ASPECTOS AFETIVOS E EXPERIÊNCIA: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PARTO EM MULHERES ASSISTIDAS POR ENFERMEIROS E MÉDICOS
AFFECTIVE ASPECTS AND EXPERIENCE: SOCIAL REPRESENTATIONS OF BIRTH IN WOMEN ASSISTED BY NURSES AND DOCTORS
ASPECTOS AFECTIVOS Y EXPERIENCIA: REPRESENTACIONES SOCIALES DEL NACIMIENTO EN MUJERES ASISTIDA POR ENFERMERAS Y MÉDICOS
Elisângela Euripedes Resende Guimarães - Doutoranda em Psicologia, Professora na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil. ORCID: 0000-0002-5175-801X
RESUMO
Objetivo: Analisar experiências de mulheres assistidas durante o parto pelo enfermeiro obstetra e médico, para verificar se a atuação desses pro-fissionais modifica as representações sociais do parto normal. Método: Estudo descritivo fundamentado na Teoria das Representações Sociais, de-senvolvido em unidades da estratégia de saúde da família, localizadas em Goiânia-Goiás, com mulheres no período puerperal tardio. Os dados foram tratados por meio do Software de Análise e Evocação e de Similitude, as análises estatísticas foram realizadas no Excel, versão 2016. Resultado: A experiência das mulheres assistidas no parto normal pelo enfermeiro obstetra são mais positivas e agradáveis em comparação às mulheres em que o parto foi realizado por médicos. As Representações Sociais do parto assistido por enfermeiro obstetra e médico são diferentes, bem como a experiência. Conclusão: A assistência proporcionada pelo enfermeiro obstetra é experienciada como saudável e tranquila, enquanto que a prestada pelo médico é tranquila, porém marcada pelo medo.
DESCRITORES: Transferência de Experiência; Enfermagem obstétrica; Parto normal; Representações sociais.
ABSTRACT
Objective: To analyze the experiences of women assisted during childbirth by obstetric nurses and physicians, to verify whether the actions of these professionals change the social representations of normal childbirth. Method: Descriptive study based on the Theory of Social Representations, developed in units of the family health strategy, located in Goiânia-Goiás, with women in the late puerperal period. The data were treated using the Analysis and Evocation and Similitude Software, the statistical analyzes were performed in Excel, version 2016. Result: The experience of women assisted in normal delivery by the obstetrician nurse is more positive and pleasant compared to women in that the delivery was performed by doctors. The Social Representations of childbirth assisted by an obstetrician and physician are different, as well as the experience. Conclusion: The assistance provided by the obstetrician nurse is experienced as healthy and calm, while that provided by the doctor is calm, but marked by fear. DESCRIPTORS: Transfer of Experience; Obstetric nursing; Normal birth; Social representations.
RESUMEN
Objetivo: Analizar las experiencias de mujeres asistidas durante el parto por enfermeros y médicos obstetras, con el fin de verificar si las acciones de estos profesionales modifican las representaciones sociales del parto normal. Método: Estudio descriptivo basado en la Teoría de las Represen-taciones Sociales, desarrollado en unidades de la estrategia de salud de la familia, ubicadas en Goiânia-Goiás, con mujeres en el período puerperal tardío. Los datos fueron procesados mediante el Software de Análisis y Evocación y Similitud, los análisis estadísticos se realizaron en Excel, versión 2016. Resultado: La experiencia de las mujeres asistidas en parto normal por la enfermera obstetra es más positiva y placentera en comparación con las mujeres en que se realizó el parto por doctores Las Representaciones Sociales del parto asistido por obstetra y médico son diferentes, así como la experiencia. Conclusión: La asistencia brindada por la enfermera obstetra es experimentada como saludable y tranquila, mientras que la brindada por el médico es tranquila, pero marcada por el miedo.
DESCRIPTORES: Transferencia de Experiencia; enfermería obstétrica; Parto normal; Representaciones sociales.
INTRODUÇÃO
Existem conflitos históricos que envolvem a atuação dos enfermeiros. Sua origem pode ser relacionada aos primórdios da prática do cuidado, realizado por mulheres, como um de seus papéis sociais.
No campo obstétrico, os saberes relacionados ao cuidar durante o processo de parturição foram repassados de mãe para filha durante gerações. As crescentes mudanças impostas pelo avanço em todas as áreas do conhecimento humano repercutiram também no cuidado obstétrico. O espaço existente para acompanhamento do parto e nascimento feitos exclusivamente por mulheres gradualmente permitiu a entrada da figura masculina, estes os médicos, no início restrito aos casos de complicação, o que em pouco tempo se estendeu para todos os casos. O que era para ser utilizado em casos necessários, se normatizou clínica e culturalmente entre os profissionais e parturientes (1).
Mudanças no processo parturitivo ocorreram progressivamente, dentre elas a modificação da posição do parto, de vertical para horizontal, a criação das maternidades que mudaram o cenário do parto e nascimento. Este deixa de ser um acontecimento fisiológico, feminino, familiar e social e passa a ser um ato medicalizado, dando início a um modelo tecnocrático de assistência ao parto (2-3).
Esse novo modelo distanciou a mulher de protagonista do seu processo de parto e da autonomia sobre seu corpo. Esse papel passou a ser desempenhado pelo médico, que assumiu o controle e a autoridade sobre todo o processo parturitivo. Sendo assim, instalaram-se comportamentos de descasos do estado emocional e afetivo da parturiente (3).
Na atualidade, a enfermagem enfrenta os desafios estabelecidos pelos modelos diferenciados de ações e estratégias e amplo espaço de desenvolvimento para sua prática diária. Essa prática é amparada pela Lei do Exercício Profissional de Enfermagem e pela Lei n. º 7.498 (Decreto 94.406/87) no art. 9º, instrumentos que permitiram o alcance da identidade social e autonomia profissional do enfermeiro obstetra, e específica as suas atividades privativas, além de torná-lo legalmente habilitado para atuar na assistência à mulher em processo parturitivo sem distócias (4).
O avanço do conhecimento obstétrico tem proporcionado habilidades fundamentais aos profissionais da área obstétrica e permitido a mulher maior confiança durante o parto. No entanto, as condutas assistenciais desses profissionais, necessitam ser potencializadas, especialmente por uma compreensão dos processos afetivos e emocionais que permeiam o período gravídico puerperal.
O evento parturitivo é um momento marcante na vida da mulher. Envolve sentimentos de medo e insegurança, mas também alegria e expectativa. A espera pela chegada do filho é cercada por um misto de sentimentos e de emoções, positivas e negativas, sendo estas últimas minimizadas quando estão presentes profissionais que oferecem confiança à parturiente (5).
Os estudos convergem para a ideia de que esse período é imbuído de grandes transformações afetivas e emocionais, de onde decorre um momento importante de transição na vida das mulheres. O processo de medicalização e a pouca preocupação dos profissionais em fazer com que as mulheres se sintam seguras nesse momento poderá comprometer a autonomia da mulher durante o trabalho de parto e parto e afetar de maneira negativa a sua experiência (6).
A inserção do enfermeiro obstetra no cenário de parto e nascimento é consenso entre as organizações internacionais e nacionais que buscam melhoria na atenção obstétrica e transformações na prática assistencial. Nesse sentido, essas organizações têm elaborado políticas públicas para aprimorar essas ações. Apesar do avanço nas políticas e portarias ministeriais, as quais oferecem sustentação à atuação do enfermeiro obstetra, a sua emancipação na assistência ao parto ainda é pouco expressiva no cotidiano dos serviços de saúde (7).
Estudos realizados por Leal et al. (2019) destacam que a presença da enfermagem na atenção ao parto está associada a melhores resultados no trabalho de parto e parto, reduz intervenções desnecessárias, inclusive cesarianas e aumenta a satisfação das mulheres. Apesar dos resultados favoráveis, a participação da enfermagem na assistência ao parto ainda é pequena.
Entende-se que a autonomia e a identidade social do enfermeiro obstetra está ancorada em fatores históricos e relações de poder bem como crenças, valores e significados. Vencer essas questões e fortalecer atuação do enfermeiro obstetra constitui um desafio. Mediado por essas questões, compreende-se que, por diversas razões, esses fatores interferem na autonomia do enfermeiro obstetra, o que dificulta sua atuação no processo de parto e nascimento e compromete as oportunidades das mulheres de serem assistidas por esse profissional no momento do parto.
Ponderando as dificuldades, dilemas históricos e os desafios atuais enfrentados pela profissão, as necessidades específicas das mulheres no momento do parto e a escassez de estudos que comparem a experiência de mulheres no parto normal realizado por enfermeiro obstetra e por médico, vislumbra a possibilidade de aprofundar o conhecimento sobre aspectos afetivos e experiências, Representações Sociais (RS) de parto normal em mulheres assistidas por enfermeiro obstetra e por médico. Sendo assim, como ponto inicial buscamos respostas para a seguinte questão que norteia o processo de reflexão deste estudo:
- Quais os aspectos afetivos e experiencia das RS do parto normal em mulheres assistidas por enfermeiros obstetras? Será que são diferentes entre as mulheres assistidas por médicos?
O objetivo proposto para este estudo foi analisar a experiência de mulheres assistidas durante o parto pelo enfermeiro obstetra, a fim de verificar se a atuação desse profissional modifica as RS do parto normal em comparação com aquelas que tiveram o parto realizado por médicos.
MÉTODO
Trata-se de pesquisa exploratória descritiva, de abordagem qualitativa e fundamentada no referencial teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais, iniciada por Moscovicci (8).
Elegemos a Teoria das Representações Sociais como referencial teórico desta investigação, por considerar que as representações estão em constante movimento e interação social. Ela está presente na cultura, nas práticas sociais e, por meio da sua interpretação e elaboração do conhecimento social, será possível compreender o real e a forma como este relaciona e influência com as situações e experiências do cotidiano.
A experiência da realidade determina revisões das representações, situando as condutas como agentes transformadores das mesmas. Sendo assim, a experiência propõe uma revisão, um repensar, ou seja, uma reflexão das RS (9).
A noção de experiência desenvolvida por Jodelet, tem duas implicações: uma é que a experiência pode produzir significações novas, ou seja, ela comporta um caráter criativo no campo dos significados; a outra é que a experiência vai motivar novas vinculações entre os elementos constituintes do mundo vivido e estruturar de maneira original as informações distribuídas pela comunicação social, ou seja, comporta caráter criativo nas formas e conteúdo das trocas sociais e intersubjetivas (10).
Desse modo, este estudo investiga a experiência de mulheres no parto para verificar se as RS do parto são modificadas a depender do profissional que realiza o parto (enfermeiro obstetra ou médico). Essa pesquisa tem como hipótese mostrar se a experiência de parto de mulheres assistidas por esses profissionais modifica e resulta em RS diferentes. Pressupomos que a experiência que a mulher vive no parto recebe uma atribuição de sentidos. A partir disso a mulher conversa sobre a experiência de parto vivida, o que resulta nas RS do parto.
Sendo assim, será demonstrado no estudo que o núcleo central das representações de parto de mulheres assistidas por enfermeiro obstetra e por médico são diferentes. Além disso, serão acrescentados outros elementos que explicam a experiência de parto dessas mulheres.
O estudo foi realizado em unidades duas da Estratégia de Saúde da Família, localizadas no Distrito Sanitário Noroeste de Goiânia, Goiás, locais procurados pelas mulheres no período puerperal tardio (entre o 11º ao 42º dia de pós-parto), para retorno de consulta de pós-parto. Participaram deste estudo 52 mulheres, dentre elas 31 assistidas durante o parto por enfermeiro obstetra e 21 por médico. Foram incluídas mulheres acima de 18 anos, no período puerperal tardio, assistidas durante o parto normal por enfermeiro obstetra e por médico. Foram excluídas mulheres com intercorrências clínicas em qualquer fase do período gravídico puerperal, parto domiciliar, puérpera com comorbidade no pós-parto, que tenha sido internada em Unidade de Terapia Intensiva e com sintomatologia compatível com depressão pós-parto.
A pesquisa foi apresentada as mulheres em puerpério e ao final, questionado acerca de sua participação. Em caso de aceite, realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE e solicitado a assinatura. Na manifestação positiva, foi definido um local tranquilo para aplicação do questionário.
A coleta de dados ocorreu em uma única etapa, no período de maio a setembro de 2021, o conteúdo dos questionários foi transcrito na íntegra e analisado para compor a análise dos dados.
O tratamento e análise dos dados do questionário foi realizado por meio do Software de Análise e Evocação e de Similitude EVOC SIMI, versão 2016.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) com protocolo de Parecer nº 4.453.598 e sua execução foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia-GO.
RESULTADO
A estrutura representacional de parto normal realizados por enfermeiro obstetra traz como elementos mais constantes as seguintes cognições que compõem seu Núcleo Central: dor e saudável. A palavra dor possui a maior frequência e também uma ordem média de evocação que a torna uma das cognições mais prontamente evocadas (Tabela 1).
Tabela 1: Representação social do parto normal por mulheres assistidas por enfermeiro obstetra Goiânia, Goiás, 2021.
Fonte: elaborado pela autora, 2021.
O Núcleo Central dessa representação é composto pelo elemento Dor (F= 24, OME= 1.92) e Saudável (F= 13, OME= 2.08). A periferia é composta pelos elementos Contato e Emoção (F= 2 e OME=4.0) e (F= 2 e OME=5.0) respectivamente, que demonstra uma representação de que, apesar da dor, existe uma relação de contato e emoção durante o parto que torna a dor suportável.
Essa representação demonstra ser importante porque na periferia próxima aparecem quatro elementos que envolvem sentimentos como Ansiedade (F= 10, OME= 3.2), Superação (F= 6, OME= 3.33), Felicidade (F= 6, OME= 3.33) e Amor (F= 4, OME= 3.0). Embora com dor, o parto normal para as mulheres é considerado saudável e está associado a uma experiência afetiva, prazerosa e repleta de sentimentos de ansiedade, superação, felicidade e amor.
Destaca-se o elemento Dor de origem no processo de evolução do parto, como eixo norteador do núcleo central de toda as RS. Fenômeno de natureza subjetiva que poderá interferir na sensibilidade das parturientes e se constitui como um motivo de preocupação para as mulheres.
As RS de parto realizado por enfermeiro obstetra traz, como elemento constante que compõem o Núcleo Central a palavra Ótimo (Tabela 2).
Tabela 2: Representação social do parto realizado por enfermeiro obstetra em mulheres assistidas por enfermeir@ obstetra. Goiânia, Goiás, 2021.
Fonte: elaborado pela autora, 2021.
A evocação utilizando o termo indutor parto realizado por Enfermeiro obstetra no quadrante superior esquerdo aparece a palavra Ótimo (F= 3, OME= 2.33) como único item de Núcleo Central. No quadrante que constitui a periferia da representação, há os termos Conhecimento (F= 2, OME= 3.0), Cuidadoso (F= 2, OME= 3.0), Melhor (F= 2, OME= 3.5) e Acompanhamento (F= 2, OME= 4.0), o que constitui uma RS de que o enfermeiro obstetra possui conhecimento, é cuidadoso, melhor e faz o acompanhamento do parto, por isso o parto é ótimo. Na periferia próxima aparece quatro elementos que fortalece a ideia de que o parto realizado por enfermeiro obstetra é ótimo, a palavra Carinho (F= 3, OME= 2.67), Cuidado (F= 3, OME= 3.0), Seguro (F= 3, OME= 3.0) e na zona de contraste a palavra Segurança (F= 2, OME= 2.5).
Sendo assim, a percepção das mulheres de que o parto realizado por enfermeiro obstetra é ótimo apresenta-se como núcleo central de toda as RS, pois caracteriza que a assistência ao parto realizada pelo enfermeiro obstetra reflete diretamente na redução da ansiedade, proporcionando sentimentos de segurança, cuidado e carinho durante o trabalho de parto e parto.
As RS de parto realizado por médico, apresenta como Núcleo Central a palavra Tranquilo (Tabela 3).
Tabela 3: Representação social do parto realizado por médico em mulheres assistidas por enfermeir@ obstetra. Goiânia, Goiás, 2021.
Fonte: elaborado pela autora, 2021.
O Núcleo Central da representação do parto realizado por médico é composto pelo elemento Tranquilo (F= 3, OME= 2.0). O Sistema periférico aparece o elemento Sabedoria (F= 2, OME= 3.5), indicando uma representação de que o parto realizado pelo médico seria conduzido com sabedoria, por isso seria um parto tranquilo. Essa representação demonstra ser extremamente positiva porque na periferia próxima também aparece dois elementos eminentemente prazerosos como Confiança (F= 6, OME= 2.67), Atenção (F= 4, OME= 3.75) e na zona de contraste a palavra Feliz (F= 2, OME= 2.5). Chama atenção a palavra sabedoria nessa representação. Para as mulheres o parto realizado pelo médico inspira confiança e atenção, porque esse profissional possui sabedoria, sendo assim o parto é visto como procedimento tranquilo.
As representações de parto normal realizados por médico apresentam como dados mais frequentes as seguintes percepções que compõem o Núcleo Central: Dor e Medo (Tabela 4). No parto realizado pelo enfermeiro obstetra a palavra medo não apareceu. Nas mulheres que passaram pela experiência do parto realizado por médico, a palavra Medo aparece no Núcleo Central.
Essa palavra está fortemente presente na RS das mulheres sobre parto normal realizados por médico e por meio delas estabelece o significado dos demais conhecimentos das representações sociais.
Tabela 4: Representação social do parto normal por mulheres assistidas por médico. Goiânia, Goiás, 2021.
Fonte: elaborado pela autora, 2021.
O termo dor e medo possui a maior frequência e ordem média de evocação que as torna uma das percepções mais evocadas. O Núcleo Central dessa representação é composto pelos elementos Dor (F= 17, OME= 1.82) e Medo (F= 10, OME= 2.5). A periferia é composta pelos elementos Demorado e Vontade (F=2 e OME=4.5) respectivamente, o que evidencia uma representação de que, além da dor e do medo, o parto normal realizado por médico caracteriza-se como algo demorado e que depende da vontade da mulher. Essa representação é comprovada pelos dados da periferia próxima que mostra quatro elementos que envolvem sentimentos como Superação (F= 5, OME= 3.6) Ansiedade (F= 5, OME= 3.8) e Experiência (F=4, OME= 2.75). Embora com dor e medo o parto normal para as mulheres é cheio de sentimentos de superação, ansiedade e experiência. Na representação de parto normal realizados por médico não aparece elementos afetivos agradáveis e prazerosos.
O Núcleo Central da representação do parto realizado por enfermeiro obstetra é composto pelo elemento Tranquilidade (Tabela 5).
Tabela 5: Representação social do parto realizado por enfermeiro obstetra em mulheres assistidas por médico. Goiânia, Goiás, 2021.
Fonte: elaborado pela autora, 2021.
As falas de mulheres que tiveram o parto realizados por médico e com termo indutor parto realizado por Enfermeiro obstetra, no quadrante superior esquerdo aparece a palavra Tranquilidade (F= 4, OME= 2.25) como único item de Núcleo Central. No quadrante que constitui a periferia da representação, há os termos Ajuda, Atenção, Vergonha (F= 2, OME= 3.0) concomitantemente, Atencioso (F= 2, OME= 3.5), o que constitui as RS de que o enfermeiro obstetra, ao realizar o parto, contribui com ajuda e atenção, o que passa tranquilidade à mulher nesse momento. Na periferia próxima aparece um único elemento que evidencia que, embora o parto realizado por enfermeiro obstetra é realizado com tranquilidade, a palavra Medo (F= 3, OME= 2.67) contrapõe essa condição, e para confirmar a ideia de tranquilidade na zona de contraste aparece a palavra Cuidado (F= 2, OME= 2.5).
As RS de parto realizado por médico apresenta como Núcleo Central a palavra Tranquilo e Medo (Tabela 6).
Tabela 6: Representação social do parto realizado por médico em mulheres assistidas por médico. Goiânia, Goiás, 2021.
Fonte: elaborado pela autora, 2021.
O Núcleo Central dessa representação é composto pelos elementos Tranquilo (F=3, OME=2.0) e Medo (F=3, OME=2.0). No Sistema periférico aparecem os elementos Ansiedade, Conforto, Conhecimento (F=2, OME=3.0), respectivamente, e os termos Confiante e Experiência (F=2, OME=3.0) concomitantemente, indicando uma representação de que, apesar da ansiedade, esse procedimento é conduzido com conforto, conhecimento, confiança e experiência, por isso seria um parto tranquilo, embora o sentimento de medo esteja presente. Essa representação comprova a evidência do sentimento de tranquilidade durante o parto, apesar do medo. Na zona de contraste aparece a palavra Segurança (F=2, OME=2.5), que reforça as noções do Núcleo Central de parto tranquilo. É importante observar que a palavra medo está associada ao parto realizado por médicos, sendo enfraquecido na representação de parto realizado por enfermeiro obstetra e estando ausente nas representações das mulheres que passaram pela experiência de parto assistidos por enfermeiro obstetra.
DISCUSSÃO
Percebe-se uma expressão comum entre as representações das mulheres assistidas por enfermeiro obstetra e aquelas assistidas por médico a Dor. Foi a mais citada das expressões do núcleo central entre os dois grupos de mulheres. Esse sentimento é considerado temível entre as mulheres, talvez por ocasionar sofrimento em consequência do processo de evolução do parto.
A dor consiste em uma expressão fisiológica de desagravo ou defesa diante de uma agressão real ou potencial, possuindo elementos anatômicos e fisiológicos. No entanto, a manifestação e a reação a ela ocorrem a partir de uma interpretação emocional e social construída pela cultura. Da mesma forma, a dor no trabalho de parto envolve aspectos fisiológicos, psicológicos e socioculturais, justificando diferentes limiares de dor em mulheres distintas (11).
O profissional de saúde, portanto, deve buscar compreender a dor a partir da perspectiva da mulher e de seu contexto sociocultural. Essa compreensão, no entanto, é limitada devido ao caráter subjetivo da dor e, consequentemente, torna difícil avaliação sobre sua intensidade. Isso significa que quando a dor do parto normal é experienciada de forma negativa, pode redirecionar direta ou indiretamente as escolhas futuras da mulher (12).
Nas RS de mulheres assistidas por enfermeiro obstetra também aparece a expressão Saúdavel, diferente das assistidas por médico, que evidencia a palavra Medo.
O conceito de saudável presente nas expressões manifestadas pelas mulheres assistidas no parto por enfermeiro obstetra é algo considerado bom para saúde, salutar, que traz benefício, sadio. A assistência prestada durante o parto deve ocorrer de forma humanizada, buscando evitar intervenções desnecessárias, favorecendo um trabalho de parto saudável (13).
As definições da palavra medo expressadas pelas mulheres assistidas no parto por médico, conforme o dicionário, significam uma espécie de perturbação diante da ideia de estar exposto a algum tipo de perigo, que pode ser real ou não. Pode-se entender ainda o medo enquanto um estado de apreensão, de atenção, esperando que algo ruim vai acontecer. Para além das definições da palavra, o medo é uma sensação que está ligada a um estado em que o organismo se coloca em alerta, diante de algo que acredita ser uma ameaça (13).
A comparação entre essas representações nos leva a entender que, embora com dor, o parto normal para as mulheres assistidas por enfermeiro obstetra é considerado saudável e está associado a uma experiência afetiva, ao contrário das assistidas por médico. Para as mulheres assistidas por médico, a declaração de medo aparece como um aspecto negativo, não necessariamente por estar ligada à palavra dor, mas por ser evocada pelas mulheres que estão inseridas em um momento de vulnerabilidade emocional, o trabalho de parto, parto e nascimento.
Para as mulheres assistidas por enfermeiro obstetra o núcleo central das representações do que é ter um parto realizado pelo enfermeiro obstetra remete à informação de que o parto realizado por esse profissional é algo Ótimo. Nessa representação a expressão ótimo aparece com um único núcleo central de toda representação. Sendo assim, essas RS caracteriza a assistência ao parto realizada pelo enfermeiro obstetra como ótima, pois reflete em uma experiência que proporciona sentimentos de segurança, cuidado e carinho.
Já as representações de parto realizado por enfermeiros obstetra evocadas por mulheres assistidas por médico demonstraram que o núcleo central é composto exclusivamente da palavra Tranquilidade. Essa representação constitui uma condição de que o enfermeiro obstetra, ao realizar o parto, apresenta um nível de serenidade, quietude e calma que transmite tranquilidade à mulher nesse momento.
Vale ressaltar que diante de sua formação ético-humanística, o enfermeiro obstetra possui uma conduta de acolhimento com uma assistência baseada não apenas em técnicas, mas também em práticas relacionadas com diálogos entre profissionais e usuários. Isso denota um cuidado singular integrado por qualidades como afeto, respeito e segurança para com as mulheres, valorizando seu protagonismo no parto (14).
As mulheres que passaram pela experiência de ter o parto realizado pelo enfermeiro obstetra referem que o parto é ótimo, e as que imaginam como seria o parto realizado pelo enfermeiro obstetra mencionam tranquilidade. Sendo assim, a experiência de ter o parto com enfermeiro obstetra é muito positiva, porque essa vivência faz as mulheres terem o sentimento de que o parto foi ótimo. Enquanto que as mulheres que não passaram por essa experiência vão manifestar o sentimento de que o parto foi tranquilo.
O enfermeiro obstetra, na assistência ao parto, exerce um papel de fundamental importância, auxiliando as mulheres a participar ativamente de forma segura e confortável no seu processo de parto, respeitando seus aspectos sociais e emocionais, tornando esse momento em uma experiência agradável. Essa vivência é experimentada e demonstrada pelas mulheres em suas falas ao manifestar um sentimento positivo (ótimo) sobre o parto realizado pelo enfermeiro obstetra.
Também questionamos às mulheres as expressões que lhes veem à mente quando pensam ou ouvem a expressão de parto realizado por médico. Aparece uma expressão igual entre as representações das mulheres assistidas por enfermeiro obstetra e aquelas assistidas por médico a palavra Tranquilo. Essa expressão foi a mais citada entre o núcleo central dos dois grupos de mulheres. Esse estado de tranquilidade manifestado pelas mulheres representa uma condição de calma e sossego durante o parto assistido pelas duas profissões.
Contudo, nas RS de mulheres assistidas por médico também aparece como núcleo central a expressão Medo, que emite a ideia de que o parto realizado por médico evidencia tranquilidade, embora com medo. Essa representação do medo está ausente nas representações das mulheres que passaram pela experiência de parto assistidos por enfermeiro obstetra.
O atendimento realizado por enfermeiro obstetra gera um relacionamento de confiança, permite que a mulher exponha seus sentimentos, dúvidas e medos. A mulher experimenta um momento de parto com menor estresse e ansiedade, segurança, conforto e tranquilidade, além de contribuir para a ausência de medo (15). Portanto, é de suma importância que enfermeiros possam desenvolver com maior eficácia a percepção ao discernir os principais fatores contributivos de otimizar a prática de cuidados nas mulheres no momento do parto (16).
Neste estudo fica evidente que, ao associar o parto normal à figura do médico, seja por experiência ou apenas por imaginação, a palavra medo aparece entre as evocações mais frequentes e prontamente lembradas pelas mulheres. Isso pode significar que a figura do médico no momento do parto, pode ser ameaçadora.
As experiências negativas de parto vivenciadas pelas mulheres vão influenciar diretamente nas suas próximas escolhas. Destacamos aqui que o parto assistido pelo enfermeiro obstetra não evidencia o medo e no parto assistido pelo médico está explicito o medo nas falas das mulheres.
CONCLUSÃO
Ficou evidente que o núcleo central das RS do parto de mulheres assistidas por enfermeiro obstetra é diferente das RS das mulheres assistida por médico alcançando assim, o objetivo desse estudo. Essa diferença é marcada pela presença da palavra Medo. Isso nos leva a pensar em duas situações: na experiência do parto realizado pelo médico a mulher sente dor e associa essa dor ao medo, o que demonstra que nessa experiência vivida e na elaboração de sentidos e significados dessa vivência fica marcada a sensação de medo experimentada durante o parto.
Na experiência do parto realizado pelo enfermeiro obstetra à palavra medo dá lugar a palavra saudável. As mulheres sentem dor, mas relacionam essa dor a algo positivo. Nas falas das mulheres percebe-se que elas viveram o parto e, depois dessa vivência, elas significaram essa experiência.
Sendo assim, as mulheres cujo parto não foi realizado por médico, que só tinham a representação, falaram que o parto foi tranquilo, mas as que passaram pela experiência de ter o parto realizado por esse profissional modificaram a representação e acrescentaram o Medo.
As RS não são uma experiência, e sim, um conhecimento que foi gerado por ter vivido a experiência. Um conjunto de experiência que é partilhado forma as RS. As mulheres passaram pela experiência do parto e isso foi falado, amalgamado com o que elas já conheciam e pensavam de parto e isso resultou nas RS do parto normal realizado por médico, Dor e Medo.
Sendo assim, neste estudo, reafirmo a hipótese de que as experiências de parto modificam as representações sociais conforme o tipo de assistência proporcionada à mulher no momento do trabalho de parto, parto e nascimento. Ficou evidente que a experiência das mulheres acerca da atuação do enfermeiro obstetra é positiva. Percebe-se que a visão do parto realizado pelo enfermeiro obstetra para as mulheres possui RS extremamente positiva e afetiva.
No núcleo central das representações sociais de parto normal aparecem sensações como Dor e Medo. Na periferia apresentam-se outros sentimentos como superação, felicidade, amor, segurança, carinho, cuidado e atenção, que mostra como é esperado, que a experiência de parto é carregada de afetividade e emoções.
Sugerimos em estudos futuros que possam ser avaliadas com maior efetividade as diferentes emoções despertadas nas mulheres conforme a assistência recebida. O tipo de assistência percebida pela mulher durante o trabalho de parto e parto influência nas emoções sentidas que serão lembradas posteriormente e irão resultar nas representações sociais do parto.
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