INSERTION AND CARE FOR THE FAMILY IN THE PSYCHOSOCIAL CARE CENTER
INSERTION AND CARE FOR THE FAMILY IN THE PSYCHOSOCIAL CARE CENTER
INSERCIÓN Y ATENCIÓN A LA FAMILIA EN EL CENTRO DE ATENCIÓN PSICOSOCIAL
Kamilli Mohr - Enfermeira. Universidade do Vale do Taquari – Univates, Lajeado (RS), Brasil. Orcid: 0000-0002-9606-613X.
Eliane Lavall - Enfermeira, doutora em Enfermagem pela UFRGS.
Ana Cristina Wesner Viana - Enfermeira, doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da UFRGS. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Professora do Programa de Pós-Graduação de Enfermagem - Mestrado Profissional da UFCSPA. Orcid: 0000-0002-0290-8288
Paula Michele Lohmann - Enfermeira, Doutora em Ciências, Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, Rio Grande do Sul, Brasil. Orcid: 0000-0002-8429-9155
Cássia Regina Gotler Medeiros - Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, Rio Grande do Sul, Brasil. Orcid: 0000-0001-9466-0437
Francine Morais da Silva - Enfermeira, Mestra em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Escola de Enfermagem, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Orcid: 0000-002-9226-7663.
Vanessa Menegalli - Especialista em Saúde da Família, Enfermeira do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Orcid: https://orcid.org/000-0001-7322-2753.
RESUMO
Objetivo: analisar a inserção da família no cuidado às pessoas com transtornos mentais, acompanhadas pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de um município localizado no interior do estado do Rio Grande do Sul. Método: trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa, realizada pela equipe multiprofissional que presta atividades assistenciais no CAPS. A coleta de informações ocorreu por meio de entrevista semi-estruturada no período de janeiro a março de 2022, sendo utilizada a análise temática de Minayo. Resultados: emergiram duas categorias: “ações de cuidado realizadas pela equipe à família” e “dificuldades da equipe para inserir os familiares no cuidado”. Conclusão: percebeu-se que existem dificuldades para inserir a família no processo de reabilitação do portador de transtorno mental no CAPS. Cabe ressaltar que, os profissionais devem implementar estratégias para inclusão dos familiares dos pacientes portadores de transtorno mental no processo de cuidado.
Descritores: Família; saúde mental; atenção à saúde; serviços de saúde mental.
ABSTRACT
Objective: to analyze the insertion of the family in the care of people with mental disorders, accompanied by the Psychosocial Care Center (CAPS) of a municipality located in the interior of the state of Rio Grande do Sul. Method: this is an exploratory, descriptive research, with a qualitative approach, carried out by the multidisciplinary team that provides care activities at the CAPS. Information was collected through semi-structured interviews from January to March 2022, using Minayo's thematic analysis. Results: two categories emerged: “care actions performed by the team to the family” and “difficulties of the team to include family members in care”. Conclusion: it was noticed that there are difficulties to insert the family in the process of rehabilitation of the person with mental disorder in the CAPS. It should be noted that professionals must implement strategies to include family members of patients with mental disorders in the care process.
Descriptors: Family; Mental Health; Health Care; Mental Health Services.
RESUMEN
Objetivo: analizar la inserción de la familia en el cuidado de personas con trastornos mentales, acompañada por el Centro de Atención Psicosocial (CAPS) de un municipio ubicado en el interior del estado de Rio Grande do Sul. Método: se trata de una investigación exploratoria, descriptiva, con abordaje cualitativo, realizada por el equipo multidisciplinario que brinda actividades asistenciales en el CAPS. La información se recolectó a través de entrevistas semiestructuradas de enero a marzo de 2022, utilizando el análisis temático de Minayo. Resultados: surgieron dos categorías: “acciones de cuidado realizadas por el equipo a la familia” y “dificultades del equipo para incluir a los familiares en el cuidado”. Conclusión: se percibió que existen dificultades para insertar a la familia en el proceso de rehabilitación de la persona con trastorno mental en los CAPS. Cabe señalar que los profesionales deben implementar estrategias para incluir a los familiares de pacientes con trastornos mentales en el proceso de atención.
Descriptores: Familia; Salud Mental; Atención de Salud; Servicios de Salud Mental.
INTRODUÇÃO
A forma de inserir a família tem-se modificado ao longo da construção histórica do cuidado em saúde mental com a implementação da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Os familiares necessitam desenvolver recursos adaptativos para garantir o equilíbrio de sua estrutura familiar. Para tanto, necessitam do apoio, que pode ser fornecido por uma rede de cuidados profissional e social para auxiliá-los nesse processo. Entretanto, muitas vezes não contam com o auxílio profissional, sentindo-se desassistidos devido às barreiras e dificuldades encontradas ao acessar os serviços de saúde mental1.
Consoante isso, as concepções em relação à “loucura” sofreram diversas modificações, assim como as concepções referentes à família. Historicamente, o tratamento do portador de transtorno psíquico se dava através do isolamento, sendo excluído do contexto familiar e social. Já a família, afastada do tratamento, era considerada um dos fatores para a origem da doença mental, culpada pelo adoecimento do sujeito. Agora, considerando a Reforma Psiquiátrica e o atual modo de tratamento, a família é vista como aquela que cuida, mas também a que precisa ser cuidada. Não é possível delimitar qual é o lugar específico que a família deve assumir na atenção ao indivíduo, mas sim, possibilitar que a mesma esteja em diferentes posições no decorrer do tratamento e seja integrada nas redes de apoio ao usuário1-3.
Dessa forma, a família deve ser incluída nos serviços substitutivos da Rede de Atenção Psicossocial, tendo com referências os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), para potencializar o cuidado em saúde mental por meio de ações que visem reintegrar o indivíduo portador de transtorno psíquico à sociedade e ao âmbito familiar e, em plano familiar, promover a aceitação de indivíduos que tiveram seus processos sociais desestruturados pela institucionalização3.
Compreende-se que a família é um elo de grande importância para o cuidado ao indivíduo com transtorno psíquico, sendo aliada no processo terapêutico e autonomia do mesmo, mediante as diversas dificuldades que os afetam significativamente. Assim, tem-se como objetivo geral deste estudo compreender como ocorre a inserção da família no cuidado às pessoas com transtornos mentais acompanhadas pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em um município localizado no interior do estado do Rio Grande do Sul.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório e descritivo, realizada em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), tipo II, localizado em um município do Vale do Rio Pardo, no interior do estado do Rio Grande do Sul.
Participaram do estudo nove profissionais da equipe que atuam diretamente na assistência a pacientes e familiares do referido serviço, contemplando os critérios de elegibilidade: estar atuando no mínimo seis meses no CAPS II, realizar atividades terapêuticas com os pacientes e não estar de férias ou de licença. Os participantes realizaram a assinatura do consentimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes da entrevista.
Para a coleta de dados, foi aplicado um questionário elaborado pela pesquisadora, composto por duas partes. Na primeira parte foram realizadas perguntas pertinentes à caracterização dos participantes. A segunda parte foi constituída por questões semi-abertas.
As entrevistas foram realizadas individualmente em um local reservado no serviço, em horário previamente agendado e com duração de aproximadamente, trinta minutos. A coleta dos dados ocorreu durante os meses de janeiro a março de 2022.
A fim de garantir o sigilo dos participantes, utilizou-se “En”, sendo “n” o número das entrevistas. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra e serão guardadas por cinco anos, sendo posteriormente destruídas. As informações coletadas foram analisadas através da Técnica de Análise Temática proposta por Minayo4.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Vale do Taquari- Univates (COEP), sob o parecer nº 5.185.370. Por envolver seres humanos, a pesquisa foi conduzida de acordo com os padrões éticos exigidos pela resolução nº. 466 de 12 de dezembro de 20125 do Conselho Nacional de Saúde, que normatiza esse tipo de estudo.
RESULTADOS
Neste capítulo, serão apresentados os principais resultados, respondendo aos objetivos da pesquisa, assim, serão abordadas as ações de cuidados voltadas aos familiares, realizadas pela equipe assistencial do CAPS II em estudo. De acordo com os profissionais, estes visam incluir os familiares no sistema terapêutico tanto de forma individual, quanto coletiva, preocupando-se não apenas com o paciente, mas, sobretudo, com o entendimento que os familiares têm sobre a doença mental, seus anseios, dificuldades e angústias vividas na convivência diária com a doença na família.
Categoria 1: Ações de cuidado da equipe para inserção da família no cuidado
Identificou-se que ao realizar o acolhimento ao paciente a equipe solicita a presença de algum familiar, podendo visualizar e gerenciar possíveis situações de conflitos em diferentes contextos. Além disso, a presença do familiar também é solicitada pela equipe para dar suporte ao paciente quando o mesmo não tem condições psíquicas para o autocuidado e, incluído no Projeto Terapêutico Singular:
“[...] eu chamo familiar quando o paciente não tem entendimento ou não tem condições psicológicas dos cuidados com a própria saúde [...] aí a gente chama familiar pra dar um suporte” [E2].
Por vezes, os profissionais da equipe entendem que a responsabilização do usuário faz parte do processo de cuidado no CAPS adulto, e dessa forma os atendimentos acabam por ser mais individualizados com o paciente, deixando para um segundo momento a chamada do familiar. Assim, quando se evidencia necessidade, é ofertado que os familiares compareçam juntamente aos atendimentos, para melhor entendimento dos acontecimentos e para traduzir os possíveis riscos que o paciente possa estar vivenciando, conforme podemos analisar em fragmentos retirados das entrevistas:
“[...] a gente atende muito o individual né, mas chega um momento que as vezes tu tá em atendimento e [...] são adultos né, então o adulto já tá no seu processo de responsabilidade por sua vida, [...] ele já vem pra dar conta da sua vida né, então, essa prática, ela acaba sendo um pouquinho menos comum, de eu chamar um responsável [...] mas eu ofereço sabe? [...] Às vezes querem, mas muitas vezes quando tu oferece, não querem, então assim, acho que tem essa peculiaridade né, por serem pessoas que são responsáveis por suas escolhas de vida também” [E3].
“Em alguns momentos a gente atende uma situação, e entende necessário chamar o familiar pra conversar, esclarecer sobre o tratamento [...]” [E7].
Além disso, o grupo de familiares também é um espaço de acolhimento, caracterizado pela equipe como um dispositivo importante do serviço voltado à família dos pacientes. Mediado por algum profissional da equipe assistencial, objetiva orientar e informar os familiares sobre os transtornos psiquiátricos, assim como esclarecer sobre a realização do manejo em relação ao comportamento do paciente. O mesmo serve para os familiares trocarem experiências e expressarem suas angústias, constituindo assim, um local para desmistificar a ideia de que estão sozinhos neste processo e desamparados diante a estigmas e preconceitos vivenciados:
“[...] o que tem de mais, do espaço mais concretizado no CAPS é o grupo de familiares né… que fica como esse espaço de apoio né, que eu acho que é bem importante assim para os familiares entenderem né, o porquê da doença, como é que a doença funciona entender os sintomas, entender os comportamentos [...]” [E3].
As reuniões de equipe e discussão de casos também se configuram como ações indispensáveis para incluir a família no processo terapêutico, vistos como espaços para os profissionais trocarem conhecimentos e discutirem a melhor forma de intervir em conflitos e situações familiares. Conforme a complexidade de cada caso, a equipe planeja a necessidade de encaminhamentos, atendimentos interdisciplinares e multidisciplinares, buscando responsabilizar a equipe, e não apenas um profissional por determinada demanda:
“[...] nas reuniões de equipe então, a gente discute os casos e a melhor maneira de abordar a família nas diferentes situações. E a gente também encaminha ao CREAS quando existem situações de maus tratos ou violência“ [E2].
“[...] às vezes a gente até divide né, o atendimento, um profissional fica com o usuário do serviço e o outro com o familiar, depois a gente faz atendimento em conjunto e, o multidisciplinar [...]” [E7].
Dessa forma, percebe-se interdisciplinaridade entre a equipe do CAPS com outras unidades e profissionais da rede de saúde, onde acabam por solicitar apoio entre os serviços para acompanhar o contexto entre paciente e familiares, principalmente através de visitas domiciliares, visando analisar o território que estão inseridos e suas relações, para assim, auxiliar essas famílias em suas dificuldades:
“Temos as visitas domiciliares, que a gente também consegue acompanhar um pouquinho a estrutura familiar desse paciente, [...] a gente vai até eles, e dentro daquilo que a gente consegue fazer, buscar um pouquinho de respostas, do porquê o paciente está aqui, do porquê ele não melhora, o que tá acontecendo. Então as visitas domiciliares que a gente faz, são tanto solicitadas pelos próprios colegas multiprofissionais ou psiquiatras, como também pelas UBS, pelas ESF, os agentes de saúde, que inclusive, vão com a gente se a gente solicita” [E5].
Categoria 2: Dificuldades da equipe para inserir os familiares no cuidado
Nessa categoria serão apresentadas as dificuldades encontradas pela equipe que interferem na adesão e inserção dos familiares no processo terapêutico do CAPS. Observam-se dificuldades como a falta de entendimento e aceitação dos familiares em relação às doenças mentais, estigma, preconceito, questões sociais, de conciliar horários, esgotamento, rede familiar fragilizada e falta de responsabilização.
Em concordância aos autores, os profissionais da equipe do CAPS relatam que a falta de compreensão e entendimento dos familiares sobre os transtornos mentais, assim como a não aceitação, interferem consideravelmente na adesão dos mesmos ao serviço, principalmente quando estão resistentes para mudanças:
“Olha, a maior dificuldade, eu acho que é familiar entender transtorno como uma doença, sem julgamento, sem crítica. Isso é muito difícil, principalmente porque o transtorno mental, ele não aparece em exames” [E1].
“[...] eu acho que às vezes é uma falta de compreensão da doença, uma falta de entendimento, é… ainda tem algum preconceito né, então acho que às vezes a dificuldade é quando esbarra nisso aí né, da pessoa, do familiar não ter uma compreensão e de não aceitar, né [...]” [E9].
Essa incompreensão dos transtornos mentais por parte dos familiares e também pela sociedade gera críticas, estigmas e preconceitos, que também é um dos entraves citados pela equipe:
“Tem o estigma, o preconceito, as pessoas têm muita vergonha né, isso eu recebo assim, muito em relação à população que a gente atende né, e isso acaba dificultando a melhora das pessoas, às vezes a aderência ao tratamento” [E4].
Consequentemente, esses processos sociais acabam por reduzir o acesso dos sujeitos e familiares ao serviço. Os mesmos criam resistência de acessar o CAPS pelo fato de sentirem medo, de também serem considerados loucos, ou de mexer com as suas próprias emoções, mesmo estando desorganizados e precisando de ajuda:
“Das dificuldades, é que as pessoas não se implicam naquele problema, é um pouco isso, isso que te comentei. É tu que está com o problema, não sou eu, ou então tu vai naquele lugar lá que é para gente louca. Só que isso, quem tem essa resistência não se dá conta que não quer mexer nas suas questões também, entende [...] então tu não quer te responsabilizar também, de ouvir algumas coisas né, de falar sobre o problema [...]” [E3].
O esgotamento da família também repercute no comprometimento com o familiar portador de doença mental. A equipe salienta que, quando o paciente adentra ao serviço, os familiares acabam identificando o CAPS como uma válvula de escape para o cansaço da convivência e as dificuldades de manejo. Por vezes, afastam-se da circunstância que estão vivenciando e não fazem questão de se engajar no processo terapêutico, sendo que estão envolvidos, muitas vezes, naquele sintoma, ou até mesmo, estão adoecidos tanto quanto o próprio paciente:
“Também, muitos familiares cansados né, às vezes já estão tão exaustos da situação desse familiar que já tá adoecido né… Que às vezes já, tipo a, “Vou levar no CAPS né, vai pro CAPS, tá em tratamento e agora eu…” aí se afasta um pouco da situação porque já não aguenta mais, né [...]” [E7].
Alguns profissionais também destacam que a rede familiar fragilizada é um problema frequente para incluir os familiares no serviço, onde não conseguem acionar um dos membros para dar suporte ou fazer a vigilância do paciente:
“E aí que vem a dificuldade de quando não tem essa pessoa pra gente acionar. São os casos mais difíceis que a gente tem pra gente atender, quando tu não tem ninguém assim né, que tu puxa daqui, puxa dali, mas uma vizinha, uma amiga, e às vezes não é a família em si, às vezes é uma outra pessoa de referência né [...]” [E3].
Questões trabalhistas, falta de transporte, disponibilidade e horário de funcionamento do CAPS também dificultam a adesão de familiares ao serviço:
“O que a gente tem de dificuldade, quando a gente chama um familiar, é, ou o trabalho, que eles não podem faltar ao trabalho, mesmo que a gente dê um comprovante [...] mas a maior dificuldade que eu vejo é isso: “eu não posso”, “eu não tenho tempo”, “porque eu também tenho a minha família”, “eu tenho meus problemas”, “eu tenho contrato” [E5].
DISCUSSÃO
O modelo de Atenção Psicossocial, que tem o CAPS como principal serviço para tratamento de pessoas com doenças mentais, traz a importância da inserção da família no cuidado, repercutindo muitas vezes numa enorme sobrecarga ao familiar. Nesse sentido, faz-se necessário que, além de auxiliar no cuidado, ela também seja acolhida e atendida de modo individualizado, sendo incluída na rede de cuidados, mediante uma escuta qualificada. É necessário um trabalho da equipe profissional que vai além de um cuidado superficial, envolvendo uma produção de ações para a família, fundamental para a continuidade do tratamento do sujeito6.
Constata-se que além do acolhimento individual, o acolhimento no grupo para os familiares torna-se um facilitador na constituição das redes de experiências e afetos, possibilitando que os mesmos tenham uma nova visão sobre a loucura mediante interação com outros participantes e profissionais, aprendendo novas formas de lidar com determinados contextos7.
Essa interação é extremamente benéfica para que os familiares não se sintam desamparados. Os membros do grupo podem trazer um novo ressignificado de percepção ao identificarem problemas e experiências semelhantes vividas com o portador de sofrimento psíquico, oferecendo suporte, compreensão, encorajamento e aconselhamentos. Dessa forma, o grupo colabora nas mudanças de comportamento que proporcionam fortalecimento no convívio e redução de conflitos8.
Referente às reuniões de equipe, acredita-se que são espaços privilegiados para que ocorra a discussão de profissionais da equipe, tanto em pequenos grupos, quanto com todos da equipe, possibilitando amplitude de reconhecimento entre as necessidades dos familiares e seus membros acometidos, mediante trocas de experiências e conhecimentos, descartando a ideia de resolver apenas situações emergenciais9.
Além disso, a interdisciplinaridade nas reuniões de equipe permite que profissionais de formações distintas possam expor diferentes opiniões sobre o tema em questão, a fim de compartilhar responsabilidades. Isso irá potencializar a relação entre profissionais, com base no apoio para superarem as dificuldades encontradas, fundamental para não trabalharem de forma isolada, onde a participação de todos os membros da equipe é necessária para encaminhar importantes decisões9.
As visitas domiciliares são ações que oportunizam melhor conhecimento da subjetividade dos familiares do usuário, incluindo e envolvendo os mesmos no projeto terapêutico. Isso faz com que o domicílio passe a ser local para realizar ações terapêuticas, onde a equipe possa intervir de forma mais humanizada10.
O cuidado domiciliar requer ações capazes de atender as múltiplas dimensões dos indivíduos na sua complexidade. Com a implementação do cuidado territorializado do CAPS, as ideias de segregação são extintas, buscando compreender o território, sua abrangência demográfica e as relações sociais incorporadas naquele local, ou seja, o território cria um espaço de produção de cuidado entre as pessoas, de forma que seus modos de viver sejam considerados. A visita domiciliar tem grande capacidade de articular o CAPS, usuários, familiares, território e o domicílio, induzindo interação entre sujeitos, constituindo vínculos, compreendendo como se estabelece determinada dinâmica familiar e sua realidade, abordando questões que não se referem apenas às questões físicas, mas também, de ordem emocional11.
Assim, a ideia de Morais et al.11 vai de acordo com as falas citadas pela equipe, onde percebe-se que a consolidação da visita domiciliar possibilita a interação do CAPS com espaços distintos nos quais o usuário convive, sobretudo o familiar, sendo a família importante no processo terapêutico, compartilhando responsabilidades e também, sendo vista como objeto de cuidado.
Conforme Ferreira et al.2, a lógica de desinstitucionalização reconhece que a família também necessita ser cuidada, porém, a abordagem familiar no serviço ainda é um grande desafio nas práticas cotidianas, pois, a família deve ser convocada tanto para o atendimento do sujeito, mas também para que possa fazer parte das ações e auxiliar no projeto terapêutico do mesmo.
Percebe-se através das falas descritas que o processo de cuidado a um sujeito com transtorno mental envolve sentimentos intrínsecos à família, a qual se responsabiliza e dedica-se, muitas vezes, exclusivamente ao mesmo, gerando grande sobrecarga ao cuidador. A própria representação social que os familiares têm da loucura são produtos da sua incompreensão sobre a doença. Isso acaba por interferir no âmbito familiar, pois, os familiares nem sempre conhecem as características dos transtornos mentais12.
Para Ahnerth et al., “as limitações do entendimento do cuidador sobre o sofrimento mental do familiar podem estar associadas a fatores sociais, culturais, religiosos e econômicos que tendem a dificultar a compreensão”13:9.
O estigma e preconceito por parte dos familiares citados é precedido de um contexto histórico, onde a sociedade determinou conceitos e definições para a loucura e se estabeleceu a ideia de que o sujeito considerado louco era um mal irreparável, reprimindo seus direitos e excluindo-o da sociedade, de forma que fosse isolado de seu corpo social. Desse modo, a sociedade por meio da discriminação, deixou marcas impregnadas sobre a loucura e a visão de que a mesma seja considerada um mal social, que extrapola os níveis da doença física14.
A redução do acesso ao serviço fica evidente devido os familiares postergarem a procura pelo tratamento. Juntamente com os primeiros sintomas e a dificuldade em lidar com os comportamentos refletem em constrangimentos, culpa, vergonha e medo. Torna-se mais fácil para os familiares pensarem que os sintomas irão passar do que admitir que algum dos seus membros está perturbado, ou seja, isso gera inquietação pelo fato de estarem realizando tratamento para doença mental e não serem capazes de resolver o problema em âmbito familiar13.
Desta forma, cria-se uma dificuldade em pensar o cuidado para os familiares, quando os mesmos agem de maneira contraditória às orientações profissionais. Essas famílias podem ser consideradas antagônicas à medida que divergem do cuidado da equipe em relação ao seu usuário, buscando muitas vezes, apenas recursos internos para o cuidado15.
Moreira et al.16 entendem que a sobrecarga pode se manifestar de diferentes formas no cuidador, sendo frequente apresentarem sintomas de depressão, ansiedade, estresse e lesões musculoesqueléticas, obrigando, muitas vezes, que os mesmos negligenciam o seu próprio autocuidado e abandonem suas atividades profissionais e de lazer. Por consequência, percebe-se que, quanto maior a sobrecarga manifestada pelo cuidador, pior a sua qualidade de vida.
A fragilidade de vínculos trazida nas falas dos profissionais está associada tanto ao estigma e preconceito, quanto à falta de afeto, conflitos gerados por questões econômicas, desorganização e tensões sociais, progressão do adoecimento, reincidência de internações e evolução da doença. As frequentes e longas internações geram nos familiares intolerâncias e desencadeadores para rejeição do paciente, além do desejo que permaneçam internados definitivamente. Percebe-se que o antigo modelo asilar permanece presente em muitas situações e muitas famílias não conseguem se apropriar completamente do novo modelo de atenção e tratamento à saúde mental17.
Conforme Silva e Lima17, muitos familiares obrigam-se a cumprir o papel de cuidadores e, devido à falta de suporte da Rede de Atenção Psicossocial e do Estado para encontrarem um tratamento adequado ao seu familiar portador de transtorno psíquico, podem fazer com que os mesmos se afastem de suas responsabilidades e não se comprometam com o tratamento.
CONCLUSÃO
O presente estudo objetivou compreender como ocorre a inserção da família no cuidado às pessoas com transtornos mentais acompanhadas em um Centro de Atenção Psicossocial, mediante realização de uma pesquisa de cunho qualitativo com a equipe profissional do serviço.
Foi possível identificar que a equipe profissional realiza várias ações de cuidados voltadas aos familiares no CAPS, tanto individuais quanto coletivas, as quais entendem que fazem parte da do processo terapêutico do serviço. Além dos atendimentos individuais, as visitas domiciliares, os espaços de discussão nas reuniões de equipe, o trabalho interdisciplinar e multidisciplinar faz parte do cuidado direcionado à família. São através destas ações que os mesmos recebem informações sobre o diagnóstico do seu familiar com transtorno mental e os direitos que lhe são concedidos. As ações também servem para garantir que a sobrecarga diária com o usuário e os preconceitos vividos não se tornem um peso insuportável para os familiares, facilitando na aceitação, entendimento e manejo da doença.
Ao relatar as dificuldades encontradas para inserir os familiares no CAPS, a equipe destacou a falta de entendimento sobre os transtornos psíquicos e seus sintomas, não aceitação da doença e resistência em procurar o serviço. Além disso, a dificuldade de manejo com o paciente, vivenciar questões como o estigma, preconceito, medo, esgotamento e sobrecarga, além da rede familiar ser fragilizada são dificuldades percebidas pela equipe em relação aos familiares. As questões trabalhistas e falta de disponibilidade também são dificultadores para que esses familiares busquem o serviço, que funciona apenas em horário comercial e não dispõe de horário estendido.
Através deste estudo, percebeu-se que ainda há dificuldades para inserir a família no processo de reabilitação do portador de transtorno mental no CAPS, mas que a equipe faz o que está ao seu alcance para que ocorra a inserção dos mesmos. Cabe ressaltar que, os profissionais devem buscar, oferecer e amplificar estratégias para incluir os familiares através de ações, tanto individuais quanto coletivas, mas principalmente dar ênfase para o Grupo de Familiares, que, conforme o relato da equipe, é a ação mais efetiva para atender as dimensões das famílias. Para isso, é necessário que as ações ocorram espontaneamente, sem preconceitos e estigmas, de modo que os profissionais estejam atentos a todas suas necessidades, de forma que possam expressar suas angústias e preocupações. Isso facilitará tanto a reabilitação do portador de transtorno psíquico, quanto aos próprios familiares, que, ainda estão se habituando ao recente processo de cuidado.
Desta forma, este estudo torna-se essencial para que estudantes e profissionais da enfermagem possam ampliar sua visão em relação ao processo de cuidado com os familiares de portadores de transtornos psíquicos, visando promover saúde em um contexto mais ampliado, o que contribui para que os profissionais da área qualifiquem seu atendimento às famílias, que também precisam de cuidados.
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