CONHECIMENTO E AUTOEFICÁCIA EM CUIDADOS PALEATIVOS: OS ESTUDANTES BRASILEIROS DE MEDICINA ESTÃO PREPARADOS?

KNOWLEDGE AND SELF-EFFICACY IN PALLIATIVE CARE: ARE BRAZILIAN MEDICAL STUDENTS PREPARED FOR IT?

CONOCIMIENTOS Y AUTOEFICACIA EN CUIDADOS PALIATIVOS: ESTÁN PREPARADOS LOS ESTUDIANTES DE MEDICINA BRASILEÑOS?

RENAN GIANOTTO OLIVEIRA - Medicina pela Universidade Anhembi Morumbi. Residência Médica em Medicina de Emergência e Doutorado em Clinica Médica em área de concentração em Ensino em Saúde pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é Coordenador Nacional de Projetos Lifelong Learning da Vertical de Medicina INSPIRALI (Ecossitema Ânima). ORCID:https://oreid org-0000-0002-0351-6702

ANDREZA FABIANA BEGNAMI - Graduanda do 10° semestre de Medicina pela Universidade Anhembi Morumbi-Campus Piracicaba-SP. Doutorado em Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Especialização em Farmacologia Clinica pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). ORCID:https://orcid.org/0000-0002-9414-4499

CRISTINA BUENO TERZI COELHO - Doutorado em Ciências Médicas (UNICAMP), Pós-Doutorado em Cuidados Paliativos na Universidade da Carolina do Norte nos Estados Unidos. Especialização em Terapia Intensiva (TE AMIB) e Cuidados Paliativos (AMB). Atualmente é médica assistente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), vice coordenadora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital das Clinicas da UNICAMP. ORCID:https//orcid.org/0000-0001-5608-6067

RESUMO

Introdução: Os cuidados paliativos (CP) são considerados parte integrante dos sistemas de cuidados da saúde e um elemento inalienável do direito dos cidadãos. Estudos têm demonstrado que médicos não recebem treinamento formal em comunicação e outros aspectos essenciais ao lidar com pacientes terminais. O objetivo desse trabalho foi avaliar o grau de conhecimento em CP de estudantes de medicina do quarto, quinto e sexto ano de uma universidade pública do Estado de São Paulo, Brasil. Os dados foram coletados na forma de questionário on-line, com preenchimento anônimo, realizado de forma totalmente voluntária. Os questionários abordavam características pessoais e suas relações com CP, bem como o “Teste Bonn sobre conhecimento em cuidados paliativos” e um questionário de autoeficácia sobre CP. O total de participantes do estudo foi de 105 alunos, sendo 71,4% do sexo feminino, com média de idade de 24,5 anos ±2,1 anos. A média total de acertos do “Teste Bonn sobre conhecimento em cuidados paliativos” foi de 66,96%, quanto ao questionário de autoeficácia a média de concordância foi de 64,75%, e todos os participantes consideram importante a incorporação de conteúdos de CP no currículo médico. Dessa maneira, conclui-se que o conhecimento dos estudantes de medicina em geral é insuficiente, mesmo com parte deles tendo curso teórico em CP durante a graduação.

Palavras-chave: Cuidados paliativos, Educação médica, Integralidade em saúde.

ABSTRACT

Introduction: Palliative care (PC) is considered an integral part of health care systems and an inalienable element of citizens' rights. Studies have shown that doctors do not receive formal training in communication and other essential aspects when dealing with terminally ill patients. Objectives: The aim was evaluate knowledge in PC of medical students in the fourth, fifth and sixth year of a public university in the State of São Paulo, Brazil. Methods: Data were collected in the form of an online questionnaire,

Data were collected in the form of an online questionnaire, with anonymous completion, carried out on a completely voluntary basis. The questionnaires addressed personal characteristics and their relationship with PC, the “Bonn Test on knowledge in palliative care” and a self-efficacy questionnaire on PC. The total number of study participants was 105 students, 71.4% female, with a mean age of 24.5 years ± 2.1 years. The total average score for the “Bonn Test on knowledge in palliative care” was 66.96%. As for the self-efficacy questionnaire, the average agreement was 64.75%, and all participants consider it important to incorporate PC content into the medical curriculum. Thus, it is concluded that the knowledge of medical students in general is insufficient, even with some of them taking a theoretical course in PC during graduation.

Keywords: Palliative care, Medical education, Integrality in health.

RESUMEN

Introducción: Los cuidados paliativos (CP) se consideran parte integrante de los sistemas de salud y un elemento inalienable de los derechos de los ciudadanos. Los estudios han demostrado que los médicos no reciben capacitación formal en comunicación y otros aspectos esenciales para tratar con pacientes terminales. El objetivo de este estudio fue evaluar el grado de conocimiento en CP de estudiantes de medicina de cuarto, quinto y sexto año de una universidad pública del Estado de São Paulo, Brasil. Los datos se recogieron en forma de cuestionario en línea, con cumplimentación anónima, realizado de forma totalmente voluntaria. Los cuestionarios abordaron características personales y su relación con CP, el “Test de Bonn sobre conocimientos en cuidados paliativos” y un cuestionario de autoeficacia en CP. El número total de participantes del estudio fue de 105 estudiantes, 71,4% mujeres, con una edad media de 24,5 años ± 2,1 años. La puntuación media total del “Test de Bonn sobre conocimientos en cuidados paliativos” fue del 66,96%. En cuanto al cuestionario de autoeficacia, la media de acuerdo fue del 64,75%, y todos los participantes consideran importante incorporar contenidos de PC en el currículum de medicina. Por lo tanto, se concluye que el conocimiento de los estudiantes de medicina en general es insuficiente, incluso con algunos de ellos tomando un curso teórico en AP durante la graduación.

Palabras clave: Cuidados paliativos, Educación médica, Integralidad en salud.

INTRODUÇÃO

Segundo à Organização Mundial de Saúde (OMS), em conceito definido em 1990 e atualizado em 2002, "Cuidados Paliativos (CP) consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alivio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos espirituais.”1

Os cuidados paliativos (CP) são considerados parte integrante dos sistemas de cuidados da saúde e um elemento inalienável do direito dos cidadãos. Esses cuidados devem ser orientados pelas necessidades do paciente, considerando seus valores, preferencias, dignidade e autonomia visando uma assistência voltada a Integralidade da saúde.2,3 Porém, o que vemos é a falta de investimentos na medicina paliativa, devido à escassez de informação da sociedade e do preconceito de muitos profissionais, além da inexistência de políticas públicas e da ausência de educação médica específica.4,5

A OMS enfatiza que o tratamento ativo e o tratamento paliativo não são mutuamente exclusivos e propõe que os cuidados paliativos podem ser aumentados gradualmente, como um componente dos cuidados do paciente do diagnóstico até́ a morte.1 O sofrimento e a morte são ocorrências naturais da vida humana, com as quais todo médico se depara com frequência em sua atividade prática. Paradoxalmente, dentro do modelo predominante de ensino e prática da medicina não se dedica a devida atenção a tais temas e, assim, observa-se um despreparo crescente do profissional para lidar com estes assuntos, principalmente contemplando o despreparo psíquico e emocional frente ao tema “morte” .6,7

Muitos médicos não recebem treinamento formal em comunicação, acompanhamento, empatia e outros aspectos essenciais ao lidar com pacientes terminais, enfatizando o  tratamento da dor e sintomas decorrentes da doença, dar notícias ruins ou confortar a família, e dessa forma não se sentem adequadamente preparados para este cuidado.8 Este fato pode causar um profundo sentimento de impotência e fracasso o que com o tempo provoca um distanciamento afetivo do paciente.9

Educadores médicos têm notado a crescente necessidade do ensino no cuidado com os pacientes terminais, e estão fazendo tentativas para reversão desse quadro.10,11 Existem evidências de que o déficit na educação e treinamento em cuidados paliativos causam consequências negativas para os médicos e pacientes, por exemplo, uma comunicação médico-paciente deficiente pode afetar a satisfação dos pacientes e da família.8,9,12

Bem como observa-se que a ideia de que “não há nada a fazer” para os pacientes terminais está de alguma forma arraigada em alguns médicos e estudantes de medicina. No entanto, acreditamos que um embasamento teórico e a experiência clínica com tais pacientes é essencial na educação médica uma vez que tais situações são inevitáveis na prática diária, além do engajamento do estudante com uma realidade que torna-se cada vez mais normal em nosso cotidiano.

Com base nesta problemática surgiu o interesse em saber qual o grau de conhecimento em cuidados paliativos de estudantes de medicina dos últimos anos da graduação de uma universidade estadual do Estado de São Paulo, Brasil.

METODOLOGIA

Este trabalho trata-se de um estudo observacional e transversal que foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas e protocolado à Plataforma Brasil (26664019.2.0000.5404- CAAE) e também aprovado pela Núcleo de avaliação e pesquisa em educação médica (NAPEM) da Faculdade de Ciência Médicas da Unicamp.

Foram convidados a participar do estudo alunos regularmente matriculados no curso de medicina, do quarto ao sexto ano de graduação de uma universidade estadual do Estado de São Paulo, os quais foram selecionados de forma aleatória. Se o aluno aceitasse em participar da pesquisa, era enviado um link, através de aplicativo de comunicação (WhatsApp®), para o acesso aos questionários no formato on-line (plataforma Google Docs®) e o aluno, então, poderia responder no horário em que fosse mais adequado. Três questionários foram utilizados para a coleta de dados: 1- abordando características pessoais dos participantes e suas relações com CP, 2-contemplando o “Teste de Bonn sobre Conhecimento em Cuidados Paliativos”  (Bonn Palliative Care Knowledge Tes t13),  e por fim, o questionário de autoeficácia em cuidados paliativos.13

Os estudos estatísticos foram realizados de acordo com a natureza das variáveis, calculando-se as médias, desvios padrão, aplicados os teste do qui-quadrado e t de Student, estabelecendo um p <0,05 (5%) para rejeição da hipótese de nulidade. Ao realizar a comparação entre os grupos do quarto e quinto anos com os alunos do sexto ano, foi utilizado teste não pareado e não paramétrico de Mann-Whitney, considerando médias e desvio padrão diferentes dos dois grupos. As análises estatísticas foram realizadas por meio do software GraphPad InStat versão 3.3.

RESULTADOS

Avaliou-se o grau de conhecimento em conceitos e tratamento em CP e também a percepção de auto-eficácia dos estudantes de medicina nessa área. Além disso, comparou-se o conhecimento de alunos do quarto e quinto anos da graduação, os quais tiveram curso de cuidados paliativos inserido na grade curricular, com os alunos do sexto ano que não o teve, pois ainda não havia sido implementado no currículo da instituição.

Foram convidados a participar do estudo 150 alunos ao todo, envolvendo quarto, quinto e sexto anos, de forma aleatória, os quais 133 aceitaram participar e apenas 105  preencheram todos os questionários corretamente, portanto, esse foi o número final de participantes. A maioria dos participantes foi do sexo feminino (71,4%), com a média de idade de 24,5 anos ( ±2,1 anos) sendo a maior idade 31 e a menor 21 anos. A tabela 1 demonstra os dados do questionário com as características pessoais e suas relações com o CP.

Tabela 1 – Características dos participantes e suas relações com cuidados paliativos

Quanto à aplicação do “Teste de Bonn sobre Conhecimento em Cuidados Paliativos”, tivemos cinco questões com maior número de acerto contemplando: as competências de comunicação podem ser aprendidas (100% de acerto); as necessidades fisiológicas ( sexualidade) são importantes mesmo no processo de morrer (99,05% de acerto);  frente ao falecimento os rituais visíveis e as cerimônias de despedida devem ser evitadas para não causar inquietações (99,05 de acerto); as terapias não farmacológicas (fisioterapia) são importantes no manejo da dor (99,05% de acerto) e o uso de antidepressivos na gestão da dor não é adequado (95,24% de acerto). Em contrapartida, as questões com menor porcentagem de acerto foram as seguintes: as pessoas com doenças que ameaçam a vida devem ser sempre informadas da verdade, para que possam preparar o seu processo de morrer (10,48% de acerto); a fase final refere-se aos últimos 3 dias de vida (19,05% de acerto); os CP requerem uma proximidade emocional constante (21,90% de acerto); o manejo da dor com opióide transdérmico é adequado para a pessoa em fim de vida (27,62% de acerto); para os familiares é sempre importante permanecer junto à pessoa nas últimas horas de vida até que a morte ocorra (28,57% de acerto). Na tabela 2 apresenta-se as 23 questões do “Teste de Bonn sobre Conhecimento em Cuidados Paliativos”, as respostas corretas consideradas (corretas/razoavelmente corretas- C) pelos autores do questionário e a porcentagem de acerto dos alunos que participaram desse estudo, bem como as respostas pouco corretas ou incorretas (PC).

Tabela 2 – Questões do “Teste de Bonn sobre Conhecimento em Cuidados Paliativos”, as respostas corretas consideradas pelos autores do questionário e a porcentagem de acerto dos alunos que participaram desse estudo.