Violência obstétrica na assistência ao parto e nascimento em um município do Nordeste brasileiro

OBSTETRIC VIOLENCE IN LABOR AND BIRTH CARE IN A MUNICIPALITY IN NORTHEAST BRAZIL

VIOLENCIA OBSTÉTRICA EN EL PARTO Y ATENCIÓN DEL NACIMIENTO EN UN MUNICIPIO DEL NORESTE DE BRASIL

Autores

Maria Gabriela Oliveira Loiola - Enfermeira graduada pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Pós-graduada em Enfermagem Obstétrica e atualmente trabalha como gerente de posto de saúde. Orcid: 0000-0003-2768-6412. 

Maria Letícia de Moura Leandro - Acadêmica de Enfermagem pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Orcid: https://orcid.org/0009-0005-6803-122X 

Carla Andréa Silva Souza - Enfermeira graduada pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e Residente em Enfermagem Obstetrícia no Hospital Dom Malan - Coremu Imip/ses-Pe. Orcid: 0000-0002-3829-0555.

Luanna Gomes da Silva - Enfermeira graduada pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Mestra em Enfermagem (PMAE/URCA) e Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Regional do Cariri (URCA). Orcid: 0000-0001-8980-3405 

Grayce Alencar Albuquerque -  Enfermeira graduada pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Especialista em Saúde da Família(URCA), Especialista em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo, (UNIFESP). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8726-0619. 

Emiliana Bezerra Gomes -  Enfermeira graduada pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Doutora e mestre em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7135-512X.  

Rachel de Sá Barreto Luna Callou Cruz - Enfermeira graduada pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Mestrado em Saúde Materno Infantil pelo IMIP e em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Doutorado em Saúde Materno Infantil pelo Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4596-313X.

Dayanne Rakelly de Oliveira - Graduada em Enfermagem pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Mestre em Bioprospecção Molecular pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e Doutora em Ciências Biológicas: Bioquímica Toxicológica pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).Orcid: 0000-0003-2911-141X.  

RESUMO

Objetivo: analisar a ocorrência e fatores envolvidos na violência obstétrica durante a assistência ao parto e nascimento em uma maternidade pública do nordeste brasileiro. Métodos: Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, com abordagem quantitativa, realizado em uma maternidade municipal localizada no nordeste do Brasil, estado do Ceará. A amostra contou com 142 mulheres em puerpério imediato de parto normal ou cesariana. Utilizou-se um formulário próprio para coleta de dados. Para análise realizou-se por meio de teste estatístico. Resultados: As boas práticas prevaleceram em relação à ocorrência de violência obstétrica na assistência ao parto. As variáveis “escolaridade” e “estado civil” mostraram associação estatisticamente significante com violência obstétrica (p<0,05). Conclusão: Diante disso, os fatores sociodemográficos contribuem para os casos de violência obstétrica. Assim, torna-se importante o desenvolvimento de ações, com intuito de perpetuar condutas eficazes no contexto da assistência obstétrica. 

Palavras-chave: Violência; Assistência ao Parto; Obstetrícia; Enfermagem.

ABSTRACT 

Objective: to analyze the occurrence and factors involved in obstetric violence during labor and delivery care in a public maternity hospital in northeastern Brazil. Methods: This is a descriptive-exploratory study, with a quantitative approach, carried out in a municipal maternity hospital located in northeastern Brazil, state of Ceará. The sample consisted of 142 women in the immediate postpartum period after normal or cesarean delivery. A specific form was used for data collection. The analysis was performed using a statistical test. Results: Good practices prevailed in relation to the occurrence of obstetric violence in childbirth care. The variables “education” and “marital status” showed a statistically significant association with obstetric violence (p<0.05). Conclusion: Given this, sociodemographic factors were restricted to cases of obstetric violence. Thus, it becomes important to develop actions, with the intention of perpetuating practical conducts in the context of obstetric care. 

Keywords: Violence; Childbirth Care; Obstetrics; Nursing.

RESUMEN 

Objetivo: analizar la ocurrencia y los factores involucrados en la violencia obstétrica durante el trabajo de parto y la atención del parto en una maternidad pública del noreste de Brasil. Métodos: Se trata de un estudio descriptivo-exploratorio, con enfoque cuantitativo, realizado en una maternidad municipal ubicada en el noreste de Brasil, estado de Ceará. La muestra incluyó a 142 mujeres en el puerperio inmediato posterior a un parto natural o por cesárea. Se utilizó un formulario específico para la recogida de datos. Para el análisis realizamos pruebas estadísticas. Resultados: Prevalecieron las buenas prácticas en relación a la ocurrencia de violencia obstétrica durante la atención del parto. Las variables “educación” y “estado civil” mostraron asociación estadísticamente significativa con la violencia obstétrica (p<0,05). Conclusión: Ante esto, los factores sociodemográficos se restringen a los casos de violencia obstétrica. Por lo tanto, es importante desarrollar acciones con la intención de perpetuar conductas prácticas en el contexto de la atención obstétrica.

Palabras clave: Violencia; Asistencia de Nacimiento; Obstetricia; Enfermería.

Tipo de artigo: Artigo Original

Recebido:20/04/2024 Aprovado:26/09/2024

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é um grave problema de saúde pública. Por ser conjuntural e largamente disseminada por toda a sociedade, o combate à violência contra as mulheres objetiva qualificar a atenção, exigindo tratamento da questão sob perspectivas que ultrapassam recursos tradicionalmente empregados pela área da saúde, com discussões amplas e densas, envolvendo, inclusive, aspectos relacionados aos direitos humanos no contexto do nascimento(1,2)

Dentre os inúmeros tipos de violência contra a mulher, destaca-se a violência obstétrica, um problema rotineiro presente nas práticas da atenção destinada à mulher no parto, que envolve questões sociais, econômicas, de gênero, de etnia e institucionais(3).

A expressão “violência obstétrica” (VO), de acordo com Marques(4), é usada para referir e inserir inúmeras formas de violência durante o ciclo gravídico-puerperal. Incluem-se os maus tratos físicos, psicológicos e verbais, assim como, os procedimentos dispensáveis e prejudiciais como episiotomias, restrição ao leito no pré-parto, clister, tricotomia, ocitocina usada rotineiramente e ausência de acompanhante. No Brasil, uma entre quatro mulheres sofreram violência obstétrica, sendo as condutas desrespeitosas e grosseiras as reclamações mais presentes entre as puérperas(5).

Desde a criação do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN), no ano 2000 e a Rede Cegonha, em 2011 o foco tem sido a  reorganização da assistência por meio da vinculação do pré-natal ao parto e ao puerpério, com a intenção de retomar o caráter fisiológico do parto, no qual a mulher participa de forma ativa e autônoma, tendo como prioridade promover a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento do pré-natal, da assistência ao parto e ao puerpério para o binômio mãe-filho(6,7).

No entanto, o que ainda se observa é o despreparo, a negligência e a imperícia por parte de alguns profissionais, sejam médicos, enfermeiros, enfermeiros obstetras ou técnicos de enfermagem. Além disso, somam-se aos fatores humanos questões institucionais e que podem limitar consideravelmente a qualidade da assistência prestada. Fatores esses que em confluência culminam na problemática de violência obstétrica em escala mundial, em especial nos países em desenvolvimento(8).

Tendo em vista que a atenção à mulher na gestação e parto permanece como um desafio para a assistência, tanto no que se refere à qualidade propriamente dita e aos princípios ideológicos do cuidado, ainda direcionado a um modelo medicalizante, hospitalocêntrico e tecnicista(8), a abordagem do tema violência obstétrica faz-se relevante no intuito de analisar o cenário atual das práticas consideradas prejudiciais, ineficazes e inadequadas.

Desse modo, a presente pesquisa tem por objetivo analisar a ocorrência e fatores envolvidos na violência obstétrica durante a assistência ao parto e nascimento em uma maternidade pública do Nordeste do brasileiro.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, com abordagem quantitativa, que foi realizado em um hospital maternidade, no sul do Estado do Ceará, na região metropolitana do Cariri, Nordeste, Brasil. A referida instituição hospitalar é a única maternidade do município conveniada exclusivamente com o Sistema Único de Saúde (SUS) e considerada uma referência no atendimento de gestantes, atendendo por mês uma média de 277 mulheres. 

A população do estudo foi composta por mulheres no puerpério imediato de parto normal ou cesariana. Os critérios de inclusão foram: mulheres com 18 anos ou mais; deambulando e com plenas condições de verbalização; e ainda, que não apresenta complicações clínicas e/ou obstétricas que as limitassem em participar. Mulheres com déficit cognitivo ou complicações sérias por ocasião da data de coleta de dados foram excluídas do estudo. 

Para a seleção dessas mulheres empregou-se a técnica de amostragem do tipo não probabilística, de conveniência e intencional. Considerando a média geral de partos vaginais e cesarianas que ocorrem no hospital ao mês (277) e diminuindo o total de mulheres com idade igual ou maior de 18 anos (53), totalizou-se uma média de 224 partos durante o mês da coleta. Foi utilizado o cálculo de amostra da população finita (significância: 95%, erro: 5%). A partir do cálculo abaixo, foi obtido um resultado de 142 mulheres para participarem da amostra.

Os dados foram então coletados nos meses de abril e maio de 2017, no alojamento conjunto da maternidade, através de um formulário elaborado pelas autoras para identificação do perfil das mulheres e através de um Checklist sobre as práticas utilizadas durante a assistência ao parto, que são consideradas prejudiciais, ineficazes e inadequadas segundo a Organização Mundial de Saúde(9).

A análise foi realizada a partir da correlação das variáveis preditoras: raça, estado civil, escolaridade e renda, com a variável de desfecho: violência obstétrica na assistência ao parto. 

Os dados foram compilados e analisados por meio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0. Para tanto, foi utilizada a análise estatística bivariada, com implementação de teste (Correlação de Spirman) para saber quais variáveis mostraram associação estatística com a violência obstétrica. 

O estudo foi fundamentado de acordo com a Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS), com parecer de aprovação nº 2.038.171.

RESULTADOS

Em relação as 142 participantes do estudo, observa-se na Tabela 1 os dados sociodemográficos predominantes, em que 54,9% das puérperas tinham entre 18 e 24 anos; 82,39% moravam em zona urbana; 82,4% se consideravam pretas ou pardas; 74,65% eram casadas ou apresentavam união estável; 26,8% tinham o ensino fundamental incompleto; 88,8% eram cristãs; 39,4% eram donas de casa e 51,4% tinham renda < 1 salário mínimo.

 

Tabela 1 − Dados sociodemográficos das participantes do estudo (n=142), Crato, Ceará, Brasil, 2017.  

VARIÁVEIS

n

%

Faixa etária

18 – 24 anos

78

54,9

25 – 34 anos

44

31,0

35 – 45 anos

20

14,1

Dados demográficos

Zona urbana

117

82,4

Zona rural

25

17,7

Raça

Branca

16

11,3

Preta e Parda

117

82,4

Amarela

9

6,4

Estado civil

Solteira

32

22,5

Casada e União estável

106

74,7

Outro

4

2,8

Escolaridade

Ensino fundamental incompleto 

38

26,8

Ensino fundamental completo

9

6,3

Ensino médio incompleto

36

25,4

Ensino médio completo

50

35,2

Ensino superior incompleto

9

6,3

Religião

Cristã

126

88,8

Sem religião

16

11,3

Ocupação

Agricultora

10

7,0

Autônoma

7

4,1

Auxiliar administrativa

1

0,7

Auxiliar produção

4

2,9

Balconista

2

1,4

Camareira

1

0,7

Confeiteira

1

0,7

Decoradora festa

1

0,7

Dona de casa

56

39,4

Manicure

1

0,7

Vendedora

5

3,5

Recepcionista

1

0,7

Secretária

2

1,4

Segurança

1

0,7

Serviços gerais

1

0,7

Não tem ocupação

48

33,8

Renda

< 1 salário mínimo

73

51,4

1-3 salários mínimos

69

48,6

TOTAL

142

100%

n: frequência absoluta, %: frequência relativa

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

A Tabela 2 corresponde à frequência absoluta e relativa dos dados clínicos e obstétricos consideradas as variáveis: número de gestações, abortamentos, partos vaginais, cesarianas, doenças prévias e doenças gestacionais.

Tabela 2 − Dados clínicos e obstétricos das participantes do estudo (N=142), Crato, Ceará, Brasil, 2017. 

VARIÁVEIS

n

%

N.º de gestação

1

2-4

≥5

1

58

40,8

2

46

32,4

3

11

7,8

4

14

9,9

5

6

4,2

6

4

2,8

8

1

0,7

9

1

0,7

10

1

0,7

N.º de abortos

0

114

80,3

1

22

15,5

2

6

4,2

      N.º de partos vaginais

1

2-4

≥5

0

70

49,3

1

30

21,1

2

20

14,1

3

9

6,3

4

9

6,3

5

2

1,4

7

1

0,7

8

1

0,7

N.º de cesarianos

1

2-4

≥5

0

54

38,0

1

54

38,0

2

26

18,3

3

8

5,6

Doenças prévias

Infecção urinária

Sim

16

11,3

Não

126

88,7

Hipertensão

Sim

4

2,8

Não

138

97,2

Doenças na gestação 

Pré-eclâmpsia

Sim

12

8,4

Não

130

91,6

Diabetes gestacional

Sim

3

2,1

Não

139

97,9

Hipertensão

Sim

17

11,10

Não

125

88,0

Sífilis

Sim

4

2,8

Não

138

97,2

TOTAL

142

100%

*Nota: Mulheres submetidas ao parto vaginal e ao parto cesariana.  

 Legenda: n: Frequência absoluta, %: Frequência relativa. 

 Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

 

É importante ressaltar que as doenças prévias como: diabetes, cardiopatias, doença mental; e as doenças da última gestação como: HIV-Aids, hepatite, citomegalovírus e rubéola, não entraram na Tabela 2, pois não ocorreram em nenhuma das mulheres do estudo.

A Tabela 3 revela os principais dados sobre a violência obstétrica obtidos. Nota-se que algumas variáveis foram excluídas devido a sua não significância para o estudo em questão. Evidencia-se que as práticas que são consideradas prejudiciais ou desnecessárias não prevaleceram entre as mulheres. 

Tabela 3 − Dados sobre a violência obstétrica (N=142), Crato, Ceará, Brasil, 2017. 

                        VARIÁVEIS

n

%

p-valor

Assistência no trabalho de parto, parto e pós-parto

 

Posição de litotomia

Sim

52

36,6

 

Não

90

63,4

 

Uso de ocitocina

Sim

31

21,8

 

Não

109

76,8

 

Não sabe informar

2

1,4

 

Episiotomia

Sim

14

9,9

 

Não

126

88,7

 

Não sabe informar

2

1,4

 

Exame de toque vaginal por mais de um profissional

Sim

32

22,5

 

Não

110

77,5

 

Manobra de Kristeller

Sim

56

39,4

 

Não

60

42,2

 

Não sabe informar

26

18,3

 

Restrição hídrica e alimentar durante o trabalho de parto

Sim

24

16,9

 

Não

118

83,1

 

Amniotomia

Sim

16

11,3

 

Não

126

88,7

 

Impedir ou retardar o contato do bebê com a mulher logo após o parto

                                

Sim

Não

21

121

14,8

85,2

 

Cesariana sem recomendação baseada em evidências científicas e sem consentimento da mulher

Sim

Não

67

75

47,2

52,8

 

Informações, comunicação e apoio

 

Ida à sala de parto sem total dilatação uterina

Sim

9

6,3

 

Não

133

93,7

 

Uso de fórceps sem esclarecimento

Sim

4

2,8

 

Não

77

54,2

 

Não sabe informar

61

42,10

 

Comentários constrangedores à mulher

Sim

5

3,5

 

Não

137

96,5

 

Falta de esclarecimento sobre procedimentos e consentimento da paciente

Sim

8

5,6

 

Não

133

93,7

 

Não sabe informar

1

0,7

 

Impedimento da entrada do acompanhante escolhido pela mulher

Sim

45

31,7

 

Não

97

68,3

 

TOTAL

142

100%

 

Legenda: n – Frequência absoluta, % – Frequência relativa.

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

 

A tabela 4 apresenta que na análise univariada, as variáveis escolaridade (ensino médio incompleto, ensino médio completo e ensino superior incompleto) e estado civil (casada e união estável) mostraram associação estatística com a violência obstétrica, enquanto as variáveis, renda e raça, não mostraram significância. Em relação à variável escolaridade, houve correlação negativa fraca com a variável sem contato com o bebê (p<0,05). Quanto ao estado civil, evidenciou ter significância com as variáveis ida à sala de parto sem dilatação completa e uso de fórceps sem esclarecimento (p<0,05) com correlações fracas positiva e moderada negativa, respectivamente.

Tabela 4 − Correlação das variáveis sociodemográficas com as de violência obstétrica que demonstraram significância estatística, Crato, Ceará, Brasil, 2017.

VARIÁVEIS

 

Ida a sala de parto sem dilatação completa

Fórceps sem esclarecimento

Sem contato com o bebê

Escolaridade



Estado civil

r    

p-valor


r

p-valor


-


0,188

0,025


-


0,04

0,63

0,18

0,04


-

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

DISCUSSÃO

No presente estudo, o maior percentual de puérperas tinha entre 18 e 24 anos. Em estudo de Pascoal et al.(10) realizado na maternidade de baixo risco, no município da Paraíba constatou-se que a maior prevalência encontrada em relação à faixa etária foi de puérperas entre 18 a 29 anos (64,4%), aspecto que está relacionado a uma maior taxa de fecundidade. 

Com relação às variáveis raça e estado civil, os resultados apontaram a predominância da cor preta e parda e da união estável. No estudo de Leite et al. (11) contatou esta mesma prevalência  68,3% eram pardas e 41,7% eram casadas.

Quanto à escolaridade, os dados apontam que predominou o ensino fundamental incompleto, o que pode interferir em saber diferenciar o que seria uma prática abusiva ou natural quanto à assistência ao parto. Dessa forma Silva et al.(12) mostraram que o baixo grau de escolaridade é uma impasse para o acesso dessas mulheres ao conhecimento, deixando-a suscetível a sofrer violência durante o parto. 

Em relação aos dados clínicos e obstétricos, a maioria das participantes deste estudo (40,8%) relataram ter tido somente uma gestação; 80,3% não tiveram aborto; 49,3% nunca experimentaram ter filhos por parto vaginal; 38,0% das mulheres foram submetidas a uma cesariana; as doenças prévias (infecção urinária, hipertensão) não foram frequentes e as doenças gestacionais (pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, hipertensão e sífilis) também não predominaram. Na pesquisa de Costa et al.(13) evidenciaram que 8,3% das mulheres foram diagnosticadas com alguma síndrome hipertensiva gestacional. 

Quanto ao tipo de parto, observa-se que entre o parto vaginal e a cesariana, o mais prevalente foi este último, que não deve ser recomendado de rotina na prática obstétrica. No estudo de Lansky et al(5).evidenciou-se que o maior índice encontrado sobre o tipo de parto foi para o parto normal (53,8%). Apesar do índice de parto normal ser expresso na maioria dos casos, houve um número importante de cesarianas (46,4%). 

Ressalta-se que a cirurgia cesariana quando realizada sob indicações como: desproporção cefalopélvica, cicatriz prévia corporal, placenta prévia, prolapso de cordão, situação fetal transversa e entre outras situações é segura e fundamental para a saúde materna e infantil, além disso, é efetiva na redução da mortalidade materna e perinatal. No entanto, a realização sem recomendação clínica concreta pode acrescentar riscos desnecessários sem que haja um benefício claro na saúde do binômio mãe-filho(14)

No que tange à violência obstétrica, observa-se na pesquisa atual que a realização de boas práticas foi superior à de intervenções consideradas como práticas de violência obstétrica na assistência ao parto, tornando-se um avanço a ser considerado quanto as boas práticas na assistência obstétrica. Dessa forma, Figueredo et al. em seu estudo mostrou que as boas práticas ofertadas pelos profissionais de saúde nos Centros de Parto Normal (CNP) da região norte do Brasil, foram superiores às situações de violência obstétrica encontrada no presente estudo.(15)

Por outro lado, a não prevalência de situações de violência obstétrica pode estar atrelada ao fato da maioria dos partos terem sido por meio de cesariana, onde algumas práticas, tal como o uso liberal ou rotineiro de episiotomia, não tem indicação. É notório que ainda existem muitos casos de práticas de violência obstétrica, e que estas são vistas como intervenções normais e aceitáveis pela maioria das mulheres. Ribeiro et al. destacam que 40% das mulheres entrevistadas relataram ter sofrido violência obstétrica em algum momento da sua vida reprodutiva(16).  Porém, a persistência dessas práticas ainda ocorre e tem muito o que avançar com relação à assistência humanizada.

Em relação às práticas abusivas que mais ocorrem nos estudos,  Lansky et al(5) revelaram que as práticas presentes foram, 46,4% ficaram na posição litotômica, em 23,7% foi realizada a manobra de Kristeller, em 30,4% foi realizada a episiotomia e 35,6% a realização desses procedimentos não foi informado as mesmas. Oliveira et al(18) identificaram que em 29,5% das mulher que receberam assistência durante o parto vaginal, 68,6 não se alimentaram durante o parto, 30,2% não ingeriram  líquidos, 37,2% não ministraram métodos não farmacológicos para o alívio da dor e 33,7% a toques vaginais consecutivos por pessoas diferentes. Cenário semelhante evidenciado pela população do estudo, onde ao menos uma vivenciou alguma das situações citadas no estudo. Esses procedimentos, quando realizados sem indicação clínica, causam dor e sofrimentos desnecessários e não são indicados pela OMS como procedimentos de rotina.

Quanto aos fatores envolvidos nas situações de violência obstétrica, este estudo indicou que as variáveis “escolaridade” e “estado civil” mostraram associação estatística significativa com a violência obstétrica, divergindo em alguns aspectos de outros estudos. Pena et al(19) em sua análise, observaram que as variáveis baixo nível de escolaridade e mulheres de cor parda ou negra apresentaram associação com a violência obstétrica.

No estudo de Vedam et al.(20) nos Estados Unidos foi mostrado que 26,9% das mulheres negras socioeconomicamente desfavorecidas relatam ter sofrido algum tipo de violência durante o atendimento. Portanto as mulheres negras estão mais sujeitas a sofrerem algum tipo de violência durante o parto e pós-parto fruto de questões sociais e raciais que influenciam a qualidade da assistência a essas mulheres.   

Carmo et al.(21) mostraram que a presença de mulheres negras com um maior grau de instrução pode ter relação com um número menor de intervenções, pois estas procuram ter mais acesso às informações, permitindo a autonomia com relação aos cuidados prestados. Dessa forma, os profissionais são mais interrogados pelas pacientes, evitando a realização de alguns procedimentos desnecessários ou potencialmente danosos.

Corroborando com esses achados, nota-se que existem algumas características sociodemográficas das mulheres que influenciam na ocorrência das práticas consideradas prejudiciais ou desnecessárias, todavia, destaca-se que paulatinamente observa-se uma melhora na assistência prestada às mulheres durante o trabalho de parto, parto e puerpério, fenômeno apontado no estudo de Alves et al.(15).

De fato, para consolidar as mudanças necessárias no contexto do atendimento em obstetrícia faz-se necessário considerar aspectos de formação humana, institucionais e de gestão, que possibilitem a longo prazo a contínua sensibilização dos profissionais de saúde, dos gestores e da população em geral, com a finalidade de trazer à luz a problemática da violência obstétrica, fomentado estratégias sólidas e eficazes a fim de reduzir a incidência desse fenômeno em escala global.

Pode-se apontar com limite da presente pesquisa, a possibilidade de algumas puérperas não terem conseguido expressar integralmente todas as violências vivenciadas, seja pelas novas adaptações que a fase puerperal exige, ou mesmo pela demanda intensa de atenção aos seus recém-nascidos.

CONCLUSÃO 

A análise dos dados evidenciou que as boas práticas foram utilizadas durante a assistência ao parto da maioria das mulheres que participaram desse estudo, mostrando assim um avanço considerável na humanização da assistência ao parto, considerando a realidade local. 

Por outro lado, nota-se que intervenções consideradas como práticas de violência obstétrica ainda foram relatadas pelas pacientes, destacando-se que duas variáveis apresentaram relação estatisticamente significativa, sendo elas: estado civil e escolaridade.

De fato, torna-se importante o desenvolvendo de ações, com o intuito de perpetuar condutas eficazes no contexto da assistência obstétrica, pautando-a em um modelo assistencial que possibilite proporcionar práticas humanizadas no atendimento ao trabalho de parto, parto e puerpério ao maior número possível de mulheres.

REFERÊNCIAS

  1. Cruz MS, Irffi G. Qual o efeito da violência contra a mulher brasileira na percepção da saúde? Rev. Ciênc. saúde cole.[Internet]. 2019 [citado 2023 15 de jun] 24 (7) Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018247.23162017.  
  2. Da Queiroz FS, Rodrigues JS, da Silva CS, Betcel NL, De Junior AMC, De Azevedo JRO, Valente ARPD. Violência obstétrica: um problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos. Rev. [Internet]. 2020 [citado 2023 16 jun];3(5):14435-4 Disponível em: https://doi.org/10.34119/bjhrv3n5-240.
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