Enfermeiro e o acesso à saúde da pessoa com deficiência auditiva: revisão integrativa
Nurses and healthcare access for hearing impairment people: integrative review
Enfermeros y acceso a la atención sanitaria para personas con discapacidad auditiva: revisión integradora
AUTORES
Raquel Teixeira de Mello - Enfermeira. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.ORCID: 0000-0002-2753-2803
Cristiane Maria Amorim Costa - Doutora em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.ORCID: 0000-0003-1089-2092
Alex Simões de Mello - Doutor em Enfermagem, vinculado a Universidade do Estado do Rio de Janeiro.ORCID: 0000-0003-2078-735X
Ester Monteiro Acylino - Doutoranda no Programa de Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva/ Universidade Federal Fluminense.ORCID: 0000-0002-9815-3835
RESUMO
Objetivo: Analisar na literatura científica as dificuldades das pessoas surdas ao acesso à saúde na atenção primária e o papel do enfermeiro na minimização dessas dificuldades. Método: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, realizada no período de março a maio de 2023, com busca de estudos nas bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde, Pubmed, Oasisbr, Scopus e Rede Sirius, cujo corpus da análise foi de 5 artigos. Resultados: A pesquisa teve como pontos relevantes as barreiras de acesso comunicacional e as consequências para a saúde da pessoa surda; e os facilitadores de acesso e do cuidado de qualidade. Conclusão: Constatou-se a importância da capacitação profissional do enfermeiro através da Língua Brasileira de Sinais, bem como a adoção de estratégias alternativas, para a minimizar a barreira de comunicação com o surdo e buscar a garantia do acesso à saúde deste na Atenção Primária.
DESCRITORES: Pessoas com deficiência auditiva; Acesso aos serviços de saúde; Atenção primária à saúde; Enfermeiros.
ABSTRACT
Objective: To analyze in the scientific literature the difficulties faced by deaf people in accessing healthcare in primary care and the role of nurses in mi-nimizing these difficulties. Method: This is an integrative literature review, carried out from March to May 2023, with a search for studies in the Virtual Health Library, Pubmed, Oasisbr, Scopus and Rede Sirius databases, whose corpus of analysis was 5 articles. Results: The research's relevant points were barriers to communication access and the consequences for the health of deaf people; and facilitators of access and quality care. Conclusion: The importance of professional training of nurses through Brazilian Sign Language was noted, as well as the adoption of alternative strategies, to minimize the communication barrier with deaf people and seek to guarantee their access to health in Primary Care.
DESCRIPTORS: People with hearing impairment; Access to health services; Primary health care; Nurses.
RESUMEN
Objetivo: Analizar la literatura científica sobre las dificultades de las personas sordas en el acceso a la asistencia sanitaria en Atención Primaria y el pa-pel de las enfermeras en la minimización de estas dificultades. Método: Se trata de una revisión bibliográfica integradora, realizada entre marzo y mayo de 2023, con búsqueda de estudios en las bases de datos Biblioteca Virtual de Salud, Pubmed, Oasisbr, Scopus y Red Sirius, cuyo corpus de análisis fue de 5 artículos. Resultados: Los puntos relevantes de la investigación fueron las barreras de acceso a la comunicación y las consecuencias para la salud de las personas sordas; y los facilitadores del acceso y la calidad de la atención. Conclusión: Se constató la importancia de la formación profesional de los enfermeros en Lengua de Señas Brasileña, así como la adopción de estrategias alternativas para minimizar la barrera de comunicación con las personas sordas y garantizar su acceso a la atención de salud en la atención primaria.
DESCRIPTORES: Personas con pérdida auditiva; Acceso a los servicios de salud; Atención primaria de salud; Enfermeros.
RECEBIDO: 31/10/2023 APROVADO: 28/11/2023
INTRODUÇÃO
Desde a história da humanidade, as pessoas com deficiência são vistas como inferiores, inclusive os surdos em comparação com os ouvintes, pessoas sem deficiência auditiva. Na Grécia antiga, por exemplo, Aristóteles, filósofo da época, associava a audição como base para a escolarização. Logo, os surdos não oralizados, que não ouviam e nem falavam, eram considerados incapazes de aprender e, assim, excluídos da aprendizagem1.
A saúde é um direito universal para todos e o Estado tem como dever garantí-la2. No Brasil, esta máxima passou a valer a partir do ano de 1988, com a promulgação da Constituição Federal (CF), que também dedica especial atenção às pessoas com deficiência, destacando ao longo de seu texto, a necessidade e o dever de proteger a dignidade e assegurar a efetivação dos direitos desta população.
Para fins legais, a pessoa é considerada com deficiência auditiva quando há perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz 3.
Para além da classificação, a deficiência auditiva é diversa e plural no que diz respeito ao tipo e grau da perda auditiva e, sobretudo, à forma como essas pessoas se identificam e se comunicam. Neste contexto, a identidade surda, que também é heterogênea, parte de uma respeitosa concepção social de que as pessoas com deficiência auditiva compartilham de especificidades biológicas e possuem uma cultura e forma de comunicação próprios, integrando uma comunidade e minoria linguística. Tal grupo pode fazer uso da língua de sinais, considerada sua língua materna, através do meio visugestual, que no Brasil chama-se Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS1. Todavia, a concepção sociocultural coexiste com uma concepção biomédica, ainda hegemônica, que trata a deficiência auditiva como anormalidade que deve ser corrigida nas pessoas.
Para garantir o direito à saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem como alicerce os princípios da integralidade, universalidade e equidade. O princípio da integralidade corresponde à assistência em todos os níveis de complexidade da atenção à saúde: atenção primária, secundária e terciária, com assistência tanto preventiva, quanto curativa, como ações contínuas na vida do indivíduo e da coletividade2. Uma articulação eficaz e efetiva entre estes níveis favoreceria a integralidade4
A atenção primária de saúde (APS), por sua vez, é considerada porta de entrada do usuário ao acesso à saúde do SUS, sendo o primeiro serviço ofertado, e tem como responsabilidade coordenar o cuidado prestado pela equipe multiprofissional para o indivíduo e o coletivo, com objetivo de prevenir doenças e promover saúde e reabilitação, considerando as necessidades e demandas dos usuários, além dos determinantes e condicionantes de saúde5.
O princípio da universalidade refere-se à assistência à saúde sem preconceitos e privilégios a uma parte da população, com isso, garantindo o acesso igualitário para todos os usuários do SUS2. No caso específico de pessoas com deficiência auditiva ou surdos, as limitações de comunicação não deveriam ser justificativas de barreiras para a garantia do direito à saúde na APS6.
O princípio da equidade, dentre outras coisas, está relacionado à forma de prestar assistência em saúde de acordo com a necessidade individual do usuário do SUS, a fim de diminuir as desigualdades sociais e garantir direitos2.
Deslocando nosso olhar para pessoas com deficiência auditiva, uma das formas de se garantir estes princípios é assegurar a adequada e efetiva comunicação na produção do cuidado. A linguagem é a principal ferramenta da comunicação, podendo ser transmitida de forma verbal ou não-verbal, sendo primordial o entendimento entre quem manda e quem recebe a mensagem7. No Brasil, a LIBRAS é considerada o principal meio de comunicação e Língua oficial da comunidade surda, direito reconhecido através da Lei 10. 436 de 2002, que salienta que é através de experiências visuais que essas pessoas vivenciam e compreendem o mundo8. O não reconhecimento e utilização desta língua, pode comprometer e até negar o direito à saúde.
O enfermeiro, como um dos principais profissionais de saúde no atendimento ao usuário na atenção primária, tem como responsabilidade o cuidado à saúde de todos, através de uma comunicação efetiva. Porém, a comunicação geralmente ocorre de forma verbal-oral, através da fala, o que não atende a todas as pessoas, sendo esta a principal dificuldade de acesso à saúde da pessoa surda que se comunica através da Língua de Sinais9. Neste sentido, a capacitação dos profissionais de saúde é capaz de estabelecer uma comunicação efetiva, voltada à qualificação do cuidado e concretização dos princípios basilares do SUS para atender, de forma mais integral, a esta população específica6.
A relevância desse estudo é pautada na reflexão da temática, a partir da produção de pesquisas voltadas para o tema “Surdez e o direito à saúde”, o que é pouco conhecida pelos acadêmicos, tampouco pelos enfermeiros já na assistência. Associa-se a isto, a reflexão do enfermeiro sobre as ferramentas de comunicação utilizadas ao prestar cuidados à pacientes surdos, promovendo equidade no acesso à saúde.
Entendendo que a barreira na comunicação pode não ser a única dificuldade no acesso à saúde de pessoas surdas na atenção primária, a questão do estudo em tela é: quais dificuldades são apontadas na literatura científica no que se refere ao acesso à saúde de pessoas surdas na atenção primária?
Salientando o papel da atenção primária e do enfermeiro sobre a saúde da população, o presente trabalho tem como objetivo: analisar as dificuldades das pessoas surdas ao acesso à saúde na atenção primária, apontadas na literatura científica, bem como o papel do enfermeiro na minimização dessas dificuldades.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, construída a partir de seis etapas: elaboração da pergunta norteadora, busca na literatura, coleta de dados, análise dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa10.
Para elaboração da questão que norteou o estudo na primeira etapa, optou-se pela utilização da estratégia PICo, que tem como finalidade a construção de questões de pesquisas em diversos estilos, de acordo com interesse do pesquisador11 Definiu-se os acrômios, “P” (população escolhida para o estudo): pessoas adultas surdas; o “I” (intervenção de interesse): acesso à saúde; e o “Co” (contexto): dificuldades cotidianas na atenção primária. Logo, surgiu a seguinte questão de pesquisa: Quais as dificuldades, apontadas na literatura científica no que se refere ao acesso à saúde de pessoas adultas surdas na atenção primária?
A segunda etapa refere-se a busca de estudos, realizada nas seguintes bases de dados: Base de Dados de Enfermagem da Biblioteca Virtual de Saúde (BDENF-BVS), Pubmed, Scopus, no Portal Oasisbr e na Rede Sirius, no período de março a maio de 2023. Mediante a consulta aos Descritores em Ciência da Saúde (DECs) e ajuda dos operadores booleanos, foi realizado os cruzamentos entre ‘’pessoas com deficiência auditiva’’ AND ‘’acesso aos serviços de saúde’’ AND ‘’atenção primária à saúde". Considerando que a maioria dos trabalhos produzidos na área da saúde utilizam como descritor “pessoas com deficiência auditiva”, este trabalho utilizou-o no lugar de “surdez”, como justificativa de encontrar maior quantidade de artigos para a revisão integrativa.
Estabeleceu-se os critérios de seleção dos artigos, onde foram incluídos artigos completos e gratuitos, dos últimos 10 anos, em português, inglês e espanhol, e que responderam à questão do estudo. Foram excluídos, os textos repetidos em bases de dados, resumos em anais, congressos, dissertações, teses e estudos de revisão.
Para a terceira etapa, denominada como coleta de dados, foi utilizado o fluxograma – Prisma (Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises), um checklist composto por 27 itens, divididos em um fluxo de quatro etapas, de forma sucessiva: identificação, seleção, elegibilidade e inclusão12, apresentados na figura 1.
Figura 1- Instrumento de Coleta de Dados-Fluxograma Prisma.
A quarta etapa teve como finalidade analisar criticamente os estudos, entendendo as características de cada um. Como Prática Baseada em Evidência (PBE), os estudos foram avaliados e classificados do nível um até o seis, de acordo com o tipo de abordagem metodológica10. Outros dados também foram analisados, quantitativamente, como objetivos, metodologia, resultados e dificuldades de acesso. Na sequência, foram avaliados, qualitativamente, por meio da análise de conteúdo, com sistematização proposta por Oliveira13.
A análise de conteúdo é uma técnica de aprofundamento do teor de uma mensagem, realizada através de normas sistemáticas e objetiva para identificação de significados e possíveis inferências13. É composta por 10 etapas: construção do corpus, leitura flutuante, definição das UR, destaque da UR, definição das US, quantificação das US, construção das categorias, nomeação das categorias, quantificação das categorias e, descrição e discussão das categorias
A quinta e última etapa, corresponde a discussão dos resultados obtidos a partir da análise, a fim de compará-los com achados de outros pesquisadores e autores que versem sobre a temática, assim, identificando novos conhecimentos e delimitando-os para estudos futuros10.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
A partir da análise quantitativa dos artigos selecionados, apresentados no quadro 1, percebe-se que a maioria se encontra em português, na base de dados Scielo via BVS, entre os anos 2013- 2021. Desse modo, pode-se observar que a produção em outras línguas e nos anos atuais ainda tem sido pouca.
Referente aos objetivos dos artigos, há semelhanças entre eles, pois analisam as dificuldades impostas pelas barreiras de comunicação, onde a maioria trata sobre a percepção dos surdos ao acesso à saúde e outros abordam a dificuldade do profissional no atendimento às pessoas surdas.
De acordo com a metodologia e, consequentemente, o nível de evidência, nota-se que a maioria são estudos de metodologia descritiva e qualitativa, logo, são classificados como 4, nível de evidência baixo.
Por fim, os resultados em relação às dificuldades de acesso à saúde são referentes às barreiras de comunicação entre o usuário surdo e os profissionais de saúde durante o atendimento.
Quadro 1 – Análise Quantitativa dos Artigos
N° |
Autor /Título |
Ano/ Base de dados |
Objetivos |
Metodologia |
Nível de Evidência |
Resultados |
Dificuldade de acesso à saúde da pessoa surda |
1 |
CONDESSA, A, M. et al. Barreiras e facilitadores à comunicação no atendimento de pessoas com deficiência sensorial na atenção primária: estudo multinível. |
2020/ Scielo via BVS |
Analisar a prevalência e os fatores associados à presença de facilitadores à comunicação nas unidades básicas de saúde no Brasil |
1- Estudo transversal multinível 2-dados de 38.811 unidades de saúde de 5.543 municípios, entre 2012 e 2013, 3- grupo de facilitadores à comunicação (material em relevo/braille; recurso auditivo; comunicação visual; listagem acessível de ações do serviço; profissional para acolhimento de usuário com deficiência sensorial). 4- variáveis de exposição nível I (contextuais) e nível II, (serviço). Utilizou-se regressão de Poisson multinível com modelagem hierárquica em dois estágios |
1 |
A presença dos facilitadores é pequena nas unidades de saúde (32,1%), sendo mais frequentes nas unidades localizadas nos municípios com maior PIB (razão de prevalência - RP = 1,02, intervalo de confiança de 95% - IC95% 0,92 - 1,12) e porte populacional (RP = 1,25, IC95% 1,02 - 1,52). |
Barreiras à comunicação são principais dificultadores do acesso de pessoas com deficiência sensorial (visual e auditiva) aos serviços de saúde |
2 |
SANTOS, A, S; PORTES, A, J, F. Percepções de sujeitos surdos sobre a comunicação na Atenção Básica à Saúde. |
2019/ Scielo via BVS |
Analisar as percepções de indivíduos com surdez em relação ao processo comunicacional com profissionais de saúde da Atenção Básica do Estado do Rio de Janeiro |
1- Estudo observacional transversal. 2- aplicação de questionário 3-121 surdos adultos. 3- análise: tabelas de frequência e analisadas por estatísticas inferenciais e de regressão logística e análise de conteúdo. |
4 |
A falta de intérprete e a não utilização da Língua Brasileira de Sinais pelos profissionais foram percebidas como principais barreiras comunicacionais. Já a presença de acompanhante ouvinte (73%) e o uso de mímicas/gestos (68%) estão entre as estratégias mais utilizadas pelos surdos. A maioria dos surdos relatou insegurança após as consultas e os que melhor compreenderam seu diagnóstico e tratamento foram os surdos bilíngues (p=0,0347) e os oralizados (p=0,0056). |
A falta de intérprete e a não utilização da Língua Brasileira de Sinais pelos profissionais foram percebidas como principais barreiras comunicacionais. A maioria dos surdos relatou insegurança após as consultas e os que melhor compreenderam seu diagnóstico e tratamento foram os surdos bilíngues (p=0,0347) e os oralizados (p=0,0056). |
3 |
FRANÇA, E, G. et al. Dificuldades de profissionais na atenção à saúde da pessoa com surdez severa. |
2016 /Scielo via BVS |
Investigar as dificuldades de profissionais da saúde para a realização da consulta com a pessoa com surdez severa |
1-Estudo transversal, 2- Local: rede de atenção primária em saúde de Campina Grande - Paraíba. 3- Questionário estruturado, 4- 89 profissionais da saúde da Estratégia de Saúde da Família 5- Análise de Conteúdo na Modalidade Temática. |
4 |
Dentre as dificuldades, destacaram-se comunicação prejudicada, déficit na formação de recursos humanos para a consulta e reconhecimento das necessidades de saúde, infraestrutura inadequada para acolhimento e atendimento ao surdo, incerteza com relação aos cuidados em saúde prescritos na consulta e prejuízo da autonomia do paciente. |
Comunicação prejudicada, déficit na formação de recursos humanos para a consulta e reconhecimento das necessidades de saúde, infraestrutura inadequada para acolhimento e atendimento ao surdo, incerteza com relação aos cuidados em saúde prescritos na consulta e prejuízo da autonomia do paciente. |
4 |
MASUKU, K, P; MOROE, N; VAN DER MERWE, D. 'The world is not only for hearing people – It's for all people': The experiences of women who are deaf or hard of hearing in accessing healthcare services in Johannesburg, South Africa. |
2021/ Scielo via Rede Sirius |
Obter insights sobre as experiências de comunicação de mulheres surdas ao acessar serviços públicos de saúde em hospitais em Joanesburgo. |
1- Estudo qualitativo 2- Entrevistas semiestruturadas 3- 10 mulheres africanas surdas residentes em Joanesburgo, África do Sul e que frequentam unidades de saúde do governo. 4- análise temática. |
4 |
Os dados revelaram os seguintes temas: barreiras de comunicação resultando em comprometimento da qualidade do atendimento e violação do direito à confidencialidade dos participantes; alojamento não acomodativo e atitudes negativas dos profissionais de saúde |
Barreiras de comunicação resultando em comprometimento da qualidade do atendimento e violação do direito à confidencialidade dos participantes; alojamento não acomodativo e atitudes negativas dos profissionais de saúde |
5 |
TEDESCO, J. R; JUNGES, J. R. Desafios da prática do acolhimento de surdos na atenção primária. |
2013/ Scielo via Rede sirus |
Apontar os desafios que os profissionais da saúde comunitária do GHC vivenciam no atendimento aos usuários surdos. |
1-Estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritivo 2- entrevistas com profissionais do GHC: 3- entrevistas 4-análise temática
|
4 |
Os resultados evidenciaram que os profissionais buscam diferentes ferramentas para obviar a dificuldade da comunicação com os surdos, e que a postura dos profissionais em geral manifesta desconforto e despreparo para atender às necessidades dos portadores de surdez. |
Os profissionais buscam diferentes ferramentas para obviar a dificuldade da comunicação com os surdos, e que a postura dos profissionais em geral manifesta desconforto e despreparo para atender às necessidades dos portadores de surdez. |
Fonte: autores, 2023
Na análise qualitativa dos artigos, de acordo com as etapas apresentadas pela autora13, foram encontradas 37 unidades de significação (US) e 57 unidades de registro(UR), que após sua confluência, originaram duas categorias: 1) Barreiras de acesso e consequências para a saúde; composta por 35 UR, correspondendo a 61,4%, sendo o assunto mais discutido entre os artigos selecionados, expressando as dificuldades vivenciadas por usuários surdos ao acessar os serviços de saúde na atenção primária, e as consequências destas barreiras para sua saúde; 2) Facilitadores de acesso e do cuidado de qualidade, composta por 22 UR (38,6%), demonstrando os facilitadores de acesso utilizados para o cuidado em saúde da população surda, mas que nem sempre conferem qualidade.
DISCUSSÃO
Barreiras de acesso e as consequências para a saúde da pessoa surda
A principal barreira identificada nos resultados deste estudo é a barreira de comunicação14,15,9 e o desconhecimento da Língua Brasileira de Sinais por parte dos profissionais de saúde ou ausência de intérpretes de LIBRAS nas unidades16.
A barreira de comunicação pode estar relacionada com a falta de estudos científicos voltados para clientela e. o não reconhecimento da identidade surda pelos profissionais da saúde16. Além disso, a falta de conteúdos específicos durante a formação profissional pode justificar as dificuldades da relação profissional-usuário, apesar da recomendação expressa nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Enfermagem vigente.
Nesse sentido, a falta de comunicação efetiva entre o cuidador e o ser cuidado durante o atendimento gera consequências e impacta negativamente nos próximos acessos destes usuários na unidade de saúde17.
Além disso, os surdos têm como estratégia levar um acompanhante como forma de minimizar tais barreiras, colocando-os na posição de intermediários17. Entretanto, a presença do acompanhante diminui a autonomia do cuidado do paciente e automaticamente infringe o direito de privacidade do atendimento de saúde17, 15,16.
Estudos apontam que, como consequência da comunicação fragilizada e ineficiente, o acesso à saúde da pessoa surda é mais dificultoso do que de uma pessoa sem deficiência auditiva14,17. Ademais, quando há a participação de terceiros nos atendimentos, pode comprometer a privacidade e a autonomia da pessoa com deficiência auditiva que está recebendo o cuidado17,15,16.
Pesquisas indicam que embora os direitos das pessoas surdez estejam garantidos e regulamentados por dispositivos legais16,17, ainda assim a identidade cultural do surdo não é levada em consideração, tampouco são valorizados como indivíduos, assim seus direitos de igualdade na assistência à saúde são desrespeitados16.
Há ainda falta de acesso da pessoa com deficiência auditiva e surdez a informações sobre os seus direitos, que podem estar relacionados com a falta de prioridades de órgão públicos, em geral comandados majoritariamente por pessoas ouvinte e fundamentados na perspectiva biomédica da deficiência. É de fundamental importância que se reconheça a diversidade e pluralidade existente no âmbito da deficiência auditiva, inclusive da população surda que se comunica através de outra Língua que é oficialmente aceita em Lei Federal, mas ainda pouco implementada na realidade
Logo, a negligência da Libras como primeira língua das pessoas surdas, impacta diretamente na restrição de direitos, inclusive, saúde16.
Alguns autores16 sinalizam que em função das barreiras comunicativas e linguísticas mencionadas anteriormente, as pessoas surdas têm uma tendência a frequentarem menos os serviços de saúde por medo de não serem compreendidas. Consequentemente, acabam por buscar ajuda quando a sua saúde já está bastante comprometida, o que aumenta sua vulnerabilidade para doenças preveníveis e evitáveis.
Outrossim, na saúde, a exclusão da comunidade surda começa quando profissionais de saúde relatam a ausência de conteúdos sobre a saúde e cultura de uma minoria linguística durante a graduação, e a dificuldade de lidar com as particularidades desse público na prática profissional. Desta forma, estudos16 apontam que a partir da inserção de conteúdos sobre a população surda durante a formação dos profissionais de saúde é possível sensibilizá-los e promover transformações futuras necessárias ao justo atendimento e cuidado às pessoas com deficiência auditiva e surdez que este grupo também são inseridos na sua saúde.
Facilitadores de acesso e do cuidado de qualidade
Os facilitadores de acesso à saúde mais utilizados de acordo com as pesquisas são referentes à presença de um mediador durante o atendimento da pessoa surda15,16,17,9 segundo, a utilização de linguagem escrita9,15,16, o bom acolhimento recebido por parte de outros profissionais e trabalhadores dentro da unidade de saúde, utilização de listas e desenhos14, leitura labial5 e o uso de gestos gerais que não fazem parte da LIBRAS9. Estes são considerados meios alternativos que margeiam a linguagem oficial, identificada pela Libras.
Todavia, nem todos os facilitadores citados acima, diminuem a barreira de comunicação com o surdo, pelo contrário, o mediador, a leitura labial, a escrita e os gestos utilizados por profissionais acabam prejudicando mais ainda o acesso e a continuidade do cuidado da pessoa com surdez.
Com a presença do mediador, o atendimento geralmente acaba ocorrendo entre o acompanhante e o profissional de saúde, enquanto a pessoa com deficiência auditiva torna-se coadjuvante da sua própria saúde. Além disso, a leitura labial pode ser interpretada de diversas formas quando a pessoa com deficiência auditiva não domina este recurso de comunicação, assim como pode acontecer com a utilização de gestos que não fazem parte da LIBRAS e com a escrita, pois nem todo surdo é alfabetizado com o português, logo, resultam em uma comunicação imprecisa16.
Por isso, os caminhos apontados para um cuidado de qualidade são o uso da Libras pelos profissionais de saúde9, 15,16 ou a presença de um intérprete de Libras, devidamente treinado para a atuação na saúde, durante o atendimento da pessoa surda9,16. Alguns autores, ressaltam a necessidade do treinamento e educação permanente da equipe de saúde na unidade básica9,14.
Apesar dos resultados destes artigos estarem de acordo com o Decreto 5.626/2005 referente ao direito da pessoa surda aos serviços de saúde e a capacitação dos profissionais de saúde para acesso destes18, ressalta-se a dificuldade de efetivação nas unidades de saúde. Os caminhos devem ser traçados a partir de várias vertentes, como ações programadas entre as instituições de ensino, profissionais da saúde e a própria comunidade surda, e também a ouvinte, a fim do bem maior, a garantia de direitos destes na saúde17.
Visto que a garantia de direitos ocorre a partir do trabalho coletivo, cada um, precisa saber suas implicações no processo. Os profissionais de enfermagem têm como responsabilidade o cuidado humano de saúde através do acolhimento, da criação de vínculo, educação em saúde, dentre outras, vinculada a esta categoria profissional essencial para saúde de todos. Quando se refere ao paciente surdo, o cuidado torna-se primordial com a utilização de Libras, pois a partir dela além do acesso à saúde ser garantido, a autonomia do usuário surdo e a privacidade também são e, desta forma, contribuir para a maior participação do usuário sobre suas necessidades e demandas de saúde, o que permite a continuidade assistencial e atendimento de suas demandas e necessidades.
Diante do exposto, faz parte do compromisso ético profissional do enfermeiro o atendimento e cuidados de saúde aos usuários surdos, que usam a língua de sinais, da mesma forma que aos demais usuários, pautando suas ações na comunicação efetiva, autonomia e confidencialidade19.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a principal dificuldade ao acesso à saúde do surdo na atenção primária é a comunicação e o desconhecimento sobre tal condição, visto que faltam profissionais capacitados para o atendimento das demandas e necessidades dos surdos. O enfermeiro, como linha de frente na atenção primária, tem como responsabilidade o cuidado equânime e de qualidade, a partir da utilização da Libras com o paciente surdo. Portanto, contribuindo para promoção da saúde e prevenção de doenças de acordo com os princípios do SUS.
O estudo tem como limitações, a precariedade de artigos voltados para atenção à saúde da população surda com o protagonismo da enfermagem, bem como, o desconhecimento da cultura surda na graduação e nas unidades de saúde. A partir disso, recomenda-se o estudo sobre a população surda na graduação de enfermagem e a capacitação profissional em Libras para qualidade da assistência.
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18- BRASIL. Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei n° 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, 2005 23 Dez; (seção1): p.28.
19- SOARES, et al. Como eu falo com você? A comunicação do enfermeiro com o usuário surdo. Ver. Bai. Enf, 2018; 32(e25978): p. 1-8.