bessani Hidalgo Gimenez - Doutora (2019) em Ciências pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP). Enfermeira (2012) pela Universidade Professora Substituta na Universidade Federal de Mato Grosso, MT, Brasil. Orcid: 0000-0002-3262-0023.

Gilmar WagnerEnfermeiro Responsável Técnico DIASI/DSEI/XINGU/SESAI/MS. Especialista em Saúde Indígena pela Universidade Federal de São Paulo (UFS) (2017). Orcid: https://orcid.org/0009-0004-2936-3881

Karine Cardoso Santos - Enfermeira. Especialista em Saúde Indígena pela Universidade Federal de São Paulo (2019). Enfermeira de campo na área assistencial de atenção primária junto as populações indígenas no Território Indígena do Xingu.

Vivian Vaz Costa - Enfermeira Responsável Técnica DIASI/DSEI/XINGU/SESAI/MS junto aos programas de Saúde da mulher, criança e Vigilância Nutricional. Especialista em Saúde Indígena pela Universidade Federal de São Paulo (UFS) (2014). Orcid: https://orcid.org/0009-0001-6233-4600 

Daphne LourençoMédica de Família e Comunidade atuando na atenção primária junto aos povos indígenas do Território Indígena Xingu – UNIFESP. Orcid: https://orcid.org/0009-0004-7803-2851 

Brigida de Assis SousaEnfermeira pela Universidade Federal de Mato Grosso ( UFMT), Especialista em Acupuntura pela Associação Brasileira de Acupuntura (ABA).

RESUMO

Objetivo: relatar a experiência das capacitações aplicadas em Agentes Indígenas de Saúde e Técnicos de Enfermagem indígenas no Território Indígena Xingu. Método:  relato de experiência que descreveu experiências vivenciadas em capacitações ofertadas via parcerias acadêmicas no Xingú em três Polos (Pavuru, Wawi e Diauarum). Resultado: a cooperação técnica entre os profissionais de saúde da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI Xingu), permitiram a elaboração e execução de capacitações voltadas para as necessidades de cada território. Outro fator que facilitou o andamento das capacitações foram o apoio da comunidade em todos os locais organizando-se para receber os membros no território cedendo espaços como: escola, cozinha comunitária e alojamento. Conclusão: A experiência das capacitações contribuiu para a equidade à medida que deu acesso a formação em saúde de atendimento padronizado.

DESCRITORES: Educação em Enfermagem; Agentes Comunitários de Saúde; Serviços de Saúde Indígena.

ABSTRACT

Objective: to report the experience of training applied to Indigenous Health Agents and Indigenous Nursing Technicians in the Xingu Indigenous Territory. Method: experience report that described experiences in training offered via academic partnerships in Xingú in three Hubs (Pavuru, Wawi and Diauarum). Result: technical cooperation between health professionals from the Federal University of São Paulo (UNIFESP) and the Special Indigenous Health District (DSEI Xingu) allowed the development and execution of training focused on the needs of each territory. Another factor that facilitated the progress of the training was the support of the community in all locations, organizing itself to receive members in the territory, providing spaces such as: school, community kitchen and accommodation. Conclusion: The training experience contributed to equity as it provided access to health training with standardized care.

DESCRIPTORS: Nursing Education; Community Health Agents; Indigenous Health Services.

RESUMEN

Objetivo: relatar la experiencia de formación aplicada a Agentes Indígenas de Salud y Técnicos Indígenas de Enfermería en el Territorio Indígena Xingu. Método: relato de experiencia que describió experiencias de formación ofrecidas a través de alianzas académicas en Xingú en tres Hubs (Pavuru, Wawi y Diauarum). Resultado: la cooperación técnica entre profesionales de la salud de la Universidad Federal de São Paulo (Unifesp) y el Distrito Sanitario Especial Indígena (DSEI Xingu) permitió el desarrollo y ejecución de capacitaciones enfocadas en las necesidades de cada territorio. Otro factor que facilitó el avance de la capacitación fue el apoyo de la comunidad en todas las localidades, organizándose para recibir a los integrantes en el territorio, brindando espacios como: escuela, comedor comunitario y alojamiento. Conclusión: La experiencia formativa contribuyó a la equidad al facilitar el acceso a la formación en salud con atención estandarizada.

DESCRIPTORES: Educación en Enfermería; Agentes Comunitarios de Salud; Servicios de Salud Indígena.

Recebido: 17/10/2023 Aprovado: 15/11/2023

Tipo de artigo: Relato de caso

INTRODUÇÃO

Para darmos início ao relato de experiência foi necessário realizarmos uma breve apresentação: O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Xingu realizou, em parceria com o Projeto Xingu da Universidade Federal de São Paulo UNIFESP). O Instituto Socioambiental (ISA) proporciona continuidade da estratégia Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância – AIDPI, que objetiva a redução da mortalidade infantil por meio da capacitação dos profissionais de nível superior e médio do sistema de saúde local. Compondo essa estratégia, existe o AIDPI Comunitário, baseado em ações comunitárias e específicas de cada território e voltado para os Agentes Indígenas de Saúde- AIS e técnicos de enfermagem indígenas. 

Neste sentido, a Reunião de Alma Ata, em 1978, pôde ser considerada como o marco histórico da Atenção Primária em Saúde (APS) definida como a chave para obtenção de níveis de saúde que permitissem as populações levar uma vida socialmente e economicamente produtiva1. Os principais componentes da APS são: educação em saúde, saneamento básico e ambiental, programas de saúde materno – infantil, prevenção e tratamento de doenças endêmicas e comuns, medicamentos essenciais e promoção da nutrição2.

O combate à mortalidade infantil é um problema antigo que vem sendo enfrentado desde as décadas de 1980 e 1990. O Ministério da Saúde (MS) e a Organização Pan- Americana de Saúde (OPAS) juntamente com o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), com o intuito de reduzir o número de mortes por doenças prevalentes na infância, elaboram protocolos a serem desenvolvidos sistematicamente por profissionais de Unidades Básicas de Saúde (UBS) na assistência à criança, resultando em uma resposta favorável3.  

Atribuído a isto, a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no título II dos direitos fundamentais, capitulo I do direito á vida e á saúde, artigo 11, diz que é assegurado atendimento médico á criança e adolescente por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) garantindo acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde4.

Neste contexto, considera -se que a aplicação da estratégia AIDPI, pelos agentes indígenas de saúde possibilita um trabalho em sinergia com a equipe de profissionais da unidade de saúde, apoiando e fortalecendo as ações implementadas, especialmente aquelas consideradas para o componente comunitário da estratégia1,2. Em situação mais integrada é possível minimizar os graves problemas que afetam a saúde das crianças de modo que possam desenvolver -se como pessoas mais saudáveis3

Corroborando com os dados acima, os autores5,6 acreditam que esses profissionais, mesmo possuindo baixo nível de escolaridade, são capazes de aprender o conteúdo da estratégia e aplicar adequadamente nas comunidades. 

Nessa perspectiva é de suma importância reconhecer que esses profissionais constituem parte essencial das equipes multidisciplinares que atuam nos DSEI do Brasil. Além de serem a categoria com maior fixação e possibilidade de longitudinalidade no acompanhamento dos pacientes, eles são moradores das comunidades, conhecedores das medicinas tradicionais e dos aspectos culturais necessários para o cuidado integral dessa população.

Além disso, a estratégia AIDPI, considera, de forma simultânea e integrada, o conjunto de doenças de maior prevalência na infância, propondo abordagem á saúde da criança sistematizando o atendimento clínico, ações curativas com medidas preventivas e de promoção6. O manual da AIDPI tem medidas criteriosas para avaliar, classificar e direcionar o tratamento das crianças menores de cinco anos. Orienta sobre o aleitamento materno, imunização, recuperação nutricional e aconselha o responsável pela criança com objetivo de reduzir a mortalidade infantil7.  

Esta experiência possibilita replicabilidade, e constitui-se em uma estratégia relevante para a saúde da criança. Mediante esse contexto foi necessário questionarmos a seguinte hipótese para relatar o caso: Como a estratégia da AIDPI Comunitário pôde contribuir e/ou auxiliar os processos de cuidados às crianças indígenas de zero a cinco anos de idade no Xingu?

Nesta perspectiva, o objetivo desse estudo foi relatar a experiência das capacitações aplicadas em Agentes Indígenas de Saúde e nos Técnicos de Enfermagem indígenas do Território Indígena Xingu, capacitando assim, os profissionais na identificação dos sinais clínicos de perigo, avaliação e classificação das principais doenças das crianças menores de 5 anos com a valorização dos saberes tradicionais.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de relato de experiências onde foram descritas experiência vivenciadas em capacitações no Xingú incluindo Agentes de Saúde Indígena (AIS) e Técnicos de Enfermagem desenvolvidos em três Polos (Pavuru, Wawi e Diauarum)  denominados como “participantes”. Fato esse que contribui para a área de atuação de diversos pesquisadores de saúde indígena e para outros profissionais de áreas afins, evidenciando resultados passíveis de serem estendidos para outras situações similares a esse relato aqui representado6,7.

A metodologia adotada nas capacitações observadas deu-se em consonância com as ações preconizadas pelo AIDPI Comunitário porém, de forma individualizada de acordo com a realidade de cada comunidade das três sendo elas: Pavuru, Wawi e Diauarum. Foram realizadas capacitações no Território Indígena Xingu, contemplando 98 AIS, 4 técnicos de enfermagem indígena e não indígena e 5 auxiliares de enfermagem indígena atuantes nos Polos Bases Pavuru, Diauarum e Wawi, no período de 02 a 10 de dezembro de 2022; 02 a 11 de março de 2023; 17 a 27 de junho de 2023; 25 a 30 de julho de 2023. A estratégia AIDPI Comunitário desenvolvido possibilitou a continuidade ao processo de padronização de condutas em atenção às doenças prevalentes na infância, iniciado em 2022.

Neste olhar, as atividades foram realizadas voltadas aos aspectos socioculturais utilizando-se de percursos metodológicos que permitissem trabalhar o conteúdo de forma a estimular e promover a integração dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e técnicos de enfermagem a desenvolver ações nas comunidades com ênfase na padronização de condutas.

Sabe-se que o Agente Indígena de Saúde, desenvolve suas atividades e vive na mesma comunidade, atuando como ponte entre a comunidade e a Unidade de Saúde, mantendo contato permanente com as famílias e crianças na criação de vínculo duradouro. 

Desta forma, as atividades trabalhadas na capacitação em AIDPI Comunitário, de forma adaptada à realidade das comunidades indígenas do Xingu foram de suma importância para constituirmos um diferencial aprimorado a atenção à saúde da criança indígena, agregando novos valores e conhecimentos para retomar as práticas culturais.

As capacitações foram aplicadas respectivamente em três Polos diferentes conforme citado acima, porém com as mesmas premissas didáticas (doenças respiratórias e doenças diarreicas). Por ordem sequencial das ações o primeiro local deu-se no Polo Pavuru, o segundo no Polo Wawi e o terceiro no Polo Diauarum.

Neste contexto, buscou-se empregar as estratégias descritas a seguir: na primeira atividade dos participantes tinham que responder as perguntas a partir da conversa com os cuidadores tradicionais ou pessoas mais velhas das aldeias e deveriam trazer durante a capacitação de maneira escrita. O objetivo era conhecer como é feito o cuidado das síndromes gripais e diarreicas de acordo com os saberes de cada povo e como foi que cada comunidade enfrentou os tempos da COVID-19. Essa estratégia tinha como objetivo valorizar os saberes tradicionais.

A segunda atividade desenvolvida foi o uso da metodologia do Rio da Vida, sendo este um dos espaços de abordagens coletivas, através de desenhos. No Rio da vida dos participantes puderam refletir sobre qual o percurso a ser trilhado por um agente indígena de saúde durante sua trajetória pessoal e profissional, convidando-os a pensar os inícios, caminhos e horizonte desse itinerário. Essa estratégia também facilitou a interação e troca de experiências entre os profissionais participantes que possuem uma grande heterogeneidade na experiência profissional.

Sendo assim, abordaram junto aos participantes qual seria o "caminho do ar" no corpo humano, e a partir disso desenvolveu-se raciocínio clínico sobre as doenças que acometem o sistema respiratório. Os participantes puderam aprender sobre a identificação precoce dos sinais de perigo que podem levar uma criança à morte por síndrome gripal, a realizar a correta avaliação e exame físico desses pacientes e como classificar e tratar essas crianças após a avaliação.

Foram utilizados como recursos de aprendizagem capacitações teóricas: vídeos, áudios, slides, boneco anatômico em tamanho real, oficina prática de exame físico, oficina prática de lavagem nasal, jogo de tabuleiro com questões sobre saúde e pequenos grupos para revisão do conteúdo.

Para além das atividades teóricas, a capacitação contou com atividades práticas voltadas para o acompanhamento dos atendimentos na Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) com atendimento á crianças de 0 a 5 anos das aldeias e visita domiciliar focada na importância da vigilância em saúde no território. Todas as atividades práticas foram realizadas em grupos pequenos com um supervisor indígena e um não indígena e de acordo com as possibilidades de cada região.

A equipe coordenadora e facilitadora da capacitação contou com a presença de um educador e palhaço, que proporcionou aos grupos a possibilidade de apreender o conteúdo por meio de brincadeiras, dinâmicas e teatro. As atividades lúdicas foram pensadas de acordo com o conteúdo a ser passado e a necessidade de aprendizado de cada dia.  As atividades tiveram foco na integração dos participantes, na importância do trabalho em equipe, na detecção de sinais de perigo para doenças graves, na compreensão das estruturas anatômicas do corpo e sua fisiologia e no estímulo para o raciocínio clínico dos participantes. Além de promover relaxamento e grande interação entre os participantes, as atividades também auxiliaram a aproximação da equipe não indígena com os AIS. 

O grupo de estudos com tutoria dos AIS mais velhos foi uma atividade importante durante o final de cada capacitação teórica. Em todas as turmas, estavam presentes profissionais iniciantes e profissionais atuantes há mais de 10 anos na saúde. A estratégia de formar grupos de estudos menores permitiu que os mais jovens pudessem aprender com os mais velhos e que ficassem mais à vontade para tirar suas dúvidas. 

Para melhor compreensão do feedback foi utilizado o que denominaram “jogo de saúde” utilizando estratégias para a fixação de conhecimento e trocas de informações entre os participantes. Proporcionando assim, uma forma lúdica de ensinar e aprender, trazendo para os jogadores conceitos e cuidados em saúde, com destaque aos principais aprendizados na pandemia por COVID-19.

Ao longo de toda capacitação, foi valorizada a importância do trabalho em equipe e do compartilhamento dos casos para melhor atendimento das crianças. Além disso, ressaltou-se a necessidade de manter a vigilância em saúde nas aldeias para melhoria do acompanhamento e das taxas de mortalidade infantil na região.

Durante as capacitações, ressaltou-se a valorização dos conhecimentos tradicionais de cada povo no cuidado das crianças com síndrome gripal e a importância dos AIS como disseminadores e incentivadores do uso da medicina tradicional em suas aldeias.

A organização das atividades em área contou com o apoio das escolas e dos professores, das associações indígenas locais e das próprias comunidades. Em relação ao apoio logístico, as escolas forneceram as mesas e cadeiras para a realização da capacitação e os professores indígenas estiveram junto às turmas facilitando o processo pedagógico ao longo das capacitações. 

As associações indígenas forneceram o espaço físico para a realização da capacitação nas três regiões abordadas da aldeia, fornecendo alimentação tradicional para os participantes (farinha, mel, polvilho e outros) proporcionando total apoio às necessidades estruturais surgidas ao longo das capacitações. Vale ressaltar que, as comunidades forneceram alimentos tradicionais de suas roças para a alimentação e receberam toda a equipe com muito carinho em suas aldeias.

Para registro das atividades, foi realizada uma parceria com comunicadores indígenas que filmaram e fotografaram os eventos, produzindo vídeos relacionados a cada atividade presencial.

A realização de parcerias durante esse trabalho mostrou-se essencial para um bom desempenho das atividades. Destaca-se a parceria entre as instituições (Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI-Xingu), o projeto Xingu da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e o Instituto Socioambiental (ISA) como uma importante ferramenta para a realização de atividades dentro do território com foco na formação dos profissionais indígenas. A expertise dessas parcerias foram extremamente valorosas para o desenvolvimento de um projeto pedagógico adequado às turmas atendidas. 

Ao final de todos os módulos foram realizadas avaliações e devolutivas para a comunidade sobre o processo vivido naqueles dias. Foi realizada uma roda de conversa com os participantes do primeiro módulo do AIDPI Comunitário e a pergunta realizada para o grupo foi: “Como a capacitação do I Módulo: Atualização em Síndrome Gripal contribuiu com o seu trabalho?’. Oralmente, cada participante contou para o grupo sobre os casos de síndrome gripal que apareceram em suas aldeias, a identificação dos sinais de alarme, os desafios vividos para a redução no uso de xarope e a abordagem das famílias, a implementação rotineira da lavagem nasal, a demanda das comunidades pelo retorno da educação em saúde e as dificuldades na realização de procedimentos como a contagem da frequência respiratória. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados e discussões desse estudo permitiram conhecer quais os devidos recursos para a estruturação e logística das capacitações nas aldeias e aquisição de gêneros alimentícios. A equipe do Projeto Xingu disponibilizou recursos humanos como professoras, médicas, enfermeiras, psicóloga e arte-educador, e também, material didático, materiais de papelaria e alimentação. A parceria realizada com a UNIFESP e o ISA permitiu a superação dessas barreiras. 

A cooperação técnica entre os profissionais de saúde do projeto Xingu/ UNIFESP e DSEI Xingu, permitiu a elaboração e execução de uma capacitação voltada para as necessidades de cada território, com uma grande variedade de técnicas de ensino e abordagem da educação do adulto. Além disso, o recurso trazido por essas instituições, permiti a compra de gêneros alimentícios tradicionais oriundos de cada região e alimentos vindos da "cidade" para viabilizar a contratação de cozinheiras, pescadores, chefe de cozinha, beijuzeira e faxineiros para o trabalho durante os dias de capacitação.7,8

Percebeu-se que a falta de alojamento em condições mais adequadas foi outra barreira enfrentada pelos profissionais na capacitação. Os Polos Bases têm alojamentos destinados a atender a saúde. Contudo, os alojamentos apresentam estrutura deficiente como casas tradicionais com lonas rasgadas ou sem porta, ou seja, as estruturas de alojamento estavam precárias em alguns lugares.

A parceria com as instituições DSEI Xingu Projeto Xingu/UNIFESP e ISA foi um importante fator facilitador que viabilizou que a capacitação pudesse ser realizada em três territórios distintos. Outro fator que facilitou o andamento foi o apoio da comunidade. Em todos os locais a comunidade se organizou para receber a capacitação no território cedendo espaços como escola, cozinha comunitária e alojamento. Além disso, cada região disponibilizou a Unidade Básica de Saúde (UBS) e casas de moradores para que fosse realizada as atividades práticas.

As escolas e associações indígenas locais também foram importantes parceiros para que a capacitação tivesse bom andamento, cedendo material de papelaria, retroprojetor, tela, cozinha comunitária, mesa, cadeira e utensílios de cozinha.

Foram capacitados em AIDPI Comunitário 107 profissionais indígenas: 98 AIS, 4 técnicos de enfermagem indígena e não indígena e 5 auxiliares de enfermagem indígena, sendo sexo masculino (63) e feminino (44).

A experiência possibilitou a retomada da capacitação dos profissionais indígenas de saúde de maneira presencial, retorno das ações no território, diálogo intercultural e reacendeu os espaços de troca com as comunidades e os profissionais de saúde. Verificou-se que os AIS foram capazes de aprender o conteúdo e aplicar corretamente o que foi repassado e sobretudo com maior autonomia e com capacidade de tomada de decisão baseada nos casos apresentados.  

Foi possível promover a integração entre profissionais da equipe de saúde. O trabalho realizado propiciou o fortalecimento da vigilância em saúde e do trabalho em equipe.

 A heterogeneidade permiti que os mais jovens possam aprender com os mais velhos sobre os desafios e deveres a serem cumpridos nessa profissão, além de promover um sentimento de valorização da categoria e união dos participantes nas capacitações9,10,11. A participação ativa dos profissionais com maior tempo de atividade profissional facilita a transmissão do conteúdo de acordo com as questões culturais locais12,13.

A experiencia está em andamento, assim, espera-se a redução da mortalidade infantil e das morbidades prevalentes na infância, bem como uma atuação profissional, de acordo com as recomendações, conhecimento construído e condutas harmonizadas.

CONCLUSÃO

A médio e longo prazo, espera-se monitorar a experiência a partir dos indicadores do sistema de informação, como: uso de antibióticos, remoção de pacientes para as cidades e mortalidade infantil; número de casos e prevalência de infecções respiratórias e diarreicas; número de ações de educação em saúde, números de participantes das ações de educação em saúde, entre outros.

A experiência contribuiu para a equidade à medida que deu acesso a formação em saúde para o atendimento em saúde para os profissionais indígenas de saúde de nível médio e técnico. Com isso, a formação em AIDPI Comunitário possibilitou melhores condições para promover saúde à população indígena infantil.

Percebeu-se que o fortalecimento da atenção à Saúde da Criança é de suma importância, assim a continuidade do processo de formação e capacitação dos profissionais se faz necessária, de modo a alcançar melhores condições de saúde e bem estar da população infantil. Esforços serão despendidos por parte do Distrito Sanitário Especial Indígena Xingu, Projeto Xingu/UNIFESP e ISA, visando o fortalecimento do AIDPI Comunitário, de modo a minimizar a possibilidade de descontinuidade desta relevante estratégia.  

Considerou-se que esse estudo foi um recurso inovador para a equipe de Agentes Indígenas de Saúde e os Técnicos de enfermagem dos três Polos em estudo (Pavuru, Wawi e Diauarum, permitindo assim uma melhor qualidade de assistência a saúde indígena no Brasil.

REFERÊNCIAS 

1.Garnelo L. Projeto Rede Autônoma de Saúde Indígena: uma experiência de educação e comunicação em saúde indígena. Editora Hucitec; 2019. p. 237-288.

2.Lemos, Pablo Natanael, et al. "O modelo de atenção a saúde bucal no Médio e Baixo Xingu: parcerias, processos e perspectivas." Ciencia & saúde coletiva (2021); 1449-1456.

3.Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: nutrição infantil: aleitamento materno e alimentação complementar. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009f. 112 p.

4.Ministério da Saúde; FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (Brasil). Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. 2. ed. Brasília, 2002. 40 p.

5.Pardo, Mario Luis Antonio Escobar. "Estudo epidemiologico da infeccao por Helicobacter pylori em criancas indias do Parque Indigena do Xingu." Revista Xavante (2019); 13(3): 189-201.

6.Txicão, Kavisgo, et al. "A Educação Escolar na Sociedade Ikpeng: Uma construção no tempo da história e nas articulações etnopolíticas." Anais Estendidos do XXIX Seminário de Educação. SBC (2021); 31(3): 145-167.

7.Ministério da Saúde. Portaria nº 1.498, de 19 de julho de 2013. Redefine o Calendário Nacional de Vacinação, o Calendário Nacional de Vacinação dos Povos Indígenas e as Campanhas Nacionais de Vacinação, no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI), em todo o território nacional. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 jul. 2016.

8.Escobar-Pardo, Mario Luis, et al. "Prevalência de parasitoses intestinais em crianças do Parque Indígena do Xingu." Jornal de pediatria (2022); 43 (4): 485-496.

9.Ministério da Saúde. AIDPI Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância: curso de capacitação: aconselhar a mãe ou o acompanhante: módulo 5. 2.ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002.

10.Mondini, Lenise, et al. "Condições de nutrição em crianças Kamaiurá: povo indígena do Alto Xingu, Brasil Central." Revista Brasileira de Epidemiologia (2017); 21(6): 333-445

11. Moscovici S. La psychanalyse, son image et son public [Psychoanalysis, its image and its public]. Paris: Presses Universitaires de France (2021); 18(3): 12-28.

12.Pan American Health Organization, World Health Organization. Integrated Management of Childhood Illness (IMCI). In: Final report of the 26th Pan American Sanitary Conference (2019); 23(1): 100-113.

13.Queiroz, Christina. Covid-19 e indígenas: os desafios no combate ao novo coronavírus. Jornal de Science (2021); 46 (8): 123-135.